RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 15. 4

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Artigos Originais

Tendência dos indicadores de mortalidade de doenças cardiovasculares do Brasil nos últimos 20 anos (1980-2000)

Mortality indicators trends of cardiovascular diseases of Brazil in the last 20 years (1980-2000)

Helen Hermana Miranda Hermsdorff1; Adriane Cervi1; Rita De Cássia Lanes Ribeiro2

1. Nutricionistas, Mestrandas em Ciência da Nutrição, Universidade Federal de Viçosa - UFV
2. Epidemiologista, Professora Adjunto III do Departamento de Nutrição e Saúde, UFV. Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa. Viçosa - MG, Brasil

Endereço para correspondência

Campus Universitário, Universidade Federal de Viçosa
Departamento de Nutrição e Saúde
Viçosa - MG CEP: 36571-000

Data de submissão: 03/02/2005
Data de aprovação: 10/04/2006

Resumo

OBJETIVOS: Avaliar e comparar os coeficientes de mortalidade por Doenças Cardiovasculares (DCV), específicos por sexo, faixa etária, capital e ano, e relacioná-los com o processo brasileiro de transição demográfica, nutricional e epidemiológica.
METODOLOGIA: Estudo ecológico de série temporal, utilizando dados de óbitos de indivíduos acima de 30 anos, de ambos os sexos, de 1980 a 2000, em 11 capitais do país (Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória, Manaus, Salvador, Recife, Cuiabá e Distrito Federal), no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM/MS/DATASUS). Utilizou-se padronização das taxas pelo método direto e regressão linear.
RESULTADOS: As taxas de mortalidade por DCV foram superiores para o sexo masculino e idosos. As mesmas reduziram 3,8% entre 1980 e 1985; 3,9% entre 1985 e 1990; 1,9% entre 1990 e 1995 e 13,3% entre 1995 e 2000. A tendência de redução também é observada nas capitais das regiões Sul e Sudeste. As demais regiões apresentaram variações nas taxas e sua tendência temporal.
CONCLUSÃO: As taxas de mortalidade por DCV no Brasil e em suas capitais, apesar de elevadas, seguem tendência semelhante à dos países desenvolvidos, apresentando, entretanto, diferenças regionais.

Palavras-chave: Doenças Cardiovasculares/mortalidade; Doenças Cardiovasculares/epidemiologia; Estudos Retrospectivos; Brasil

 

INTRODUÇÃO

O Brasil e diversos países da América Latina estão experimentando, nos últimos 20 anos, uma rápida transição demográfica, epidemiológica e nutricional.1

É possível apontar a década de 40 como marco inicial do envelhecimento da estrutura etária da população brasileira. Esta tendência acentuou-se nos anos 70, quando a participação dos indivíduos com 60 anos ou mais passou de 5% para 6,1% em 1980, chegando a 7,7% em 19912,3. Dados do censo de 2000 informam que, do total de habitantes, 15,5 milhões possuem 60 anos ou mais, representando cerca de 10% da população geral4.

Associados ao envelhecimento acelerado da população, o processo de urbanização e as mudanças socioeconômicas, culturais e alimentares levaram a uma conseqüente modificação no perfil de morbimortalidade nos últimos 20 anos, caracterizando a transição epidemiológica no Brasil.5 Entre as modificações mais relevantes, destaca-se a melhoria nas condições de saneamento, moradia e no acesso a serviços de atenção à saúde e o avanço de sua tecnologia; o aumento da participação feminina no mercado de trabalho; a preferência por alimentos refinados, ricos em gorduras, em detrimento ao consumo de frutas e hortaliças, e a inatividade física6,7. Dessa forma, verifica-se a redução das gastroenterites, sarampo e outras enfermidades incidentes na infância bem como as de origem infecto-parasitárias.

Por outro lado, houve um aumento na prevalência e incidência de doenças crônico-degenerativas ou não-transmissíveis relacionadas à obesidade, como diabetes tipo 2, as doenças cardiovasculares, hipertensão arterial e diversos tipos de câncer, também associadas ao aumento da expectativa de vida.8 Este grupo de doenças é caracterizado, segundo Lessa (1998, citado por Silva Jr. et al. 5) por incluir: história natural prolongada; multiciplicidade de fatores de risco complexos; integração de fatores etiológicos conhecidos e desconhecidos; ausência de participação ou participação duvidosa de microrganismos entre os determinantes; longo período de latência e curso assintomático; evolução para graus variados de incapacidade e morte.

Nos Estados Unidos, a doença arterial coronariana causa 500 mil mortes e 12 bilhões de dias de internações hospitalares por ano, sendo que 25% de todos os eventos cardiovasculares graves, como isquemia coronariana e infarto do miocárdio, levam à morte no primeiro evento.9,10 As doenças cardiovasculares e cerebrovasculares acometem 18% da população australiana.11 No Brasil, as doenças cardiovasculares (DCV) substituíram as doenças infecciosas e parasitárias, desde meados da década de 60, tornando-se a primeira causa de morte. Essas doenças apresentam elevada incidência, letalidade geral e hospitalar, sendo responsáveis pelo maior percentual dos gastos com internações.12 Entre 1980 e 1996, a mortalidade por DCV ocorreu entre 25% a 30% da mortalidade total.13 Analisando-se as taxas de mortalidade das regiões do Brasil em 1998, as doenças do aparelho circulatório (32,6%) ainda representavam a primeira causa de óbito, seguidas pelas causas externas (14,6%), câncer (14,1%), doenças do aparelho respiratório (11,6%), afecções do período perinatal (4,6%) e doenças infecciosas e parasitárias (6,2%).14 Ao analisar as tendências de risco de morte por DCV nas regiões do Brasil, Souza et al.15 mostraram uma tendência de queda das doenças circulatórias no Sul, Sudeste e Norte, em todas as faixas etárias e ambos os sexos. Nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, a tendência foi de aumento. Resultado semelhante foi observado por Silva Jr. et al.5 que encontraram uma prevalência de 31,9% para DCV.

As altas prevalências e incidências de DCV, bem como a alta letalidade das mesmas, são causa de grande interesse de pesquisadores em estudos epidemiológicos. Trabalhos que avaliam os coeficientes de morbimortalidade relacionados a esta doença permitem caracterizar populações de risco nas regiões brasileiras, urbanas e rurais, de modo a otimizar o planejamento de medidas de prevenção, proteção e atenção à saúde.

Desse modo, o presente estudo visa avaliar e comparar os coeficientes de mortalidade por DCV, específicos por sexo, faixa etária, região metropolitana e ano, relacionando os dados obtidos com o processo de transição demográfica, nutricional e epidemiológica no Brasil.

 

METODOLOGIA

Realizou-se um estudo ecológico de série temporal, utilizando dados de óbitos de indivíduos com idade acima de 30 anos, de ambos os sexos, no período de 1980 a 2000, em 11 capitais do país.

Foram incluídas capitais específicas de cada macrorregião do Brasil: Curitiba e Porto Alegre (Sul); Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Vitória (Sudeste); Manaus (Norte); Salvador e Recife (Nordeste); Cuiabá e Distrito Federal (Centro-Oeste).

As estimativas de população por sexo, faixa etária (30-59 e > 60 anos) e ano foram obtidas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), calculadas em 1º de julho de cada ano, sendo utilizadas para o cálculo dos coeficientes de mortalidade para DCV. A seleção dessas faixas etárias procurou abranger os grupos de risco, segundo o Adult Treatment Panel III16.

Os dados de mortalidade foram obtidos diretamente do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), Fundação Nacional de Saúde, Ministério da Saúde (www.datasus.gov.br). Calculou-se a mortalidade proporcional anual por DCV segundo sexo, grupos etários e capital, analisando-se os óbitos de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID): Doenças do Aparelho Circulatório (capítulos VII da CID-9 e IX da CID-10).

Para comparação e avaliação dos coeficientes de cada região metropolitana, os mesmos foram padronizados pelo método direto, utilizando-se a população geral do Brasil para cada ano como população padrão.17

Para a análise de tendências temporais de mortalidade foram utilizados os coeficientes padronizados de mortalidade e método estatístico de regressão linear simples. Neste processo, os coeficientes padronizados de mortalidade por DCV foram considerados variável dependente (Y) e os anos calendário de estudos, variável independente (X). Transformou-se a variável ano na variável centralizada (ano - 1990), sendo este ponto médio da série histórica.

Modelo estimado: Y = ß0 + ß1X, onde: Y = coeficiente padronizado; ß0= coeficiente médio do período; ß1= incremento anual médio; X= ano-1990.

Além disso, na análise de regressão linear, foi calculado o R2, para indicar o nível de correlação entre os eixos, com nível de significância de 5%.

 

RESULTADOS

A análise de tendência dos coeficientes de mortalidade padronizados para DCV pelo método de regressão linear simples mostrou: a) coeficiente padronizado médio de mortalidade estimado, entre 1980 e 2000, foi de 8.608 mortes por 100 mil habitantes, com declínio de 4,12 mortes por 100 mil habitantes ao ano; b) o coeficiente padronizado médio para o período, nos homens, foi de 10.310 mortes por 100 mil habitantes; c) o coeficiente padronizado médio para o período, nas mulheres, foi de 8.152 mortes por 100 mil habitantes (Figura 1).

 


Figura 1 - Tendências dos coeficientes de mortalidade padronizados para DCV geral (a), para homens (b) e mulheres (c).

 

Os homens apresentaram maiores taxas de mortalidade por DCV quando comparados às mulheres, havendo, para ambos os sexos, na faixa etária acima de 30 anos, uma tendência de redução das taxas ao longo da série temporal (1980-2000). De 1980, as taxas de mortalidade para sexo masculino e feminino que eram, respectivamente, 508 e 425 óbitos por 100.000 habitantes, diminuíram para 465 e 378 em 1990, e 393 e 323 em 2000 (Figura 2).

 


Figura 2 - Taxas de mortalidade padronizadas por DCV (por 100.000 habitantes) segundo sexo, na população acima de 30 anos, Brasil, 1980-2000.

 

Em relação aos dados apresentados na Tabela I, observou-se a mesma tendência quando a população estudada foi estratificada por faixa etária e sexo, sendo que as maiores taxas foram encontradas nos indivíduos acima de 60 anos. No sexo masculino, houve redução de 32,3% na faixa etária de 30 a 59 anos e 22,4%, em indivíduos acima de 60 anos. No sexo feminino, a redução foi 34,9% e 27,0%, nas respectivas faixas etárias. Quando a faixa etária foi estratificada de 10 em 10 anos, a tendência de redução se manteve na série temporal (dados não mostrados). No geral, as taxas de mortalidade por DCV reduziram 3,8% entre 1980 e 1985; 3,9% entre 1985 e 1990; 1,9% entre 1990 e 1995 e 13,3% entre 1995 e 2000.

 

 

A redução também é observada na análise dos dados relacionados às capitais das regiões Sul e Sudeste, apresentando-se entre 26,9% (Vitória) e 54,4% (Rio de Janeiro). Destacam-se os altos valores obtidos para as capitais São Paulo e Rio de Janeiro, com taxas de 30, 9 e 19,5 óbitos por 100.000 habitantes, respectivamente, comparadas às taxas de Porto Alegre (4,5), Curitiba (4,1), Belo Horizonte (5,9) e Vitória (0,8), em 2000. Portanto, a região Sudeste apresenta maiores taxas de mortalidade por DCV que a região Sul.

Entre as capitais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, Salvador é a capital com perfil semelhante às capitais das regiões Sul e Sudeste, ou seja, apresenta queda constante das taxas no período de 1980 a 2000, enquanto Recife apresentou queda a partir 1985. Manaus e Cuiabá apresentaram as menores taxas de mortalidade, permanecendo constantes e com valores médios de 0,8 e 1,8 óbitos por 100.000 habitantes por DCV, respectivamente. O Distrito Federal apresentou tendência crescente, aumentando 22,8% suas taxas de mortalidade por DCV, até 1985 e, a partir desse ano, reduções modestas puderam ser observadas. Para melhor visualização da mortalidade dos diferentes grupos etários, os coeficientes de mortalidade das capitais estão apresentados, separadamente, nas figuras 3 a 6, para indivíduos entre 30 e 59 anos e entre 60 anos ou mais.

 


Figura 3 - Taxas de mortalidade padronizadas por DCV (por 100.000 habitantes) na população entre 30 a 59 anos, segundo ano e áreas metropolitanas das regiões Sul e Sudeste, Brasil, 1980-2000.

 

 


Figura 4 - Taxas de mortalidade padronizadas por DCV (por 100.000 habitantes) na população entre 30 a 59 anos, segundo ano e áreas metropolitanas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, Brasil, 1980-2000.

 

 


Figura 5 - Taxas de mortalidade padronizadas por DCV (por 100.000 habitantes) na população acima de 60 anos, segundo ano e áreas metropolitanas das regiões Sul e Sudeste, Brasil, 1980-2000.

 

 


Figura 6 - Taxas de mortalidade padronizadas por DCV (por 100.000 habitantes) na população acima de 60 anos, segundo ano e áreas metropolitanas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, Brasil, 1980-2000.

 

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que as maiores taxas de mortalidade por DCV foram para a faixa etária acima de 60 anos em relação à de 30-59 anos, nos últimos 20 anos (Tabela 1). Apesar de uma tendência decrescente, as taxas de mortalidade encontram-se elevadas ao longo dos anos estudados.

O Brasil, como diversos países da América Latina, está experimentando, nos últimos vinte anos, uma rápida transição demográfica, epidemiológica e nutricional1, o que poderia ser a explicação para os resultados apresentados acima. No final da década de 1960, iniciou-se rápido e generalizado declínio da fecundidade no Brasil. Como conseqüência, a população brasileira entrou em contínuo processo de estreitamento da base da pirâmide demográfica, ou seja, houve envelhecimento da população.3 O aumento crescente de indivíduos com mais de 60 anos tem levado ao incremento de doenças crônicas, ligadas ao maior tempo de exposição aos fatores de risco, como as DCV, obesidade, diabetes, hipertensão e câncer.18,19 As estatísticas mostram que a maior causa de mortalidade e morbidade é a DCV. A doença coronariana é a causa de 70% a 80% de mortes nos idosos e insuficiência cardíaca congestiva é a mais comum causa de internação hospitalar nessa faixa etária.20,21 Em estudo realizado no Brasil (1995), entre idosos de 65 a 96 anos, foi observada uma prevalência geral de 93% para fatores de risco, sendo os principais: sedentarismo (74%), hipertensão (53%), dislipidemia (33%), obesidade (30%), diabetes mellitus (13%) e tabagismo (6%).18 Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 1998, foram registradas prevalências gerais para hipertensão de 43,9%; doença cardiovascular, 19,0%; diabetes, 10,3%; doença renal crônica, 6,8%; e pelo menos uma dessas condições crônicas em 69%.22

Dentro desse contexto, a obesidade se consolidou como o agravo nutricional associado a uma alta incidência de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, influenciando, desta maneira, o perfil de morbimortalidade das populações.1 Estudos realizados na região Sul do Brasil apontaram uma prevalência para obesidade de 21%, em 1997,23 e, em 2003, 18,4% dos homens e 19,6% das mulheres eram obesos.24 Segundo Kain et al.25, a tendência secular na prevalência de obesidade no Brasil foi de 8,1% (1975), 15% (1989) e 18,8% (1997).

Entre os fatores determinantes da transição nutricional, e conseqüente aumento da obesidade no Brasil e na América Latina, destacam-se as mudanças no padrão alimentar e estilo de vida. No perfil alimentar, houve um abandono de dietas ricas em fibras e grãos, frutas, verduras e legumes, bem como aumento ascendente do consumo de açúcares e gorduras saturadas, com aumento, portanto, da densidade calórica dos alimentos ingeridos.7,26 Concomitantemente ao aumento da ingestão energética, houve redução no gasto energético, devido ao aumento da inatividade física, causada por mecanização e tecnificação de muitas tarefas cotidianas, aumento do número de veículos por habitantes e maior tempo frente à televisão, jogos e internet25,27. Em idosos, o sedentarismo é acentuado, devido à menor capacidade funcional dos mesmos.22 Também associados a mudanças no estilo de vida estão o tabagismo, o etilismo e as dislipidemias, fatores de risco independentes para DCV.28-30

Em relação ao sexo, as maiores taxas de mortalidade foram observadas no masculino, conforme demonstrado em outros estudos.9,31 Moraes et al.32 constataram, em um estudo longitudinal na população brasileira, que homens tinham um risco relativo de 2,3 (IC 1,29-4,08) para DCV em relação às mulheres. Segundo o ATP III16, homens em geral apresentam maior risco para DCV devido a maior prevalência de fatores de risco e a maior predisposição à obesidade central e síndrome metabólica.

No presente trabalho observou-se também que, apesar de ainda constituir a principal causa de morte no Brasil, a mortalidade por DCV vem apresentando redução constante ao longo dos últimos 20 anos. Esse declínio também tem sido documentado em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, a redução das taxas de mortalidade por DCV iniciou em meados de 1960, diferente do Brasil, em que o declínio iniciou-se a partir de 1980, no período investigado.33 Estima-se que a mortalidade por DCV diminuiu em torno de 50% na Austrália, Canadá, França e Estados Unidos, no período de 1965 a 1990.34 A queda nos países desenvolvidos tem como fatores determinantes: (1) a identificação e controle dos fatores de risco por meio de estudos populacionais; (2) progresso técnico-científico relacionado ao melhor conhecimento da fisiologia das DCV e seu diagnóstico; (3) a utilização de estratégias efetivas para educação nos grupos populacionais; (4) metas para tratamento de indivíduos em alto risco; (5) prevenção primária e secundária de fatores de risco, como hipertensão arterial, dislipidemia e diabetes.15,34,35 Diferentemente, nos países em desenvolvimento, as estratégias de prevenção primária e secundária possuem limitações, principalmente financeiras (no que se refere à aquisição de medicamentos e equipamentos), escassez de recursos humanos e dificuldade de acesso aos serviços de saúde pela população mais carente.

Nos países em desenvolvimento, o aumento ou redução das DCV segue a tendência de acordo com o grau de desenvolvimento (urbanização) de cada país. Na América Latina, por exemplo, Argentina, Chile, Uruguai e Cuba demonstraram declínio na mortalidade por DCV entre 1969 e 1986, enquanto El Salvador, Guatemala e República Dominicana mostraram aumento nesse mesmo período.36 Apesar de ainda encontrar-se com elevadas taxas de mortalidade, o Brasil apresenta uma tendência de redução semelhante à dos países desenvolvidos.

Analisando as regiões brasileiras, observaram-se, nas regiões Sul e Sudeste, as maiores taxas de mortalidade por DCV, concomitantes a um declínio acentuado ao longo dos anos, e valores estáveis nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Figuras 2 a 5). A diferença entre as taxas de mortalidade das capitais estudadas pode ser explicada pelo grau de transição demográfica e epidemiológica em que cada região se encontra. As capitais do Norte e Nordeste apresentam uma pirâmide etária com base maior e ápice menor em relação às capitais do Sul e Sudeste, ou seja, sua proporção de população jovem é maior que a idosa. Esta diferenciação na estrutura etária das regiões leva a maior prevalência de doenças infectoparasitárias e maior coeficiente de mortalidade infantil nas regiões Norte e Nordeste. Ao mesmo tempo, as regiões Sul e Sudeste, que apresentam uma proporção elevada de indivíduos acima de 60 anos, possuem elevadas taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares, bem como maiores prevalências para doenças crônico-degenerativas, destacando-se as taxas de mortalidade de São Paulo e Rio de Janeiro, que foram bem superiores às de outras capitais estudadas. Segundo Barboni & Gotlieb,37 outro ponto importante de diferenciação entre as capitais são as melhores condições de assistência médica no Sul e Sudeste, levando a maiores expectativas de vida na população. Dessa forma, pode-se evidenciar maior semelhança dessas regiões com os países desenvolvidos; no Norte e Nordeste, o processo de transição epidemiológico ainda não se deu por completo. Essas regiões apresentam elevadas taxas de mortalidade por doenças infecto-parasitárias e por causas externas (ligadas principalmente à violência), mas, ao mesmo tempo, apresentam intermediárias taxas de mortalidade relacionadas às doenças crônico-degenerativas. Em relação à região Centro-Oeste, Brasília destaca-se como tendo uma evolução crescente até 1995, o que evidencia seu processo de transição epidemiológica. Cuiabá apresentou taxas constantes ao longo dos anos, semelhante ao que ocorre em Manaus e Vitória.

A análise dos resultados encontrados para estas capitais é ainda um desafio, pois a confiabilidade dos sistemas de informações de saúde nas mesmas é ainda baixa, evidenciado pela alta proporção de óbitos por causas mal definidas. Em 1990, Manaus, Cuiabá e Vitória apresentaram 25,37%; 16,12% e 7,90% de óbitos por causa mal definida, respectivamente. Apesar de melhora nesta proporção nos 10 anos seguintes, Manaus e Cuiabá apresentaram ainda, em 2000, elevados números: 24,02% e 12,60%, respectivamente. Esses dados sofrem influência negativa da diversidade de competência e de qualidade dos serviços de coleta ou de registro de dados. No Brasil, existem diferenças regionais nos níveis de competência das diversas estruturas. Porém, vem sendo observada uma melhora gradativa nos registros de dados.35

Em suma, as taxas de mortalidade por DCV apresentaram-se maiores para o sexo masculino, bem como para a faixa etária acima de 60 anos, devido a maior exposição aos fatores de risco, como fumo, hipertensão, diabetes, sedentarismo e obesidade. O Brasil segue tendência semelhante à dos países desenvolvidos, ou seja, de decréscimo das taxas de mortalidade ao longo dos anos. Esta tendência de redução da mortalidade é evidenciada, principalmente, nas capitais mais desenvolvidas, caracterizadas por maior avanço no processo de transição demográfica e epidemiológica e pela oferta de melhores serviços de assistência médica (Sul, Sudeste). Ainda são necessárias melhorias no sistema de informação a fim de se obterem dados mais confiáveis em todas as regiões do país, para adequado planejamento das ações de saúde pública.

 

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