ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Insuficiência respiratória aguda secundária a bócio mergulhante da tireoide
Acute respiratory insufficiency secondary to substernal thyroid goiter
Fernanda Squárcio Fernandes Sanches1; Renato Alvarenga Rezende2; Mariana de Braga Lima Carvalho1; Ludmilla Luiza Libânio Guimaraes1; Nicolle Lauar Pimenta1; Ananias Custódio Arrais Neto1; Aline Braga Rodrigues1; André De Val Barreto3; Ana Cristina Ferreira Ribeiro1; Felipe Carrhá Machado1
Endereço para correspondênciaFernanda Squárcio Fernandes Sanches
E-mail: nandasan@uai.com.br
Recebido em: 09/05/2010
Aprovado em: 06/02/2012
Instituição: Hospital Júlia Kubitschek - Rede FHEMIG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
Relato de caso de bócio mergulhante (BM) em idosa com longa história de bócio nodular tóxico (BNT) e que evoluiu com insuficiência respiratória aguda enquanto aguardava cirurgia eletiva para extirpação do bócio. A evolução das complicações respiratórias dessa paciente sugere que o tratamento cirúrgico do BM em idosos deveria ser feito o mais breve possível, após o surgimento de sintomatologia respiratória, para evitar complicações.
Palavras-chave: Bócio; Bócio Nodular; Bócio Subesternal; Insuficiência Respiratória.
INTRODUÇÃO
O bócio mergulhante (BM) é mais comum em mulheres1 e responsável por quase 7% dos tumores mediastinais e por 3 a 20% das tireoidectomias.2 Sua evolução é lenta e, na maioria dos casos, o diagnóstico é tardio, quando aparecem sinais de compressão das vias áreas ou do esôfago.
A conduta terapêutica ainda é controversa, especialmente, em relação ao momento em que se decide sobre a abordagem conservadora ou cirúrgica.3 Essa controvérsia é mais acentuada emtre os pacientes idosos, devido ao aumento do risco cirúrgico.2
RELATO DE CASO
LGD, 73 anos, aposentada, natural de Santana do Monte-MG. Foi admitida na unidade de emergência do Hospital Júlia Kubitscheck em dezembro de 2009, com história de dispneia e tosse seca há quatro dias, que agravavam em decúbito dorsal e haviam piorado progressivamente nas últimas horas. Relatava ter sido internada, em 2007 e 2008, pelo mesmo motivo.
Estava em uso de glibenclamida 5 mg/dia; metformina 850 mg (duas vezes ao dia); AAS 100 mg/dia; monocordil 20 mg (duas vezes ao dia); captopril 25 mg (três vezes ao dia); espironolactona 25 mg/dia; sinvastatina 40 mg/dia; acarbose 25 mg (três vezes ao dia); levotiroxina 25 mcg/dia e prednisona 20 mg, em dias alternados.
Ao exame físico apresentava exoftalmia; bócio tireoidiano volumoso; estridor laríngeo; e esforço respiratório acentuado. Pressão arterial de 150/90 mmHg; taquipneia (28 incursões respiratórias/minuto); taquicardia (105 batimentos/minuto).
Relatava ser hipertensa e diabética há muitos anos. Há 12 anos foi acometida de infarto agudo do miocárdio (IAM), com cirurgia de revascularização (CRV). Era dislipidêmica e tinha, também, insuficiência cardíaca, artrite reumatoide e passado de tabagismo (30 maços/ano). Em 1996, foi diagnosticado bócio multinodular tóxico (BMT), sendo medicada com metimazol 10 mg/dia. Em 2006, após episódio de FA, iniciou amiodarona, que usou por dois anos. Em 2007, apresentou angina instável. Após angiocoronariográfia, foi indicada nova CRV, que foi recusada pela paciente. A radiografia de tórax (RT) mostrou desvio da traqueia e alargamento do mediastino. Foi feita tomografia computadorizada de tórax (TCT), que diagnosticou BM com compressão da traqueia, sendo indicado tratamento cirúrgico. Em 2008, desenvolveu hipotireoidismo, quando foi suspenso o metimazol e iniciada a levotiroxina.
Durante a internação, evoluiu com insuficiência respiratória aguda, com aumento acentuado do estridor, tornando-se necessária a intubação orotraqueal. A TCT constatou massa em mediastino superior, medindo 8,0 x 6,0 x 5,5 cm, com densidade heterogênea (Figura 1), que correspondia à tireoide; e a RT revelou imagem sugestiva de pneumonia e de alargamento do mediastino (Figura 2). A cultura de aspirado traqueal foi positiva para Neisseria sp.
Após 24 horas, foi tentada extubação, mas a paciente apresentou acentuada piora do quadro respiratório e foi novamente intubada. Optou-se, entao, por traqueostomizá-la com cânula longa até a carina, para manter as vias áreas pérvias.
Apresentou, em seguida, edema acentuado do membro superior direito (MSD). O Doppler obteve sinais de trombose venosa aguda e crônica, nas veias jugular interna e subclávia direita, com extensão para tronco braquiocefálico, ipsilateralmente, provavelmente devido à compressão vascular pelo bócio.
Devido às múltiplas complicações e à incapacidade de adaptação às cânulas de traqueostomia, optou-se pelo tratamento cirúrgico do bócio, a partir de tireoidectomia total, via cervicotomia anterior em colar, que foi realizado em fevereiro de 2010 (Figuras 3, 4, 5 e 6). Paciente evoluiu bem no pós-operatório e com 48 horas já estava em ventilação espontânea. No décimo dia de internação no CTI, recebeu alta para a enfermaria com cânula metálica de traqueostomia.
Na enfermaria, apesar da boa evolução inicial, apresentou hipersecreção pulmonar seguida de múltiplas infecções respiratórias. Isso, aliado às suas múltiplas comorbidades, acabou por evoluir para septicemia, que a levou a óbito em abril de 2010.
DISCUSSÃO
O BM tem patogênese pouco conhecida e não há indícios de influência genética ou familiar.2 Em 80% dos casos, tem localização retroesternal.2 São fatores predisponentes ao BM o comprimento cervical, cifose e o grau de hipertrofia da musculatura cervical anterior, que podem somar-se impedindo o crescimento ventral do bócio, impulsionando-o para a regiao inferior. Usualmente o BM evolui lentamente, sendo assintomático em aproximadamente 65% dos casos.4
A doença, geralmente, ocorre como uma complicação do BNT, cuja etiologia ainda não está bem definida.2 Estudos sugerem que fatores de crescimento5 promovem a proliferação folicular em áreas nodulares, independentemente do TSH. O BM tem alta prevalência nos idosos e pode evoluir com sinais de tireotoxicose leve como tremores ou induzir a quadro florido de hipertireoidismo. A fibrilação atrial pode ocorrer como primeiro sinal da tireotoxicose.2
O diagnóstico é sugerido pela detecção de massa mediastinal na RT. No entanto, o método diagnóstico de escolha é a TCT, que tem acurácia de 100%, não sendo necessários outros métodos de imagem.2
O BM é formado por tecido tireoidiano sem alterações neoplásicas em 60 a 85% dos casos6. O risco de neoplasia é moderado, variando de 2,5 a 15%2,7,8 e 40% delas correspondem a adenomas1. O carcinoma papilífero representa 1,5 a 11,5% dos casos de câncer associado.9
O tratamento do BM é, na maioria das vezes, cirúrgico, mas existem controvérsias quanto ao melhor tempo para indicá-lo em idosos e pacientes assintomáticos.7 A cirurgia, geralmente, tem reduzidas taxas de morbidade e mortalidade, além de baixo índice de complicações e baixa taxa de recidiva.2 Alguns autores defendem a abordagem cirúrgica precoce, principalmente nos jovens e em pacientes sintomáticos com boas condições de saúde.2 Outros autores optam pela individualização dos casos, principalmente em pacientes assintomáticos, porque, em alguns estudos, a taxa de mortalidade foi de 3,2%.10 Essa taxa pode ser mais alta nos idosos, devido à elevada frequência de comorbidades associadas e de tumores malignos mais agressivos.11
A via cirúrgica preferencial é a cervicotomia, já que garante significativas taxas de sucesso. A necessidade de esternotomia ou toracotomia varia entre 0 ea 29%.10 Alguns autores sugerem o uso mais liberal de esternotomia, para que seja evitada excessiva tração das estruturas mediastinais, minimizando as complicações pós-operatórias.10 Outros defendem a toracotomia, baseados no fato de que mais de 70% do volume tireoidiano encontram-se no tórax.8 Entretanto, trabalhos com alta taxas de toracotomia falharam em demonstrar reduzido índice de complicações, como a lesão do nervo laríngeo recorrente, hipoparatireoidismo transitório, hipocalcemia transitória e disfonia permanente.12,13
Na realidade, as taxas de complicações foram semelhantes, independentemente da via de acesso.7 Assim, na maioria dos estudos, tem-se utilizado a via cervical, pela segurança e pelos bons resultados obtidos, deixando a esternostomia apenas para casos selecionados.8
CONCLUSÃO
O BM da tireoide é doença rara, que necessita de diagnóstico e tratamento precoces para evitar complicações graves. O tratamento envolve abordagem clínica e/ou cirúrgica, devendo a decisão, por uma ou por outra, ser individualizada. Este caso ilustra como a demora da tireoidectomia pode levar a complicações graves, o que sugere que a intervenção cirúrgica deve ser indicada assim que forem detectados quaisquer sinais e sintomas de compressão de estruturas nobres como: vias aéreas, esôfago ou vasos cervicais e torácicos.
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