RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 17. 3-4

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Artigo Original

Histopatologia do conduto peritônio-vaginal em crianças com criptorquia

Histopathology of processus vaginalis in children with undescended testes

Clécio Piçarro1; Edson Samesima Tatsuo2; Vânia da Fonseca Amaral3; José Carlos Brandão Duarte Lanna4

1. Professor Substituto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e Membro do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Cirurgia
2. Professor Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e Coordenador do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Cirurgia
3. Professora do Departamento de Patologia Geral do Instituo de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais
4. Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e Membro do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital das Clinicas da UFMG. Doutor em Cirurgia

Endereço para correspondência

Clécio Piçarro
Rua Senhora das Graças, 130 / 201 - Cruzeiro
Belo Horizonte - MG - Brasil CEP: 30310-130
E-mail: cleciop@hotmail.com

Resumo

INTRODUÇÃO: existem algumas dúvidas relacionadas à criptorquia, como aspectos etiofisiopatológicos do testículo críptico, e de outras estruturas adjacentes que poderiam estar relacionadas com a não descida testicular. Uma dessas estruturas seria o conduto peritônio-vaginal, presente na maioria dos casos. Com a intenção de conhecer melhor a morfologia desse conduto em crianças com criptorquia, decidiu-se pelo estudo histológico.
MÉTODO: foram colhidos 45 fragmentos de condutos peritônios-vaginais de 43 meninos com criptorquia, operados no Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal Minas Gerais, durante os anos de 2001 a 2003. As amostras foram coradas pela técnica de hematoxilina-eosina e tricrômico de Gomori e analisadas por microscopia óptica, sendo examinadas pela mesma patologista. A análise estatística dos principais achados e variáveis foi realizada pelo software Epi-Info. Calcularam-se as médias e desvios-padrão e para as proporções utilizou-se o intervalo de confiança 95%, pelo método Fleiss Quadrático.
RESULTADOS: os principais achados histológicos encontrados nos CPV foram: filetes nervosos (100%), tecido conjuntivo (100%), revestimento mesotelial (66%), musculatura lisa (57%), musculatura estriada (13%) e remanescentes de túbulos mesonéfricos (7%).
CONCLUSÕES: associando os achados dessa pesquisa a dados da literatura sobre histologia de sacos herniários de crianças com hérnia inguinal indireta, aventou-se a possibilidade de o CPV apresentar histologia diferente do saco herniário. Considera-se importante a realização de outros trabalhos histológicos do CPV, comparativos e com uso de métodos mais específicos - imuno-histoquímicos.

Palavras-chave: Criptorquidismo/cirurgia; Testículo; Hérnia Inguinal; Pediatria.

 

INTRODUÇÃO

A criptorquia é uma das doenças cirúrgicas mais comuns na criança, ocorrendo em 3% em recém-nascidos a termo, cuja incidência aumenta com a prematuridade.1

Ainda existem dúvidas sobre a criptorquia, como aspectos etiofisiopatológicos do testículo críptico, e de outras estruturas adjacentes que poderiam estar relacionadas com a não descida testicular. Uma dessas estruturas seria o conduto peritônio-vaginal (CPV), presente na grande maioria dos casos de criptorquia. Não se sabe se a morfologia e a etiologia do CPV, na criptorquia, seriam a mesma do saco herniário, presente nas crianças com hérnia inguinal indireta.2

Na literatura existem vários trabalhos a respeito da morfologia de sacos herniários inguinais.3-8 Entretanto, há somente uma publicação sobre a histologia do CPV, com apenas nove meninos com criptorquia.9

Diante desse aparente hiato, o objetivo deste trabalho foi estudar a histologia do CPV em crianças com criptorquia.

 

ÉTICA

Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Minas Gerais (UFMG). Não houve mudança da técnica operatória, tampouco aumento do risco para os pacientes. Os fragmentos estudados seriam normalmente desprezados após o ato operatório. Houve o consentimento livre e esclarecido dos pais.

 

MÉTODO

Este é um estudo prospectivo em que 43 meninos com criptorquia com idade de um a 11 anos foram operados no Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG, no período de 2001 a 2003. Destes pacientes, coletaram-se 45 amostras de CPV, obtidas durante o ato operatório.

Realizou-se o estudo histológico com uso de microscopia óptica e utilizaram-se colorações pela técnica de hematoxilina-eosina (HE) e tricrômico de Gomori. Todas as lâminas foram analisadas pela mesma patologista.

Analisaram-se os principais achados histológicos, além das variáveis dos pacientes quanto a: idade, cor, lateralidade e posição do testículo críptico.

Fez-se a análise estatística pelo software Epi Info. Calcularam-se as médias e os desvios-padrão e, para as proporçõe,s utilizou-se o intervalo de confiança 95% (IC 95%) pelo método de Fleiss Quadrático.

 

RESULTADOS

De 43 meninos operados coletaram-se 45 CPVs.

A média de idade das crianças foi de 60 meses, com desvio-padrão de 38 meses.

Os principais achados histológicos do CPV estão apresentados na Tabela 1 e na Figura 1.

 

 

 


Figura 1 - Fotomicrografia ilustrativa da histologia do CPV. Observar revestimento mesotelial (RM), tecido conjuntivo (M), músculo liso (M), vasos (V) e filetes nervosos (N). HE-40x

 

Não houve relação estatisticamente significativa entre os achados histológicos e as variáveis idade, cor, lateralidade e posição do testículo críptico.

Encontraram-se ainda as seguintes anomalias associadas: um caso de hérnia inguinal (2,2%) e outro de hipospádia (2,2%).

 

DISCUSSÃO

Postula-se que o CPV exista devido ao alongamento do peritônio parietal, secundário à aderência ao testículo, durante sua descida ao escroto.1 Entretanto, essa teoria não explica a presença de CPV em mulheres, nem em meninos com criptorquia com testículos intra-abdominais, onde o CPV estaria patente. Outra teoria seria que o CPV pode estar associado à embriologia do canal inguinal e do escroto e não diretamente relacionado com a descida testicular.10 O CPV está presente na grande maioria dos pacientes com criptorquia, em alguns pacientes com hidrocele e ainda pode se verificar em pacientes sem qualquer clínica de afecção inguinal. Sendo assim, existem dúvidas se o CPV seria uma hérnia inguinal em potencial.11

Em relação aos sacos herniários, outros autores mostraram estrutura histológica semelhantes aos nossos achados nos CPVs, com presença de tecido conjuntivo, tecido adiposo, mesotélio e tecido muscular liso e estriado.3-8 A maioria deu ênfase à constatação de musculatura lisa.

Usou-se neste estudo a coloração dos fragmentos de CPV por HE e tricrômico de Gomori, esta específica para pesquisa de musculatura lisa. Encontrou-se musculatura lisa em 57% dos fragmentos de CPV. Barbosa encontrou-se 68% de músculo liso nos sacos herniários, com o uso das mesmas colorações da presente pesquisa.5 Já Faria, com uso de métodos imuno-histoquímicos específicos para pesquisa de musculatura lisa, verificou essa ocorrência em todos os fragmentos (100%) de sacos herniários.8 Na avaliação de Tanyel, encontrou-se quantidade menor de tecido muscular liso nos CPVs do que nos sacos herniários, porém não foram quantificados.9

Alguns autores consideraram a hipótese de que a musculatura lisa poderia estar relacionada com a etiologia do saco herniário.3-9,12-14. Eles postularam que as fibras musculares lisas encontradas seriam estruturas aberrantes que deveriam ter regredido, porém isso não ocorreu.9,12-14 Já outros sugeriram que o tecido muscular liso poderia representar reforço tecidual no sentido de dificultar o crescimento do saco herniário.3,5,7 Ainda há outra hipótese que considera que a musculatura lisa poderia ser parte do músculo dartos.10

Pode-se concluir que os principais achados histológicos no CPV foram: tecido conjuntivo, meostélio, filetes nervoso, tecido muscular liso e tecido muscular estriado.

Os resultados histológicos desta investigação são semelhantes aos de outras em que se estudou a morfologia dos sacos herniários. Contudo, são necessários novos trabalhos comparativos para melhor entendimento da morfogia e fisiopatlogia do CPV e do saco herniário.

 

REFERÊNCIAS

1. Lanna JCBD, Lanna Sobrinho JMD. Distopias testiculares. In: Maksoud JG. Cirurgia pediátrica. São Paulo: Revinter; 1997. p.689-705.

2. Lanna Sobrinho JMD. Contribuição para o estudo das alterações histológicas testiculares e do tratamento cirúrgico da criptorquidia [tese]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 1961.

3. Lázaro da Silva A, Brasileiro Filho G, Ferreira AP. Estudo morfológico do saco herniário inguinal. Rev Hosp Clín Fac Med São Paulo. 1992;47:65-8.

4. Pucci JA. El uso Del saco herniario autógeno como refuerzo en la plástica de hernias inguinales. Ciên Med. 1986;1:35-42.

5. Barbosa CA. Histopatologia do saco herniário da hérnia inguinal indireta e do peritônio parietal em adultos e crianças: estudo qualitativo da sua musculatura lisa [dissertação]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 1997

6. Partrick DA, Bensard DD, Karrer FM, Ruyle SZ. Is routine pathological evaluation of pediatric hernias sacs justified? J Pediatr Surg. 1998;33:1090-4.

7. Barbosa CA. Histologia dos sacos herniários das hérnias inguinais indiretas, diretas, recidivadas e encarceradas em adultos e crianças: identificação de fibras musculares lisas [tese]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 2000..

8. Faria LP. Estudo histológico e imuno-histoquímico do saco herniário de hérnias inguinais indiretas no homem [tese]. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG; 2000.

9. Tanyel FC, Dağdeviren A, Müftüoğlu S, Gürsoy MH, Yürüker S, Büyükpamukçu N. Inguinal hernia revisited through comparative evaluation of peritoneum, processus vaginalis, and sacs obtained from children with hernia hydrocele, and undescended testis. J Pediatr Surg. 1999;34:552-5.

10. Shrock P. The processus vaginalis and gubernaculum. Surg Clin North Am. 1971;51:1263-8.

11. Rowe MI, Lloyd DA. Inguinal hernia. In: Welch KJ. Pediatric surgery. Chicago: Year Book Medical; 1986. p.779-93.

12. Tanyel FC, Muftuoglu S, Dagdeviren A. Myofibroblasts defined by electron microscopy suggest the dedifferentiation of smooth muscle within the sac walls associated with congenital inguinal hernia. Br J Urol Int. 2001;87:251-5.

13. Tanyel FC, Erdem S, Buyukpamukcu N. Smooth muscle within incomplete obliterations of processus vaginalis lacks apoptotic nuclei. Urol Int. 2002;69:42-5.

14. Hosgor M, Karaca I, Ozer E, Erdag G, Ulukus C, Fescekoglu O, Aikawa M. The role of smooth muscle cell differentiation in the mechanism of obliteration of processus vaginalis. J Pediatr Surg. 2004;39:1018-23.

 

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