ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Descentralização de ações de saúde do trabalhador para a atenção primária de saúde - desafios e possibilidades: a experiência do CEREST de Juiz de Fora, MG
Decentralization of workers' health actions to primary health care - challlenges and posssibilities: the experience of the CEREST in Juiz de Fora, MG
José Luís da Costa Poço1; Elizabeth Costa Dias2
1. Departamento de Saúde do Trabalhador da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora/ Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (CEREST), Juiz de Fora, MG, Brasil
2. Departamento de Medicina Preventiva e Social, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
José Luís da Costa Poço
Rua Irineu Marinho, 300/301
Juiz de Fora, MG 36021-580, Brasil
Email: jlcp-jf@hotmail.com
Instituição: Departamento de Saúde do Trabalhador da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora/ Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (CEREST), Juiz de Fora, MG, Brasil.
Resumo
O estudo analisa a experiência de descentralização das ações de Saúde do Trabalhador para a Atenção Primária à Saúde, desenvolvida e coordenada pelo Centro de Referência Regional em Saúde do Trabalhador (CEREST) de Juiz de Fora, Minas Gerais, entre maio de 2003 e abril de 2008, buscando contribuir para o aperfeiçoamento das políticas de Saúde do Trabalhador no SUS. Baseia-se no conceito de descentralização ou desconcentração das ações de saúde para descrever, a partir de breve histórico, o processo desenvolvido, suas etapas, os fluxos de referência e contra-referência e os instrumentos utilizados. Com base em registros do CEREST-JF, é apresentado o perfil dos 743 usuários organizados em dois subgrupos: 292 usuários que passaram pelo processo em 2004 e 79 usuários em 2007. A frequência de diagnóstico de doença relacionada ao trabalho foi de 68,4% no grupo de 2004 e de 50,7% em 2007, com destaque para doenças osteo-musculares. Com a desconcentração das ações,em 2004, 72,3% dos usuários não retornaram ao CEREST até 15/4/2008. Os achados reforçam a importância da desconcentração como estratégia para a inserção das ações de Saúde do Trabalhador na Atenção Primária à Saúde e fornecem subsídios para a formulação de políticas e planos de ação destinados a desenvolver ações de Saúde do Trabalhador na Atenção Primária à Saúde, destacando o papel a ser cumprido pelos CEREST.
Palavras-chave: Saúde do Trabalhador; Atenção Primária à Saúde; Serviços de Saúde do Trabalhador; Descentralização; Sistemas Locais de Saúde.
INTRODUÇÃO
O estudo descreve o processo de descentralização das ações de saúde do Centro de Referência Regional de Saúde do Trabalhador (CEREST) de Juiz de Fora Minas Gerais, para a Atenção Básica, referenciada pelo local de moradia do usuário-trabalhador atendido no Serviço, desenvolvido entre maio de 2003 e abril de 2008.
Apesar do caráter localizado do estudo, pretende-se que a descrição do processo, de sua origem e motivação, dos procedimentos, fluxos e instrumentos adotados e de algumas das características dos usuários-trabalhadores possa contribuir para o desenvolvimento de políticas de Saúde do Trabalhador na Atenção Primária de Saúde (APS), considerada, na atualidade como eixo organizador do Sistema Único de Saúde (SUS).
A instituição das ações de Saúde do Trabalhador na rede pública de saúde, em curso no país nos últimos trinta anos1,2, enfrenta, na atualidade, novos desafios decorrentes das transformações do perfil do trabalho e dos trabalhadores e das mudanças na organização e gestão no Sistema Único de Saúde (SUS) que agregam novas exigências e nova complexidade para o cumprimento da prescrição constitucional de cuidado da saúde dos trabalhadores, e consideram sua inserção em processos de trabalho particulares.3,4
A organização da Rede Nacional de Atenção à Saúde dos Trabalhadores (RENAST), orientada pela Portaria 1.679/025, posteriormente ampliada pelas Portarias 2.437 de 20056 e 2.728 de 20097, tem permitido avanços ao aportar recursos específicos para o desenvolvimento de ações de saúde, ao fortalecer a atuação dos CEREST e ao indicar a Atenção Primária à Saúde (APS) como principal estratégia para a consolidação das ações de Saúde do Trabalhador no SUS.8
O Pacto pela Saúde e em Defesa do SUS9,10, firmado em 2006, reforçou a centralidade da APS e colocou a Saúde do Trabalhador entre as áreas estratégicas na orientação do processo de Programação Pactuada e Integrada (PPI) da atenção à saúde.11,12
O estudo está referenciado nos conceitos de descentralização e desconcentração em saúde, que é definida por Silva13 como a "delegação de responsabilidades aos níveis hierárquicos inferiores para a realização de determinados serviços, sem a delegação de poder decisório", que ocorre no espaço intragovernamental. Roversi-Monaco14 usa a expressão "descentralização hierárquica" como sinônimo de desconcentração, reconhecendo que, no âmbito das políticas públicas, tanto a descentralização quanto a centralização são polos idealizados, nunca atingidos na totalidade, que exigem poder e autonomia dos órgãos centrais do Estado para acontecer.
Segundo Falleti15, a descentralização é um "processo de reforma do Estado composto por um conjunto de políticas públicas, que transfere responsabilidades, recursos, ou autoridade de níveis superiores para inferiores de governo". Para essa autora, a descentralização, quando realizada no formato da desconcentração, implica em estabelecer um ou mais níveis adicionais de administração delegando-lhes certas funções mais administrativas do que políticas, mantida a coordenação central.16
Apesar da descentralização figurar entre os princípios de organização do Sistema Único de Saúde (SUS), podem ser observadas distintas interpretações quanto a sua operacionalização. Conceitualmente, na administração pública, a transferência de autoridade e responsabilidades, ou descentralização pode se dar por meio: a) da desconcentração, que transfere poder dos centros administrativos para agências periféricas da mesma estrutura administrativa; b) delegação, que transfere responsabilidade e autoridade para agências semi-autônomas; c) devolução, que transfere responsabilidade e autoridade dos níveis centrais para estruturas administrativas separadas, ainda na administração pública; e d) privatização, que transfere responsabilidade operacional, e ocasionalmente propriedade, para provedores particulares.17,18
METODOLOGIA
Na busca bibliográfica inicial sobre experiências de desenvolvimento de ações de Saúde do Trabalhador na APS, foram utilizados os descritores "saúde do trabalhador", "desconcentração", "descentralização", "atenção primária", "atenção básica", "workers' health", "occupational health", "deconcentration", "decentralization" e "primary care", nas bases de dados da CAPES, NDLTD, Pub-Med, LILACS, SciELO e no sistema de bibliotecas da Universidade Federal de Minas Gerais, no período de 1980 a 2008. Também foi realizada análise documental dos registros do processo de desconcentração implementado pelo Departamento de Saúde do Trabalhador (DSAT) da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora, credenciado como CEREST-JF, entre eles os Planos de Trabalho, relatórios técnicos, protocolos e formulários utilizados para referência e contra-referência, além de registros das Conferências Municipais de Saúde realizadas em 1995 e 2000 e as Conferências Municipais de Saúde do Trabalhador que aconteceram em 2003 e 2005, além do Plano Municipal de Saúde de Juiz de Fora de 2001.
Em uma segunda etapa foram analisados os registros referentes aos usuários do CEREST-JF envolvidos no processo, tendo sido selecionados dois subgrupos: o primeiro composto pelos trabalhadores contra-referenciados para as Unidades Básicas de Saúde (UBS) em 2004 (n=292) e o segundo em 2007 (n=79). A sistematização e a consolidação das informações foram realizadas com matriz construída a partir das variáveis: sexo, idade, ocupação, situação no mercado de trabalho, setor econômico de trabalho e diagnóstico recebido por ocasião do atendimento na UBS, assim como o intervalo de tempo decorrido entre o encaminhamento pela UBS e o atendimento no CEREST-JF. Nos procedimentos de contra-referência, foram considerados: o diagnóstico recebido no CEREST-JF, a ocorrência de nova referência, ou "rereferência", e o intervalo de tempo decorrido entre a desconcentração e a "re-referência", quando ocorrida. As informações foram coletadas nos livros de registros do CEREST-JF e nos prontuários. Para caracterização da re-referência, foram considerados os usuários que, após serem contra-referenciados para a UBS,voltaram à consultação no CEREST-JF até a data de 15 de abril de 2008.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, (Parecer nº 256/08), em conformidade com a Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na revisão bibliográfica, não foi encontrado nenhum relato de experiência sobre a desconcentração de ações de atenção à Saúde do Trabalhador realizada a partir de Centro de Especialidades ou de nível secundário para a APS, semelhante à experiência desenvolvida em Juiz de Fora.
Vale mencionar que ,no Plano Estadual de Saúde do Trabalhador de São Paulo,19,20 são destacadas dificuldades para a regionalização e a necessidade de "modelos que possibilitem melhor compreensão das realidades locais", ressaltando a importância de se fortalecer a rede de referência em saúde do trabalhador. Silva et al.21 enfatizam a necessidade da descentralização das ações de saúde do trabalhador para o nível local, em São Paulo, a partir do estudo dos municípios que declararam desenvolver, entre 1995 e 1999, ações de saúde do trabalhador.
É interessante notar que ,no Caderno de Saúde do Trabalhador na Atenção Básica de Saúde22 publicado pelo Ministério da Saúde em 2002, entre os procedimentos prescritos para APS, no caso de diagnóstico de doença relacionada ao trabalho, está o de "encaminhar os casos de maior complexidade para a rede de referência, acompanhá-los e estabelecer a contra-referência", porém, não são detalhados os procedimentos e a organização desses fluxos, que também estão ausentes do texto da Portaria 2.437 de 2005 e no Manual de Gestão e Gerenciamento da RENAST.6,12
Em Juiz de Fora, os primeiros registros sobre a necessidade de desenvolver ações de Saúde do Trabalhador na APS aparecem em 1997, a partir da realização do Curso de Capacitação em Saúde do Trabalhador para profissionais da APS, pela equipe do Instituto de Saúde do Trabalhador.23 Essa diretriz para a descentralização da assistência com apoio do nível secundário foi induzida tanto pelo crescimento da demanda e necessidade de ampliação dos Serviços, quanto pela política municipal de saúde estabelecida no Plano Municipal de Saúde.24,25
Até 2001, os pacientes encaminhados pelas UBS ao atual CEREST-JF eram atendidos sem protocolo específico e os procedimentos de contra-referência tampouco estavam sistematizados. A partir de 2002, foram adotados protocolos específicos para organizar as relações entre o CEREST-JF e a APS. A contra-referência para as UBS passou a incluir a desconcentração, restrita ao acompanhamento clínico, uma vez que as ações de organização e regulação dos fluxos, a confirmação ou conclusão da investigação da relação doença- trabalho, o encaminhamento das pendências previdenciárias e trabalhistas e o estabelecimento de um programa de tratamento permaneciam a cargo do CEREST-JF.26 Nesse processo de desconcentração, o acompanhamento oferecido aos usuários encaminhados para as UBS compreendia consultas médicas, supervisão do atendimento especializado, solicitação de exames ou fisioterapia, e emissão de relatórios médicos para fins periciais.
A implantação dessas ações foi precedida de processo de sensibilização e capacitação dos profissionais da APS, realizado pelo CEREST entre agosto de 2001 e maio de 2002, por meio de quatro cursos, com carga horária de 12 horas, envolvendo 109 técnicos de nível superior das UBS. A seguir, a equipe do CEREST-JF visitou, entre agosto e setembro de 2002, as 40 UBS urbanas, apresentando e discutindo a proposta e os protocolos e impressos específicos que seriam utilizados. Em outubro de 2002, teve início o processo de referência e contra-referência nos novos moldes. Entre as atividades de apoio aos profissionais das UBS instituídas pelo CEREST, consideradas como de prioridade máxima no âmbito do Serviço, destaca-se a consultoria por via telefônica, em tempo real, pelos técnicos do CEREST-JF, denominada "Ramal Tira-Dúvidas".
A supervisão do processo de desconcentração, realizada por meio de reuniões periódicas entre as equipes do CEREST-JF e representantes das UBS, teve início em abril de 2003. Em maio do mesmo ano, a contra-referência passou a incluir a desconcentração do atendimento, com a delegação às UBS da responsabilidade pelo acompanhamento médico assistencial dos pacientes, segundo os critérios previamente estabelecidos.
A Tabela 1 resume as ações mais importantes implementadas pelo CEREST-JF para a descentralização do atendimento em Saúde do Trabalhador para a APS.
Fluxos, protocolos e impressos
A Figura 1 sintetiza os fluxos de referência e contra-referência estabelecidos entre as UBS e o CERESTJF para o atendimento de trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho ou com suspeita de doença relacionada ao trabalho.
Observa-se que a referência da UBS para o CEREST-JF tem início com o preenchimento, pelo técnico da UBS, do formulário de encaminhamento, que inclui informações sobre o trabalhador, entre elas: ocupação, quadro clínico, exames complementares, suspeita diagnóstica e outras julgadas relevantes.
No CEREST-JF, o atendimento aos usuários segue o protocolo e se inicia pela consulta no setor de Orientação, no qual técnicos fazem uma primeira avaliação da possível relação do agravo com o trabalho, e encaminham o usuário, segundo a necessidade, para consulta com o médico, e/ou psicólogo, fonoaudiólogo e/ou outros Serviços de saúde, bem como para outras instituições como, por exemplo, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), o Ministério do Trabalho, a Promotoria Pública , o Sindicato da categoria do trabalhador.
Nas situações em que o trabalhador apresenta ou informa agravo potencialmente relacionado ao trabalho, ele é atendido pelo médico do CEREST-JF. Após a investigação diagnóstica e, eventualmente, a avaliação do local de trabalho, se for confirmada a relação entre o agravo e o trabalho, é solicitada à empresa contratante do trabalhador a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) e é feita a notificação ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN- SUS).
No processo de contra-referência do CEREST-JF para as UBS, os usuários-trabalhadores que tiveram o diagnóstico confirmado de uma doença relacionada ao trabalho e mesmo aqueles para os quais essa relação não foi confirmada, mas cujo tratamento ou controle pode e deve ser realizado ou supervisionado pela APS, são encaminhados a sua Unidade de origem, acompanhados de relatório médico, contendo o diagnóstico e especificações sobre a relação do agravo com o trabalho, informações sobre a conduta adotada, incluindo afastamento do trabalho e encaminhamentos previdenciários e orientações sobre o acompanhamento necessário. Além disso, o usuário recebe ,do setor de Orientação do CEREST-JF, impresso contendo informações sobre os procedimentos de acompanhamento pela UBS, marcação de consultas com especialistas, fisioterapia e programa de vale-transporte para fisioterapia. Os casos em que existem pendências trabalhistas ou previdenciárias para cuja solução o CEREST ainda pode contribuir são mantidos sob acompanhamento do CEREST-JF.
Os usuários desconcentrados
Apesar de o processo sistemático de referência e contra-referência entre as UBS e o CEREST-JF ter se iniciado em outubro de 2002, apenas a partir de maio de 2004 foi adotado o registro, em livro próprio, dos usuários referenciados. Assim, não há informação organizada e disponível sobre os pacientes referenciados pelas UBS até abril de 2004. Em relação aos usuários encaminhados às UBS já dentro do processo de desconcentração, o registro iniciou-se em maio de 2003. Na Tabela 2 é apresentada uma síntese das informações sobre a movimentação dos usuários referenciados ao CEREST-JF pelas UBS e contra-referenciados pelo CEREST-JF para a APS.
Observa-se que o número de usuários encaminhados às UBS é maior nos primeiros anos do processo de desconcentração, possivelmente em decorrência do represamento de pacientes elegíveis para acompanhamento pela APS, uma vez que essa prática não existia até então. Outro fator que pode ter contribuído é a diminuição, ao longo dos anos, do número de referências realizadas pelas UBS, o que precisa ser mais estudado, para que se conheçam suas causas e se proponham soluções.
O perfil dos usuários que passaram pelo processo de desconcentração em 2004 e em 2007, por ocasião da primeira consulta no CEREST-JF, é apresentado na Tabela 3.
Observa-se o predomínio do sexo feminino, com idade média de cerca de 40 anos, em ambos os grupos. As ocupações, ramos de atividade e situação no mercado de trabalho refletem a realidade do trabalho formal em Juiz de Fora28, com destaque para os setores de serviços, indústrias, comércio e construção civil. É pequeno o número de trabalhadores informais, o que reforça a importância de novos estudos sobre o que está ocorrendo com esses trabalhadores.
Em relação à origem dos usuários atendidos pelo CEREST-JF que passaram pelo processo de desconcentração, segundo os dados apresentados na Tabela 4, apenas 20 % no primeiro grupo e cerca de 33% no segundo foram encaminhados pelas UBS, refletinto a existência de outras portas de entrada no sistema.
O diagnóstico de doença relacionada ao trabalho foi estabelecido em 68,4% dos usuários que passaram pelo processo de desconcentração em 2004 e em 50,7% dos que passaram pelo processo em 2007. As doenças osteo-musculares (LER/DORT) predominaram em ambos os grupos, com frequência de de 62,7% em 2004 e 45,6% em 2007.
O intervalo entre a primeira consulta no CEREST-JF e o retorno do usuário para a UBS, ou seja, o período de permanência em atendimento no nível secundário, apesar de decrescente, ainda é longo, sendo em média de 32,3 meses em 2004 e de 22,6 meses em 2007.
É importante ressaltar o possível "efeito represamento" mencionado anteriormente, pois poucos usuários que permaneceram por longos anos sendo acompanhados no CEREST elevam consideravelmente a média de permanência do grupo. Outros fatores que podem ter contribuído para esse tempo de permanência são as dificuldades de acesso às clínicas especializadas e de apoio diagnóstico, pendências previdenciárias ou trabalhistas e rotatividade de profissionais no CEREST-JF, aliados também à "cultura do especialista", que, preconceituosamente, associa melhor atendimento ao nível secundário de atenção, e à baixa autonomia e resolutividade ainda existentes na APS.
Em relação ao retorno ao CEREST, após a desconcentração, denominada de "re-referência", não foi possível avaliá-la entre os usuários em 2007, devido ao curto período de desconcentração. Entretanto, no grupo de 2004, apenas 27,7% solicitaram nova consulta no CEREST, até 15/04/2008. Ou seja, pode-se supor que cerca de 72 % dos usuários encaminhados em 2004 estão sendo atendidos adequadamente pela APS. Quando considerados apenas os usuários com diagnóstico de LER/DORT em 2004, a taxa de re-referência encontrada, no mesmo período, foi de 35,5%, nesse subgrupo. Esses achados merecem ser melhor avaliados, para que se conheçam a trajetória e o nível de satisfação dos usuários envolvidos no processo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deve ser ressaltado que o CEREST-JF antecipouse às diretrizes da RENAST12 e do Pacto de Gestão29 ao promover a qualificação técnica de sua equipe e da APS e ao desenvolver protocolos e instrumentos de apoio para a desconcentração das ações de Saúde do Trabalhador. Entre as contribuições desse processo, destacam-se: a sensibilização e a capacitação continuadas dos técnicos da APS; a definição de fluxos e protocolos específicos para procedimentos de referência e contra-referência; a disponibilização de consultoria e suporte técnico, em tempo real, para os técnicos da rede básica; a orientação aos usuários e a implementação de processos de supervisão, monitoração e reavaliação periódicas.
Os resultados evidenciam que, decorridos mais de seis anos de seu início, o processo de desconcentração de ações de Saúde do Trabalhador desenvolvidas pelo CEREST para a APS em Juiz de Fora encontra-se consolidado e integrado ao SUS. O modelo adotado mostra-se viável e reprodutível, com as adaptações necessárias às distintas realidades regionais do país.
Entre as lições aprendidas nesse processo, destacam-se a importância da definição de um novo papel para o CEREST, no contexto da reorientação do modelo de atenção à saúde proposto pelo Pacto pela Saúde, que tem como eixo orientador a APS.30 Além do estabelecimento dos fluxos de referência e contra-referência, é essencial garantir facilidades de transporte e comunicação; a preparação e disponiblização de rotinas e formulários; o correto e cuidadoso preenchimento dos prontuários e de outros instrumentos e a atualização permanente dos registros e bancos de dados, além do acompanhamento das equipes de saúde nos processos de educação permanente.
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