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CAPES/Qualis: B2
Proteína C reativa ultrassensível em indivíduos de 20 a 30 anos
High-Sensitive C-reactive protein in individuals aging from 20 to 30 years old
Eduardo Nunes Henriques1; Poliana Valente Pinheiro1; Thiago Rocha Marques1; Luciana Moreira Lima2
1. Biomédico da Universidade José do Rosário Vellano, Belo Horizonte , MG - Brasil
2. Biomédica da Companhia de Tecnologia da Informaçao de Minas Gerais - Prodemge, Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Academia do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF. Juiz de Fora, MG - Brasil
4. Professora Adjunta do Departamento de Medicina e Enfermagem, Curso de Medicina da Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, MG - Brasil
Profª. Drª. Luciana Moreira Lima
Departamento de Medicina e Enfermagem - Universidade Federal de Viçosa
Av. PH Rolfs, s/n - Centro
Viçosa, MG - Brasil CEP: 36570-000
E-mail: luciana.lima@ufv.br
Recebido em: 11/05/2011
Aprovado em: 04/04/2012
Instituição: Faculdade de Biomedicina da Universidade José do Rosário Vellano. Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
INTRODUÇÃO: a proteína C-reativa (PCR) é um marcador de fase aguda que se eleva em processos inflamatórios e infecciosos. Níveis elevados de proteína C ultrassensível (PCRus) têm sido associados a eventos cardiovasculares futuros.
OBJETIVOS: determinar a concentração plasmática de PCRus em indivíduos saudáveis de 20 a 30 anos e correlacioná-la com alguns fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV).
MÉTODOS: foi conduzido estudo observacional descritivo do tipo transversal. Participaram do estudo 50 indivíduos, sendo 74% do sexo feminino, com média de idade de 24,4 ± 3,9 anos, todos estudantes de graduação da Universidade José do Rosário Vellano. A determinação da PCRus foi realizada no soro, pelo método imunoturbidimétrico, utilizando-se o equipamento Cobas Mira Plus.
RESULTADOS: foram observados valores médios de PCRus de 4,9 ± 3,6 mg/L. Não foi apurada diferença significativa para os valores de PCRus nos dois sexos. Os homens apresentaram valores de índice de massa corporal e pressão arterial sistêmica sistólica significativamente mais altos quando comparados com estudantes do sexo feminino (p<0,05). Foram observadas correlações significativas entre alguns parâmetros estudados.
CONCLUSÕES: os níveis de PCRus não foram associados a: idade, pressão arterial, tabagismo, IMC e história familiar para DCV nos indivíduos estudados. Os níveis de PCRus não se mostraram diferentes entre homens e mulheres. Estudos adicionais envolvendo maior número de estudantes são necessários para esclarecer, com fidedignidade, a relação entre os níveis plasmáticos de PCRus e os fatores de risco cardiovascular em indivíduos de 20 a 30 anos.
Palavras-chave: Proteína C Reativa; Pesquisa Biomédica; Experimentação Humana; Doenças Cardiovasculares.
INTRODUÇÃO
A crescente incidência das doenças cardiovasculares (DCV) no último século originou a busca incessante pelos fatores de risco relacionados ao seu desenvolvimento. Ainda que a genética e a idade tenham importância nessa evolução, grande parte dos outros fatores de risco pode ser influenciada por modificações no estilo de vida, de forma a reduzir os eventos cardiovasculares.1
As DCVs constituem importante causa de morte nos países desenvolvidos e também naqueles em desenvolvimento.2 Em 2002, no Brasil, as DCVs foram responsáveis pela elevada proporção de óbitos, sendo responsável por 28,8% em homens e 36,9% em mulheres.3,4
Os avanços na fisiopatologia da aterosclerose mostraram o papel fundamental da inflamação, mediando todas as etapas da doença.5 Marcadores inflamatórios, principalmente a proteína C reativa ultrassensível (PCRus), vêm sendo intensamente estudados nos portadores de DCV e até mesmo em indivíduos aparentemente saudáveis, com o apoio do avanço tecnológico obtido na determinação da concentração plasmática desses parâmetros.6 Evidências experimentais de que a aterosclerose, além de ser doença de acumulação lipídica, também se caracteriza por ser um processo inflamatório crônico fazem com que pesquisadores busquem marcadores inflamatórios para a predição do risco cardiovascular.7
O objetivo do presente estudo foi determinar a concentração de PCRus em indivíduos saudáveis de 20 a 30 anos, estudantes da Universidade José do Rosário Vellano, buscando possível associação com tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, história familiar e sobrepeso.
MATERIAL E MÉTODO
Este é um estudo observacional descritivo do tipo transversal. O projeto recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade José do Rosário Vellano. Participaram do estudo 50 indivíduos, de ambos os sexos, todos estudantes de graduação com idade entre 20 e 30 anos. Após a concordância em participar do estudo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em que se conheciam os objetivos da pesquisa, uma ficha clínica contendo dados importantes para análise dos resultados foi preenchida em todos os casos.
O IMC foi calculado considerando-se a razao entre o peso corporal e o quadrado da estatura (kg/m2). Para a determinação da estatura, foi utilizado um estadiômetro com escala de medida de 0,1 cm, enquanto para verificação do peso corporal foi empregada balança antropométrica com precisão de 100 g. Os níveis de pressão arterial sistêmica sistólica (PAS) e diastólica (PAD) foram aferidos com auxílio de um esfigmomanômetro e estetoscópio. Com o indivíduo sentado, após período mínimo de cinco minutos de repouso, a pressão arterial sistêmica foi aferida no braço esquerdo de todos os participantes. Foram realizadas duas medidas consecutivas, sendo que o valor médio de ambas foi considerado para os resultados.
Foram considerados quatro fatores de risco cardiovascular neste estudo: obesidade, tabagismo, DCV no histórico familiar e hipertensão arterial sistêmica. Os critérios para a detecção dos fatores de risco estudados tiveram como base as recomendações da Sociedade Brasileira de Cardiologia.8,9 Foram considerados obesos indivíduos que apresentaram índice de massa corporal (IMC) superior a 30,0. Foram considerados tabagistas os indivíduos com consumo regular de qualquer quantidade de cigarros, por período superior a seis meses. Foram considerados com história familiar para DCV indivíduos que apresentaram parentes de primeiro grau com idade inferior a 55 para homens e inferior a 65 anos para mulheres com DCV diagnosticada, considerando infarto agudo do miocárdio (IAM), angina estável e/ou instável, acidente vascular encefálico (AVE) e doença arterial obstrutiva periférica (DAOP). Foram considerados hipertensos os participantes com diagnóstico prévio de hipertensão arterial sistêmica que faziam uso de medicamentos anti-hipertensivos.
Foram coletadas amostras de 10 mL de sangue venoso dos participantes, após jejum de oito horas, em tubos do sistema Vacutainer® (Becton-Dickinson), sem anticoagulante, durante os meses de janeiro a julho de 2009. As amostras de sangue foram rapidamente centrifugadas a 2.500 rpm, divididas em alíquotas e estocadas a -20ºC até o momento da realização das análises laboratoriais.
A determinação quantitativa da PCRus foi realizada no soro a partir do uso do conjunto diagnóstico Bioclin® Proteína C-Reativa Turbidimetria, cujo princípio analítico é o método turbidimétrico com látex aprimorado, seguindo as instruções fornecidas pelo fabricante, com metodologia ultrassensível específica para monitoramento em Cardiologia, com linearidade de 0,1 a 15 mg/L. A presença da PCR na amostra causa aglutinação das partículas de látex cobertas com anticorpos antiPCR. O grau de aglutinação é proporcional à concentração de PCR na amostra e pode ser medido por turbidimetria. Esse processo baseia-se na detecção ótica de partículas muito pequenas suspensas em meio líquido. Quando o anticorpo antiPCR e a amostra são misturados, formam-se imunocomplexos. A diluição adquire turbidez, que é proporcional à quantidade de antígeno. O ensaio foi realizado utilizando-se o aparelho Cobas Mira Plus® em sistema automatizado, empregando-se o procedimento técnico recomendado pelo fabricante. Foi usado o soro controle Serodos® (In Vitro® Diagnostica) para verificar o desempenho do ensaio.
A análise estatística foi realizada pelo teste t-Student para a comparação de médias. O teste Qui-quadrado foi utilizado para a comparação das variáveis categóricas. Foram escolhidos os testes de correlação de Pearson e Spearman para analisar a associação entre as variáveis contínuas e dicotômicas, respectivamente. O nível de significância adotado para o estudo foi 5%. Os programas Sigma Stat® versão 1.0 e Prism® versão 3.0 foram utilizados para realizar as análises e plotar o gráfico, respectivamente.
RESULTADOS
Dos 50 participantes do estudo, 12 (24%) eram homens e 38 (74%) mulheres, com média de idade de 24,4 ± 3,9 anos. Não foi verificada diferença significativa para os valores de PCRus nos dois sexos. A Figura 1 apresenta a distribuição dos valores de PCRus para os participantes do estudo.
Quando os participantes foram divididos por sexo, foram observados valores de índice de massa corporal (IMC) e PAS significativamente mais altos em participantes do sexo masculino quando comparados às participantes do sexo feminino (Tabela 1). Para os outros fatores de risco não foram constatadas diferenças significativas.
Foram detectadas correlações positivas e significativas entre alguns parâmetros estudados. Na Tabela 2 estao detalhadas tais correlações com seus respectivos coeficientes e probabilidades. Entre as demais variáveis não foram observadas correlações estatisticamente significativas.
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo indicam que as médias de todas as variáveis estudadas foram classificadas como normais de acordo com seus respectivos valores de referência. Excetua-se a PCRus, que apresentou sensível elevação, possivelmente pela existência de um processo inflamatório em alguns dos participantes, que apresentaram valores de PCRus acima de 10 mg/L (Figura 1), considerados inespecíficos.10 A literatura preconiza que a interpretação dos valores de PCRus para risco cardiovascular só pode ser realizada na ausência de quadros inflamatórios sistêmicos e não deve ser interpretada isoladamente, devendo ser associada a achados clínicos e exames complementares, considerando-se também os fatores de risco para DCV.11
Na análise comparativa entre os sexos houve diferenças significativas para os fatores IMC e PAS. O IMC, em média, foi significativamente superior nos homens em relação às mulheres (p<0,05), contudo, esse achado não pode ser considerado clinicamente considerável, pois tanto homens como mulheres tiveram médias de IMC na faixa considerada normal (Tabela 1), não indicando sobrepeso ou obesidade na população estudada.
Fernandes et al.12, considerando as variáveis PCRus e sexo, demonstraram que as mulheres possuíam níveis de PCRus significativamente mais altos que os homens, mesmo após ajuste para IMC e outros tradicionais fatores de risco cardiovasculares. Os dados obtidos no presente estudo não corroboram esses achados, uma vez que não houve diferença significativa entre homens e mulheres para os valores de PCRus (Tabela 1, Figura 1).
Como visto na Tabela 2, houve correlação positiva e significativa entre idade e IMC, idade e PAD, IMC e PAS e entre PAS e PAD. Corroborando os nossos resultados, Garcia et al.13 e Kim et al.14 encontraram valores de PAS significativamente superiores em indivíduos com elevados percentis de IMC, comparados a seus pares com valores de IMC normal. Segundo Blauth et al.15 há significativa associação entre aumento do peso com elevação da pressão arterial, em conformidade com dados de outros estudos, mostrando que o aumento do IMC pode ser considerado um bom preditor do risco de desenvolvimento de hipertensão arterial em mulheres idosas. Os autores reafirmam, também, a importância do excesso de gordura abdominal na etiopatogenia da hipertensão.
Não houve correlação estatisticamente significativa entre os níveis plasmáticos de PCRus e as variáveis estudadas, considerando todos os participantes do estudo (n=50). A correlação entre os níveis de PCRus e os fatores de risco cardiovascular ainda são controversos na literatura. Bazzano et al.16 analisaram a associação entre DCV e marcadores bioquímicos relacionados ao tabagismo, como PCRus, na população dos EUA com 4.187 fumantes, 4.791 ex-fumantes e 8.375 nunca fumantes, demonstrando que a PCRus apresentou o dobro de chance de ser mais elevada nos pacientes fumantes quando comparados com os não fumantes. Contrariamente, Blauth et al.15 salientaram que, apesar de alguns autores sugerirem a existência de correlação entre PCRus e PAD, a análise de polimorfismos do gene humano da PCR mostrou que não houve correlação entre o aumento de PAD e a variante genética que determina altas concentrações de PCRus no soro dos pacientes, sugerindo que a associação observada em tais estudos pode ter sido influenciada por outros fatores não descritos. O estudo de Kim et al.9 corrobora esse resultado.
Uma limitação do estudo ora apresentado foi que os valores de PAS e PAD foram obtidos em uma única ocasiao. É possível que, se repetidas numa segunda ocasiao, algumas dessas medidas alteradas passassem para a faixa de normalidade. Contudo, essas considerações não invalidam os achados da correlação demonstrada entre o IMC e os valores de PAS dos sujeitos da pesquisa. Outro ponto a ser considerado foi o reduzido número de participantes do nosso estudo, que pode ter influenciado no resultado médio de algumas variáveis, alterando, assim, o resultado final e sugerindo que a ausência de diferença significativa obtida para alguns parâmetros deve ser interpretada com cautela. Estudos adicionais envolvendo maior número de estudantes podem contribuir para esclarecer, com fidedignidade, a correlação entre IMC e PAS em indivíduos supostamente saudáveis na faixa etária de 20 a 30 anos.
CONCLUSÕES
A análise conjunta dos dados obtidos com este estudo permite concluir que os níveis plasmáticos de PCRus não foram associados a: idade, pressão arterial sistêmica, tabagismo, IMC e história familiar para doenças cardiovasculares nos indivíduos estudados. Os níveis de PCRus não se mostraram diferentes entre homens e mulheres. No entanto, os indivíduos do sexo masculino apresentaram IMC e PAS mais elevados quando comparados aos indivíduos do sexo feminino.
REFERENCIAS
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