ISSN (on-line): 2238-3182
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CAPES/Qualis: B2
Nova curva da OMS 2006: implicações para o crescimento de recém-nascidos pré-termo em comparação com a curva do CDC 2000
WHO 2006 child growth standards: implications for the preterm growth in comparison to the CDC 2000
Tatiana Barcelos Pontes1; Lívia de Castro Magalhães2; Felipe Pinheiro de Figueiredo3; César Coelho Xavier4
1. Terapeuta Ocupacional, doutoranda em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP/RP
2. Terapeuta Ocupacional, pós-doutora em Terapia Ocupacional pela Universidade de ΩMcmaster, Canadá, professora da Universidade Federal de Minas Gerais
3. Médico, residente de psiquiatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP/RP
4. Médico, doutor em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP/RP, professor associado da Universidade Federal de Minas Gerais - orientador
César Coelho Xavier
Av. Alfredo Balena, 190, sala 5001 B: Santa Efigênia
Belo Horizonte - MG CEP: 30.130-100
Email: xavier@medicina.ufmg.br
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
Resumo
OBJETIVOS: Comparar a proporção de crianças com falha no crescimento aos 12 meses de idade, utilizando-se as referências do CDC 2000 e da OMS 2006.
MATERIAL E MÉTODOS: Estudo retrospectivo do tipo coorte de grupo único. A amostra de 194 recém-nascidos, constituída a partir do grupo de RNPT acompanhados no ACRIAR, nascidos consecutivamente no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG) durante o período de 1990-2003, com peso ao nascer menor que 1500g. O peso foi obtido do nascer até 12 meses de idade corrigida. Foi feita categorização das crianças, utilizando-se o percentil 5 das referências do CDC 2000 da OMS 2006. Para a avaliaçãwo da concordância entre as duas classificações, utilizou-se o índice Kappa (k).
RESULTADOS: A utilização da curva do CDC 2000 como referência mostra um maior número de crianças mal nutridas aos 12 meses, quando comparado a curva da OMS 2006. As duas curvas apresentam concordância moderada, entretanto quando se analisa as crianças abaixo do percentil 5, observa-se algumas discrepâncias.
CONCLUSÕES: É necessário saber como usar a nova curva prescritiva da OMS 2006 e qual o impacto de seu uso na avaliação nutricional.
Palavras-chave: Recém-Nascidos de muito Baixo Peso/crescimento & desenvolvimento; Desenvolvimento Infantil; Crescimento e Desenvolvimento.
INTRODUÇÃO
À medida que a assistência aos recém-nascidos pré-termo (RNPT) melhora, torna-se prioritário conhecer como se comporta o crescimento destas crianças1, uma vez que este é um importante marcador de bem-estar e de saúde para a criança prematura e com muito baixo peso ao nascer.2 É sabido que o padrão de crescimento destes recém-nascidos é inferior quando comparado com crianças nascidas a termo, mas ao avaliarmos esta criança diversas questões devem ser levantadas. A criança está crescendo de forma adequada? A criança será sempre pequena ou irá recuperar o peso e equiparar-se aos recém-nascidos a termo? Qual referência de crescimento utilizar para avaliar a criança?
A curva de crescimento do CDC 20003 foi considerada pela OMS4 como referência para o crescimento de crianças. Entretanto, a realização de estudos com populações multi-éticas gerou questionamentos, uma vez que o crescimento das crianças em condições nutricionais e ambientais adequadas mostrou-se inferior ao da curva de referência.5 Várias questões foram levantadas sobre a curva do CDC 20003, como: amostra restrita em termos de origem genética, dados antropométricos medidos com grande espaço de tempo entre as medidas, variação do tamanho amostral nos diferentes tempos, os procedimentos para ajuste das curvas atualmente são considerados, além de pequena representação de recém-nascidos alimentados exclusivamente com leite materno. Outro achado importante destes estudos5,6 sobre crescimento foi a menor variabilidade no conjunto dos dados, com pouca distância entre as médias e os pontos de corte usados (± 2 desvios-padrão) para identificar crianças sob risco de crescimento insuficiente ou excessivo, o que pode afetar a classificação individual de cada criança. Não há, também, estimativas de prevalência de déficit ou excesso.4
Tendo em vista a crescente utilização dos parâmetros antropométricos como referencial de saúde de indivíduos e de populações, em abril de 2006 foram lançadas pela Organização Mundial de Saúde - OMS as novas Curvas para Avaliação do Crescimento da Criança de 0 a 5 anos. O estudo foi feito entre 1997 e 2003, com a participação de 8.500 crianças de países representativos das seis principais regiões geográficas do mundo: Brasil, Ghana, Índia, Noruega, Oman e Estados Unidos.4,7,8 As crianças que participaram do estuda foram alimentadas exclusivamente com leite materno até os 4 meses de idade. A introdução de alimentos sólidos ocorreu após 6 meses de idade, mas mantendo-se a utilização do leite materno durante o primeiro ano de vida. Diferentemente da curva do CDC 20003, considerada uma referência, a curva da OMS foi construída de forma a prescrever o crescimento adequado das crianças, como padrão de crescimento saudável.9
Baseado em uma coorte de 194 crianças nascidas pré-termo e com baixo peso ao nascer, o presente estudo buscou comparar a proporção de crianças com falha no crescimento aos 12 meses de idade, utilizando-se as referências do CDC3 e da OMS8.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospectivo do tipo coorte de grupo único. A amostra de conveniência foi constituída a partir de grupo de RNPT, acompanhados no Ambulatório da Criança de Risco (ACRIAR), nascidos consecutivamente no Hospital das Clínicas de Minas Gerais (HC/UFMG) durante o período de 1990-2003, e que tiveram peso ao nascer menor que 1500g.
Foram excluídos os que apresentaram mal-formações congênitas graves, anomalias cromossômicas e infecções congênitas, afecções neurológicas graves, uso ou abuso de drogas ou substâncias químicas pela mãe, recém-nascidos que não tinham registro do peso ao nascimento e as crianças que tinham dados de medidas em pelo menos de três tempos e para as quais não foi possível obter o valor da antropometria aos 12 meses.
PROCEDIMENTOS
O peso foi obtido ao nascer, do nascimento até a idade corrigida ao termo, e do 1º ao 12º mês. Na ausência da antropometria aos 12 meses, foi coletada uma medida posterior que permitisse obter por meio de interpolação, pelo modelo de Count,10 um valor estimado dos parâmetros antropométricos aos 12 meses. A classificação das crianças em relação à adequação do peso à idade gestacional foi realizada segundo Alexander et al.11
As informações foram obtidas no prontuário hospitalar e nas planilhas eletrônicas do ACRIAR. Os dados do estudo foram armazenados e processados no programa Epi Info versão 6.0412 para a obtenção das distribuições de freqüências, cálculos de médias, mediana, desvio padrão e realização de testes estatísticos.
Para a interpolação e obtenção da medida aos 12 meses foi utilizado, o modelo de Count10 de regressão linear: peso = alfa + p* tempo + b* LN (tempo + 1), pois este modelo é o que melhor se ajustou a este tipo de estudo, como observado em trabalhos anteriores com população semelhante.13,14 Com o objetivo de interpretar o peso das crianças do estudo, foi feita categorização, utilizando-se o percentil 5 das referências do CDC3 e da OMS8. Para a avaliação da concordância entre as duas classificações, utilizou-se o índice Kappa (k), com critérios de concordância mostrados na tabela 1. Os cálculos foram feitos utilizando-se o programa Stata 8.0.15 O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (ETIC 408/04).
RESULTADOS
Características da amostra
Durante o período de 1990-2003, foram inscritos no programa 697 recém-nascidos pré-termo, sendo 387 com peso ao nascimento menor que 1500g. Destes, foram obtidos dados de 328 crianças, pois 15,2% dos prontuários não foram encontrados. Depois de aplicados os critérios de exclusão, a amostra foi composta por 251 crianças, sendo excluídas 77 (23,0%). Aos 12 meses, 194/251 (77,3%) crianças possuíam o registro do peso, sendo esta considerada a amostra final do estudo.
Na amostra estudada, 97/194 (50%) crianças eram meninas. Gravidez gemelar ocorreu em 27 (13,9%) casos. A idade gestacional média foi de 30,3±2,4 semanas, variando de 25 a 36 semanas. Utilizando a classificação de Alexander et al.11 para adequação do peso em relação à idade ao nascer, 90/194 (46,4%) dos recém-nascidos eram considerados pequenos para idade gestacional e 104 (53,6%) tinham peso adequado. A média da idade materna foi de 27,8±6,3 anos, variando de 15 a 48 anos de idade. A cesariana foi o tipo de parto predominante, com 81,9% dos casos (158/194). Grande parte das mães (55,2%) tinha ensino fundamental ou menos, e apenas 2 (1%) mães tinham completado o ensino superior. Em relação à renda familiar, 56,3% das famílias tinha renda igual ou menor a 2 salários mínimos, enquanto apenas 3,1% possuíam renda superior a 8 salários.
Entre os diagnósticos relatados nos prontuários relativos à gravidez e ao parto, os mais freqüentes foram pré-eclampsia, em 56/194 (28,9%) das mães, seguida pela aminiorrexe em 33/194 (17%). Quanto aos diagnósticos neonatais, descritos nos prontuários, destacaram-se, entre outros, 158/194 (81,4%) casos com diagnóstico de icterícia com necessidade de fototerapia, 140/194 (72,2%) de sepse e 81/194 (72,2%) de síndrome de dificuldade respiratória. Enterocolite necrosante foi diagnosticada em 16/194 (8,2%) crianças, displasia broncopulmonar em 27/194 (13,9%) crianças e persistência do canal arterial em 57/194 (29,4%) crianças.
A tabela 2 mostra o número de crianças que estavam abaixo do percentil 5 da curva de referência aos 12 meses de idade corrigida.
Utilizando-se a referência do CDC3, a prevalência de peso abaixo do percentil 5 na amostra é de 44,8%, enquanto, ao se comparar com os dados da OMS 20066, esta é de apenas 24,7%. Ao se avaliar a concordância entre as classificações, o índice kappa encontrado foi de 0,5749, o que indica concordância moderada entre as duas referências aos 12 meses de idade.
Todas as crianças com peso acima do percentil 5 pelo CDC (2000) também estavam acima do percentil 5 da curva da OMS8, entretanto 44,9% das crianças com peso abaixo do percentil 5 para o CDC3 foram consideradas com peso adequado pela curva da OMS8 aos 12 meses de idade.
DISCUSSÃO
A utilização da curva do CDC3 como referência mostra um maior número de crianças mal nutridas aos 12 meses, quando comparado a curva da OMS8. As duas curvas apresentam concordância moderada, entretanto quando se analisa as crianças abaixo do percentil 5, observa-se algumas discrepâncias.
Em estudo realizado na África, com recém-nascidos a termo, foi comparada a proporção de crianças desnutridas utilizando 3 curvas de referência.7 Os resultados mostram elevada proporção de crianças desnutridas aos 3 meses de idade pela curva da OMS8, em relação ao CDC3. Entretanto, aos 15 meses de idade, a proporção de desnutrição foi menor, utilizando-se a curva da OMS8, uma vez que mais da metade das crianças consideradas desnutridas pela curva do CDC3, foram consideradas eutróficas pela curva da OMS8, resultado semelhante ao encontrado no presente estudo, para crianças com 12 meses de idade corrigida.
Analisando-se as duas referências, a nova curva da OMS8 mostra maior média de peso até os 6 meses, o que implica em um maior número de crianças desnutridas nos primeiros meses e posterior aumento da obesidade em idades subseqüentes.7
A curva de crescimento da OMS8 é a primeira referência baseada em dados de estudos multicêntricos, especialmente desenhados para construção de curvas de padrão de crescimento das crianças. Entretanto é necessário considerar que as crianças selecionadas nos seis países integrantes do estudo foram recrutadas em ambientes com condições ideais de saúde, o que pode ter gerado um padrão mais elevado de crescimento, difícil de ser alcançado por muitas crianças.16
O maior número de crianças desnutridas nos primeiros meses de vida pode interferir nas recomendações de alimentação infantil17, com introdução de outros alimentos mais cedo e aumento da obesidade nestas crianças. Como os resultados mostram diferenças nos padrões de crescimento quando comparamos as duas referências, torna necessário examinar como usar a nova curva prescritiva da OMS6 e qual o impacto de seu uso na avaliação nutricional. Recomenda-se, assim, que a introdução da nova curva da OMS8 seja acompanhada de comparações com as referências antigas, especialmente a curva do CDC3.
REFERÊNCIAS
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