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Distúrbios leves do sódio pós cirurgias de tumores cerebrais podem impactar no prognóstico?
Can mild disorders of sodium balance after brain tumor surgeries impact the prognosis?
André Ribeiro Dos-Santos1; Juliana Medeiros Ino2; Frederico Augusto Gomes Filho1
1. Centro Universitário de Belo Horizonte- UNIBH, Acadêmico de Medicina - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
2. Hospital Evangélico de Belo Horizonte, Departamento de Neurocirurgia - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil
André Ribeiro Dos-Santos
E-mail: ribeiro.santos07@gmail.com
Recebido em: 12/12/2018
Aprovado em: 12/03/2019
Instituição: Centro Universitário de Belo Horizonte - UNIBH, Acadêmico de Medicina. Belo Horizonte, Minas Gerais - Brasil.
Resumo
OBJETIVO: Verificar se os distúrbios do sódio foram capazes de impactar o prognóstico precoce de cirurgia neurológica para tratamento de tumores cerebrais.
METODOLOGIA: 59 pacientes foram analisados, todos submetidos à neurocirurgia oncológica em 2017. Este estudo é retrospectivo, quantitativo, transversal e descritivo. Foram analisadas as seguintes variáveis: idade, gênero, tipo de tumor, localização do tumor, comorbidades, condição de nefropatia, ECG, GOS, concentrações de sódio, déficits neurológicos focais na alta e complicações perioperatórias. O processamento estatístico foi feito com os programas: SPSS V17, Excel Office 2010 e Minitab 16.
RESULTADOS: Os pacientes operados apresentaram média da variação acumulada dos níveis de sódio de -2,29%. E os pacientes hiponatrêmicos concentraram os déficits neurológicos focais na alta com 6/11 (54,54%).
CONCLUSÃO: Os resultados obtidos sugerem que os distúrbios do sódio impactam no prognóstico precoce de pacientes submetidos a tratamento cirúrgico para tumores cerebrais, sendo importante a correção hidroeletrolítica o mais rapidamente possível.
Palavras-chave: Tumores cerebrais; Nível de sódio; Prognóstico.
INTRODUÇÃO
É conhecido que em lesões neurológicas como Traumatismo Cranioencefálico (TCE), rotura de aneurismas e tumores malignos existem distúrbios hidroeletrolíticos associados, em especial do íon sódio. 1,2 A própria abordagem neurocirúrgica ocasiona distúrbio natrêmicos, através da manipulação e trauma cirúrgico do tecido nervoso.3 Tal fato é explicado pela observação da fisiologia iônica do sistema nervoso central (SNC) em que o íon sódio é o principal eletrólito extracelular, determinando a osmolaridade, e pelo influxo de água que este promove acarreta alterações ao nível intracelular. Logo, pequenas alterações iônicas podem causar repercussões clínicas importantes e até fatais. 1,2,4
Os distúrbios do sódio são agrupados em hiponatremia quando a concentração sérica for <135 mEq/L e hipernatremia quando for >145 mEq/L. Também é possível a mensuração urinária, porém a quantificação por meio sérico é mais usual e confiável na prática médica diária.5
Os desequilíbrios natrêmicos são explicados pelas seguintes síndromes: Diabetes Insipidus (DI), síndrome perdedora de sal (SPS) e síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH).1,2,7 A DI consiste em uma doença resultante da desordem na produção da Vasopressina (AVP) por lesões do tecido neuronal do eixo Hipotálamo-Hipófise. As causas mais comuns são lesões expansivas por tumores cerebrais (germinoma e craniofaringeoma) e processos inflamatórios secundários a Hemorragias cerebrais (Roturas aneurismáticas) e pela manipulação cirúrgica de estruturas encefálicas, em especial os núcleos supra-opticos. Já a SPS é caracterizada por natriurese aumentada e hipovolemia. A sua principal diferença em relação a SIADH reside na volemia. Sua fisiopatologia está na desregulação da secreção do Substância natriurética cerebral. E por fim a SIADH é uma doença em que a excreção de água é prejudicada pela incapacidade de suprimir a secreção de ADH. Logo, com o passar do tempo a concentração do íon sódio irá reduzir causando estado progressivo de hiponatremia. A SIADH têm causas em lesões centrais como Hemorragias, Acidentes Vascular Encefálicos (AVE’s) e tumores, principalmente os metastáticos.
Distúrbios do sódio levam à sintomatologia variada. Por exemplo, na hiponatremia é possível observar: sonolência, estupor, confusão, crises convulsiva e coma. Já na hipernatremia predominam: agitação, letargia, irritação e estado comatoso.2,8 Finalmente é preciso registrar as complicações clínicas decorrentes da correção inadequada da hiponatremia. O exemplo, emblemático, é a Mielinólise Pontina Central (MPC), uma condição adquirida em que há desmielinização da parte central da base da ponte bilateralmente e simetricamente. Pela correção rápida e inadequada do níveis corporais do íon sódio.2
De acordo com o exposto fica claro a relevância dos distúrbios natrêmicos para o encéfalo. E consequentemente sua relação com o prognóstico precoce de pacientes com tumores cerebrais tratados por via cirúrgica.
METODOLOGIA
Dados
O desenho do estudo é retrospectivo, descritivo, quantitativo e transversal. Foram analisados os pacientes submetidos a cirurgia para o tratamento de tumores cerebrais, no Hospital Evangélico de Belo Horizonte no ano de 2017, totalizando a amostra de 59 pacientes.
As variáveis analisadas foram: gênero; idade; tipo de tumor; localização do tumor; comorbidades, condição de nefropatia; Escala Coma de Glasgow (ECG) no DPO1 e na alta; Glasgow Outcome Scale (GOS); medições de sódio sérico nos primeiros 4 DPO’s; Déficits neurológicos focais na alta e complicações perioperatórias.
A avaliação constituiu da distribuição de frequências das variáveis; e da variação acumulada dos níveis de sódio para cada paciente e depois sua média. E através de técnicas de análise multivariada foi verificada se há existência de associações e/ou correlações entre as variáveis.
Os aspectos éticos foram observados, com respeito as normas institucionais para trabalho com os bancos de dados.
Análise estatística
Na análise estatística o p com significância menor que 0,05 e um intervalo de confiança de 95% foram considerados. Nas comparações entre as médias e variações o teste ANOVA foi aplicado. A significância estatística apresentou p<0,05 O processamento estatístico foi realizado através dos programas: SPSS V17, Excel Office 2010 e Minitab 16.9,10
RESULTADOS
Resultados Epidemiológicos
A distribuição por gênero foi de 52% de mulheres e 48% de homens, não demonstrando predominância de gênero. Porém, a ocorrência de Glioblastomas Multiformes (GBM) foi maior em homens em 7:2.
Já a distribuição de frequência por tipo de tumores foi observado que o GBM foi o mais comum com 9 casos, seguido pelos meningiomas com 7 casos. E as complicações perioperatórias acometeram apenas 3/59 (5,08%) dos pacientes.
Relações entre variáveis
Foi observado que a média da variação acumulada dos níveis de sódio foi de -2,29%. Logo todos os pacientes operados para tumores cerebrais apresentaram uma variação pequena do sódio tendendo para redução do valor absoluto deste íon, representado pelo sinal negativo do módulo do número.
E que 52,4% (31/59) dos pacientes estavam com algum grau de hiponatremia. Já os sintomas/déficits que apresentaram maior taxa de variação acumulada do sódio foram: motricidades ocular (-8,96) e quadro de confusão (-8,06%).
Os tumores cerebrais que tiveram maior variação foram respectivamente: meduloblastoma (-52,92%), meningioma esfenoidal esquerdo (-41,64%) e tumores de fossa posterior (-33,82%).
As comorbidades apresentaram taxas de variação do sódio diversas. E a associação entre Diabetes Mellitus Tipo 2 (DM2) e Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) com a variação de -41,64%, foi a mais importante. No entanto, não foi verificada concentração de dados estatisticamente relevante entre os déficits focais neurológicos e alguma comorbidade.
A classificação dos pacientes segundo a Glasgow Outcome Scale (GOS) indicou que 40% dos pacientes receberam alta com GOS-1; 39% com GOS-2 e 21% com GOS-3.
DISCUSSÃO
A conclusão de que os pacientes apresentaram média da variação acumulada de -2,29%. Isso quer dizer a variação acumulada foi 2,29% em módulo. E o sinal negativo (-) significa que a variação foi com a tendência a redução, não necessariamente para níveis de hiponatremia. Vale deixar claro, que a redução dos níveis de sódio pode ter ocorrido dentro da faixa de normalidade (135-145mEq/L). Sendo possível questionar se variações séricas do sódio dentro da faixa de normalidade são suficientes para ocasionar repercussões clínicas. Ou apenas é somada a outros fatores de base que podem explicar os déficits, como lesão neuronal pela localização do tumor, complicações cirúrgicas e o tempo de evolução da doença.1,3,6
Os dados também mostraram que na faixa de hiponatremia (< 135mEq/L) houve concentração de déficits neurológicos focais (motor e linguagem) na alta 6/11 (54,54%). Logo, um quadro de baixa natrêmica precoce parece impactar no prognóstico imediato dos pacientes submetidos a neurocirurgias oncológicas. No entanto, a avaliação pela Glasgow Outcome Scale (GOS) evidenciou que 40% dos pacientes saíram com grau 1 do hospital. De modo que existiu repercussão clínica e/ou funcional associada principalmente aos níveis baixos de sódio, que predominaram na amostra 31/59 (52,4%). 2,3,7,11 Todavia, os níveis de satisfação perante ao tratamento não foram nulos, como os dados sugerem.
Os resultados também levantam a discussão sobre qual o motivo da concentração sérica do sódio tender a hiponatremia na situação estudada. De acordo com a literatura a abordagem cirúrgica e o próprio comportamento de alguns tumores podem desencadear as síndromes: Diabetes insipidus (DI), Síndrome perdedora de sal (SPS) e Síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH). Quando identificada qualquer uma destas é importante que os profissionais de medicina intensiva corrijam os níveis para evitar complicações mais graves. E consequentemente impactar positivamente na recuperação e prognóstico do paciente.3,6,12
Foi constatado que a média de idade do pacientes analisados ficou em 60,4 anos. Logo, os resultados deste estudo é restrito a população adulta e geriátrica. Além disso, idosos podem possuir algum grau de lesão renal por senilidade ou associada a comorbidades como Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e Diabetes Mellitus (DM).3,9,10 Podendo influenciar de modo sinérgico ao lesões oncológicas nos níveis natrêmicos. Assim, estudos posteriores com maior singularidade devem esclarecer essa relação. E estender o desenho do estudo a população pediátrica. Sendo capaz de otimizar o pós operatório nas crianças submetidas a neurocirurgias oncológicas.
Por fim, os próprios tumores do Sistema Nervoso Central (SNC) são capazes de influenciar equilíbrio hidroeletrolítico e o prognóstico clínico do paciente. Uma vez que os mecanismos fisiopatológicos de cada neoplasia ainda não são bem compreendidos. Haja vista a nova classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS-2016) que busca compreender melhor e estratificar os tumores do SNC com base em critérios moleculares e genéticos.11,12
CONCLUSÃO
A conclusão do estudo foi de que os distúrbios leves do sódio parecem impactar no prognóstico dos pacientes submetidos a ressecção de tumores cerebrais. Assim, é importante que os protocolos de cuidados intensivos no pós operatório imediato contem com medidas de controle das variações, mesmo que pequenas desse íon. A fim de minimizar as repercussões clínicas e otimizar o prognóstico dos pacientes.
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