RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 15. 4

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Relatos de Casos

Alergia a látex - relato de um caso

Latex allergy - report of a case

Helena M. G. Becker1; Roberto E. S. Guimarães1; Wanessa D. de Oliveira2; Marcílio B. Pimenta3; Celso G. Becker1; Paulo F. T. B. Crosara4

1. Professor(a) Adjunto (a) do Departamento de Otorrinolaringologia, Oftalmologia e Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFMG
2. Médica-Residente de Otorrinolaringologia do Núcleo de Otorrino-BH
3. Médico-Anestesiologista do Núcleo de Otorrino-BH, Hospital das Clínicas/UFMG e Hospital Felício Rocho
4. Médico-Otorrinolaringologista, doutorando da Faculdade de Medicina da UFMG

Endereço para correspondência

Helena M. G. Becker
Av. Pasteur, 88 - 4º andar
30 150 290 - Belo Horizonte - Minas Gerais
Telefone: (31) 3222 2891
e-mail: hbecker@medicina.ufmg.br

Data de submissão: 22/03/2005
Data de aprovação: 03/02/2006

Resumo

A alergia a látex vem se tornando mais freqüente à medida que seu uso se torna maior. Há associação de reações cruzadas com certas frutas e vegetais. As reações ao látex podem se manifestar com uma simples irritação química local, mas podem provocar broncoespasmo, hipotensão, taquicardia e anafilaxia. Descreve-se o caso de uma paciente que não tinha conhecimento de sua alergia ao látex até apresentar reação anafilática imediata após o uso de tamponamento nasal com dedo de luva de látex, ao final da microcirurgia nasossinusal. O diagnóstico foi confirmado por testes cutâneos e dosagem de IgE específica para látex por Radio Allergo Sorbent Test (RAST). A importância deste relato refere-se à freqüente utilização de produtos à base de látex pelos profissionais de saúde e pelo uso regular de tamponamento nasal com dedo de luvas em pacientes otorrinolaringológicos.

Palavras-chave: Hipersensibilidade ao Látex; Hipersensibilidade Imediata; Doenças Nasais/cirurgia

 

INTRODUÇÃO

O primeiro relato de alergia a látex foi feito há mais de 70 anos, mas, devido ao crescente uso de produtos contendo látex, esta patologia vem-se tornando uma condição clínica freqüente1,2. A prevalência e incidência da alergia a látex são questionáveis. Estima-se sua prevalência em torno de 1% a 6% na população em geral; sendo mais freqüente em pacientes atópicos, que sofrem de rinite ou dermatite de contato, com espinha bífida e passado de intervenções cirúrgicas freqüentes, em profissionais de saúde ou outros que tenham contato regular com produtos à base de látex.3,4,5,6

Um dos principais fatores relacionados com o aumento da ocorrência da alergia ao látex é a determinação da necessidade de equipamentos de proteção para os profissionais de saúde, com destaque especial para os dentistas, enfermeiros e cirurgiões. Desde 1980, na prevenção da transmissão sexual do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), utilizam-se preservativos, o que propicia maior exposição e sensibilização ao látex.7 Os produtos à base de látex que mais freqüentemente desencadeiam reações alérgicas são luvas, balões e preservativos.

As reações ao látex podem ser classificadas como não-alérgicas (irritativas) ou alérgicas (hipersensibilidade imediata e tardia). As reações irritativas são as mais comuns; decorrem de uma irritação química local, com prurido, eritema, edema e testes sorológicos negativos. A hipersensibilidade imediata (Tipo I) ocorre minutos ou horas após a exposição, havendo uma gama de manifestações que podem ser de uma urticária leve até anafilaxia. É uma reação mediada por IgE às proteínas do látex e o diagnóstico é feito por testes cutâneos e dosagem de IgE específica para látex (RAST). A hipersensibilidade tardia (Tipo IV) ocorre após 24-48 horas do contato com o látex e manifesta-se como lesões eritematosas e/ou eczematosas no local de exposição; é mediada por linfócitos T e diagnosticada por teste cutâneo.1,8,9,10 (Tabela 1)

 

 

Devido à semelhança estrutural e biológica entre os alérgenos derivados de plantas, incluindo o látex, é possível explicar as reações cruzadas entre látex e alimentos (banana, castanha, abacate, pêssego, aipo, batatas, tomate, entre outros). Apesar de testes sorológicos positivos, apenas metade dos pacientes com alergia a látex têm sintomas após ingestão destes alimentos.11,12, 13

 

RELATO DO CASO

J.M.R.M.B., 36 anos, sexo feminino, apresentava obstrução nasal e rinossinusites purulentas de repetição e, ao exame clínico, apresentava desvio septal para a direita, pansinusite e polipose nasossinusal (PNS). Em 1994, foi submetida a tratamento microcirúrgico nasossinusal, ocasião em que se realizou tamponamento nasal anterior com gaze embebida em pomada cicatrizante. O material obtido foi enviado para exame anátomo-patológico e mostrou abundantes eosinófilos nos pólipos nasais. Foi submetida a teste de provocação oral com ácido-acetil-salicílico cujo resultado foi negativo, o que afastou a presença de intolerância aspirínica, associada a polipose nasossinusal eosinofílica.

Cinco anos após, devido à polipose nasossinusal recorrente, foi necessária nova cirurgia nasal quando foi realizado tamponamento nasal com dedo de luva de látex. Imediatamente após a introdução desta luva, a paciente apresentou angioedema de face, broncoespasmo e queda da pressão arterial. Como nenhum medicamento havia sido administrado naquele momento, questionou-se a possibilidade de alergia ao látex. O tamponamento foi rapidamente retirado e a paciente medicada. Esta alergia foi posteriormente confirmada com o teste cutâneo positivo e dosagem de IgE específica para látex (RAST) igual a 14,9 UI/ml (teste com alta positividade - Classe 3). A história clínica da paciente mostrava piora da obstrução nasal com vinho e edema de lábios ao contato com balões de festa e após tratamento odontológico.

 

DISCUSSÃO

O látex é um produto natural, encontrado na Hevea brasiliensis (seringueira/árvore da borracha). É uma substância orgânica e leitosa que contém uma mistura de mais de 150 proteínas demonstradas por eletroforese. Um pequeno número destas proteínas é responsável por alergia.

Os sintomas da alergia variam desde prurido, eritema e edema ao contato até manifestações à distância como rinite, conjuntivite e sinais sistêmicos, tais como broncoespasmo, hipotensão, taquicardia e anafilaxia. O diagnóstico de alergia a látex é suspeitado com base na história clínica e confirmado com teste cutâneo positivo, dosagem de IgE específica para látex (RAST ou ELISA) e teste de provocação.

A paciente-objeto deste relato não tinha conhecimento da alergia a látex até as manifestações intraoperatórias.

O tratamento mais eficaz para a alergia a látex é evitar o contato, mas, em muitas ocasiões, é virtualmente impossível, pois aproximadamente 40.000 produtos contêm látex e muitos são de uso corriqueiro.

A importância deste relato refere-se à freqüente utilização de produtos à base de látex pelos profissionais de saúde. As reações ao látex podem ser irritativas, pelo contato, ou de hipersensibilidade, com presença de urticária até anafilaxia. Merece atenção o uso de tamponamento nasal com dedo de luva, praticado com regularidade pelos otorrinolaringologistas.

 

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