RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 22. 1

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Relato de Caso

Adenoma da papila de Vater associado a tumor carcinoide em papila duodenal menor

Adenoma of the papilla of Vater associated with carcinoid tumor in the minor duodenal papilla

Fernando Augusto Vasconcellos Santos1; Nikole Guimaraes Soares2; Rafael Morroni de Oliveira3; Juliano Silva Oliveira4; Gabrielle Mendes Borges3

1. Médico, cirurgião oncológico e do aparelho digestivo. Coordenador das residências de cirurgia geral e do aparelho digestivo do Hospital Governador Israel Pinheiro do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais - IPSEMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica cirurgiã geral. Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médico, residente em cirurgia geral no Hospital Governador Israel Pinheiro do IPSEMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
4. Médico, cirurgião geral, residente em cirurgia do aparelho digestivo. Hospital Governador Israel Pinheiro do IPSEMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Rafael Morroni de Oliveira
Hospital Governador Israel Pinheiro, Centro de Estudos
Alameda Ezequiel Dias, nº 225, 1º andar Bairro: Centro
Belo Horizonte, MG - Brasil CEP: 30130-110
E-mail: morronits@hotmail.com

Recebido em: 19/08/2011
Aprovado em: 04/11/2011

Instituição: Hospital Governador Israel Pinheiro Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

As neoplasias benignas da ampola de Vater são raras. Essas lesões têm propensão à degeneração maligna de 35 a 55%1 e podem ter tamanho relativamente grande (>5 cm) em diâmetro, em geral sendo notadas por sintomas de hemorragia digestiva, obstrução intestinal ou icterícia obstrutiva. Os tumores carcinoides da papila menor também são extremamente raros e são, a maioria, assintomáticos, porém podem apresentar comportamento agressivo na forma de metástases. Este trabalho apresenta um caso raro de um paciente portador de adenoma viloso em ampola de Vater associado ao carcinoide de papila menor.

Palavras-chave: Adenoma; Tumor Carcinoide, Ampola Hepatopancreática.

 

INTRODUÇÃO

As neoplasias benignas da ampola de Vater são raras e representam menos de 10% das neoplasias periampulares.1,2 Sua prevalência é estimada em 0,04 a 0,12% em séries de autópsias.3-5 Porém, estao sendo cada vez mais reconhecidas pela ampla disponibilidade da endoscopia flexível, acompanhamento e triagem de pacientes com fatores de risco.6-10 Calzavara, em 1895, foi o primeiro a descrever o papiloma benigno da ampola de Vater.11

Apesar de serem classificados como tumores benignos, os adenomas ampulares têm potencial para sofrer malignização, transformando-se em adenocarcinomas, como na sequência adenoma-adenocarcinoma ocorrida nos tumores colônicos.1

Esses tumores podem ocorrer esporadicamente ou associados a síndromes polipoides familiares como a polipose adenomatoide familiar (PAF).7

Os adenomas vilosos do duodeno correspondem a 1% dos tumores duodenais e 0,01% de todas as neoplasias gastroduodenais.12 O diagnóstico por biopsia desses tumores pode ser enganoso. Em lesões grandes o carcinoma pode estar presente ou entao em localização profunda, não acessível à biopsia endoscópica. A incidência de falso-negativo varia de 25 a 56% dos casos.9,13-15

Os tumores carcinoides apresentam incidência de 2,5 habitantes em 100.000 por ano. O apêndice cecal é sua localização mais comum no tubo gastrintestinal (TGI), cerca de 60%, seguido de íleo, reto e estômago. Aproximadamente 2% envolvem o duodeno, 1% a via biliar e 0,6% o pâncreas.16 Os carcinoides da ampola de Vater representam menos de 0,35% dos carcinoides do TGI17 e são ainda mais raros quando presentes na papila duodenal menor, fato que são frequentemente assintomáticos.18

O objetivo deste trabalho é apresentar um caso clínico raro de neoplasia benigna da ampola de Vater associado a tumor carcinoide da papila menor e discutir sobre o tratamento operatório.

 

RELATO DE CASO

Paciente de 61 anos, ZMPN, sexo feminino, 61 anos, assintomática. Há dois anos com quadro de elevação de fosfatase alcalina e transaminases séricas. Marcadores para hepatites virais e autoimunes negativos. Sem queixas clínicas e exame físico sem alterações.

Apresentava ultrassonografia de abdome, colonoscopia e exames laboratoriais normais. A colangioressonância evidenciou dilatação moderada das vias biliares intra-hepáticas.

Submetida à colangiopancreatografia retrógrada, evidenciou grande lesão polipoide macroscopicamente compatível com adenoma de papila de Vater não viável à ressecção endoscópica. Notaram-se também irregularidade e dilatação de vias biliares intra-hepáticas, mais proeminentes em lobo esquerdo. Hepatocolédoco apresentava trajeto usual e calibre medindo até 12 mm, não havendo imagens sugestivas de cálculos ou outros fatores obstrutivos intrínsecos ou extrínsecos ao mesmo. O resultado da biopsia endoscópica revelou adenoma de baixo grau.

Indicada intervenção cirúrgica e após laparotomia mediana supraumbilical e manobra de Kocher, foi realizada palpação duodenal para localização da lesão. Submetida a duodenotomia longituginal e cateterização transcística da papila maior, ressaltou lesão vilosa de aproximadamente 5 cm (Figura 1). A inspeção da segunda porção duodenal, constatou-se outra lesão polipoide de aproximadamente 3 mm de diâmetro em papila menor (Figura 1). Foi realizada papilectomia transduodenal com margens de 1 cm em papila duodenal maior e menor com esfincteroplastia e colecistectomia. Ao inventário da cavidade abdominal não apresentava alterações. Recebeu alta hospitalar no sexto dia pós-operatório.

 


Figura 1 - Peças cirúrgicas do adenoma da papila Vater associado à tumor carcinóide da papila menor e vesícula biliar. Legenda: Círculo Verde: abrange o tumor e indica lesão vegetante correspondente a adenoma de ampola de papila de Vater; Círculo Vermelho: indica tumor carcinóide da papila menor.

 

A conclusão do estudo anatomopatológico realizado pela Drª. Erika Meinick do Nascimento foi a presença de achados compatíveis com tumor neuroendócrino (tumor carcinoide) em mucosa duodenal e em papila maior, adenoma tubuloviloso com alterações displásicas de alto grau e área de adenocarcinoma intramucoso focal em mucosa duodenal com margens cirúrgicas livres.

 

DISCUSSÃO

O tratamento cirúrgico dos tumores benignos periampulares ainda é controverso. Alguns autores acreditam que a duodenopancreatectomia deve ser aplicada a todos os pacientes, devido ao fato de apresentarem alto risco de recorrência e difícil exclusão de malignidade.19,20 Por outro lado, outros advogam que a ressecção local com congelamento peroperatório é apropriada e com baixas taxas de recorrência.21

Meneghetti et al. estudaram 30 pacientes submetidos à ressecção local com congelação para tumores ampulares com tempo médio de acompanhamento de 5,8 anos. Entre esses tumores havia 23 adenomas vilosos, seis adenocarcinomas e um ganglioma. Apresentavam em todos os adenomas displasia de alto grau com tamanho médio de 2,4 cm. A análise histológica peroperatória por congelação foi realizada em 20 pacientes apresentando sensibilidade e especificidade para detecção de adenocarcinoma em 25 e 100%, respectivamente. Valores preditores positivo e negativo foram de 100 e 84%, respectivamente. Todos os pacientes com displasia de alto grau na biopsia peroperatória exibiram adenocarcinoma ao estudo patogênico final. O estudo detectou cinco recorrências e não foram correlacionadas com tamanho ou margens positivas da ressecção. Concluiu-se que a ressecção local é um bom tratamento para tumores benignos ampulares e pode ser realizada com baixa morbidade e baixa taxa de recorrência (13%).21

O tratamento endoscópico estaria indicado para pacientes com tumores pequenos e benignos, porém as taxas de recorrência a longo prazo não estao determinadas.21 Todo paciente que apresentou ressecção local cirúrgica ou endoscópica necessitou de acompanhamento prolongado com métodos de imagem.

Em revisão, Hatzitheoklitos et al.22 descreveram que 46% dos carcinoides da ampola duodenal maiores que 2 cm, 50% dos tumores entre 1 e 2 cm e 66% dos tumores menores que 1 cm tinham metástase. Esses dados revelam que 50% dos tumores da papila maior apresentarao metástase, independentemente do tamanho. A cirurgia de Whipple parece ser apropriada para esses tumores23. Assim, alguns especialistas recomendam duodenopancreatectomia para todos os tumores, independentemente do tamanho.22 O prognóstico pós-tratamento do tumor carcinoide da papila menor, é bom, com 90% de taxa de sobrevida de cinco anos.22

Em conclusão, as manifestações clínicas da doença são inespecíficas. O diagnóstico usualmente é feito por alterações ao ultrassom abdominal, colangioressonância e endoscopia digestiva alta. O tratamento poderá ser a ressecção endoscópica, excisão cirúrgica local (ampulectomia) ou duodenopancreatectomia. Dessa maneira, a operação transduodenal para excisão cirúrgica local foi satisfatória, obtendo-se ressecção da lesão com margens livres.

 

REFERENCIAS

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