RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. (4 Suppl.3)

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Editorial

O novo século e a pediatria

Ennio Leão

 

Como a pediatria vem se tornando uma Pediatria Geriátrica1 e também se preparando para cuidar de crianças que vao viver 100 anos2, é preciso que o pediatra proporcione a essas crianças não só uma infância e adolescência saudáveis, mas que se transformem em adultos e idosos também saudáveis.

Houve um momento recente em que se previa uma crise para a pediatria. A diminuição da natalidade e o aumento da população idosa faziam pensar em mudança do padrao de assistência médica. Houve redução de leitos hospitalares e fechamento de enfermarias pediátricas, diminuição de locais de trabalho e de empregos. Entretanto, em face das novas responsabilidades que vêm surgindo para a pediatria, essa preocupação parece transitória.

É bom lembrar que a assistência pediátrica mudou inteiramente nos últimos anos. De um tempo em que o atendimento se limitava às crianças até 12 anos de idade, passou-se para a atenção à criança e ao adolescente, cuidados que vao, hoje, até em torno de 20 anos. Há situações, ainda, principalmente em adolescentes portadores de doenças crônicas ou com necessidade de cuidados especiais, em que esse prazo tem que se prolongar3 para o melhor atendimento ao doente e uma transição médica bem aceita.

A Pediatria, antes principalmente curativa devido à sobrecarga de doenças infecciosas e nutricionais, nunca deixou, entretanto, de se preocupar com a Puericultura, que se limitava, todavia, à faixa etária antes citada. Agora, além da parte curativa, o pediatra terá de prevenir não apenas as doenças da criança e do adolescente, mas, com um olhar mais à frente, prevenir também doenças crônico-degenerativas do adulto e do idoso.

Surge uma nova visão das origens da saúde e da doença, conceituada como "origens desenvolvimentistas da saúde e da doença", cujos estudos vêm demonstrando que agressões não só de doenças, mas também nutricionais e ambientais desde os períodos iniciais do desenvolvimento somático, poderiam influir no surgimento de doenças crônico-degenerativas4. Assim, ao lado da carga genética, o desenvolvimento fetal e os primeiros anos de vida passam a ser de importância fundamental para a manutenção da saúde presente e futura, os agravos nesses períodos podendo contribuir para o aparecimento de doenças na idade adulta.

Novos conceitos mostram que doenças nutricionais na infância podem se apresentar como de curta e de longa latência. Nestas últimas, a latência ou incubação pode ser de longos períodos, muitas vezes anos, vindo a aparecer no adulto e aumentando a responsabilidade do pediatra. Como exemplos poderiam ser citados: a deficiência de ácido fólico com a anemia megaloblástica e os defeitos do tubo neural como de curta latência e a hiper-homocisteinemia como de longa; a deficiência de vitamina D com raquitismo e osteo-malácia de curta e osteoporose como de longa latência5.

A desnutrição, embora tenha diminuído em suas formas graves, continua fazendo vítimas com as suas formas leves e moderadas. O pediatra, ao lado de se preocupar com a fome declarada, tem que estar atento para a "fome oculta", que pode atingir todas as camadas sociais. A transição nutricional leva-nos a uma epidemia de obesidade também na infância, com seus malefícios para a criança não só quando se instala, mas acarretando sérias conseqüências durante sua evolução.

O elevado número de medicamentos novos faz com que o clínico deva conhecer as interações, as reações e a toxicidade dos produtos, tendo o cuidado de não prescrever "a última novidade" sem conhecer bem o que vai usar.

Avanços tecnológicos em Medicina são evidentes, surgem a cada dia e têm seu lugar. É preciso lembrar, contudo, que exames complementares, como o nome indica, são complementos do diagnóstico. O diagnóstico deve ser elaborado pela anamnese bem feita e pelo cuidadoso exame físico. No atendimento primário, a maioria dos casos pode ser resolvida pelo exame clínico, muitas vezes sem, ou com poucos, exames complementares.

Vê-se, pois, que o campo de ação da Pediatria vem se ampliando com o surgimento de novas áreas de atuação.

Torna-se cada vez mais evidente que a Pediatria bem exercida é um fator preponderante para o bem-estar da saúde física e comportamental das futuras gerações, conseqüentemente do país, razao soberana para que haja mais investimentos dos governos e de organismos controladores da saúde na Medicina da criança e do adolescente.

E, assim, o novo século surge com uma pediatria mais abrangente, com um amplo horizonte e com a perspectiva de um brilhante e importante futuro.

 

Ennio Leao

Professor Emérito da UFMG.

Depatarmento de Pediatria da Fac Med UFMG.

 

REFERENCIAS

1. Davis JA - Geriatric pediatrics. Arch Dis child 1989;64:1752-4

2. Murahovschi J - Uma nova pediatria para crianças que vao viver mais de 100 anos - Puericultura, ciência e arte em transição. In Alves JGB, Carneiro-Sampaio M.(Eds). Prevenção de doenças do adulto na infância e na adolescência. Rio de Janeiro: Medbook Editora Científica Ltda; 2007, p.1-6.

3. Reider-Demer M, Zielinski T, Carvajal S, Anulao K, van Roeyen L. When is a pediatric patient no longer a pediatric patient? J Pediatr Health Care 2008;22:267-9.

4. Silveira PP, Portella AK, Goldani MZ, Barbieri MA. Origens desenvolvimentistas da saúde e da doença. J Pediatr (Rio J) 2007;83(6):494-504.

5. Heaney RP - Long-latency deficiency disease: insights from calcium and vitamin D. Am J Clin Nutr 2003;78:912-9