ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Bloqueios de nervos periféricos e punção venosa central guiados por ultrassom
Ultrasound-guided peripheral nerve blocks and central venous puncture
Vivien Borges Van Engelshoven1; Roberto Araújo Ruzi2; Neuber Martins Fonseca3; Beatriz Lemos Mandim4; José Samuel de Paula4
1. ME3 de Anestesiologia do CET/SBA do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, MG - Brasil
2. TSA/SBA; co-responsável pelo CET/SBA da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia; Anestesiologista do Hospital Ortopédico Orthomed Center - Uberlândia, Anestesiologista da Clinest - Clínica de Anestesiologia Araguari, MG - Brasil
3. TSA/SBA; Professor Doutor da disciplina de Anestesiologia e responsável pelo CET/SBA da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, presidente da Comissão de Normas Técnicas/ SBA, Uberlândia, MG - Brasil
4. TSA/SBA, co-responsável pelo CET/SBA da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, MG - Brasil
5. Anestesiologista da Universidade Federal de Uberlândia; Anestesiologista da Clinest- Clínica de Anestesiologia Araguari; médico intensivista da UTI neonatal e UTI adulto da Santa Casa de Misericórdia de Araguari, médico auditor da Unimed Araguari, MG - Brasil
Rua Antônio Luiz Bastos, 300 Bairro Altamira II
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Email: neuber.mf@netsite.com.br
Instituição: Centro de Ensino e Treinamento da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia/Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, MG - Brasil
Resumo
A anestesia regional sempre exigiu profundo conhecimento anatômico. A utilização da ultrassonografia para a realização de bloqueios regionais tornou possível a visualização de nervos, estruturas adjacentes e, principalmente, da exata localização da agulha e da deposição do anestésico local em tempo real. A manutenção de uma distância em que apenas o anestésico local entrará em contato direto com o nervo transforma o trauma pela agulha e a injeção intraneural em lesões evitáveis, revela uma conduta menos agressiva, previne sensações desconfortáveis ao paciente e agrega mais segurança ao procedimento anestésico. A ultrassonografia é aplicável também na inserção de cateter venoso central, pois auxilia na localização e na escolha do sítio de punção. A punção venosa central guiada por ultrassom reduz as taxas de insucesso na cateterização venosa, o número de tentativas e as complicações inerentes ao procedimento, pois garante a visualização precisa da veia e a progressão da agulha e do fio-guia. Por minimizar o risco de trauma, torna o procedimento factível mesmo nos pacientes com coagulopatias.
Palavras-chave: Anestesia Regional; Ultrassonografia/utilização; Bloqueio Nervoso
INTRODUÇÃO
A anestesia regional sempre exigiu profundo conhecimento anatômico1,2, principalmente de anatomia de superfície, sendo assim possível inferir a localização de estruturas profundas com base em pontos de referência palpáveis, como proeminências ósseas e bordas musculares.
Historicamente, o primeiro bloqueio de nervo guiado por ultrassom foi descrito em 1978: tratava-se de um bloqueio de plexo braquial via supraclavicular, onde, pela primeira vez, foi possível visualizar os nervos que seriam bloqueados.3,4 A partir de 1980, a ultrassonografia foi utilizada também na localização e na medida da profundidade do espaço peridural na anestesia do neuroeixo.4,5
Com o aperfeiçoamento dos equipamentos de ultrassom e o aumento da resolução das imagens obtidas, observou-se, nos últimos dez anos, o crescimento do interesse dos anestesiologistas nesse campo.4,5 Essa popularidade é justificada por sua utilização tanto na população adulta quanto pediátrica, no bloqueio nervoso anestésico e analgésico assim como no tratamento de dor crônica.5,6
A utilização da ultrassonografia para a realização de bloqueios regionais tornou possível a visualização de nervos, estruturas adjacentes e, principalmente, da exata localização da agulha e da deposição do anestésico local em tempo real.5-10
Já no contexto de pacientes críticos, a ultrassonografia é aplicável na inserção de cateter venoso central auxiliando na localização e na escolha do sítio de punção11, minimizando fatores que tendem a dificultar o procedimento, tais como obesidade, anatomia desfavorável, variações anatômicas5,12 e diminuindo os riscos inerentes à inserção do cateter venoso central em vigência de coagulopatias.13
ULTRASSOM X NEUROESTIMULAÇÃO
As técnicas anestésicas para o bloqueio periférico de nervos evoluíram das mais convencionais, como a pesquisa de parestesia e a perda de resistência, para as mais modernas como a estimulação nervosa - até então considerada padrão ouro9,14,15 - e a ultrassonografia.5,6,9,16 Hoje, a pesquisa de parestesia é questionada pela maioria dos anestesiologistas, pois o estímulo mecânico da agulha no nervo pode ser lesivo e desconfortável para o paciente.17
Na estimulação elétrica do nervo, uma corrente de 0,5mA provocando uma resposta motora apropriada é considerada aceitável, sugerindo que a agulha esteja próxima o suficiente do nervo. Estudos mostram que a resposta motora ao estímulo elétrico no nervo tem baixa sensibilidade para a localização neural, podendo-se inferir que a agulha do neuroestimulador possa entrar em contato com o nervo a ser bloqueado sem resultar em estímulo motor, diminuindo a segurança do procedimento anestésico.18,19 Nesse caso, a imagem ultrassonográfica permite a visualização exata da agulha à medida que se aproxima do nervo, evitando tal contato indesejável.
Há quem advogue o uso combinado do ultrassom com o neuroestimulador nos bloqueios nervosos pois ,nas situações em que não é certa a identidade do nervo visualizado, a estimulação elétrica do mesmo promoverá uma resposta motora específica que confirmará, ou não, sua identidade.20 Não é possível, porém, obter respostas motoras ou sensitivas adequadas para a identificação do nervo nos casos de amputação distal do membro, ficando a cargo da ultrassonografia, a identificação da estrutura nervosa.21
Bloqueios às cegas ou realizados com neuroestimuladores podem resultar em injeção intraneural ou intravascular. Swenson22,23 adverte "nunca tocar no nervo, uma vez que a anestesia é feita pelo anestésico local e não pela ponta da agulha", devendo o anestésico ser depositado no plano fáscial que contém a estrutura nervosa, sem que a agulha entre em contato com o nervo, o que é possível sob a visão direta oferecida pelo ultrassom.13
Hoje, a nova tendência é realizar o bloqueio de nervo periférico guiado por ultrassom, visualizando em tempo real a inserção da agulha, sua relação com as estruturas adjacentes, o plano tecidual de deposição do anestésico local e sua posterior dispersão.5,24 A manutenção de uma distância em que apenas o anestésico local entrará em contato direto com o nervo transforma o trauma pela agulha e a injeção intraneural em lesões evitáveis, revela uma conduta menos agressiva, previne sensações desconfortáveis ao paciente e agrega mais segurança ao procedimento anestésico.19,24
EQUIPAMENTOS E MATERIAIS UTILIZADOS NOS BLOQUEIOS GUIADOS POR ULTRASSOM
Os bloqueios de nervos periféricos devem ser realizados em locais que disponham de monitorização adequada para o paciente, assim como equipamentos e medicamentos para reanimação20, conforme estabelece a Resolução 1802/2006 do Conselho Federal de Medicina.
Os bloqueios de nervos guiados por ultrassom dependem do uso de um equipamento ultrassonográfico de alta frequência - que oferecem imagens de alta resolução, preferencialmente com Doppler para auxiliar na identificação de estruturas vasculares - e de treinamento e habilidade do anestesiologista4,5,13,25.
Os transdutores utilizados podem ser convexos - maior campo de visão - ou lineares - maior resolução de imagem e mais utilizados na visualização de estruturas superficiais3,4,20 (Figura 1). Transdutores de baixa frequência (2- 5 MHz) são ideais para a visualização de estruturas profundas, enquanto os de alta frequência (6 - 15 MHz) visualizam estruturas superficiais por ter um limitado poder de penetração nos tecidos (3-4 cm). Assim, diminuindo-se a frequência do ultrassom, reduz-se também a resolução das imagens, porém aumenta-se o poder de penetração nos tecidos, favorecendo a visualização de estruturas profundas. Já o aumento da frequência do ultrassom aumenta também a nitidez de estruturas superficiais, desfavorecendo as estruturas mais profundas.
A seguir, faz-se necessária a visualização do nervo e das estruturas anatômicas relacionadas. Estruturas hipoecóicas, representadas por áreas escuras (ex. vasos sanguíneos, cistos e tecidos ricos em água) refletem menos as ondas do feixe de ultrassom. Estruturas hiperecóicas, representadas por áreas brancas (ex. ossos, pleura, gordura, tendões) refletem mais as ondas sonoras transmitidas pelo transdutor do que as estruturas adjacentes.
Quanto aos artefatos, devemos destacar a sombra acústica e o reforço acústico.26 A sombra acústica, visualizada como uma região hipoecóica imediatamente abaixo de uma imagem óssea, ocorre devido à alta atenuação do tecido ósseo, resultando na reflexão total da energia emitida sobre o osso.3,4,20,26 Já o reforço acústico, representado por uma região hiperecóica logo abaixo de uma estrutura repleta de líquido, é resultante da passagem do feixe de ultrassom de uma área de menor coeficiente de atenuação para outra de coeficiente maior26 (Figura 2).
ORIENTAÇÃO DO TRANSDUTOR E DA IMAGEM
A visualização de estruturas pela ultrassonografia pode ser feita por meio de cortes longitudinais ou transversais, sendo preferível, para o bloqueio de nervos periféricos, o uso de cortes transversais4.
VISUALIZAÇÃO DA AGULHA
Nos cortes transversais, é possível visualizar a agulha posicionado-a paralelamente ao transdutor (inplane) (Figura 3A) o que permite acompanhar a progressão da ponta e do corpo da agulha nos tecidos3,4,21 vista como uma linha hiperecóica.20 Quando a agulha é posicionada perpendicularmente ao transdutor (out-of-plane) (Figura 3B), é possível visualizar apenas um corte transversal da agulha (ponta ou corpo)27, visto como um ponto hiperecóico, e sua sombra acústica.3,4,21
A visualização da agulha na abordagem out-of-plane pode ser difíci3,4,21,28, mas pode-se dispor de algumas manobras para facilitá-la, como a movimentação dos tecidos, hidrolocalização e injeção de microbolhas27,28. Movimentar delicadamente a agulha no sentido vertical cria movimentos nos tecidos adjacentes, sendo recomendado ao avançar a agulha. A hidrolocalização envolve a injeção de 0,5 a 1 ml de solução (anestésico local, dextrose 5% ou água) que resulta na movimentação dos tecidos e na formação de um ponto hipoecóico. Agitando-se uma solução líquida, formam-se pequenas bolhas que, quando injetadas no tecido, apresentam-se altamente ecogênicas, deteriorando, porém, a imagem por cerca de dois minutos.
A técnica de injeção de solução com microbolhas é utilizada ainda para verificar o posicionamento de cateteres nos bloqueios periféricos contínuos, funcionando como contraste, uma vez que é difícil visualizar tais cateteres após seu posicionamento entre dois planos musculares29.
POSICIONAMENTO ERGONÔMICO DO PROFISSIONAL
Para garantir o sucesso do bloqueio orientado por ultrassonografia, é fundamental o posicionamento correto do profissional em relação ao paciente e ao equipamento. O aparelho ultrassonográfico deve situar-se em frente a seu operador para proporcionar uma linha de visão direta.3 Em bloqueios com participação de apenas um profissional, este deve manusear a seringa com anestésico local com sua mão dominante, e o membro que opera o transdutor deverá estar totalmente apoiado na mesa ou no paciente, evitando tremores e fadiga muscular, que poderiam causar instabilidades na imagem visualizada.
TÉCNICAS DE BLOQUEIOS DE NERVOS PERIFÉRICOS GUIADOS POR ULTRASSOM
Neste artigo serão descritos bloqueios de nervos periféricos nas extremidades superior e inferior, utilizando a ultrassonografia isoladamente.
BLOQUEIO DE NERVOS DA EXTREMIDADE SUPERIOR
Bloqueio do plexo braquial via interescalênica
O paciente é posicionado em decúbito dorsal horizontal, com a cabeça girada cerca de 45º para o lado contralateral ao bloqueio. Após a antissepsia da pele e preparação do transdutor com um protetor estéril, lidocaína gel ou outro congênere estéril, é colocado entre a pele do paciente e o transdutor, posicionado no plano transversal na região cervical, ao nível da cartilagem cricóide, entre os músculos escaleno anterior e escaleno médio.
Nesse nível, os troncos do plexo braquial são visualizados como três estruturas ovais e hipoecóicas, enfileirados verticalmente na fenda interescalênica, entre os músculos escaleno anterior e escaleno médio.10,30 Medialmente, observam-se a veia jugular interna e a artéria carótida (Figura 4).
A agulha pode ser inserida paralelamente ao maior eixo do transdutor (in-plane), em seu ponto médio, de lateral para medial, sendo visualizada como uma estrutura linear e hiperecóica. Durante a inserção da agulha em direção aos nervos, são feitas injeções de 0,5 a 1 ml de anestésico local ou água para certificar a proximidade da agulha e evitar seu contato com o nervo. O anestésico local é finalmente injetado entre a fáscia muscular e a bainha que envolve o plexo braquial, tendo-se o cuidado de não tocar os troncos nervosos com a ponta da agulha (Figura 5). Observe-se que, diferentemente da recomendação tradicional, aqui ,a massa de anestésico local será depositada fora da bainha do plexo braquial. É esperada uma imagem hipoecóica circundando o plexo, representando a dispersão do anestésico local.
Bloqueio plexo braquial via supraclavicular
Na abordagem supraclavicular, é possível visualizar as seis divisões do plexo braquial, formando uma imagem semelhante a "cachos de uva".30 Após a preparação da pele e do transdutor, o paciente é colocado em decúbito dorsal horizontal com a cabeça girada 45º para o lado contralateral ao bloqueio. O transdutor é posicionado transversalmente e com inclinação craniocaudal na fossa supraclavicular, o plexo braquial é então visualizado acima da primeira costela, lateral à artéria subclávia. Recomenda-se a inserção da agulha in-plane para evitar a punção pleural. O anestésico deve ser depositado acima da primeira costela e próximo à artéria subclávia.
Apesar de ambas apresentarem imagem hiperecóica, a pleura é distinguida da primeira costela por movimentar-se durante a respiração e durante a pulsação da artéria subclávia, e por não apresentar sombra acústica como a encontrada abaixo de estruturas ósseas como a primeira costela (Figura 6).
Bloqueio plexo braquial via axilar
Na abordagem axilar, é possível a visualização direta dos nervos musculocutâneo, mediano, ulnar e radial. O nervo musculocutâneo situa-se entre os músculos bíceps e coracobraquial pois separa-se dos demais nervos mais proximalmente31 enquanto os nervos medial, ulnar e radial caminham juntos em torno da artéria axilar30 (Figura 7). Variações anatômicas no posicionamento dos nervos em relação à artéria axilar nessa região são comuns, mas podemos resumi-las como se segue: o nervo mediano se localiza entre 19 e 23 horas, nervo ulnar entre 13 e 17 horas, e nervo radial entre 17 e 19 horas.
O paciente é colocado em decúbito dorsal horizontal com o membro superior a ser anestesiado abduzido 90º. Após a preparação da pele e do transdutor, este é posicionado na prega axilar em um plano transversal, quando então são identificados os músculos tríceps, bíceps e coracobraquial, em torno do feixe vásculo-nervoso, logo acima do úmero (Figura 8).
A inserção da agulha pode ser feita in-plane ou out-of-plane, sempre se respeitando uma distância segura entre a ponta da agulha e os nervos.
BLOQUEIO DE NERVOS DA EXTREMIDADE INFERIOR
Bloqueio do nervo femoral
O nervo femoral pode ser bloqueado via anterior na região inguinal, lateral à artéria femoral, abaixo da fáscia ilíaca e superficial ao músculo iliopsoas32 (Figura 9).
O paciente é posicionado em decúbito dorsal horizontal com os membros inferiores em posição neutra. Após o preparo da pele e do transdutor, este é posicionado paralelamente ao ligamento inguinal, em seu terço médio, onde é possível visualizar a pulsação da artéria femoral, a veia femoral medial à artéria, o músculo iliopsoas póstero-lateral aos vasos femorais, a fáscia ilíaca, representada por uma linha hiperecóica, superficial ao músculo iliopsoas e profunda aos vasos femorais e, finalmente, o nervo femoral, visualizado como uma região triangular e hiperecóica, lateral à artéria femoral, acima do músculo iliopsoas.
A agulha pode ser introduzida perpendicularmente ao transdutor (out-of-plane), porém a localização da ponta da agulha pode ser tecnicamente difícil, sendo necessário utilizar a movimentação delicada da agulha ou da técnica de hidrolocalização para certificar-se do posicionamento da ponta da agulha.
Na abordagem in-plane, a agulha é introduzida paralelamente ao transdutor, sendo facilmente visualizada como uma imagem linear hiperecóica que atravessa tanto a fáscia lata quanto a fáscia ilíaca. Independentemente da abordagem, deve-se evitar o contato da ponta da agulha com o nervo femoral. Quando a agulha encontra-se corretamente posicionada, o anestésico local injetado deposita-se acima do músculo iliopsoas e abaixo dos vasos femorais, movimentando-os anteriormente uma vez que estes estão separados do nervo femoral pela fáscia ilíaca (Figura 10).
Bloqueio da região poplítea
O nervo ciático pode ser bloqueado na região poplítea, antes de sua divisão em nervo tibial e nervo fibular comum.16 Essa região é limitada lateralmente pelo músculo bíceps femoral e, medialmente, pelos músculos semimembranoso e semitendinoso. O nervo ciático é superficial e lateral aos vasos poplíteos33 (Figura 11).
O paciente é posicionado em decúbito ventral e, após antissepsia da pele, o transdutor é colocado transversalmente na fossa poplítea. Identifica-se a artéria poplítea, superficial ao fêmur. O transdutor deve ser deslocado cefalicamente até encontrar o nervo ciático antes de sua ramificação.33 Angulação caudal do transdutor torna o nervo ciático mais hiperecóico e de fácil visualização, se comparado com a angulação perpendicular do transdutor (efeito anisotrópico).
O nervo ciático é visto como uma estrutura hiperecóica, superficial ao fêmur e lateral à artéria poplítea33 (Figura 12). A agulha pode ser inserida in-plane ou out-of-plane, avançada lentamente após pequenas injeções de água ou anestésico local até a visualização característica da distribuição do anestésico em torno do nervo.
PUNÇÃO VENOSA CENTRAL GUIADA POR ULTRASSOM
Pacientes críticos geralmente requerem um cateter venoso central, porém sua inserção é sujeita a complicações como pneumotórax, punção arterial e hematoma, atingindo uma taxa de 15% dos mais de cinco milhões de cateteres venosos centrais inseridos por ano nos Estados Unidos.11,34
A punção inadvertida da artéria carótida ocorre de 2% a 17% durante a canulização da veia jugular interna, sendo mais frequente em crianças e em indivíduos obesos.35
A cateterização venosa central percutânea em crianças apresenta um índice de complicações mais alto e um índice de sucesso mais baixo que nos adultos.13 Associam-se à punção arterial e ao pneumotórax complicações como hemotórax, lesão neural e do ducto torácico.
O primeiro relato de visualização direta de um vaso central para inserção de um cateter venoso foi feito em 1978 por Ullman e col., que utilizaram um Doppler para localizar a veia jugular interna direita e assim facilitar sua canulização.34
Em 2001, a Agência Americana de Pesquisa e Qualidade em Saúde publicou o artigo "Making health care safer" recomendando a punção venosa central guiada por ultrassom devido às fortes evidências de que essa técnica, em tempo real, é mais segura que a técnica às cegas que utiliza referências anatômicas para a localização dos vasos.36
A ultrassonografia permite identificar prontamente a ocorrência de variações anatômicas11,12 assim como diagnosticar trombose ou obstrução ao fluxo sanguíneo em vasos centrais11 (Figura 13). A identificação das estruturas vasculares é feita relativamente sem dificuldades, principalmente quando se dispõe de Doppler. De uma forma simplificada, a distinção entre veias e artérias é feita através da forma e da compressividade do vaso. Veias têm paredes finas, forma ovóide e são completamente colabáveis. Já as artérias têm paredes espessas, não são compressíveis e apresentam formato circular.
Para a localização dos vasos centrais, são utilizados transdutores lineares de alta frequência (6 - 14 MHz). O transdutor pode ser posicionado longitudinal ou transversalmente em relação à veia. A abordagem transversal permite a visualização simultânea de estruturas adjacentes, impedindo a punção arterial acidental, sendo o melhor método para iniciantes. A abordagem longitudinal fornece informações mais precisas da introdução do fio-guia, porém é tecnicamente mais difícil quando comparada à transversal11,34 (Figura 14). Para a cateterização venosa com o transdutor no sentido longitudinal, primeiro certifica-se da localização dos vasos arteriais e venosos colocando o transdutor transversalmente aos vasos e então este é girado 90º para visualização da veia no sentido longitudinal.
A punção venosa central guiada por ultrassom pode ser realizada de três formas: 1) técnica "marcar com X" em que a veia central é visualizada com o ultrassom, marcada sua localização e então a agulha é inserida sem a monitorazação ultrassonográfica; 2) técnica "mão única", em que o mesmo profissional que localiza a veia central com o ultrassom insere a agulha visualizando a progressão do cateter em tempo real e 3) técnica "três mãos", em que o primeiro profissional localiza a veia central e o segundo procede à sua cateterização.11,34
A punção venosa central guiada por ultrassom reduz as taxas de insucesso na canulização venosa, o número de tentativas e as complicações inerentes ao procedimento11,34,36, pois garante a visualização precisa da veia e a progressão da agulha e do fioguia.11 Por diminuir o risco de trauma, torna o procedimento executável mesmo nos pacientes com coagulopatias.13
CONCLUSÃO
Acreditamos que a ultrassonografia, por ser uma técnica inócua ao paciente e por agregar mais segurança aos procedimentos, transformar-se-á no padrão-ouro para os bloqueios de nervos periféricos e para a cateterização venosa central.
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