RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. (4 Suppl.3)

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Artigos de Revisão

Diagnóstico da atresia biliar por meio da ultra-sonografia e da histopatologia

Diagnosis of biliary atresia by ultrasonographic exams and histopathology

Mariza Leitao Valadares Roquete1; Eleonora Druve Tavares Fagundes2; Alexandre Rodrigues Ferreira3; Francisco J. Penna4

1. Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Doutora em Medicina (área de concentraçao: Gastroenterologia) - Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG
2. Professora do Curso de Medicina da UNIFENAS - BH. Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG. Doutora em Medicina (área de concentraçao: Pediatria)
3. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Doutor em Medicina (área de concentraçao: Pediatria) - Membro do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG
4. Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG

Endereço para correspondência

Mariza L. V. Roquete
Rua Prof. Norton Kaiserman, 82/102 - Bairro :Anchieta
Belo Horizonte - MG CEP 30310-570
E-mail: roquetemlv@uol.com.br

Instituiçao Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG

Resumo

A atresia biliar representa um dos maiores desafios da hepatologia pediátrica, por se tratar de afecção que tem semelhança clínica e laboratorial com outras doenças colestáticas do período neonatal, com indicação cirúrgica antes dos 60 dias de vida. Este trabalho tem como objetivo apresentar uma revisão sobre o diagnóstico ultra-sonográfico e histopatológico dessa afecção.

Palavras chave: Doenças dos Ductos Biliares; Atresia Biliar/diagnóstico; Atresia Biliar/patologia; Atresia Biliar/ultra-sonografia; Colestase; Biopsia; Recém-Nascido;

ABSTRACT

Biliary atresia is one of the most important challenges in pediatric hepatology diagnosis. Difficulty in diagnosis is explained by its clinical and laboratorial similarity with some cholestatic diseases in children, besides the formal indication of surgical treatment before 60 days of birth. This study aims to review the diagnosis of biliary atresia by ultrasonographic exam and histopathology.

Palavras-chave: Bile Duct Diseases; Biliary Atresia/diagnosis; Biliary Atresia/patology; Biliary Atresia/ultrasonography; Cholestasis; Biopsy; Infant, Newborn.

 

INTRODUÇÃO

A síndrome da colestase neonatal representa um dos maiores desafios da hepatologia pediátrica, haja vista as suas inúmeras causas e a necessidade de diagnóstico rápido para as afecções passíveis de tratamento.

A dosagem de bilirrubinas em todo recém-nascido que persiste com icterícia após duas semanas de vida é uma orientação universal, cuja finalidade é diagnosticar a colestase em tempo hábil e, sobretudo, a sua causa, que implicará opção pelo tratamento cirúrgico ou pela terapêutica clínica específica. Considera-se aumentada a bilirrubina direta se o nível é superior a 1,0 mg/dL quando a bilirrubina total é inferior a 5,0 mg/dL ou se representa mais de 20% da bilirrubina total de concentração superior a 5,0 mg/dL.1

A colestase neonatal engloba dois grandes grupos de causas: intra e extra-hepáticas. Entre as causas intra-hepáticas, estao as inúmeras entidades clínicas de natureza metabólica, tóxica ou infecciosa. Já as afecções extra-hepáticas - obstrutivas e cirúrgicas - são representadas por um pequeno número de afecções: atresia biliar (AB), cisto de colédoco, estenose do ducto biliar e barro biliar.

A simplicidade aparente da classificação das colestases ilude o clínico diante do dilema diagnóstico, que exige definição rápida e precisa. Na década de 50, o diagnóstico diferencial da AB resumia-se apenas a sete afecções colestáticas. Na atualidade, o número de entidades que se manifestam com o quadro de colestase neonatal já ultrapassa 70.

A abordagem diagnóstica da colestase neonatal constitui urgência pediátrica com o objetivo de definir a conduta das doenças clínicas passíveis de tratamento específico (ex: galactosemia, frutosemia, tirosinemia, sepse, infecção do trato urinário, sífilis congênita, toxoplasmose congênita, dentre outras) e a correção cirúrgica das obstruções biliares extra-hepáticas.

Das causas extra-hepáticas, a AB, afecção extra e intra-hepática, merece destaque. Sua incidência varia de 1:8.000 a 1:23.000 nascidos vivos. A AB representa 45% das doenças colestáticas da criança.2 Tem seu prognóstico condicionado à correção cirúrgica, a partir da portojejunostomia de Kasai, realizada antes dos 60 dias de vida. A sobrevida aos três anos de idade é de apenas 10% entre os casos de AB não-operados.3 A AB é responsável por 40 a 75% dos transplantes de fígado em crianças.4

A sobrevida prolongada dos pacientes com AB corrigida pela cirurgia de Kasai ou transplante hepático é da ordem de 55%.5 A portoenterostomia de Kasai pode ser efetiva, em longo prazo, quando 40 a 50% dos lactentes operados sobrevivem com o fígado nativo; os demais, 50 a 60%, necessitarao de transplante hepático até os dois anos de idade, na maioria, ou após cinco ou 10 anos de vida em decorrência da disfunção hepática progressiva. Aproximadamente um terço dos pacientes com AB necessitará de transplante nos primeiros 12 a 14 meses de vida; o outro terço, na adolescência; e os demais sobreviverao com alguma disfunção hepática.6

 

EXAMES COMPLEMENTARES

As dificuldades diagnósticas têm início já na avaliação clínica. As manifestações próprias da colestase, caracterizadas pela icterícia, colúria e hipocolia/acolia fecal, são indistinguíveis nas afecções clínicas e cirúrgicas. A atividade de determinadas enzimas hepáticas (alanina aminotransfera-se, aspartato aminotransferase, fosfatase alcalina e gama-glutamiltransferase) também não permite separar as colestases extra das intra-hepáticas. Há superposição de uma grande parcela dos resultados laboratoriais nessas duas condições.

Com o intuito de estudar a permeabilidade das vias biliares extra-hepáticas, houve um entusiasmo temporário com a tubagem duodenal e a cintilografia hepatobiliar. Esses recursos diagnósticos foram paulatinamente abandonados pelo Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG, em virtude da baixa especificidade, apesar da alta sensibilidade desses procedimentos para o diagnóstico de obstrução biliar extra-hepática. Alguns pacientes eram rotulados como AB e enviados, de forma equivocada, para a laparotomia exploradora. Além disso, a tubagem duodenal foi incriminada como um dos fatores responsáveis pela morosidade do processo diagnóstico.

Não há exame ou conjunto de exames que sejam absolutamente conclusivos para o diagnóstico da AB. O único exame diagnóstico definitivo para a AB continua sendo, até o presente momento, a laparotomia exploradora, seja através do aspecto macroscópico da vesícula biliar atrésica, substituída por remanescente fibroso, ou a colangiografia operatória.7 No entanto, exames preliminares menos invasivos, capazes de aprimorar a indicação da laparotomia são necessários para que os pacientes com causas intra-hepáticas de colestase não sejam submetidos desnecessariamente ao procedimento.

Para que determinado teste diagnóstico seja validado, é imprescindível que traga informações adicionais à anamnese e ao exame físico. A ultra-sonografia e a histopatologia hepática cumprem a finalidade de acrescentar rigor diagnóstico na condução dos casos de colestase neonatal. Outros aspectos a serem considerados na avaliação de qualquer teste diagnóstico são o custo e a disponibilidade, que devem ser vantajosos em relação aos outros métodos. A ultra-sonografia e a biopsia hepática são recursos diagnósticos que superam a colangiorressonância e a cintilografia hepatobiliar no que se refere ao custo e acesso.

Na publicação da North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition, a ultra-sonografia e a biopsia hepática possuem nível de evidência A, ou seja, são recomendadas tendo como base dois ou mais estudos que compararam, de forma independente e cega, o teste diagnóstico com um critério padrao.1

Por outro lado, é indispensável a exclusão diagnóstica de entidades colestáticas de expressão clínica semelhante à AB, tais como a síndrome de Alagille, fibrose cística e deficiência de α1-antitripsina, enquanto são providenciadas a ultra-sonografia abdominal e a biopsia hepática.

 

ULTRA-SONOGRAFIA ABOMINAL (US)

Na investigação do recém-nascido ou do lactente com icterícia resultante da hiperbilirrubinemia conjugada, a ultra-sonografia abdominal (US) está entre os exames de maior relevância diagnóstica. Embora considerado operador-dependente, é de fácil acesso, tem baixo custo, não é invasivo e não depende da função hepática para a sua execução.

A princípio, a ultra-sonografia abdominal se destinava a identificar as contra-indicações para a biopsia hepática e possibilitava o diagnóstico do cisto de colédoco, do bilioma secundário à perfuração de ducto biliar, de massa no porta hepatis, da poliesplenia e da veia porta pré-duodenal, do barro biliar e dos cálculos. A ausência de dilatação dos ductos biliares permite excluir outras colestases obstrutivas. A análise das imagens ultra-sonográficas do tamanho do fígado, ecogenicidade hepática, dimensão dos ductos biliares intra e extra-hepáticos, presença ou ausência da vesícula biliar, tamanho da vesícula biliar e evidência ou não de massa cística no porta hepatis foram consideradas inespecíficas para o diagnóstico de hepatite neonatal e da AB por alguns autores.8 Embora a AB seja uma afecção caracterizada por obstrução biliar, a inexistência de dilatação dos ductos biliares intra-hepáticos é seu aspecto singular.9

O enfoque da ultra-sonografia para o diagnóstico da AB era baseado nas características da vesícula biliar: forma, tamanho, visibilidade e contratilidade. Tendo como parâmetros a ausência ou redução do tamanho da vesícula biliar, a acurácia diagnóstica foi de 78%, a sensibilidade de 68% e a especificidade de 83%.10

A tentativa de visibilização da vesícula biliar - normal, se possui comprimento igual ou superior a 1,5 cm - deve ser precedida de jejum de quatro a seis horas. Embora rara, a agenesia da vesícula biliar e do ducto cístico pode ocorrer sem AB.11 A vesícula biliar não identificada à ultra-sonografia não exclui o diagnóstico de hepatite neonatal, tampouco confirma a AB. A não-visibilização da vesícula biliar impoe a repetição do exame em 24 horas.

A demonstração da contração da vesícula biliar a partir da prova motora (observação da dimensão da vesícula biliar após a ingestao de leite) constitui evidência indireta de permeabilidade do trato biliar entre o ducto cístico e o duodeno, sem que implique patência dos ductos proximais, tal como ocorre na AB tipo IIIa (ductos hepáticos obliterados com permeabilidade dos ductos cístico e biliar comum). Em 3/12 casos de AB tipo IIIa, houve contração da vesícula biliar na refeição inicial; repetida a prova duas semanas após, a vesícula não mais contraiu, o que demonstra a ocorrência de processo inflamatório com obstrução biliar progressiva.12 Em outro estudo, a acurácia diagnóstica desse achado foi de 77%, sensibilidade de 85% e especificidade, de 73%.13

Um grupo de autores brasileiros14 estudou 35 pacientes com colestase neonatal por meio da biopsia hepática e da ultra-sonografia. Foram considerados sinais indicativos de AB as seguintes alterações:

vesícula biliar não-visibilizada, hipoplásica ou não-funcionante;

estrutura cística na árvore biliar extra-hepática.

Para o diagnóstico de AB, a ultra-sonografia abdominal conferiu sensibilidade de 100%, especificidade de 67% e acurácia de 83%. A associação do resultado da ultra-sonografia com a histopatologia manteve a sensibilidade em 100%, elevou a especificidade para 92% e a acurácia para 96%.14

Além da árvore biliar, a ultra-sonografia pode também demonstrar as anomalias associadas à AB, como a poliesplenia e a veia porta pré-duodenal. É possível identificar, também, dextrocardia, ausência da veia cava inferior (as veias hepáticas drenam diretamente para o átrio direito) associadas à estrutura cística no porta hepatis (AB tipo I com cisto).

A confiabilidade do exame fica comprometida com a inobservância do jejum - que impede a identificação da vesícula biliar - e com a interpretação equivocada da estrutura da artéria hepática como ducto hepático pérvio.

Há que se ressaltar a importância de algumas situações durante a interpretação ultra-sonográfica, com a finalidade de permitir o diagnóstico precoce da AB:15

o desconhecimento da importância da imagem cística sub-hepática para o diagnóstico de AB ou de algum elemento da síndrome de poliesplenia na US pré-natal ou pós-natal;

as vias biliares intra-hepáticas não são dilatadas na AB;

a vesícula biliar normal não exclui a AB, que pode estar restrita aos ductos hepáticos;

o ducto biliar comum normal não costuma ser visibilizado na faixa etária em que é mais comum o diagnóstico de AB.

 

ESPESSAMENTO ECOGENICO PERIPORTAL OU SINAL DO CORDAO TRIANGULAR

A inespecificidade dos achados ultra-sonográficos de outrora para o diagnóstico da AB deu lugar à perspectiva de aprimoramento da acurácia diagnóstica, a partir de um novo sinal visibilizado pela US - o sinal do cordao triangular - descrito por autores coreanos.16,17,18 O cordao triangular consiste numa massa fibrosa de forma triangular ou tubular situada na porção cranial da bifurcação da veia porta, que representa a expressão ultra-sonográfica do remanescente de tecido fibroso na regiao do porta hepatis (Figura 1).

 


Figura 1 - Espessamento ecogênico periportal nos ramos de 1ª e 2ª ordem

 

É indispensável ressaltar que antes da publicação dos coreanos16 acerca do cordao triangular como sinal diagnóstico ultra-sonográfico de AB, o ultra-sonografista Rogério Augusto Pinto Silva já observara, em 1992, o mesmo sinal, que denominou espessamento ecogênico periportal (EEP).

Lee et al.19 estabeleceram, com o emprego de transdutor linear de alta resolução (>8 MHz), critérios objetivos para o sinal do EEP: espessamento ecogênico da parede anterior do ramo direito da veia porta de mais de 4,0 mm no corte longitudinal.

O Quadro 1 é uma síntese das experiências ultra-sonográficas de alguns autores, com destaque para o EEP no diagnóstico da AB.13,18,19,20,21,22

 

 

A sensibilidade de 49,0% encontrada na casuística do Hospital das Clínicas da UFMG22 corresponde à metade até aproximadamente 2/3 dos valores encontrados nos outros estudos. Essa baixa sensibilidade pode ser atribuída à heterogeneidade da experiência dos ultra-sonografistas do serviço no reconhecimento da imagem do EEP. O treinamento dos profissionais envolvidos na execução dos exames de crianças pode mudar o índice de sensibilidade desse recurso propedêutico para a identificação do EEP.

Se, por um lado, a baixa sensibilidade deixa de diagnosticar cerca da metade dos casos de AB, a especificidade de 100% impede que os pacientes com colestase intra-hepática sejam submetidos à laparotomia exploradora sem indicação. Entre os 49 casos de AB submetidos à ultra-sonografia abdominal, 25 pacientes sem EEP teriam o diagnóstico de AB excluído caso não se adicionasse como recursos propedêuticos a acolia fecal persistente e a histopatologia hepática.

Há observação de EEP em exames subseqüentes de pacientes sem esse achado no exame inicial. Com isso, existe recomendação para monitoração clínica e ultra-sonográfica para os lactentes com icterícia persistente.16

O grupo de investigadores coreanos comparou a ultra-sonografia com a cintilografia hepatobiliar com Tc-99m-DISIDA. O exame ultra-sonográfico proporcionou sensibilidade de 85%, especificidade de 100% e acurácia de 95% para o diagnóstico de AB. Ao contrário, a cintilografia teve resultado insatisfatório: sensibilidade de 96%, especificidade de 35% e acurácia diagnóstica de 56%. Dois pacientes com AB tiveram exame ultra-sonográfico falso-negativo: um deles teve o diagnóstico de AB descartado com 33 e 60 dias de vida devido à ausência do sinal, mas exibiram-no em ultra-sonografias subseqüentes nas idades de 80 e 84 dias; no outro caso, a massa de fibrose discreta no porta hepatis foi encoberta pela artéria hepática direita volumosa.18

Em função dos resultados da ultra-sonografia como recurso diagnóstico rápido e confiável, os autores propuseram um fluxograma que privilegia o sinal do cordao triangular como um determinante de conduta. Uma vez detectado, recomendam a laparotomia exploradora; se inexistente o sinal, indicam a cintilografia e, em seguida, a biopsia hepática. 18

O EEP falso-positivo, além de ser observado na hepatite neonatal com progressão para cirrose hepática, pode também ser identificado na fibrose hepática congênita com fibrose periportal acentuada.10 Três são as condições anormais capazes de causar infiltração periportal confundidas com o sinal do cordao triangular: edema, fibrose e tumoração.19

Os pesquisadores egípcios verificaram sensibilidade e especificidade de 100% para o sinal do cordao triangular, o que é explicável pela média de idade maior em relação ao estudo dos coreanos (84 x 60 dias). Os autores corroboram o fluxograma diagnóstico proposto pelos coreanos, exceto pela exclusão da cintilografia hepatobiliar devido à sua baixa especificidade. O algoritmo ficou mais simples e prático21, conforme destacado na Figura 2.

 

 

O EEP pode, também, ser utilizado com o objetivo de estabelecer o prognóstico dos pacientes com AB submetidos à cirurgia de Kasai.23A persistência do sinal no pós-operatório teve relação com pior prognóstico, o que foi atribuído à remoção inadequada do cone fibroso durante a cirurgia de Kasai.

Em decorrência da baixa sensibilidade da ultra-sonografia, é indispensável a sua associação com a biopsia hepática para se obter confiabilidade diagnóstica para a AB e, como conseqüência, segurança na indicação da laparotomia para as crianças com colestase neonatal.

 

HISTOPATOLOGIA HEPATICA

A partir de estudo desenvolvido em 108 lactentes com icterícia obstrutiva neonatal, Hays et al.24 concluíram pela similaridade da acurácia diagnóstica das biopsias hepáticas cirúrgicas e por agulha.

Enquanto a hepatite neonatal exibe alterações histopatológicas no lóbulo hepático, a AB é uma condição com expressão histológica predominante dos espaços porta.

Excluída a laparotomia exploradora como padrao-ouro, a biopsia hepática é considerada o melhor exame para o diagnóstico da AB. Desde que o fragmento contenha cinco a sete espaços porta, sua acurácia chega a 93%.4 Para uma análise confiável, a biopsia hepática deve conter, pelo menos, cinco espaços porta completos.

A AB, conforme publicação de Kasai et al.25 (1962), caracteriza-se pelos seguintes achados histopatológicos: fibrose portal, proliferação ductular, infiltrado celular, degeneração dos hepatócitos com ou sem transformação gigantocelular, além de estase biliar nos espaços porta e intralobular. Bill et al.26 consideram a proliferação ductular e a presença de plugs biliares intracanaliculares os sinais histopatológicos que distinguem a AB da hepatite neonatal.

A sensibilidade, especificidade e acurácia proporcionada pela histopatologia hepática estao sumariadas no Quadro 2, conforme algumas publicações.14,27,28,29,30

 

 

A sensibilidade, especificidade e acurácia no estudo desenvolvido no Hospital das Clínicas da UFMG22 revelaram similaridade com os demais autores, exceto em relação aos resultados demonstrados por Lai et al.29 que, além da maior casuística, tiveram a maior acurácia diagnóstica dentre os estudos comparados.

Comparou-se o estudo desenvolvido no Hospital das Clínicas da UFMG22 com os dois trabalhos brasileiros14,30, tendo em vista as semelhanças institucionais. As duas pesquisas paulistas referem-se à casuística de hospitais públicos universitários: Gastrocentro da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas14 e do Instituto da Criança da Universidade de São Paulo.30 A casuística do Hospital das Clínicas da UFMG22 foi maior, por incluir os casos de colestase neonatal do período de 15 anos. Os grupos selecionados de colestase neonatal dos estudos de Campinas e de São Paulo foram, respectivamente, de quatro anos e seis meses e de seis anos.14,30 A acurácia dos trabalhos são semelhantes.

Os achados histológicos predominantes na AB no estudo realizado no Hospital das Clínicas da UFMG22 são mostrados na Tabela 1.

 

 

É importante ressaltar que a colestase de causa inexplicada pode requerer biopsias hepáticas seriadas. Além disso, o padrao histopatológico clássico de AB pode ser observado em outras condições que podem cursar com colestase: deficiência de α1-antitripsina, hepatotoxicidade relacionada com a nutrição parenteral total, obstrução biliar por cisto de colédoco, síndrome de Alagille e colestase intra-hepática familiar progressiva (PFIC) tipo 3.31

 

EXPERIENCIA DO SERVIÇO DE HEPATOLOGIA PEDIATRICA DO HOSPITAL DAS CLINICAS DA UFMG

Os recursos financeiros limitados de uma instituição pública de saúde não inviabilizam a condução diagnóstica responsável e criteriosa da colestase neonatal.

A partir da revisão de prontuários de pacientes com colestase neonatal atendidos no Hospital das Clínicas da UFMG no período de janeiro de 1990 a dezembro de 2004, foram analisados 51 casos de atresia biliar e 57 com colestase intra-hepática.22 A histopatologia foi realizada por uma patologista, de forma cega. O espessamento ecogênico periportal (EEP) foi pesquisado na ultra-sonografia como único sinal diagnóstico de atresia biliar. Foram calculados os índices de sensibilidade, especificidade e acurácia do EEP e da histologia isoladamente ou associados. O padrao ouro utilizado para o diagnóstico de AB foi a laparotomia.

O EEP revelou sensibilidade de 49%, especificidade de 100% e acurácia de 72,5%. A histopatologia compatível com obstrução biliar extra-hepática conferiu sensibilidade de 90,2%, especificidade de 84,6% e acurácia de 87,8%. O EEP e a histopatologia isolados ou associados proporcionaram sensibilidade de 93,2%, especificidade de 85,7% e acurácia de 90,3%.

Os resultados corroboram o algoritmo proposto por Kolb et al.21: os casos de colestase neonatal com EEP devem ser encaminhados para a laparotomia com colangiografia, se esta for possível. Se o EEP é negativo, está indicada a biopsia hepática; se a histopatologia revelar sinais de AB, impoe-se a laparotomia exploradora. Nos casos de EEP negativo com histopatologia de hepatite neonatal ou de outras colestases intra-hepáticas, recomenda-se o acompanhamento ou o tratamento clínico, conforme o diagnóstico.

A ultra-sonografia abdominal e a histopatologia hepática, aliadas a alguns sinais clínicos, em especial à acolia fecal persistente, pela experiência clínica acumulada nos últimos 15 anos de prática na hepatologia pediátrica, consolidaram-se, no Hospital das Clínicas da UFMG, como recursos confiáveis para o diagnóstico pré-operatório das colestases extra-hepáticas, em especial a AB.

 

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