ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
A influência da intervenção fisioterapêutica no pré-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio
The influence of physiotherapeutic intervention in the preoperative stage for myocardium revascularization surgery
Natália Rodrigues Andrade1; Raquel Rodrigues Britto2
1. Fisioterapeuta. Especialista em Fisioterapia Respiratória. Hospital Vera Cruz. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Professora associada do Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Natália Rodrigues Andrade
Rua Ana Ismênia de Resende, 191 Bairro: São José
CEP: 35600-000 Bom Despacho, MG - Brasil
E-mail: nataliarandrade@yahoo.com.br
Recebido em: 11/05/2010
Aprovado em: 25/08/2010
Instituição: Departamento de Fisioterapia da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais - EEFFTO/UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil.
Resumo
Esta revisão objetiva identificar na literatura a influência da intervenção fisioterapêutica no pré-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) e analisar os desfechos clinicamente significativos. A revisão da literatura realizou-se a partir de artigos-chave publicados entre o período de 1999 e 2009, nas bases de dados eletrônicas COCHRANE, LILACS, MEDLINE, Pedro, Pub Med e Scielo. Foram avaliados 33 artigos. As variáveis de desfecho mais frequentes foram as complicações pulmonares pós-operatórias, ou seja, atelectasias pulmonares, pneumonias e derrame pleural, além do tempo de internação hospitalar. Os protocolos pré-operatórios consistiam em condicionamento físico, fisioterapia respiratória e reabilitação cardíaca. Os estudos demonstraram que a fisioterapia no pré-operatório de CRVM reduz significativamente a incidência de atelectasias pulmonares e pneumonia no pós-operatório resultando em menos tempo de internação hospitalar.
Palavras-chave: Fisioterapia; Cuidados Pré-operatórios; Revascularização Miocárdica; Procedimentos Cirúrgicos Cardíacos; Procedimentos Cirúrgicos Torácicos; Cirurgia Torácica.
INTRODUÇÃO
As doenças do aparelho cardiovascular constituem a maior causa de óbito no Brasil, responsáveis, em 2001, por aproximadamente 32% do número de óbitos. Esse padrao é observado em quase todo o mundo, com percentuais mais elevados nos países ocidentais mais desenvolvidos. Dentre essas, 32,7% decorrem de causas isquêmicas, correspondendo a 26,6 e 33,4% nos sexos masculino e feminino, respectivamente, com variações entre as regioes do Brasil.1
Entre as doenças isquêmicas do coração, a obstrução arterial originada por placa aterosclerótica é a causa patogênica mais comum das doenças coronarianas. As lesões iniciais da aterosclerose são depósitos lipídicos que evoluem para placas fibrosas e, eventualmente, a lesões complicadas por ulceração, hemorragia, calcificação e trombose.. A fisiopatologia básica dessa doença é um desequilíbrio entre oferta de oxigênio e a demanda miocárdica. O aumento desse desequilíbrio, além dos limites da reserva de perfusão coronariana, pode resultar em isquemia.2,3
O tratamento da insuficiência coronariana pode ser clínico, por meio da terapêutica medicamentosa, modificações do estilo de vida e atividade física regular, ou cirúrgico. A intervenção cirúrgica é utilizada diante de angina refratária, diminuição da força contrátil do coração e risco de morte. A cirurgia de revascularização do miocárdio (CRVM) é técnica muito utilizada, consistindo no restabelecimento do fluxo sanguíneo para o miocárdio por meio da recanalização das artérias coronárias.2,3 A morbi e mortalidade dessa cirurgia são, em grande parte, atribuídas ao uso da circulação extracorpórea (CEC), à parada cardíaca total e à hipotermia.2
As complicações pós-operatórias dependem de fatores pré-operatórios, perioperatórios e pós-operatórios.4-6 Entre os fatores pré-operatórios incluem sedentarismo, tabagismo, idade avançada, obesidade, comorbidades prévias, em especial doenças pulmonares.5,7,8 Os fatores perioperatórios estao relacionados à técnica cirúrgica, ao tempo de CEC e à anestesia geral.9-11 Já nos fatores pós-operatórios destacam-se a instabilidade hemodinâmica, disfunção diafragmática, tempo prolongado de suporte ventilatório invasivo e imobilização.4,12,13
O tratamento hospitalar das complicações pós-operatórias cardíacas no Brasil em 2008 possui custo aproximado de 22.762,04 milhoes de reais.1
O procedimento cirúrgico das CRVMs gera alterações na função pulmonar, resultantes de modificações da mecânica pulmonar, troca gasosa e mecanismos de defesa pulmonar.5,10 Os fatores principais que contribuem para essas alterações são: a utilização de CEC, anestesia geral, incisão cirúrgica na caixa torácica e imobilidade no leito. A CEC promove um shunt pulmonar importante. Somados aos efeitos dos anestésicos e incisão cirúrgica por influenciarem na ação eficiente do diafragma, interferem diretamente na ventilação pulmonar.10,13,14 A imobilidade no leito também promove decréscimo da capacidade residual funcional e complacência pulmonar, além de descondicionamento cardiorrespiratório.15 A capacidade vital reduz cerca de 50 a 60% do volume pulmonar e a capacidade residual funcional a 30% nas primeiras 16 a 24 horas de pós-operatório.16
A realização ineficiente da inspiração em decorrência de fraqueza da musculatura respiratória, desvantagem mecânica, redução da atividade ciliar e reflexo de tosse, paralisia do diafragma e algia provocada pela incisão cirúrgica contribui para a hipoventilação e retenção de secreções traqueobrônquicas.11,13,17
A principal causa de hipoxemia pós-operatória é a atelectasia pulmonar, presente em aproximadamente 90% de pacientes que são anestesiados, interferindo nas trocas gasosas e no decréscimo da complacência estática, relacionadas à ocorrência de injúria pulmonar.13
No pós-operatório de CRVM, as complicações pulmonares pós-operatórias (CPP) encontradas em cerca de 70% das vezes são atelectasias pulmonares, pneumonias (PNM) e derrame pleural, resultando em aumento da mortalidade e morbidade.1,9,18,19,20 Indivíduos com doença pulmonar prévia e função pulmonar pré-operatória reduzida têm risco mais alto de desenvolvê-las.4,7
Kroenke et al.21 sugerem uma classificação para as CPPs em quatro níveis, ilustrada na Tabela 1.
Arcêncio et al22 relatam que a relevância da fisioterapia pós-operatória rotineira com o objetivo de reduzir a incidência de CPP em indivíduos submetidos à cirurgia cardíaca não complicada ainda é questionada. E que, por outro lado, nas cirurgias torácicas não cardíacas a fisioterapia é fundamental tanto no pré quanto no pós-operatório. Existem poucas informações sobre os efeitos da fisioterapia no pré-operatório de CRVM.18
A presente revisão objetiva analisar a influência da intervenção fisioterapêutica no pré-operatório de indivíduos submetidos à CRVM, com ênfase na melhora das variáveis clínicas pós-operatórias. As complicações pós-operatórias de significância clínica estao relacionadas às alterações na função pulmonar. E se essa abordagem profilática minimizar tais alterações, poderá evitar repercussões mais graves, reduzir o tempo de internação e, consequentemente, os custos hospitalares.
MÉTODO
Os artigos utilizados nesta revisão de literatura foram selecionados por meio do levantamento bibliográfico em busca de evidência científica, publicada nas bases de dados eletrônica, COCHRANE, LILACS, MEDLINE, Pedro, PubMed e Scielo. Os descritores utilizados foram: thoracic ou cardiac surgery, preoperative care, physical therapy modalities, rehabilitation ou exercise movement techniques e seus equivalentes em português.
Adotou-se como critério de inclusão o tipo de estudo ser de revisão sistemática, ensaio clínico controlado ou randomizado e observacional, publicado entre 1999 e 2009, relacionado à intervenção fisioterapêutica em indivíduos submetidos à CRVM. Os critérios de exclusão foram: a amostra não ser exclusivamente de adultos; o tipo de cirurgia não ser CRVM; e o objetivo da intervenção pré-operatória não ser avaliar variáveis de desfecho no pós-operatório.
A escolha dos artigos foi realizada obedecendo a esses critérios, pela análise do artigo, na íntegra ou resumo e classificação metodológica dos ensaios clínicos experimentais por meio da escala de PEDro23, com escores iguais ou acima de cinco. Essa escala é muito utilizada para avaliar a qualidade de ensaios experimentais na área da reabilitação; e escores iguais ou superiores a cinco são considerados de alta qualidade.
RESULTADOS
Na busca realizada em setembro de 2009 foram encontrados 235 artigos, sendo que algumas referências constaram em mais de uma base. De acordo com o tema, foram selecionados 30 artigos, sendo que, desses, somente quatro ensaios clínicos randomizados9,14,18,19 e um observacional prospectivo20 alcançaram todos os critérios de inclusão e exclusão para a análise principal desta revisão, incluídos, entao, após leitura criteriosa.
Considerando aspectos metodológicos, os quatros estudos experimentais selecionados9,14,18,19 realizaram alocação aleatória, favorecendo na validade interna; e somente um estudo20 realizou alocação conforme admissão no centro cirúrgico ou unidade alternativa. Também, quatro pesquisas relataram cegamento dos avaliadores9,14,18,20, contribuindo para a confiabilidade dos resultados. A classificação obtida dos artigos por meio da escala PEDro foram: Arthur et al.14 receberam sete pontos, Hulzebos et al.9 oito e Leguisamo et al.19 e Herdy et al.18 receberam cinco pontos. O número de indivíduos selecionados variou de 56 a 279, com média de idade entre 59 e 67 anos. Todos os trabalhos fizeram comparações das características individuais como fatores de risco, idade, gênero, tempo com ou sem CEC, não apresentando diferenças significativas entre os grupos.
A análise das intervenções e os resultados dos principais estudos selecionados para esta revisão encontram-se resumidos nos Tabelas 2 e 3.
De acordo com a literatura pesquisada, Arthur et al.14 foram uns dos primeiros autores a publicarem estudo controlado e aleatorizado envolvendo um programa de condicionamento físico em indivíduos de baixo risco à espera de CRVM, com o objetivo de reduzir o tempo de permanência na unidade de terapia intensiva (UTI) e hospitalar. O protocolo consistia em aquecimento com caminhada, exercício de alongamento, treinamento aeróbico com bicicleta ergométrica, esteira e cicloergômetro para membros superiores, finalizando com relaxamento muscular e exercícios de alongamento. A intensidade do exercício foi de 40 a 70% da capacidade funcional. Faziam parte do programa orientações e informações globais relacionadas à cirurgia e ao tratamento e, se necessário, apoio psicológico. Foram distribuídos 249 indivíduos em grupos de intervenção e controle, sendo que, destes, 125 foram submetidos a treinamento físico duas vezes por semana, com duração de 90 minutos. Os autores observaram que no grupo intervenção, os indivíduos permaneceram por menos tempo na UTI, mediana de 2,1 horas e com diferença de um dia a menos no hospital. Também avaliaram a qualidade de vida por meio de itens relacionados ao estado mental e físico, sendo que a avaliação do estado mental não apresentou mudanças significativas no pós-operatório. Em relação ao estado físico, obteve resultado satisfatório no pós-operatório. Embora ambos os grupos tivessem melhorado progressivamente após a cirurgia em relação ao estado mental, a melhora no pré-operatório do grupo intervenção foi sustentada ao longo dos primeiros seis meses de pós-operatório. A partir desses resultados, os autores recomendaram que o tempo de espera para a CRVM pode ser usado para melhorar a recuperação na fase precoce, capacidade funcional e qualidade de vida, reduzindo, assim, o período de internação hospitalar.
Leguisamo et al.19 utilizaram como estratégia um programa de orientação fisioterapêutica no pré-operatório de indivíduos submetidos à CRVM, a fim de analisar alterações nos volumes pulmonares, força muscular inspiratória, incidência de CPP radiológicas e tempo de permanência hospitalar. Participaram do estudo 86 indivíduos, dos quais 44 foram orientados por escrito e verbalmente para a realização diária de 60 padroes ventilatórios, compostos de exercícios de respiração diafragmática e inspiração fracionada em dois e três tempos, instruídos para serem realizados em duas séries de 10 repetições. Os outros 42 indivíduos receberam somente orientações no dia da cirurgia. Mediante os resultados, não foi observada diferença estatisticamente significativa na pressão inspiratória máxima (PImáx) e nos volumes pulmonares no pré-operatório, primeiro e sexto de pós-operatório. Mas a redução dos volumes pulmonares foi evidenciada em ambos os grupos. Também não diferiram significativamente as CPPs radiológicas no primeiro e sexto dias de pós-operatório. Em contrapartida, o tempo médio de internação hospitalar foi mais curto no grupo intervenção, com quatro dias de diferença.
Em outro estudo, Hulzebos et al.9 avaliaram a eficácia profilática do treinamento muscular inspiratório (TMI) sobre a incidência de CPP em indivíduos de alto risco24 submetidos à CRVM. Elaboraram um programa de treinamento pré-operatório em torno de duas semanas antecedendo a abordagem cirúrgica. Para o TMI, foi usado um dispositivo de carga limiar, titulado a 30% da PImáx durante 20 minutos, com aumento incremental da resistência a 5% na medida em que a taxa de esforço percebido fosse inferior a cinco pela Escala de Borg. Também foi incluído no protocolo o uso de espirometria de incentivo, educação do ciclo ativo e da técnica de expiração forçada. Os resultados foram obtidos de uma amostra composta de 279 indivíduos, 140 no grupo intervenção e 139 no grupo-controle. De acordo com os resultados, a média da PI-máx desde volume residual do grupo intervenção aumentou significativamente, de 81,1 para 95,6 cmH2O (p=0,001), o que não foi observado no grupo-controle (p=0,28). Os autores verificaram que o grupo do TMI apresentou risco reduzido de CPP, grau igual ou acima de dois pela classificação feita por Kroenke et al.21. Houve redução de 17% do risco absoluto (RRA), de 49% do risco relativo (RR) e do número necessário para tratar (NNT) de 6. Em síntese, concluíram que a melhora da força e endurance dos músculos respiratórios reduziu a incidência de CPP, favorecendo, assim, com um dia a menos de internação hospitalar.
Com a visão voltada para a reabilitação pré-operatória, Herdy et al.18 estudaram os efeitos de um programa de reabilitação cardíaca em indivíduos à espera da CRVM em ambiente hospitalar, na tentativa de minimizar os riscos da imobilização pré-operatória. O protocolo consistia na fase 1 da reabilitação cardíaca, com intensidade de 2 METS e feitas progressões para 4 METS com a melhora do desempenho. A amostra foi composta de 56 indivíduos, 29 no grupo experimental e 27 no grupo-controle, ambos recebendo fisioterapia no pós-operatório. Nos resultados do pós-operatório obtiveram baixa incidência de complicações pós-operatórias no grupo intervenção, com redução do RR de derrame pleural, fibrilação atrial ou flutter a 0,2, atelectasia pulmonar 0,15 e PNM somente no grupo-controle, com sete casos. Constataram, ainda, menos tempo de ventilação mecânica e internação hospitalar, com diferença de 4,4 dias. Atribuíram esse desfecho favorável à melhora da capacidade funcional, que foi avaliada pelo teste de caminhada de seis minutos, sendo 72 metros de distância percorrida no grupo intervenção e 52 metros no grupo-controle (p=0,01).
Por outro lado, Brage et al.20 avaliaram os efeitos da fisioterapia respiratória no pré-operatório de indivíduos submetidos à CRVM sem CEC. O estudo foi observacional, com amostra de 263 indivíduos; 159 receberam fisioterapia no pré-operatório e os demais foram alocados para o grupo-controle. A seleção dos indivíduos foi relacionada aos critérios de inclusão e exclusão e à admissão hospitalar. Os indivíduos que foram internados na unidade de internação realizaram fisioterapia profilática e os que foram admitidos na unidade cirúrgica fizeram parte do grupo-controle. O protocolo da intervenção consistia na realização de 10 exercícios de respiração profunda diafragmática, 30 manobras de expansão pulmonar com estimulação tátil e 10 associadas à mobilização de membros superiores, 30 incursões respiratórias com espirometria de incentivo a fluxo e tosse assistida. Os autores verificaram, com base na análise univariada, baixa incidência de atelectasias pulmonares, 17% no grupo intervenção em comparação com 36% no grupo-controle (p=0,01). A relevância clínica da fisioterapia profilática apresentou redução do RR de 52%, RRA de 19% e com NNT de 5. Entao, concluíram que essa propedêutica pré-operatória está relacionada a menos incidência de atelectasias pulmonares.
DISCUSSÃO
A literatura apresenta crescente número de estudos avaliando a abordagem fisioterapêutica no pós-operatório de cirurgia cardíaca.4,5,19,20. Em contrapartida, foram identificados baixo número de estudos investigando os benefícios da intervenção pré-operatória.
Todos os indivíduos dos cinco principais estudos9,14,18-20 analisados nesta revisão receberam fisioterapia no pós-operatório e somente nos grupos experimentais receberam a intervenção profilática no pré-operatório, adicionando informações sobre a cirurgia e orientações relacionadas à colaboração dos pacientes no pré-operatório, tratamento e evolução do pós-operatório.
As atelectasias pulmonares e PNM são CPPs frequentes no pós-operatório de CRVM e resultam em importante impacto na evolução clínica dos pacientes. Pode-se observar que houve redução da incidência de atelectasias nos estudos desta revisão.9,18,20 Herdy et al.18 evidenciaram redução do RR de 15%, já Brage et al.20 redução de 52%, RRA de 19% e NNT de 5. Em relação à PNM, obtiveram-se também resultados significativos.9,18 No estudo de Herdy et al.18 não houve casos de PNM no grupo que realizou reabilitação pré-operatória, mas o grupo-controle cursou com sete casos. Hulzebos et al.9 calcularam o risco pela classificação de CPP, apurando redução tanto de atelectasias quanto de PNM, com RR de 49%, RRA de 17% e para cada seis indivíduos tratados evita-se uma complicação pulmonar. Em outro estudo, Rajendran et al.7 também mostraram significativa redução de atelectasias e PNM no grupo que realizou reabilitação pulmonar a curto prazo, em indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crônica que foram submetidos à CRVM. Para Leguisamo et al.19 não houve redução de atelectasias e PNM no grupo que realizou os exercícios respiratórios no pré-operatório, avaliando essas CPPs somente com incidências radiográficas. Arthur et al.14 não avaliaram a CPP, somente relataram que os grupos não diferiram nos marcadores de complicações pós-operatórias.
A arritmia mais frequente após cirurgia cardíaca é a fibrilação atrial (FA)26. O primeiro estudo que demonstrou que a intervenção pré-operatória pode reduzir a incidência de FA foi o de Herdy et al.18, em 3%. Arthur et al.14 somente descreveram que na comparação dos marcadores de complicações pós-operatórias não houve diferenças significativas como eventos de FA, no teste do qui-quadrado 1,02 (p=0,2). O exercício físico pode ter contribuído para a melhora do equilíbrio autonômico, em favor da modulação parassimpática.18
A incidência de derrame pleural foi avaliada em quatro trabalhos. Brage et al.20 e Leguisamo et al.19 não apresentaram resultados significativos. Hulzebos et al.9 e Herdy et al.18 já demonstraram significância, mas Hulzebos et al.9 classificaram as complicações em graus, incluindo o derrame pleural somente com necessidade de toracocentese e também não separou essa complicação isoladamente. Herdy et al.18 demonstraram incidência de 6,0% no grupo que realizou a reabilitação e 13% no grupo-controle. Esses estudos não referiram se foi realizado enxerto com a artéria mamária e na utilização da mesma, a comparação entre os grupos, pois a invasão do espaço pleural para a sua dissecação pode estar associada ao surgimento de derrame pleural.27
Em dois estudos9,18 foi avaliado o tempo que os pacientes permaneceram na ventilação mecânica invasiva: Hulzebos et al.9 obtiveram uma hora a menos de diferença no grupo que realizou TMI e Herdy et al.18 enfatizaram a reabilitação cardíaca e apresentaram mais diferença, de cinco horas, em relação ao grupo que não recebeu a intervenção. Rajendran et al.7 também instituíram uma abordagem global e alcançaram diferença de 10 horas a menos no grupo que realizou reabilitação pulmonar no pré-operatório. Esses estudos9,18,7 sugerem que o menor tempo decorrido foi em consequência à abordagem pré-operatória, tendo influenciado positivamente na função dos músculos respiratórios. Akdur et al.4 analisaram os efeitos da ventilação mecânica prolongada em pacientes submetidos à CRVM e registraram que os indivíduos que se agravaram e permaneceram por período superior a 24 horas tinham valores mais baixos nos testes de função pulmonar. Em Hulzebos et al.9, o grupo que realizou o TMI no pré-operatório associado ao uso de espirometria de incentivo apresentou baixos índices de intubação ou reintubação no período inferior a 48 horas. As atelectasias pulmonares, PNM e derrame pleural podem estar associados ao tempo de ventilação mecânica prolongada.12,18
O tempo de permanência na UTI ou no hospital está relacionado ao surgimento de complicações no pós-operatório, imediatas ou tardias. O período que os indivíduos permaneceram na UTI foi avaliado somente por duas investigações14,18: para Herdy et al.18 não houve resultado satisfatório; em contrapartida, Arthur et al.14 encontraram que os indivíduos do grupo condicionamento físico exibiram diferença de 5,2 horas. Vários fatores influenciam a alta dos pacientes internados na UTI, entre eles a estabilidade do quadro clínico, sem necessidade de cuidados intensivos e uso de ventilação mecânica não invasiva é primordial.
Quanto ao período de internação hospitalar, em dois estudos9,14 desta revisão foi equivalente a um dia de diferença e em Leguisamo et al.19 e Herdy et al.18 foram 4 e 4,4 dias, respectivamente, embora com desfechos semelhantes e protocolos pré-operatórios diversificados. Na pesquisa de Rajendran et al.7, a amostra era composta de portadores de doença pulmonar prévia e foram submetidos à reabilitação pulmonar. Também se detectaram 6,2 dias de diferença na alta hospitalar. Como evidenciado em Nery et al.8, até mesmo em indivíduos sem doença pulmonar, a atividade física no pré-operatório de CRVM favorece em benefícios. Os indivíduos fisicamente ativos tiveram menos complicações pós-operatórias avaliadas durante um ano.8 As CPPs estao relacionadas à longa permanência na UTI e hospitalar.9,18,22 Em dois trabalhos que realizaram fisioterapia somente no pós-operatório com o objetivo de avaliar sua influência, os grupos não diferiram significativamente no período de internação hospitalar28,29 e na UTI29: Westerdahl et al.28 alocaram os indivíduos em grupo experimental, tendo como protocolo a realização de exercícios com pressão positiva expiratória associados à fisioterapia convencional e grupo-controle somente com fisioterapia convencional. Já Pasquina et al.29 elaboraram dois grupos experimentais, um utilizou como protocolo ventilação por pressão positiva contínua na vias aéreas e o outro pressão de suporte.
A qualidade de vida foi avaliada somente por Arthur et al.14, com melhora significativa mantida em follow-up de seis meses. Estudos sugerem que a abordagem física associada ao apoio psicológico pode apresentar melhores resultados, o que implica uma visão mais holística.30-33 A mobilidade pode reduzir a ansiedade, promovendo interação psicossocial associada aos efeitos dos benefícios da atividade física. Arthur et al.14 verificaram que a adesão ao recondicionamento físico no pós-operatório foi mais expressiva nos indivíduos do grupo intervenção abordado no pré-operatório, tendo sido observada adesão de 70% em comparação ao grupo-controle (sem intervenção no pré-operatório) - 57%.
O número de óbitos no período do pré-operatório foi avaliado em dois trabalhos14,18: em Arthur et al.14 não houve ocorrência de óbito nos grupos e em Herdy et al.18 a incidência de morte e angina instável não apresentou diferença significativa, grupo-controle 30% e grupo de intervenção 36%. O pré-operatório dos pacientes de baixo risco em Arthur et al.14 pareceu ser mais seguro, mas a maioria dos pacientes no estudo de Herdy et al.18 estava em processo de recuperação de síndrome coronariana aguda. No pós-operatório três estudos avaliaram o óbito.9,14,20 Hulzebos et al.9 descreveram ausência de óbitos no grupo intervenção e três no grupo de cuidados habituais em decorrência de insuficiência respiratória devido à PNM; Arthur et al.14 constataram um óbito de causa não cardíaca; já para Brage et al.20 somente foi relatado que não houve diferença significativa na incidência de mortalidade no pós-operatório em ambos os grupos.
Compreende-se, entao, que os benefícios obtidos nesses estudos9,14,18-20 podem estar relacionados à abordagem profilática no pré-operatório, pois tanto os indivíduos do grupo-controle quanto experimental receberam a fisioterapia no pós-operatório com o mesmo protocolo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo demonstrou que a fisioterapia no pré-operatório de CRVM reduziu significativamente a incidência de desenvolver atelectasias pulmonares e pneumonia no pós-operatório, consequentemente, resultando menos tempo de internação hospitalar.
Não foram encontrados estudos suficientes que demonstrassem a superioridade de uma intervenção em relação à outra. A uniformização das variáveis de desfecho, como o tempo utilizado de suporte ventilatório invasivo e a permanência na UTI, incidência de mortalidade pré e pós-operatório, qualidade de vida, adesão ao recondicionamento físico no pós-operatório e a estimativa do ônus financeiro economizado com a abordagem profilática são fatores importantes para comparações das intervenções. De maneira geral, todos os estudos avaliados observaram melhoria dessas variáveis por meio da intervenção fisioterapêutica no pré-operatório.
Dessa forma, destaca-se a necessidade de se incluir nas rotinas de pacientes a serem submetidos à CRVM eletivas protocolos com abordagem pré-operatória da fisioterapia, mesmo que não seja possível desenvolvê-la dentro do ambiente hospitalar. Essa medida poderia fazer parte das consultas pré-cirúrgicas e acompanhar as rotinas de consultas médicas, preparando, dessa forma, o paciente para a cirurgia. Para tanto, é essencial a realização de um trabalho interdisciplinar da equipe de saúde.
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