ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais
Breastfeeding and inflammatory bowel disease
Cecy Maria Lima Santos1; Aline Cássia de Andrade Sayao2; Luciana Cota Pinto Coelho2; Pollyanna Pamela Caetano de Carvalho2
1. Nutricionista, especialista em Nutriçao Humana, mestranda do Programa de Pós-graduaçao em Ciências da Saúde área de concentraçao saúde da criança e adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG. Docente do Centro Universitário Uni-bh
2. Nutricionistas formadas pelo Centro Universitário Uni-BH
Cecy Maria Lima Santos
R: Oswaldo Cruz 411/301 B: Nova suíça
Belo Horizonte - MG
Email: santos.cecy@gmail.com
Resumo
Doença inflamatória intestinal (DII) é uma doença crônica que tem como suas principais formas: a retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC). Esta doença é caracterizada por edema, ulceração e perda de função intestinal. Tem sido estudado, exaustivamente, se a amamentação pode influenciar o desenvolvimento destas doenças. O leite humano é recomendado como nutriente exclusivo para alimentação de recém-nascidos nos primeiros seis meses de vida, e sugerido sua manutenção, acrescido de alimentos sólidos, até dois anos de idade. É inquestionável seus benefícios nutricionais, imunológicos e psicossociais. O leite humano tem combinação única e específica de elementos tais como proteínas, lipídeos, carboidratos, vitaminas, enzimas, minerais e anticorpos que garantem o desenvolvimento normal dos recém-nascidos. Este estudo fez uma revisão de literatura no que diz respeito a relação entre amamentação e DII, especialmente DC e RCU. Foi realizada uma pesquisa de artigos nacionais e internacionais envolvendo o tema, e os artigos selecionados foram discutidos em nossa revisão. Encontrou-se que a amamentação protege o recém-nascido contra diversas doenças infecciosas, entretanto não há um consenso de que o aleitamento materno seja fator protetor contra as DIIs. Esses achados podem estar relacionados as diferentes metodologias utilizadas nos artigos avaliados.
Palavras-chave: Aleitamento Materno; Doença de Crohn; Proctocolite
INTRODUÇÃO
A importância do leite humano como protetor contra determinadas doenças é conhecida há muitos anos.1 A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida e sua manutenção até os dois anos de idade.2 O leite humano, dentre os seus componentes nutritivos, contém, em sua composição, células, membranas e moléculas que conferem proteção ao recém-nascido3, pois o mesmo se apresenta totalmente livre de microbiota associada. Por isso, é fundamental para a criança que suas superfícies e mucosas sejam colonizadas rapidamente pelos microrganismos, reduzindo de forma significativa os riscos de ocorrências de doenças agudas e crônicas, o que também implicará na futura vida adulta.4Vale lembrar que as portas de entrada de um grande número de infecções são as superfícies mucosas, especialmente do aparelho digestório e respiratório5.
A efetividade da ação protetora conferida pelo leite humano é diretamente proporcional ao número e duração das mamadas, possuindo relação direta no que se diz "efeito dose-resposta". A importância de aleitamento materno é ainda enfatizada pelo fato de ser considerado os dois primeiros meses de vida como o período de maior velocidade de crescimento e vulnerabilidade da criança.5 Não existe leite que possa substituir o leite humano em suas inúmeras vantagens.6
No início do processo de amamentação, o intestino do lactente é invadido e colonizado por uma variedade de microrganismos7, sendo esse o principal determinante da composição da microflora intestinal, existindo ainda outros fatores que interferem na colonização bacteriana, entre eles: o tipo de parto, o genótipo do indivíduo e agentes antimicrobianos (antibióticos).8 Em torno dos dois anos de idade, a microflora intestinal da criança se torna estável, alcançando assim a flora tipo adulto.8
Alguns componentes do colostro e do leite maduro são reconhecidos por serem favoráveis para a implantação de certos grupos bacterianos com grande importância para a saúde da criança, tais como as Bifidobacteria. O leite materno possui ainda, em menor extensão, bactérias como Escherichia coli, Staphilococus e Clostridium4 A mucosa intestinal é uma importante barreira celular e o principal local de interação das substâncias estranhas e microrganismos externos. O intestino é o primeiro órgao imune do corpo humano representado pelo tecido linfóide associado ao intestino (GALT) através da imunidade adquirida ou inata. O GALT é composto por tecidos linfóides agregados (formados pela placa de Peyer e folículos linfóides isolados) e células não agregadas presentes na lâmina própria e regioes intraepiteliais do intestino.9 A introdução do leite de vaca ou alimentação complementar altera a flora fecal, passando a ser constituída de bactérias anaeróbicas facultativas. As espécies predominantes passam a ser Klebsiela, Enterobactérias, Bacteróides e Clostridium, apesar das bifidobactérias fazerem parte, em menor proporção.4
A Doença Inflamatória Intestinal (DII) é uma doença crônica, de etiologia desconhecida, que provavelmente estao envolvidos fatores ambientais, microflora do hospedeiro, predisposição genética e uma resposta imune anormal, ou auto-imune na parede intestinal.10 Não existe um agente microbiano específico causador da DII, contudo as evidências sugerem que a doença está ligada ao desequilíbrio entre as bactérias patogênicas e benéficas.8 A DII possui duas formas mais comuns de apresentação: a Retocolite Ulcerativa (RCU) e a Doença de Crohn (DC).
A DC se caracteriza por inflamação com maior freqüência na regiao terminal do íleo, intercalando áreas segmentadas saudáveis do intestino com porções inflamadas; a RCU é limitada ao comprometimento da mucosa do colón, estendendo continuamente, comprometendo parte ou todo o cólon, sempre iniciando pelo reto.10-12 Na DC todas as camadas da mucosa são acometidas, sendo denominada transmural. Já na RCU é um processo inflamatório crônico, restrito às camadas mucosa e submucosa do intestino grosso.10,11 A prevalência das DIIs na infância vem aumentando com o passar dos anos, sendo atribuído a fatores dietéticos e ambientais envolvidos na sua etiologia.13
O leite humano é rico em citocinas que podem interagir com receptores presentes na mucosa do trato gastrointestinal, contribuindo de forma significativa nos mecanismos de defesa. Nos três primeiros meses de lactação, os agentes imunomoduladores (interleucinas, fator de necrose tumoral e prostaglandinas) estao presentes em concentrações elevadas.14
METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho foram pesquisados estudos que associavam o aleitamento materno e doenças inflamatórias intestinais. Foram selecionadas publicações no MEDLINE, PUBMED, LILACS, CAPES e SCIELO, no período anterior a março de 2007. Especificamente, foram utilizados as seguintes palavras-chave: aleitamento materno, doença inflamatória intestinal, doença de Chron, retocolite ulcerativa, e várias combinações entre elas.
DESENVOLVIMENTO
Em 1984, foi publicada a primeira meta-análise mostrando que aleitamento materno exclusivo até 4-6 mês de vida reduz a mortalidade infantil por doenças infecciosas.15 Em um estudo do tipo caso-controle, demonstraram que quanto maior o período de aleitamento materno exclusivo, menor o risco de morte por diarréia e outras infecções.16
Além disto, tem-se demonstrado que o uso do leite materno, pelos recém nascidos prematuros e de baixo peso, levam a maiores índices de inteligência17 e acuidade visual18.
Por muitos anos desconheceu-se o valor nutricional e imunológico do leite materno e o valor do ato de amamentar e suas conseqüências fisiológicas, emocionais e de redução da morbi-mortalidade materna e infantil. Porém, nos dias atuais o aleitamento materno é indicativo de saúde do binômio mae e filho. Os conhecimentos das últimas duas décadas evidenciam que a ausência de amamentação está relacionado com o aumento da incidência e da gravidade de doenças na infância, dentre as quais podemos citar: a enterocolite necrotizante19, o diabetes20, as atopias21, as pneumonias22 e as doenças inflamatórias intestinais, tais como RCU e DC23,24 .
Em trabalho realizado por Whorwell et al25, verificou-se que o aleitamento materno é fator protetor contra RCU, principalmente nas duas primeiras semanas de vida, e que o aleitamento artificial é fator de risco. Os autores ainda concluíram que a presença de episódios de gastroenterite precoce na vida do indivíduo predispoem a DC, independentemente, do tipo de aleitamento. Em seu estudo foram avaliados 57 pacientes com DC e 51 com RCU e comparados a indivíduos sadios (controles). O questionário utilizado continha detalhes sobre: o local do nascimento, a ocupação do pai no nascimento da criança, o tipo de aleitamento e sua duração, a ordem de nascimento na família, a história de gastroenterite nos primeiros seis meses de vida e a presença de atopias. Os resultados encontrados mostraram que:
no grupo de pacientes com RCU, o número de recém-nascidos amamentados foi significativamente menor do que no grupo controle (p= 0.005). Esta diferença não foi encontrada quando os recém-nascidos eram amamentados por período igual ou superior a duas semanas;
no grupo de pacientes com DC, a história de gastroenterite precoce foi fator significativo de risco para DC (p = 0.005);
não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos para os outros parâmetros estudados (local de nascimento, classe social, ou ordem de nascimento na família).
Os autores justificaram a predisposição da RCU pelo leite de vaca, através de mecanismos de alteração de flora intestinal e resposta imune anormal em relação as enterobactérias. No que diz respeito a predisposição da DC por episódios de gastroenterite nos primeiros seis meses de vida, parece que tal fenômeno estaria relacionado com a cronificação da infecção que no futuro culminaria com o quadro compatível com a DC.
Em outro trabalho desenvolvido por Bergstrand & Hellers26, foi estudado o histórico alimentar de 616 indivíduos suecos, no que diz respeito a sua amamentação. Foi encontrado diferença estatisticamente significativa entre o período do aleitamento materno entre o grupo controle (média de 5,76 meses) e o grupo de pacientes com DC (média de 4,59 meses). Isso mostrava que o aleitamento materno poderia ser fator de proteção contra a DC.
Através de um estudo multicêntrico que envolveu nove países e 14 centros de referência, investigou-se a etiologia e patogenia da DC e RCU. Este estudo envolveu 499 casos de portadores de DII (que desenvolveram a doença antes dos 20 anos de idade e tinham cerca de 25 anos no momento do estudo) e 499 controles hígidos. Os autores verificaram maior incidência de eczemas nos parentes de primeiro grau de pacientes com DC (p < 0.05), como também maior freqüência e gravidade de quadros respiratórios nos portadores de DII (p<0,001). Ainda foi verificado que pais de pacientes com RCU apresentaram mais eventos cardiovasculares e gastrointestinais no período de nascimento dos pacientes. Entretanto, este estudo não encontrou diferença estatisticamente significativa no que diz respeito ao aleitamento materno, acréscimo de açúcar ao leite, consumo de cereais, gastroenterite na infância e estresse do dia a dia27.
Koletzko et al28, desenvolveram estudo sobre efeito do aleitamento materno sobre a DC. Segundo os autores a DC poderia ser um evento relacionado à exacerbação da resposta imune em indivíduos geneticamente predispostos, mas que conforme alguns autores26, o aleitamento materno parecia ter efeito protetor sobre a DC. Em seu estudo foram entrevistados 107 famílias com indivíduos jovens (< 18 anos) com diagnóstico confirmado de DC por exame histológico, radiológico e endoscópico, incluindo irmãos saudáveis (controles). Foram questionados sobre história da amamentação e presença de diarréias na infância. Também foram obtidos dados em relação ao gênero, idade, nascimento prematuro e idade de início de introdução de alimentos sólidos. Foi utilizado o teste "t-student" para comparar os valores médios encontrados e um modelo de regressão logística para analisar os potenciais fatores de riscos dentro de famílias com indivíduos afetados e não afetados. Tal análise de potencial fatores de risco mostrou que indivíduos com DC tinham apresentado menores taxas de aleitamento materno (p<0.01), maiores taxas de aleitamento artificial (p<0.02), e maiores taxas de diarréia na infância (p<0.02). Não foram encontradas, em relação aos outros fatores estudados, diferença estatisticamente significativa. E após análise multivariada, foi encontrado somente dois fatores considerados independentes em relação ao risco de desenvolvimento de DC: a falta do aleitamento materno e a presença de gastroenterite durante a infância.
Koletzko et al.29, investigou a influência da amamentação e das diarréias na infância como fatores de risco, desta vez, no desenvolvimento da RCU. Foram utilizados os mesmos métodos estatísticos do artigo anterior. Entretanto, neste estudo foram incluídos 108 famílias com indivíduos que apresentavam diagnóstico de RCU em pelo menos uma das crianças da família. Neste estudo a análise multivariada mostrou que as crianças com RCU apresentaram mais episódios diarréicos durante a infância (p=0.03), e o sexo feminino (p=0.01) eram fatores independentes para desenvolvimento futuro da doença. Surpreendentemente, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa em relação ao tipo de aleitamento (p=0.19).
Ekbom et al.30, examinaram dados hospitalares de 257 adultos com DII comparando-os aos dados de outros 514 indivíduos (controles) nascidos em um Hospital Universitário da Suécia. Os dois grupos foram pareados quanto o dia do nascimento, sexo, e idade materna ou tipo de parto. O estudo mostrou que, no período perinatal, tanto eventos infecciosos como não infecciosos, para mae e/ou recém-nascidos, aumentavam o risco de DIIs, contradizendo outros achados. Outro dado encontrado neste estudo demonstrou que haviam maiores taxas de DIIs em pacientes de nível sócio-econômico mais baixo. Tal achado poderia ser explicado pelas baixas condições de higiene desta população, fato que pode culminar em maiores taxas de diarréias e outras doenças infecciosas.
Corrao et al31, através de estudo do tipo caso-controle, em que se avaliou uma população, de 819 indivíduos (594 RCU e 225 DC), entre 18 e 65 anos de idade, em 10 cidades italianas, associaram a ausência do aleitamento materno com o aumento do risco de DC (odds ratio → OR: 1.9) ou RCU (OR: 1.5). Neste mesmo estudo, os autores encontraram risco aumentado para RCU em ex-tabagistas (OR: 3.0); e risco aumentado para desenvolvimento de DC em tabagistas (OR: 1.7) e usuárias de contraceptivo oral (OR: 3.4). As informações sobre amamentação na infância, incluindo sua duração, foram coletadas dos pacientes, com ajuda de seus pais, quando possível ou quando os indivíduos do estudo não lembravam. Muitos pacientes e pais não se lembravam da duração da amamentação; consideraram entao, essa variabilidade de forma dicotômica (amamentação na infância: sim ou não). Assim sendo, este estudo pode mostrar viés, uma vez que o tempo e período do aleitamento materno foi indicado por alguns autores, como importante fator de proteção contra a RCU25 e DC28.
Confirmando os achados de Corrao et al.31, Urashima et al.32, publicaram um artigo demonstrando que os recém-nascidos que eram amamentados, no mínimo por quatro meses, apresentaram menor risco de desenvolver DII. Neste estudo foram analisados pacientes japoneses (<15 anos) que desenvolveram DC (578 indivíduos) ou RCU (260 indivíduos) durante a infância. Ao comparar o grupo que amamentou por quatro meses com o grupo que recebeu alimentação artificial, este último tinha maiores riscos de desenvolver DIIs na infância.
Klement et al.33, com o objetivo de determinar quais fatores ambientais contribuíam para o desenvolvimento de DC ou RCU, fez uma revisão de 17 artigos relacionados com o tema. Verificou que fatores como fumar e usar contraceptivo oral eram determinantes para o desenvolvimento de DII. Nesta análise, encontrou outro fator, o efeito do leite humano no desenvolvimento tardio da DC e RCU. Para este último fator, baseando nos artigos que confirmavam esse efeito protetor da amamentação, foram relatados três motivos, sendo o primeiro as propriedades imunomoduladoras do leite humano, que através da amamentação, oferece proteção contra muitas doenças, tornando plausível a proteção similar em relação a DII. Como segundo motivo, Klement et al.34 relatam que a exposição da criança ao leite materno durante o período de desenvolvimento de seu sistema imune, pode melhorar a tolerância aos antígenos presentes nos alimentos e microflora específica. Tal fato já havia sido relatado por Hanson et al.35, ao afirmar que o aleitamento materno promove o aumento da tolerância imunológica, podendo diminuir o risco de doenças autoimunes futuramente, ou seja, a prática da alimentação infantil sem o uso de leite humano ou exposição precoce de antígenos da dieta está diretamente relacionada com o aumento do risco em desenvolver DII. O terceiro e último motivo era a demonstração de que o uso do leite materno, em ratos com deficiência de interleucina 10 (IL-10), limitava o desenvolvimento de colite nestes animais. Este mesmo achado foi observado por outros dois autores.14,23 Eles demonstraram, em seus trabalhos, que a IL-10 exerce atividade anti-inflamatória e imunomoduladora, estando presente em elevadas concentrações no leite humano nas primeiras 80 horas de lactação. A IL-10 é encontrada na porção lipídica e fase aquosa do leite humano. Estes achados explicaram que a substituição de bactérias patogênicas por bactérias simbióticas (Bifidubacteium e Lactobacillus) na flora intestinal dos ratos é resultado de oligossacarídeos encontrados no leite.
Já Baron et al.35, foram os primeiros investigadores que atribuíram o aleitamento materno como fator de risco para DC. Eles analisaram a população através de estudo caso-controle utilizando pacientes que tinham o diagnóstico para DC e RCU, com menos de 17 anos de diagnóstico de DII. Os controles foram selecionados por uma lista telefônica e pareados para cada caso por idade (em torno de dois anos), sexo e área onde residia (regiao). O local de realização do trabalho foi uma parte do Norte da França. Entre 282 pacientes, 222 eram acometidos por DC e 60 por RCU. A média de idade da confirmação do diagnóstico foi de 13,5 anos para DC e 14 anos para RCU. No grupo de DC, a maioria eram homens (54%) e no grupo de RCU a maioria eram mulheres (61,6%). Foi reproduzido um questionário com 140 questoes relacionadas a seis diferentes áreas: história familiar de DII, período perinatal (doenças durante a gravidez, idade gestacional, altura e peso do recém nascido, infecção e hospitalização durante o primeiro mês de vida), alimentação do bebê, infecções na infância, condições higiênico-sanitárias (água encanada e filtrada, tipo de instalação sanitária) e status sócio-econômico dos pais e crianças. A amamentação, tanto parcial como exclusiva, foi considerada fator de risco para DC.
Uma hipótese proposta relaciona-se á infecções tardias que podem conduzir a uma resposta imune inapropriada e com isso ocorrer persistência da inflamação intestinal. Contudo, de acordo com Ministério da Saúde36, a amamentação é conhecida como a promoção da proteção imunológica do recém-nascido. O leite humano, em virtude das suas propriedades antiinfecciosas, protege as crianças contra diferentes infecções desde os primeiros dias de vida. Em maternidades de países em desenvolvimento que passaram a promover o aleitamento materno, a incidência de infecções neonatais foi reduzida.
Portanto a hipótese mais plausível seria a contaminação do leite humano, por ser o Norte da França uma área altamente industrializada, com a presença de contaminantes ambientais e substâncias químicas. Alguns autores37,38 já haviam relatado que partículas ultrafinas ou finas são potenciais coadjuvantes dos antígenos, provocando respostas imunes e causando inflamação em indivíduos susceptíveis. Segundo Euclydes7, os contaminantes químicos potencialmente tóxicos, de modo geral, concentram-se na cadeia alimentar e, posteriormente, são armazenados no tecido adiposo. E como, em sua maioria são lipossolúveis, a possibilidade de contaminação química do leite humano é motivo de grande preocupação. A única forma de eliminar compostos lipossolúveis é através da via biliar ou da glândula mamária, podendo a amamentação favorecer este processo. Em casos raros que se constata esta exposição e os níveis no leite materno forem elevados, a amamentação se torna não recomendada.
Com exceção dos contaminantes ambientais que podem interferir na composição do leite materno, Davis39 e Loftus Júnior40, sugeriram os efeitos protetores da amamentação contra o desenvolvimento da DII. O primeiro autor relata o leite humano como provedor de nutrientes e energia para o desenvolvimento e crescimento da criança e diversos fatores que protegem contra infecções. Sua revisão literária examinou a hipótese do aleitamento materno ter um efeito protetor a longo prazo contra doenças crônicas em crianças. Paralelamente, a alimentação artificial ou a ausência de amamentação pode aumentar o risco de doenças crônicas. O segundo autor também realizou uma revisão bibliográfica da epidemiologia da RCU e DC. Embora a prevalência da DII esteja começando a estabilizar em áreas de alta incidência no Sul da Europa, Asia e muitos países desenvolvidos no mundo. As diferenças na incidência são principalmente pela: idade, tempo, regioes geográficas, sugerindo que fatores ambientais modificam significativamente a expressão da DC e RCU.
Os achados a respeito do efeito benéfico da amamentação são derivados de estudos epidemiológicos, e possíveis erros são devidos a problemas metodológicos. A maioria são retrospectivos, e a falta de recordação dos pais acerca da alimentação de seus filhos é uma falha importante. Por isso a variabilidade de resultados encontrada nos estudos analisados. Diversos estudos encontraram a amamentação como proteção contra DC e RCU4,31,32. Outros apenas para uma doença: somente RCU25, somente DC26,28. Em contrapartida, inúmeras pesquisas falharam em concluir resultados estatisticamente significantes ou não encontraram associação.27,29,30 Outro estudo, porém, caracterizou o aleitamento materno como fator de risco para DC e RCU, talvez não em função de sua composição, mas sim em função da contaminação ambiental existente na regiao estudada.35
CONCLUSÕES
Não existe um agente microbiano específico causador da DII, contudo as evidências sugerem que a doença está ligada ao desequilíbrio entre as bactérias patogênicas e benéficas. Apesar de intensas investigações a respeito das causas e patogênese da DII, os resultados dos numerosos estudos ainda não estao bem elucidados. Porém, alguns estudos concluíram que amamentação exerce efeito protetor para as DIIs, mas outros falharam em concluir associações estatisticamente significantes. Outras, entretanto, caracterizaram o aleitamento materno como fator de risco para DC ou RCU. Estas diferenças devem-se aos problemas e viés metodológicos. Portanto, são necessários outros estudos com metodologia adequada para definirmos o verdadeiro papel do aleitamento materno na fisiopatologia das DIIs.
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