ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Preconceitos contra a publicação médica no Brasil
Prejudices against medical publishing in Brazil
Andy Petroianu
O progresso científico atual é mais acentuado do que toda a cultura humana acumulada em milênios. Enquanto a facilidade de comunicação criada pela rede de informática eliminou fronteiras geográficas, a adoção do inglês como idioma comum permitiu a compreensão de grande parte da informação publicada. Com os meios eletrônicos, a ciência tornou-se acessível a todos, instantaneamente e quase sem custo.
Há meio século, aceitava-se o domínio científico dos Estados Unidos e dos países considerados alicerces da cultura ocidental, como França, Inglaterra e Alemanha. A medida que outras nações destacavam-se em suas pesquisas, eram aceitas nesse círculo restrito. Já nos últimos 15 anos, houve a maior explosão de conhecimento em quase todos os continentes. Essa situação obrigou os centros mais avançados a aumentarem sua produção científica, para não perderem a hegemonia. Nos dias atuais, não interessam a autoria nem a procedência do conhecimento, mas sua importância e contribuição ao desenvolvimento científico como um todo.
Na corrida científica mundial, o Brasil sobressai entre os países de mais desenvoltura, principalmente graças às Ciências da Saúde, com ênfase na Medicina. Em poucos anos, o Brasil subiu de uma posição mediana para o 12º lugar em produção médica mundial.
Mesmo contendo publicações de elevado mérito, os periódicos científicos brasileiros são pouco lidos e permanecem como fator de baixo impacto no cenário internacional. Há muitos trabalhos bons publicados em revistas nacionais que não conseguem a atenção sequer dos brasileiros. Nesse sentido, a divulgação da nossa ciência nos meios de comunicação nacionais ainda não recebeu o reconhecimento na dimensão de seu elevado valor.
Em decorrência dessa circunstância, os editores das revistas médicas brasileiras mais destacadas estao trabalhando para que seus periódicos sejam incluídos nas principais bases de dados internacionais. Por mais importante que seja o empenho editorial e das sociedades médicas, esse é um processo lento, que depende principalmente da qualidade dos artigos publicados e do esforço unido da comunidade científica, com o apoio de organizações internacionais, instituições de fomento à pesquisa e do poder público.
Se, por um lado, existe o desejo de contribuir para a ciência brasileira alcançar seu merecido lugar, por outro lado alguns profissionais, com poder de normatizar e avaliar pesquisadores, dificultam cada vez mais o desenvolvimento da divulgação médica nacional.
Com a determinação, principalmente dos membros de comitês de assessores em Medicina, de que o valor de um trabalho deve ser avaliado pelo índice de impacto da revista em que ele é publicado, presta-se um desserviço à ciência médica brasileira. Valoriza-se o meio de divulgação, e não o desempenho científico inserido em cada artigo nem o valor de quem o realizou. Há, provavelmente, boa intenção no estabelecimento dessas normas, porém as premissas em relação à publicação científica precisam ser pensadas de maneira mais lógica, inteligente e, principalmente, com mais respeito pela intelectualidade científica brasileira.
Todas as grandes revistas iniciaram sem fator de impacto. Ele foi sendo criado e, posteriormente, elevado graças à persistência de seu corpo editorial em conseguir bons artigos, enviando convites e facilitando a publicação dos principais pesquisadores e profissionais de destaque na área de interesse, para atraí-los a esses periódicos. Instituições de fomento à pesquisa e órgaos governamentais foram, em todos os países, fundamentais para apoiar as revistas na busca de autores renomados e em sua divulgação nacional e internacionalmente. Sem essa visão social, política e científica superior, revista alguma teria adquirido fator de impacto.
Exemplo que deve ser ressaltado é o da China. Encontram-se trabalhos científicos produzidos por seus pesquisadores em periódicos de vários países, contudo, a maioria dos bons artigos é encontrada nas revistas chinesas, que criaram títulos atrativos em inglês e cujos artigos também são publicados nesse idioma. Graças ao apoio social e à intensa propaganda em nível mundial por parte de órgaos oficiais, em curto período muitos desses periódicos foram inseridos em bases de dados internacionais e adquiriram fatores de impacto elevados. Neste país os pesquisadores auxiliam-se mutuamente e trabalham em favor de uma ciência melhor, para todos crescerem.
É evidente que a qualidade de um trabalho científico não pode ser avaliada pelo periódico em que ele foi divulgado, pois existem péssimas pesquisas publicadas em excelentes revistas, assim como ótimas investigações, até vencedoras de muitos prêmios, publicadas em revistas consideradas de menos importância. Cabe, ainda, ressaltar que o trabalho científico deve ser publicado onde é mais lido pelo público-alvo. Não faz sentido publicar uma boa investigação, que diz respeito apenas à comunidade brasileira e que pode contribuir para beneficiá-la, em revista do exterior com fator de impacto alto, porém pouco acessada no Brasil. Todos os trabalhos, mesmo os de extraordinária importância, quando publicados em nosso país são malconceituados pelos avaliadores. Não são raros os artigos de revistas brasileiras, desprestigiadas pelos assessores de diversos comitês, que se tornaram referências internacionalmente respeitadas. Qual será o pensamento dos pesquisadores de outros países ao tomarem conhecimento dessa realidade?
Talvez seja prudente refletir sobre quem os membros dos comitês querem beneficiar quando valorizam um entre muitos autores incluídos, por vezes, de forma fraudulenta, em um artigo qualquer publicado em revista de alto impacto, mas desprezam o autor principal de excelentes trabalhos publicados no Brasil. A tendência colonialista e a autofagia, que deveriam ter sido banidas da cultura nacional há quase um século, ganham nova força no setor social mais nobre, o científico. Os pesquisadores são obrigados a publicar em periódicos de elevado impacto, portanto, do exterior, para não serem prejudicados. Os programas de pós-graduação e os institutos científicos são avaliados pelo fator de impacto das revistas em que seus professores, pesquisadores e alunos publicam. Não há a intenção, neste momento, de questionar a honestidade ou a qualidade científica dos avaliadores, mas a sua conduta imprópria.
Com essa normatização preconceituosa, dificulta-se sobremaneira a publicação nas revistas nacionais justamente quando a ciência brasileira começa a ser vista com respeito no exterior e passa a ser referenciada. O mais correto seria apoiar e valorizar a publicação nos periódicos nacionais, para que os pesquisadores de outros países, ao avaliarem os artigos publicados no Brasil, percebam o nosso elevado nível científico e incluam essas revistas entre as lidas internacionalmente. Da forma como está ocorrendo, cria-se uma dicotomia aos olhos do mundo; o Brasil produz ciência de ponta, toda ela publicada no exterior, enquanto suas revistas trazem artigos de menos valia, não condizentes com a categoria superior de seus pesquisadores.
Estudos realizados por grandes pesquisadores brasileiros, patrocinados com verbas provenientes de fontes nacionais, beneficiam revistas de outros países, que em nada contribuíram para a ciência de nosso país, mas conseguem melhorar seu fator de impacto. Enquanto isso, nossas boas revistas serao, em breve, obrigadas a desaparecer por falta de apoio das lideranças científicas, que se deixam influenciar pelos avaliadores, cujas normas são nocivas à divulgação científica nacional.
Os médicos brasileiros, ao serem desafiados, mostraram que são capazes de responder cientificamente, em profusão e qualidade. Espera-se dos ocupantes de posições privilegiadas, como avaliadores da ciência médica brasileira, que sejam dignos dos cargos em que estao e estejam à altura dos pesquisadores responsáveis pelo presente e futuro da nação. Todos os médicos e professores universitários têm o dever de prestigiar nossos meios de comunicação científica em Medicina. Essa atitude não é favor, mas obrigação moral de solidariedade com os colegas e o meio social que nos sustenta.
Andy Petroianu
Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina, UFMG; Docente Livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da Escola Paulista de Medicina, UNIFESP; Docente-Livre em Gastroenterologia Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto, USP; Doutor em Fisiologia e Farmacologia - Instituto de Ciências Biológicas, UFMG, Pesquisador I do CNPq
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