RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. (4 Suppl.3)

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Artigo Original

Características sociodemográficas e clínicas de crianças e adolescentes diabéticos em acompanhamento no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

Clinical and sociodemographical characteristics of diabetic children and adolescents followed-up in the Universitary Hospital from the Federal University of Minas Gerais, Brazil

Ivani Novato Silva1; Marlene Clarett da Silva Reis2; Montse Vergara Duarte3; Cristiano Túlio Maciel de Albuquerque4

1. Professora Associada-doutora do Depto de Pediatria da Faculdade de Medicina; Coordenadora da Divisao de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais
2. Mestre em Enfermagem; enfermeira da Divisao de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas, UFMG; Professora da Fundaçao Mineira de Educaçao e Cultura - FUMEC
3. Estatística; Doutoranda em Epidemiologia y Salud Pública, Unitat de Recerca en Salut Laboral, Departament de Ciències Experimentals i de la Salut, Universitat Pompeu Fabra; CIBER Epidemiologia y Salud Pública (CIBERESP), Espana
4. Especializando em endocrinologia na Divisao de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas, UFMG; Médico-assistente do Hospital Infantil Joao Paulo II - FHEMIG

Endereço para correspondência

Profa. Ivani Novato Silva
Depto. de Pediatria da FM - UFMG
Av Alfredo Balena, 190/sala 267
Belo Horizonte - MG CEP 30130 - 100
E-mail: ivanins@medicina.ufmg.br

Instituicao Divisao de Endocrinologia Pediátrica do Hospital das Clínicas/Departamento de Pediatria da UFMG; Belo Horizonte, MG.

Resumo

Este estudo teve como objetivo traçar, de maneira preliminar, o perfil da população em acompanhamento no Programa de Assistência Ambulatorial às crianças e adolescentes diabéticos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e suas principais características clínicas. Foi realizada análise descritiva uni e bivariada de 455 registros de pacientes em relação a sexo, idade, local de residência, tipo de diabetes, ano de diagnóstico, tempo de acompanhamento e tempo transcorrido entre o diagnóstico e a admissão no Programa. Para descrever as características clínicas, foi feita revisão da literatura já publicada sobre essa amostra de pacientes. Adolescentes predominantemente do sexo feminino, com tempo médio de doença de oito anos, em acompanhamento mediano por seis anos e 82,6% provenientes de Belo Horizonte e sua regiao metropolitana compoem o perfil do paciente atendido no programa. Diabetes mellitus do tipo 1 representou 98,7% dos diagnósticos. Os estudos clínicos já realizados e publicados sobre essa população mostram resultados semelhantes aos relatos da literatura. Observou-se associação com doenças auto-imunes e ocorrência de índices de complicações crônicas elevados para a faixa etária, relacionados, em parte, à dificuldade em se obter controle metabólico dentro das metas estabelecidas.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus Tipo 1; Criança; Adolescente; Perfil de Saúde; Condições Sociais; Fatores Socioeconômicos.

 

INTRODUÇÃO

O Diabetes Mellitus (DM) é um dos principais problemas de saúde pública em todo o mundo, pela prevalência, pela acentuada morbimortalidade e pelo alto custo econômico e social. Representa a sexta causa de internação hospitalar e contribui para outras enfermidades como cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral e hipertensão arterial sistêmica. É responsável por 30% das internações em terapia intensiva, é principal causa de cegueira adquirida e aproximadamente 26% dos pacientes sob diálise são diabéticos.1,2 A incidência e prevalência do diabetes mellitus vêm aumentando em ritmo acelerado; no ano de 1994 havia 110 milhoes de diabéticos e projeta-se para 2025 mais de 300 milhoes em todo o mundo.2-5 Destes, 5 a 10% correspondem ao diabetes mellitus tipo 1 (DM1). A incidência de DM1 na América Latina está na faixa de 0,4 a 8,3 casos por 100.000 crianças até 15 anos de idade por ano. Os escassos dados brasileiros sobre a doença mostram que no estado de São Paulo a incidência em crianças até 14 anos é de 7,6 por 100.000 crianças por ano3,6 e em Passo Fundo (Rio Grande do Sul) é de 12 por 100.000 crianças por ano.7 Com o advento da obesidade em toda a população, incluindo crianças e adolescentes, vem ocorrendo aumento de incidência de DM2 também nessa faixa etária. O DM1 também tem incidência aumentada e está ocorrendo cada vez mais precocemente. Embora não esteja claro se as mudanças dos hábitos de vida, alimentares e sedentarismo estao envolvidos nesse aumento do DM1, vários trabalhos têm mostrado sobreposição entre os tipos de DM, com influências dos componentes ambientais, genéticos, de insulinopenia e insulinorresistência.8

A investigação das características dos pacientes acompanhados é fundamental para a implementação de medidas de controle e melhorias do cuidado. Para este estudo, a organização do serviço com o registro das informações é imprescindível.

No Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) é desenvolvido, desde 1977, o Programa de Assistência Ambulatorial às Crianças e Adolescentes Diabéticos. Nesse hospital são procedidas atividades de ensino e pesquisa associadas à assistência. O serviço funciona como referência no Sistema Unico de Saúde (SUS) para o atendimento às crianças diabéticas. A equipe do programa é multiprofissional, composta de médicos, enfermeira, assistente social, psicólogas e nutricionista.

O objetivo principal do atendimento é a melhora sustentada do controle metabólico, com manutenção de níveis glicêmicos e hemoglobina glicada o mais próximo dos valores de referência estabelecidos, por meio do autocontrole com monitorização diária da glicemia e medidas que envolvem hábito alimentar, medicação e atividade física. Espera-se adequada qualidade de vida com ausência de complicações agudas e em longo prazo.9-11

Com o objetivo de organizar as informações, os autores desenvolveram uma base de dados que agrega informações dos pacientes do programa e que permite acompanhar, de forma sistematizada, os pacientes cadastrados no programa por meio de dados sociodemográficos e clínicos básicos.

Pela própria vinculação da atividade assistencial com o ensino e a pesquisa, vários estudos já foram desenvolvidos analisando aspectos clínicos do controle das crianças e adolescentes diabéticos atendidos no HC-UFMG. Esses estudos ajudaram a identificar características da clientela assistida e a situação do controle realizado em determinados espaços de tempo, mas as constantes transformações dessas características, as modificações para o melhor tratamento preconizado e suas conseqüências nos parâmetros clínicos tornam necessário um sistema dinâmico de registro e análise desses dados para diagnósticos periódicos das condições de funcionamento do programa.

Este estudo traça, de maneira preliminar, o perfil da população em acompanhamento no programa e suas principais características clínicas.

 

METODOLOGIA

Utilizando-se a base de dados criada em 2002 no software Excel, do pacote Office 2000, foram obtidas as informações de todos os pacientes admitidos no Programa desde 1977 até julho de 2007. Como o sistema de registro das informações clínicas ainda está em desenvolvimento, estas foram investigadas a partir de revisão de literatura de trabalhos publicados sobre a população-alvo.

Variáveis do estudo

As características sociodemográficas estudadas foram sexo, idade e local de residência. A variável idade foi calculada pela diferença entre a data de referência, 1º de julho de 2007 e a data de nascimento, e foi classificada segundo dois critérios. O primeiro, para separar os pacientes em crianças e adolescentes (abaixo de 21 anos) e adultos; e o segundo definido pelo programa em faixas etárias que agregam características comuns da evolução da doença e condutas do cuidado clínico: até três, de três a 11, de 12 a 20 e 21 anos ou mais. O local de residência foi codificado como Belo Horizonte, regiao metropolitana e interior. Quanto às características de acompanhamento clínico, consideraram-se o tipo de diabetes, o ano e tempo de diagnóstico até a data de referência, o ano de admissão, o tempo transcorrido entre o diagnóstico e a admissão no programa e o tempo de acompanhamento até a data de referência. Todos os tempos foram medidos em anos. A situação do cliente foi categorizada em: assíduo (o cliente encontrava-se em acompanhamento há pelo menos um ano); encaminhado (o cliente foi transferido para outro serviço por solicitação própria ou foi encaminhado para o Serviço de Endocrinologia de Adultos do mesmo Hospital); e ausente (o cliente não compareceu às consultas médicas por mais de um ano até a data de referência).

Análise estatística

Foi feita análise estatística descritiva univariada e bivariada. As variáveis referentes aos tempos de diagnóstico e acompanhamento foram descritas pela mediana, por serem distribuições assimétricas. Também se analisou a situação do cliente no programa em função das características sociodemográficas. Para a análise dos dados utilizou-se o pacote estatístico SPSS 11.0.

 

RESULTADOS

Características sociodemográficas e do acompanhamento clínico

Até julho de 2007, 455 pacientes foram cadastrados, sendo que 341 (74,9%) eram assíduos, quatro (0,9%) foram transferidos ou encaminhados para outros serviços e 110 (24,2%) encontravam-se ausentes do programa há mais de um ano. Desses pacientes, 449 (98,7%) apresentaram diabetes tipo 1 e seis (1,3%) tipo 2. A mediana do tempo de diagnóstico dos pacientes foi de oito anos, sendo o máximo de 25 e o mínimo menos de um ano. A porcentagem de pacientes diagnosticados por ano, admitidos no serviço, aumentou desde a implantação do programa. Do total de pacientes, 246 (54,1%) eram do sexo feminino. Os pacientes tinham entre dois e 31 anos, com média de 15,1 anos (DP = 5,4), sendo a porcentagem de menores de 21 anos de 85,9%. A categoria de idade com maior número de pacientes foi de 11 a 20 anos (61,3%), seguida da faixa etária de três a 10 anos (24,0%) e de 21 anos ou mais (14,1%). A faixa etária com menor número de pacientes corresponde aos pacientes com idade até três anos (0,7%). Quanto ao local de residência, verificou-se que 82,6% dos pacientes moram na cidade de Belo Horizonte ou na sua regiao metropolitana e 17,4% no interior de Minas Gerais.

A porcentagem de pacientes ausentes foi semelhante para os dois sexos (24,8% para as mulheres e 23,4% para os homens). A porcentagem mais alta de crianças ausentes até 21 anos encontra-se na faixa etária de 11 a 20 anos. A porcentagem de ausentes não diferiu significantemente entre as regioes. Observou-se que dos 455 pacientes cadastrados, a porcentagem dos assíduos até 21 anos foi de 67,0% e a de ausentes nessa faixa etária foi de 21,5%. Também se pode ver que, do total de pacientes cadastrados, 7,9% eram assíduos e adultos (Tabela 1).

 

 

A mediana do tempo de acompanhamento dos pacientes foi de seis anos, sendo o tempo máximo de 23 anos e o mínimo de menos de um ano. Na Figura 1 observa-se que até 1984 não há registro de pacientes admitidos. A partir desse ano, o número de pacientes aumentou gradativamente. Entre 2002 e 2006 foram admitidos 190 (41,8%) novos pacientes.

 


Figura 1 - Distribuição da porcentagem de pacientes com DM1 cadastrados até agosto de 2007 no HC-UFMG em função do ano de admissão (n = 455).

 

A mediana do tempo transcorrido entre diagnóstico e admissão no programa foi menor que um ano. De fato, na Figura 2 pecebe-se que quase 60% dos casos têm menos de um ano entre o diagnóstico da doença e a admissão do cliente no Programa, 18,7% têm um ano e 21,5% têm mais de dois anos transcorridos.

 


Figura 2 - Distribuição da porcentagem de pacientes diabéticos cadastrados até 2007, segundo o tempo transcorrido entre o diagnóstico e a admissão noHC-UFMG (n = 455).

 

Revisão das características clínicas

A ocorrência de complicações crônicas e o desenvolvimento de co-morbidades comumente relacionados ao DM1 foram avaliados nessa população de crianças e adolescentes.

O comprometimento da estatura final nesses pacientes diabéticos foi identificado por Rodrigues e Silva12 numa amostra de 72 pacientes. Houve prejuízo na estatura final dos indivíduos em relação à população geral, com 88,9% dos valores de escore z de estatura final/idade abaixo da média. Num subgrupo de 23 pacientes foi observada perda na estatura final em relação à estatura do diagnóstico e houve relação, também, com pior controle glicêmico. Essa perda foi semelhante à relatada em outros estudos.

Além do prejuízo no crescimento, dois estudos mostraram a ocorrência, na infância, de complicações crônicas, habitualmente descritas nos indivíduos adultos.

Em 2005, Ferreira et al.13 avaliaram 48 pacientes com cinco a 10 anos de doença diagnosticada, para investigar a prevalência de neuropatia diabética. A média de idade foi de 12,9 anos e ao diagnóstico foi de seis anos. A média da dose de insulina utilizada nessa amostra foi de 0,86 U/kg/dia. A época, nenhum paciente tinha tratamento intensificado, com múltiplas doses de insulinas ao dia, que é a prática atual. A hemoglobina glicada A1C estável (HbA1c), principal parâmetro do controle glicêmico, foi > 9 % em 36 de 43 pacientes (83,3%), mostrando controle inadequado. Neuropatia diabética foi encontrada em 25 a 46% dos pacientes, dependendo dos critérios estabelecidos para o diagnóstico. O relato de neuropatia no público infantil com diabetes variou de 0 a 54%. As taxas encontradas na população estudada foram consideradas altas. A maioria dos relatos apresentou prevalência de neuropatia de 28 a 40% em pacientes com 20 anos de doença e próxima de 70% naqueles com mais de 30 anos de doença em adultos com DM1 de início precoce.

A nefropatia diabética (ND) foi estudada por Salgado14 em indivíduos com DM1 diagnosticado antes de 1999. Foram estudados 205 pacientes com tempo médio de diabetes de 11,3 anos, média de idade ao diagnóstico de 6,1 ± 3,54 anos e tempo médio de acompanhamento no serviço de 9,8 ± 4,03 anos. Dos 205 indivíduos, 156 (76,1%) eram normotensos e 49 (23,9%) eram hipertensos. A média da HbA1c durante o tempo de acompanhamento foi de 9,4 ± 1,43%. A prevalência de ND encontrada foi de 21%, sendo que 9,8% dos pacientes apresentaram proteinúria e doença renal crônica terminal (DRCT). Em alguns estudos que avaliaram crianças e adolescentes com tempo médio de DM1 similares a esse, a prevalência de microalbuminúria descrita foi de 4 a 21%, sendo rara a presença de proteinúria e DRCT. A prevalência de ND foi alta nesse estudo, especialmente considerando-se as formas mais graves. A avaliação da ocorrência de retinopatia diabética (RD) em 175 desses pacientes mostrou que 154 (88%) não apresentavam alterações, 12 (6,9%) apresentavam retinopatia não-proliferativa e nove (5,1%) tinham retinopatia proliferativa. Na análise multivariada, os fatores associados à ND encontrados foram: pior controle glicêmico em longo prazo, valores mais elevados de LDL-c, maior idade ao diagnóstico e presença de RD. O mau controle glicêmico e/ou fatores genéticos poderiam ser responsáveis pelos achados nessa população.

A prevalência de dislipidemia, um dos fatores de risco cardiovascular, a principal causa de morte nos diabéticos, foi estudada por Lübe et al.15. Foram avaliados 252 pacientes com idade média de 13,3 +/- 4,4 anos e tempo médio de doença de 6,9 anos, sendo 67% púberes. Entre as características clínicas: 73% não seguiam dieta, 79% não praticavam atividade física e o IMC médio era de 18,4. A média da HbA1c foi de 9,3% para pré-púberes e 11,1% para púberes. Hipercolesterolemia foi observada em 42,1% dos pacientes, sendo que 76,1% destes eram púberes, principalmente do sexo feminino. A HbA1c > 9,5 %, indicador de mau controle glicêmico, correlacionou-se com concentrações elevadas de colesterol total.

A associação com doenças auto-imunes também foi registrada nessa população. A prevalência de doença celíaca (DC) foi investigada por Tanure et al.16 em 236 crianças, das quais 47,5% eram púberes e 7,6% tinham alguma doença auto-imune. Vinte e um pacientes (8,9%) que apresentaram anticorpos antigliadina positivos fizeram o estudo para a presença de anticorpos antiendomísio, além de serem submetidos à biópsia jejunal. A prevalência de DC na população estudada foi de 2,6%, similar à relatada na literatura, que varia de 0,7 a 6,4% e é bem mais alta que a prevalência na população geral, que varia de 0,02 a 0,35%.

A associação entre tireoidite de Hashimoto, hipotireoidismo e DM1 foi pesquisada por Mantovani et al.17,em estudo publicado em 2007. O hipotireoidismo associado ao DM acarreta as complicações próprias da doença, interferindo no crescimento e na qualidade de vida dos pacientes, além de estar relacionado à ocorrência de hipoglicemias mais graves. Na literatura, a ocorrência de tireoidite com elevação dos níveis de auto-anticorpos, antitireoperoxidase (ATPO) e antimicrossomal é relatada em 20% das crianças diabéticas, mas a maioria dos pacientes permanece em eutiroidismo. Na avaliação de 383 pacientes com idade entre nove meses e 25 anos e tempo médio de doença de 9,3 anos, 64 pacientes (16,7%) tinham ATPO positivo. Dos 64 com ATPO positivo, 21 (7,3% do total) desenvolveram hipotireoidismo. A ocorrência de ATPO positivo teve relação com tempo de doença maior que nove anos. Também houve forte associação entre a presença de tireoidite e outras doenças auto-imunes: com a doença celíaca em cinco casos; lúpus eritematoso sistêmico em um evento e vitiligo em outro.

 

DISCUSSÃO

Os pacientes atendidos pelo Programa de Atenção Ambulatorial às crianças e adolescentes com DM1 do HC-UFMG têm, em sua maioria, até 21 anos de idade e são provenientes de Belo Horizonte e regiao metropolitana em número bem superior ao número de pacientes do interior do estado.

A ausência de registro de pacientes admitidos até 1984, apesar da existência de atendimento clínico desde 1977, reflete provavelmente dificuldade organizacional com prontuários e arquivos.

Foi identificada baixa porcentagem de pacientes com diabetes tipo 2. Em outros estudos tem sido demonstrado que a incidência desse tipo está em crescimento3,4,18, assim como o tipo 1. Questiona-se se as mudanças de hábitos de vida teriam importância nesse crescimento para o tipo 1, como já é estabelecido para o tipo 2.8

A faixa etária com maior freqüência da doença, que corresponde à idade entre 11 e 20 anos, aproxima-se da relatada na literatura4,5, embora recentemente já se admita redução nessa faixa.8 Observou-se que os pacientes que mais se ausentaram das consultas eram procedentes de Belo Horizonte e regiao metropolitana e não do interior do estado, talvez pelo maior acesso a outras instituições de saúde que os pacientes do interior. A porcentagem de pacientes assíduos menores de 21 anos foi considerada alta no programa. Essa faixa etária tem como particularidade a necessidade do acompanhamento por um responsável às atividades do programa, o que pode garantir a assiduidade. Entre as dificuldades relatadas por algumas famílias em relação à ausência às consultas, destaca-se o fator financeiro com o transporte.

Há porcentagem dos pacientes assíduos que são adultos. Este fato ocorre porque, idealmente, a transferência dos pacientes para outro serviço de nível terciário deveria ser gradual e planejada, o que não é possível com a atual estrutura do SUS; dessa forma, pela vinculação à equipe, alguns pacientes permanecem no programa para darem continuidade ao controle da doença. Entretanto, se, por um lado, os profissionais garantem o atendimento a pacientes já adultos, por outro lado, isso é um dificultador de acesso aos pacientes específicos do programa (crianças e adolescentes).

A identificação da situação dos pacientes ausentes permitiu, também, a exclusão daqueles que estavam em acompanhamento em outra Unidade de Saúde e a intervenção para aqueles sem acompanhamento clínico (ausentes há mais de um ano), quando o retorno foi marcado para dar continuidade às medidas de controle.

O acompanhamento clínico pela equipe é necessário para a contínua educação do paciente para o autocontrole. O bom controle metabólico, associado a uma adequada qualidade de vida e inserção social, são as metas perseguidas pelos profissionais que cuidam dessas crianças diabéticas. A mudança de hábitos de vida necessária à obtenção dessas metas é particularmente difícil na adolescência. O tratamento do paciente diabético tem custo elevado e muitas vezes o fornecimento de insumos não é atendido pelo Poder Público. Além disso, requer a colaboração de toda a família, que deve estar com sua base bem estruturada. Estes são, provavelmente, alguns dos aspectos que contribuem para o inadequado controle glicêmico de parcela dessa população, embora ele seja comparável ao de outras populações descritas na literatura, revelando a dificuldade em se obter o controle metabólico ideal especialmente em adolescentes.19

O achado de doenças auto-imunes associadas ao diabetes em incidência maior que na população geral foi confirmado aqui.

Observou-se que as complicações crônicas metabólicas e microvasculares secundárias ao DM1 ocorreram mais precocemente e em incidência maior que o esperado, chamando a atenção para a necessidade de mais estudos na população infantil, principalmente a brasileira, para confirmação desses achados e identificação de suas causas. Esses estudos auxiliaram, também, na elaboração do atual protocolo de rastreamento de co-morbidades e complicações, que determina a realização anual de fundoscopia, testes para detecção de microalbuminúria e outras alterações da função renal, perfil lipídico, rastreamento da doença celíaca e tireoidite, por meio da pesquisa de anticorpos antigliadina, ATPO e TSH.

Os achados reforçam, ainda, a necessidade de acompanhamento da evolução dessas crianças, visando à identificação e aplicação de medidas preventivas. O banco de dados dos pacientes vem sendo desenvolvido de modo a fornecer informações úteis do ponto de vista clínico e também dos aspectos psicossociais e da dinâmica familiar em que vivem os pacientes, facilitando, portanto, esse acompanhamento.

Assim, a implantação de uma base de dados com o registro dos pacientes contribui para a qualidade da informação compartilhada entre os profissionais do programa, uma vez que permite ter o controle de assiduidade e as características de acompanhamento dos indivíduos cadastrados. Ao comparar os dados iniciais dos pacientes e anualmente, são abertas novas possibilidades de intervenção com segurança profissional. É preciso coletar informações mais específicas para valorizar e avaliar a evolução do programa e a qualidade da assistência e do controle da doença. Essas informações certamente irao facilitar o trabalho de equipe e melhorar o cuidado com o paciente.

 

AGRADECIMENTOS

Aos profissionais e pacientes do Programa de Assistência a crianças e adolescentes diabéticos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e ao Dr. Ricardo José dos Reis, pela colaboração.

 

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