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CAPES/Qualis: B2
Educação nutricional como estratégia de intervenção para o tratamento da obesidade na adolescência
Nutrition education as an intervention strategy for treatment of adolescent obesity
Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira1; Cristiane de Freitas Cunha2; Roberto Assis Ferreira3
1. Nutricionista da Secretaria Municipal de Saúde (PBH). Mestre em Saúde Pública, Doutoranda em Ciências da Saúde (UFMG)
2. Professora adjunto do Departamento de Pediatria - FM/UFMG. Pós-Doutorado em Endocrinologia pela Universidade de Barcelona
3. Professor associado do Departamento de Pediatria FM/UFMG. Doutorado em Ciências da Saúde (UFMG)
Tatiana Resende Prado Rangel de Oliveira
Rua Martito, 57 - Bairro: Floresta
Belo Horizonte - MG CEP 31015-360
E-mail: tatianapradorangel@gmail.com
Instituiçao Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Resumo
A obesidade é um problema de saúde pública, com prevalência crescente e muitas conseqüências físicas e psicológicas para os pacientes. Este artigo tem por objetivos discutir o tratamento da obesidade na adolescência, utilizando a contribuição das ciências sociais, e enfatizar a importância da educação nutricional. Para entender o comportamento alimentar de um indivíduo, deve-se levar em consideração a inter-relação de fatores externos e internos que influenciam esse comportamento. As propostas de mudanças no padrao alimentar precisam considerar os aspectos econômicos e socioculturais envolvidos no universo alimentar dos indivíduos. A educação nutricional é uma estratégia que pode ser utilizada no tratamento da obesidade. Quando ela é centralizada no paciente e não nas informações, o resultado desse processo é a mudança de comportamento e não somente a melhora do conhecimento sobre a nutrição. Os estudos têm demonstrado a importância do atendimento interdisciplinar no tratamento da obesidade, como forma de abordar os aspectos biológicos, psicológicos, comportamentais e ambientais envolvidos no processo. É importante a compreensão da subjetividade na prática da assistência em saúde, de modo a melhorar os resultados do tratamento de adolescentes com excesso de peso.
Palavras-chave: Educação Alimentar e Nutricional; Obesidade/dietoterapia; Adolescente; Comportamento Alimentar.
INTRODUÇÃO
A adolescência é um dos períodos mais desafiadores do ciclo de vida humano e deve ser entendida como uma etapa importante do processo de crescimento e desenvolvimento, cuja marca registrada é a transformação. O crescimento relativamente estável da infância é subitamente alterado pelo aumento em sua velocidade na adolescência, resultando em necessidades nutricionais especiais. Por outro lado, é nesse período que ocorrem modificações nos hábitos alimentares, em decorrência das mudanças no estilo de vida, sendo que muitas vezes essas modificações não contribuem para a adequada ingestao de nutrientes.1
A obesidade é um transtorno metabólico caracterizado por excesso de gordura corporal, cuja etiologia está associada a aspectos genéticos e ambientais.2,3 A investigação de suas causas permanece ainda como objeto de diversos estudos. Entre os elementos reconhecidos como integrantes da complexidade de fatores que interagem para sua ocorrência, apontam-se fatores hormonais e bioquímicos, psicológicos, sexo, idade, etnia, sedentarismo, condições socioeconômicas, patrimônio genético, influências sociais, influência dos meios de comunicação, acesso à alimentação, comportamento e padrao de consumo alimentar.4
O excesso de peso na adolescência pode contribuir para o surgimento precoce de diversas doenças crônicas como dislipidemias, diabetes, síndrome metabólica e hipertensão arterial. Afeta ainda a maturação sexual, acelerando o crescimento, facilitando o surgimento de desajustes sociais, depressão, ansiedade, estresse, distúrbios na percepção da imagem corporal e transtornos alimentares.5 A obesidade na adolescência apresenta ainda, como agravante, o risco do adolescente tornar-se um adulto obeso.4
A simultaneidade da adolescência e de uma doença crônica como a obesidade caracteriza uma crise existencial sobrepondo-se a outra crise, representada pela enfermidade incurável e respectiva necessidade de tratamento continuado. Neste contexto, a qualidade da comunicação entre médicos, pais e pacientes é muito importante. O sucesso ou insucesso dos esforços comunicativos se reflete em menos ou mais adesão ao tratamento.6
Este artigo tem por objetivos discutir o tratamento da obesidade na adolescência, utilizando a contribuição das ciências sociais de modo a ampliar a compreensão deste fenômeno complexo, e enfatizar a importância da educação nutricional.
JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DO TEMA
A alimentação é uma prática social que ultrapassa o mero ato biológico. A pesquisa nesta área evoluiu muito nos últimos anos, mas não foi suficiente para melhorar as condições nutricionais da população. O conhecimento biológico tem se mostrado insuficiente para a compreensão do comportamento alimentar e para a adequada intervenção nutricional.7 Sabe-se hoje que é quase impossível não esbarrar em outros campos do conhecimento ao se estudar a alimentação e a nutrição, pois há muitas indagações referentes a este tema que remetem ao seu caráter interdisciplinar.8
A alimentação é uma necessidade biológica, mas os alimentos se compoem tanto de nutrientes como de significados e cumprem tanto uma função biológica como social. A escolha alimentar é um processo complexo que envolve fatores socio-culturais e psicológicos e, devido à indiscutível importância deste tema para as pesquisas em saúde, tem-se enfatizado a necessidade de abordagens metodológicas interdisciplinares na tentativa de melhorar a compreensão desse processo.9,10
O estudo do comportamento alimentar tem despertado grande interesse, por se tratar de um elemento importante para o sucesso de intervenções nutricionais e pela possibilidade de aumentar a efetividade dessas intervenções. Acredita-se que o impacto de uma ação de promoção de práticas alimentares saudáveis aumenta à medida que se conhecem melhor os determinantes do comportamento alimentar.11 Neste sentido, nossa busca deve se iniciar pela tentativa de compreender o comportamento alimentar humano. Só a partir daí é possível trabalhar em função de propostas de reeducação alimentar que se encaixem no cotidiano e na cultura dos pacientes.
COMPORTAMENTO ALIMENTAR
O comportamento alimentar de um indivíduo inclui suas práticas de alimentação e a forma como ele seleciona, adquire, conserva e prepara os alimentos.12,13 De acordo com Poulain14, o ato alimentar se desenvolve segundo regras definidas pela sociedade. Essas regras estao presentes desde a maneira de preparar os alimentos até o consumo das refeições, contribuindo para que o homem se identifique com o alimento, também por sua representação simbólica.9
A alimentação marca as fronteiras de identidade entre os grupos humanos. A definição dos alimentos que irao compor a refeição, a jornada alimentar (número de refeições, horários, contextos sociais), as modalidades de consumo (comer com talheres ou com a mão), o local das refeições e localização dos comensais à mesa variam de uma cultura para outra e no interior de uma mesma cultura, de acordo com os grupos sociais.14 A palavra comedor, segundo nota de tradução do livro Sociologias da Alimentação14, em uma tradução literal da língua francesa da palavra mangeur, significa o ser que come, adotado pela sociologia da alimentação atual no sentido de distinguir do termo comensal, que significa o ser que come com outras pessoas à mesa. Segundo Garcia e Canesqui13, "para serem comidos, os alimentos precisam ser elegíveis, preferidos, selecionados e preparados ou processados pela culinária, e tudo isso é matéria cultural".
Numa perspectiva mais ampla, os hábitos alimentares são adquiridos em função de aspectos culturais, históricos, antropológicos, socioeconômicos e psicológicos, presentes na vida das pessoas.13,15 Para entender melhor o comportamento alimentar, deve-se levar em consideração a inter-relação de fatores externos e internos que o influenciam. Entre os fatores externos, tem-se a unidade familiar e suas características, as atitudes dos pais e amigos, os valores sociais e culturais (tabus, crenças e manias alimentares), o conhecimento de nutrição e a influência da mídia. Os fatores internos são constituídos por valores e experiências pessoais, pelas necessidades e características psicológicas, pela imagem corporal e auto-estima, por preferências alimentares e pelo estado de saúde. A inter-relação desses fatores é que permite ao homem escolher o que vai comer.9
Os hábitos alimentares têm suas bases na infância e são transmitidos pela família.12,13 A seleção de alimentos é parte de um sistema comportamental complexo. Na criança, é determinada primeiramente pelos pais.16 As experiências iniciais e a interação contínua com o alimento determinam as preferências alimentares e os hábitos. Outras influências incluem o preço do alimento e o seu prestígio, religiao, geografia, pares e influências sociais, preparação e estocagem do alimento, habilidades no preparo de alimentos, disponibilidade de tempo e conveniência, bem como as preferências e intolerâncias pessoais. Citam-se também os fatores afetivos, envolvendo atitudes, crenças e valores.15
As mudanças biológicas, psicológicas, cognitivas e sociais que ocorrem com intensidade na adolescência interferem de forma dinâmica no comportamento alimentar do adolescente. É importante ressaltar que muitas vezes os adolescentes têm conhecimentos adequados sobre nutrição e sobre quais seriam as atitudes saudáveis nesse campo, mas têm dificuldade de ultrapassar as barreiras que os impedem de agir como deveriam. Existe ainda a associação inconsciente entre estar com os amigos e consumir comidas ricas em calorias e gorduras. Por outro lado, as atividades rotineiras (como estar em casa, estar com os pais) estao associadas aos alimentos considerados saudáveis.1,3,4
A escolha alimentar é um processo dinâmico, construído por diversos determinantes.9 O comportamento alimentar pode alterar-se devido a mudanças na disponibilidade de alimentos, no nível educacional do indivíduo, no poder aquisitivo ou na importância social do alimento. Essas mudanças podem também ser influenciadas pela propaganda de alimentos.12
O peso e a imagem corporal do indivíduo são fatores nutricionais que também provocam mudanças no comportamento alimentar, uma vez que tanto o excesso de peso como a insatisfação corporal podem motivar a realização de restrições alimentares.11 O conhecimento básico sobre nutrição exerce influência considerável sobre o comportamento alimentar. Porém, de acordo com Turano e Almeida12, mudanças nesse comportamento se dao mais pelo significado do alimento (status, auto-estima, segurança) que pelo valor nutricional e custo.
O ambiente tem sido considerado uma grande influência do comportamento alimentar, principalmente em estudos epidemiológicos sobre a obesidade. Na literatura, observa-se a utilização do termo "obesogênico" na descrição do ambiente promotor da obesidade, que facilita o acesso amplo a alimentos de alta densidade energética.4,17
A alimentação também precisa se adaptar ao ritmo cotidiano dos indivíduos e famílias, com suas alternâncias de tempo de trabalho e disponibilidade para o preparo e consumo das refeições.14 Em decorrência de novas demandas geradas pelo modo de vida urbano, o indivíduo necessita reorganizar sua vida segundo suas condições de tempo, recursos financeiros, locais disponíveis para se alimentar, local e periodicidade das compras e outras. Neste momento aparecem as soluções propostas pela indústria e comércio, apresentando alternativas adaptadas às condições urbanas, o que certamente contribui para mudanças no consumo alimentar.13
Segundo Garcia18, a "comensalidade contemporânea" apresenta como características a escassez de tempo para o preparo e consumo de alimentos, a presença de variados produtos industrializados, o deslocamento das refeições de casa para estabelecimentos comerciais (restaurantes, lanchonetes, vendedores ambulantes, padarias), a oferta de produtos provenientes de várias partes do mundo, a flexibilização de horários para comer e a crescente individualização dos rituais alimentares. Para essa autora, a tendência crescente ao consumo de alimentos de maior valor calórico é promovida pela indústria de alimentos, que produz alimentos saborosos, de alta densidade energética e de custo relativamente baixo, com grande suporte publicitário.
A evolução do consumo alimentar no Brasil pode ser observada nas pesquisas: Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF) - 1974/1975, Pesquisa de Orçamentos Familiares - 1987/88 e Pesquisa de Orçamentos Familiares - 1995/1996. Ao comparar estas pesquisas, nota-se a presença de novos produtos industrializados de peso na dieta brasileira, como refrigerantes, macarrao, bolachas doce e salgada, leite condensado, margarina, salsicha, leite em pó, maionese, chocolate e pao-de-forma. A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) de 1995-1996 demonstrou redução no consumo de arroz, feijao e leite de vaca. Os panificados (pao francês, biscoitos e outros) e os alimentos preparados ou semiprontos aumentaram seu peso no orçamento familiar. A opção por facilidades que poupam tempo de preparo e diminuem a freqüência das compras é característica do comedor urbano contemporâneo.18
Para Garcia e Canesqui13, "o modo de alimentar sempre ultrapassa o ato de comer em si e se articula com outras dimensões sociais e com a identidade". Uma vez que a alimentação é moldada pela cultura e sofre os efeitos da organização da sociedade, sua abordagem não comporta um olhar unilateral. A interação existente entre as dimensões cognitivas e emocionais que estao envolvidas neste comportamento torna-se, portanto, evidente.11
Uma vez que todos esses fatores citados interferem na alimentação dos indivíduos, a problemática de vida do paciente precisa ser conhecida e compreendida pelos profissionais que o atendem.7 Desta forma, é necessário questionar até que ponto é possível propor uma orientação alimentar que recomende suprimir alimentos ou preparações que são parte de práticas alimentares estruturadas. As propostas de mudanças no padrao alimentar precisam fornecer alternativas de substituição que considerem os aspectos econômicos e socioculturais e permitam manter o universo alimentar dos indivíduos. Para Garcia e Canesqui13, "é somente buscando oferecer alternativas dentro de recursos disponíveis, e preservando as características da vida habitual definidas pelo sujeito, que supomos poder chegar mais perto de mudanças desejáveis na alimentação" .
TRATAMENTO DA OBESIDADE NA ADOLESCENCIA
O tratamento da obesidade na adolescência pode ser mais difícil do que no adulto, uma vez que esses pacientes dependem da concordância e disposição dos pais para manter uma alimentação saudável e um estilo de vida ativo. Além disso, apesar do pensamento abstrato e do raciocínio hipotético já estar em desenvolvimento na adolescência, alguns conceitos como tempo futuro e implicações do hoje no amanha não são bem compreendidos por esses pacientes. Diante disso, podem ocorrer comportamentos inadequados de alimentação, pois acreditam ser a saúde inerente ao seu próprio ser.1,3
Por outro lado, investir na educação nutricional de adolescentes constitui estratégia importante no enfrentamento dessa enfermidade, pois as modificações do estilo de vida introduzidas nessa época podem se tornar permanentes. Além disto, nesse período de transição caracterizado por intensas mudanças, a realização de intervenções poderá evitar a persistência da obesidade e, conseqüentemente, a ocorrência de co-morbidades.3
A literatura relata que a adesão ao tratamento da obesidade é baixa e pode estar relacionada a aspectos psicológicos ou à falta de apoio social e familiar. O aumento da prevalência da obesidade parece chamar a atenção para um fracasso na abordagem terapêutica vigente e das estratégias para sua prevenção.5
Muitos estudos disponíveis na literatura investigam a eficácia dos tratamentos considerando a variação na perda de peso, mas poucos investigaram os fatores determinantes do abandono precoce ao tratamento. Há necessidade urgente de melhorar a qualidade dos estudos nesta área, de modo a identificar melhor os elementos que sirvam de base às estratégias terapêuticas.19
Melhorar a adesão ao tratamento exige um processo contínuo e dinâmico de formação dos prestadores de cuidados de saúde, os quais devem ser capazes de avaliar se o paciente está pronto a aderir, fornecer conselhos sobre como fazê-lo e acompanhar o progresso do paciente em cada contato. Não há estratégia única de intervenção ou conjunto de estratégias que tem demonstrado ser eficaz para todos os doentes. Um forte compromisso com uma abordagem interdisciplinar é necessário para se obterem progressos nessa área. Isto exigirá uma ação coordenada entre os profissionais de saúde, investigadores, políticos e gestores da saúde.17
Acredita-se que vários programas de prevenção de obesidade fracassaram porque suas orientações foram direcionadas apenas para o indivíduo, desconsiderando as mudanças necessárias no contexto socioambiental.5 Outro motivo seria a incompreensão insuficiente ?? da relação entre os comportamentos ligados à saúde e o tratamento prescrito.10 Apesar de estudos enfatizarem as questoes psicossociais envolvidas na obesidade, a doença tem sido enfrentada quase exclusivamente com prescrições de dietas, baseadas em recomendações científicas.
Entre as estratégias mais utilizadas para melhorar a adesão ao tratamento de doenças crônicas, estao os programas educativos. Esses programas procuram informar sobre características da doença e envolver no tratamento tanto os jovens quanto seus familiares.3,4,5
O tratamento da obesidade depende totalmente da mudança de comportamento e de estilo de vida, na qual a correção dos distúrbios alimentares é um dos tripés para a reversão do quadro. Considerada uma doença crônica não transmissível, a terapia nutricional da obesidade deve favorecer a adaptação a essa condição, a fim de criar mecanismos que permitam conhecer o processo saúde/doença de modo a identificar, evitar e prevenir complicações, agravos e, sobretudo, a mortalidade precoce.4, 5, 20
A EDUCAÇÃO EM SAUDE E A EDUCAÇÃO NUTRICIONAL
A educação em saúde tem por objetivo capacitar indivíduos e grupos para lidar com os problemas fundamentais do cotidiano, como nutrição, higiene e reprodução.12 Se entendida como processo, busca a capacitação dos indivíduos para agirem conscientemente, mas com aproveitamento de experiências anteriores, formais e informais, tendo sempre em vista a integração, continuidade, democratização do conhecimento e o progresso no âmbito social. Para os profissionais de saúde, sua finalidade é ajudar as pessoas a descobrirem os princípios, padroes e valores que melhor se adaptem às suas próprias necessidades, visando à qualidade de vida individual e coletiva.21
A relação entre alimentação e qualidade de vida tem sido intensamente comprovada e discutida na literatura. A educação nutricional tornase assim uma parte essencial da educação para a saúde, uma vez que "é fato incontestável a importância da alimentação saudável para a promoção da saúde".12, 22
É nesta abordagem que vemos a educação em saúde, em particular a educação nutricional, na medida em que o profissional de saúde, como educador, deixa seu modo tradicional de educar para ocupar o papel de facilitador do processo de aprendizagem, a partir de um conceito de promoção da saúde.21
Vários são os inconvenientes apresentados por uma abordagem educativa convencional, fundamentada apenas na transmissão de informações.22 Este enfoque não é efetivo, porque leva o educando a assumir uma atitude passiva no processo de ensino-aprendizagem. Tem-se observado que essa abordagem é insuficiente para motivar mudanças mais significativas das práticas de saúde, por não problematizar essas questoes, considerando a dimensão integral do educando. Dessa forma, não basta possuir o conhecimento, é preciso levá-lo ao nível da análise crítica do próprio hábito e das próprias representações relativas ao ato da alimentação.21,23
A educação nutricional deve voltar-se para a formação de valores, para o prazer, para a responsabilidade, mas também para o lúdico e a liberdade. As abordagens interdisciplinares surgem como opções que podem oferecer caminhos alternativos para essa prática.22
Várias estratégias de educação nutricional têm sido descritas na literatura, mas motivar uma população para a mudança desejável do padrao alimentar ainda é um grande desafio para a saúde pública.11 Uma estratégia de educação nutricional que vem ganhando espaço entre os profissionais de saúde é o aconselhamento nutricional, o qual se caracteriza por ser centralizado no paciente e não nas informações. O aconselhamento nutricional é o processo pelo qual os pacientes são efetivamente auxiliados a selecionar e implementar comportamentos desejáveis de nutrição e estilo de vida.23 Entao, o resultado é a mudança de comportamento e não somente a melhora do conhecimento sobre a nutrição.
O aconselhamento nutricional tem sua base estruturada a partir das linhas teóricas da Psicologia, sendo fundamentado na aliança terapêutica, que caminha em direção à autonomia do paciente. Trata-se de um processo de ajuda, com uma proposta de encorajamento do cliente para relatar seus problemas. Seus pressupostos são a criação de vínculo e o diálogo.24 O objetivo é definir problemas, sugerir comportamentos para lidar com esses problemas e facilitar a compreensão e controle do paciente. Para isso, é necessário mais tempo e atitude de escuta.23
Fornecer informações corretas sobre as recomendações dietéticas é importante para a mudança de comportamento alimentar. O conhecimento contribui para sustentar ou desenvolver novas atitudes, sendo o componente racional necessário para motivar uma ação desejada.11 Boog22 afirma que as "atitudes são formadas por conhecimentos, crenças, valores e predisposições pessoais e sua modificação demanda reflexão, tempo e orientação competente". Mas fornecer informações e materiais educativos não conduz necessariamente a mudanças de comportamento. O principal é aprender a atender o paciente e seus problemas, a ponto de conhecer os obstáculos que ele enfrenta quando tenta alcançar seus objetivos no plano alimentar.23
EDUCAÇÃO NUTRICIONAL NA ADOLESCENCIA
A educação nutricional tem importante papel na promoção de hábitos alimentares saudáveis desde a infância. E uma medida de alcance coletivo que objetiva proporcionar os conhecimentos necessários e a motivação para formar atitudes e hábitos de alimentação saudável, adequada e variada.22
Na adolescência, o desenvolvimento cognitivo já se caracteriza pela independência dos dados materiais e concretos para que generalizações e abstrações sejam feitas. Entretanto, esta capacidade somente se estabelece se as etapas anteriores do desenvolvimento cognitivo tiverem sido alcançadas. Ou seja, que o indivíduo tenha tido experiências e oportunidades sociais capazes de promover os estímulos necessários.1
Atividades de reflexão sobre a realidade alimentar e os fatores externos que influenciam as escolhas alimentares podem ser desenvolvidas em grupos de adolescentes. A utilização de atividades que envolvam experiências artísticas tais como teatro, música, dança e artes plásticas são bem aceitas.24
A educação nutricional pode promover o desenvolvimento da capacidade de compreender práticas e comportamentos. Os conhecimentos ou aptidoes resultantes desse processo contribuem para a integração do adolescente com o meio social, proporcionando ao indivíduo condições para que possa tomar decisões para resolução de problemas mediante fatos percebidos.24
EDUCAÇÃO NUTRICIONAL EM GRUPOS
Todos os pacientes precisam de ajuda para modificar a dieta, os hábitos alimentares e a atividade física e tendem a conseguir melhores resultados quando são atendidos freqüentemente, como em programas de grupos de modificação do comportamento.20 Em grupo, os pacientes trabalham seus problemas nutricionais, abordando suas diferentes expectativas, comportamentos e necessidades psicológicas, além de serem encorajados a iniciar e manter as mudanças no estilo de vida.
Um grupo pode ser definido como um conjunto de pessoas unidas entre si por objetivos ou ideais em comum, que se reconhecem ligadas por esses objetivos. Nas diversas abordagens teóricas do grupo, alguns elementos são básicos, como a demanda, as motivações, a interação, a cooperação, a liderança, a organização e a construção de uma identidade.25
Na área da saúde, diversas modalidades de grupo podem ser utilizadas. Assim, temos o grupo focal, o grupo socioeducativo, o grupo operativo, o grupo de terapia, o grupo de adesão ou grupo de apoio. As fronteiras entre esses diversos modelos não são rígidas e essa classificação é estabelecida em função dos objetivos, dimensão educativa ou clínica, relação com o coordenador e autonomia do grupo.25
Os grupos de apoio consistem em grupos de composição homogênea, em que a ênfase maior é no apoio ao enfrentamento de uma situação específica, mediante a troca de experiências entre os participantes. O profissional de saúde usa as semelhanças entre os membros do grupo para promover a coesão e o senso de universalidade. Desta forma, os indivíduos não se sentem únicos no seu problema e percebem que podem apoiar-se nos seus pares.26
Essa modalidade de trabalho busca propiciar um ambiente de motivação para o tratamento pelo compartilhar de dificuldades, pela busca de alternativas para superá-las, pelo respeito às diferenças e pelo reforço da auto-estima. Trata-se, portanto, de um trabalho que une apoio e aprendizagem.20
Para alcançar seus objetivos, essa proposta de grupo cria um campo atravessado por conceitos que se articulam e se complementam e são oriundos da Psicologia, da Pedagogia, do princípio da integralidade, dos princípios de dinâmica de grupos, do aconselhamento e da proposta de ensino-aprendizagem de Paulo Freire. Estes conceitos e princípios são os pilares que sustentam a ação, baseada no diálogo e no suporte.20
Técnicas e dinâmicas podem ser usadas para facilitar o alcance das metas do grupo e devem ser fundamentadas em teorias sobre o trabalho com grupos, utilizando a criatividade e o lúdico. É importante ressaltar que tais técnicas devem ter a finalidade de aumentar o conhecimento e a consciência, mas não devem ser o ponto principal do trabalho, ou seja, devem ser consideradas como um meio e não um fim.26 O lúdico é um recurso importante neste trabalho, mas não se deve abusar dele.25
O coordenador de grupo é a pessoa responsável por mediar a realização dos objetivos, tendo papel ativo, mas não intrusivo. O coordenador tem papel importante de acolhimento e incentivo para a busca da identidade do grupo e deve atuar como dinamizador dos processos de aprendizagem e relacionais desse grupo. Mas é preciso enfatizar que as reunioes do grupo não devem ser uma aula, embora haja uma dimensão educativa no processo. O trabalho com grupos na área de saúde procura provocar processos de decisão em relação às questoes de saúde, incentivando o autocuidado, a adesão ao tratamento e a busca pela qualidade de vida.25
O uso de técnicas nos processos de educação em grupos visa a proporcionar momentos educativos que possibilitem ao grupo vivenciar situações inovadoras em todos os níveis. Ao se confrontarem comportamentos, hábitos, valores e conhecimentos, espera-se que os participantes sejam levados a uma avaliação e reelaboração individual evolutiva, podendo potencializar o grupo no aprimoramento da subjetividade e no próprio processo de educação e construção do conhecimento e da prática social.26 O uso de técnicas favorece a sensibilização, a expressão e a comunicação das experiências a partir de uma estratégia simples: permite reorganizar a maneira de narrá-las.25
O trabalho com grupos tem sido muito utilizado para indivíduos com doenças crônicas. Essa forma de abordagem age não só pelo efeito informativo, mas, sobretudo pelo efeito motivacional.26
A educação nutricional requer estratégias que modifiquem a percepção do obeso em relação aos alimentos. Quando é realizada em grupo, favorece o rompimento de comportamentos cristalizados e o compartilhamento de experiências.24 A dinâmica de grupos é um trabalho solidário, um local seguro e um suporte para reorganização de novos conhecimentos e do estilo de vida.25
Em seu processo de busca da identidade, os adolescentes agrupam-se naturalmente no dia-a-dia. Essa tendência grupal torna cada componente menos frágil, menos solitário, fortalecendo a auto-estima.1 Assim, a utilização da educação nutricional em grupos de adolescentes pode promover a aquisição de conhecimentos e a motivação para as mudanças no estilo de vida.
Em nossa prática nos serviços públicos de saúde, a conscientização dos participantes do grupo de reeducação alimentar, a partir de informações discutidas em cada encontro, do vínculo estabelecido entre os participantes e do apoio e motivação da equipe de saúde, tem contribuído com resultados positivos para a melhoria da qualidade de vida dos adolescentes. Para enfocar os aspectos relacionados à obesidade, nossa experiência tem mostrado que um agrupamento de acordo com a faixa etária e a maturidade é mais bem aceito por eles que, desse modo, sentem-se mais à vontade para expressar sentimentos e falar de suas dificuldades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há uma complexidade envolvida na adesão ou não ao tratamento da obesidade, sendo difícil simplificar recomendações para melhorar essa atitude. Mas a contribuição das ciências sociais para o entendimento de comportamentos ligados à saúde e doença tem sido considerada muito importante para o desenvolvimento de ações de prevenção e tratamento.
No que concerne à orientação nutricional, a mera transmissão de informações não é suficiente, pois esta informação só alcança a dimensão intelectual e a alimentação envolve muito mais que isso. Assim, cabe à educação nutricional o desafio de criar estratégias educativas que possibilitem a criação de novos sentidos para o ato de comer, a partir da abordagem de aspectos que alcancem as várias dimensões do comportamento alimentar.
Os estudos têm demonstrado a importância do atendimento interdisciplinar no tratamento da obesidade como forma de abordar os aspectos biológicos, psicológicos, comportamentais e ambientais envolvidos no processo. Os profissionais de saúde têm papel crucial a desempenhar tanto na prevenção como no tratamento da obesidade e para isso devem adotar uma postura encorajadora e não crítica frente a seus pacientes.
Para modificar comportamentos, é necessário primeiro que se entenda o contexto social e cultural em que eles ocorrem. Acreditamos ser necessário estabelecer um ponto de encontro no qual os pressupostos teóricos das ciências sociais e os recursos técnicos das ciências biológicas se aproximem e contribuam para uma assistência mais efetiva dos adolescentes com excesso de peso.
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