RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 18. (4 Suppl.1)

Voltar ao Sumário

Artigo de Revisão

Associação entre eventos estressantes de vida e dor abdominal recorrente não orgânica - revisão

The association between stressful life events and non organic recurrent abdominal pain - review

Patrícia Cruz Guimaraes Pinto1; Marco Antônio Duarte2

1. Médica pediatra - Mestre em Ciências da Saúde, Area de Concentraçao Saúde da Criança e do Adolescente pela Pós-Graduaçao da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - Doutor em Pediatria

Endereço para correspondência

Marco Antônio Duarte
R: Padre Rolim, 769 sala 402 B: Santa Efigênia
Belo Horizonte - MG CEP: 30.130-090
Email: duartemm@terra.com.br

Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte

Resumo

A Dor Abdominal Recorrente Não Orgânica (DARNO) é um problema comum nos consultórios de pediatria e gastroenterologia infantil. O objetivo deste estudo é revisar os trabalhos da literatura científica sobre a associação entre DARNO e eventos estressantes de vida considerando os fatores moduladores da percepção dolorosa (competência social, somatizações parentais, enfrentamento). Foram avaliados 22 publicações sendo 9 descritivas, 10 estudos caso-controle, um estudo coorte, um ensaio clínico e um de revisão. A faixa etária estudada estava entre 1 e 19 anos. Os eventos estressantes mais comumente associados à DARNO estavam relacionados com o ambiente familiar. Os resultados a respeito da influência dos fatores sócio-econômicos foram contraditórios. A idade mostrou ter uma associação positiva com a freqüência dos eventos de vida. A capacidade de adaptação da criança e adolescente frente ao estresse é um fator moderador na percepção dolorosa. A presença de eventos estressantes de vida em indivíduos com adequada competência social não esteve associado com aumento dos sintomas de dor. As somatizações parentais estao diretamente relacionadas com aumento destas queixas nos filhos. Baseados nestes resultados, concluímos que a identificação precoce de eventos estressantes de vida e de fatores moduladores da percepção dolorosa em crianças com DARNO associado ao estabelecimento de programas de prevenção e tratamentos são condutas necessárias e essenciais na abordagem clínica destes pacientes.

Palavras-chave: Dor abdominal; Estresse; Recidiva; Acontecimentos que Mudam a Vida; Criança; Adolescente..

 

INTRODUÇÃO

A percepção dolorosa em crianças foi tema pouco abordado nas pesquisas científicas e o seu conhecimento era baseado no saber adquirido em trabalhos com adultos.1

Nos últimos 20 anos, houve progresso significativo nos conhecimentos sobre a percepção da dor pela criança e nos processos para seu alívio. Foi demonstrado que fetos expostos a procedimentos invasivos e dolorosos têm resposta hormonal encontradas nas situações de estresse.2 Nos últimos 10 anos foi descoberto que os recém-nascidos (RN) prematuros são mais susceptíveis à dor que os RN a termo. A percepção da dor nestes bebês é diferente devido à mielinização das suas fibras sensitivas e à imaturação na cortical dos processos sensoriais, o que torna o estímulo doloroso mais duradouro. Além disso, o limiar de dor é menor provavelmente secundário a falta de proteção das vias inibitórias espinhais e supra-espinhais.3

Investiga-se, atualmente, as conseqüências futuras dos efeitos da estimulação dolorosa e estresse sucessivos em bebês. Anand et al., em estudo experimental, confirmaram a hipótese que a exposição repetitiva à dor neonatal pode causar alterações permanentes ou a longo prazo no SNC, devido ao seu desenvolvimento imaturo e à maior plasticidade cerebral, aumentando sua vulnerabilidade ao estresse e à dor. Relatam que é necessário o melhor entendimento do efeito da exposição repetitiva à dor e ao estresse nestes pacientes para proporcionar à estas crianças adequado desenvolvimento físico e emocional.4 Em ratos, observou-se que a presença de eventos estressantes no início da vida é importante no desenvolvimento de hipersensibilidade visceral na idade adulta.5

Gênero, idade, cognição, experiências prévias de dor, aprendizagem familiar e cultural são algumas das características relativamente estáveis na infância e determinam como o paciente interpreta as várias sensações geradas pelo estímulo nóxio. Interagem com as respostas emocionais e comportamentais ao estímulo doloroso e com o contexto onde é experimentado. A percepção da dor na infância é determinada por todos estes fatores.6

O estresse é o conjunto de reações do organismo em reposta a uma exigência e foi definido pela primeira vez por Selye em 1936. Ele descreveu os sintomas decorrentes da resposta ao estresse sob o nome de Síndrome Geral de Adaptação. Esta é composta por 3 fases: alarme, resistência e esgotamento. A fase de esgotamento é decorrente de estímulos estressantes sucessivos ou permanentes levando o organismo à exaustao após tentativas frustadas de adaptação ao estressor.7 O organismo fica predisposto ao surgimento de disfunções inerentes das alterações físicas e psicológicas do estresse.

A relação entre alterações na percepção da dor e eventos causadores de estresse baseia-se na hipótese destes fatores induzirem reações fisiológicas e psicológicas que também são provocadas por estímulos nóxios. O estresse emocional pode aumentar ou perpetuar a dor ou reduzir a capacidade individual de enfrentá-la.1

Crianças com dores agudas, recorrentes ou crônicas apresentam mudanças em parâmetros cardiovasculares, respiratórios e de oxigenação, e no fluxo sangüíneo. Há ativação do eixo hipotálamo-pituitário-adrenal, os hormônios do estresse são produzidos (catecolaminas, corticóides, hormônio do crescimento e glucagon), surgem mudanças no metabolismo de proteínas, lípides e carboidratos, diminuição da resposta imune e manifestações decorrentes da ativação do sistema autônomo,8 exercendo mudanças no funcionamento de vários sistemas inclusive o trato gastrointestinal .9-13

As evidências de que o trato gastrointestinal de crianças com Dor Abdominal Recorrente (DAR) responde diferentemente ao estresse se baseiam principalmente no aumento da contratilidade segmentar intestinal, disfunção do sistema nervoso autônomo, hiperalgesia visceral e alterações no eixo SNC - intestino.10,12,14-16 Porém, a função do estresse na etiologia ou manutenção das síndromes dolorosas continua merecendo a atenção dos pesquisadores.1,17

Muitos eventos têm sido citados como relevantes na relação de estresse e dor na infância como: divórcio entre os pais, morte ou doença grave em familiares, dificuldade financeira, dificuldade escolar e mau relacionamento com colegas. Como algumas crianças que vivenciam estes estressores não desenvolvem dor, parece provável que a maneira como a criança enfrenta estas situações e a dinâmica familiar sejam fatores importantes no aparecimento posterior de sintomas dolorosos.17

Sabe-se que a forma como a população infanto-juvenil encara as situações adversas pode influenciar a maneira de perceber o estímulo doloroso. Estratégias de enfrentamento proporcionam melhor conhecimento sobre as respostas de adaptação ao estresse e particularmente à dor.18

A atitude de enfrentamento é definida como a ação voluntária para regular as emoções, pensamentos e comportamentos psicofisiológicos em resposta a estímulos estressantes. Inclui 3 categorias. O controle primário é caracterizado por ações diretas sobre o estressor por meio da expressão e modulação das emoções e da apresentação de soluções para o problema. O controle secundário é demonstrado por atitudes de adaptação ao evento como desenvolvimento cognitivo, pensamentos positivos, aceitação e distração. Já o controle terciário é aquele em que o indivíduo, frente ao estresse, reage com atitudes de fuga da realidade e sentimentos de evitação e negação.

Estudos avaliando associação entre Dor Abdominal Recorrente Não Orgânica (DARNO) e estresse apresentaram resultados contraditórios.17,19-27

O objetivo deste trabalho é realizar revisão da literatura sobre dor abdominal recorrente não orgânica, sua associação com eventos estressantes de vida e fatores moduladores da percepção dolorosa em crianças e adolescentes.

 

MÉTODO

A revisão bibliográfica foi realizada pela análise de trabalhos indexados pelo MEDLINE, via Pubmed (www.nlm.nih.gov), utilizando o termo recurrent abdominal pain. Outros foram pesquisados utilizando os termos recurrent abdominal pain and life events ou recurrent abdominal pain and stress. Usou-se, durante a revisão, limites como idade (all child 0-18 years), idioma (english), tipo de população (human), período (entrez date 1966/01/01 to 2006/12/30).

Para a pesquisa latino-americana, a busca foi feita na Bireme (www.bireme.br), Scielo (www.scielo.br) e Jornal de Pediatria (www.jped.com.br).

 

RESULTADOS

Na presente revisão são sintetizados os resultados dos principais artigos publicados sobre eventos estressantes de vida em crianças e adolescentes e suas associações com dores recorrentes, principalmente dor abdominal recorrente não orgânica.

Eventos estressantes de vida e prevalência de dores recorrentes na infância

Em estudo transversal realizado nos países Nórdicos em, aproximadamente, 10.000 indivíduos de 2 a 17 anos, Grøholt et al.28 objetivaram descrever a associação entre dores recorrentes e fatores sócio-econômicos familiares. A dor abdominal e cefaléia foram as queixas mais comuns. Foi demonstrado que os sintomas de dor da criança estavam associados aos dos pais em relação à localização, porém encontraram fraca associação entre baixo padrao sócio-econômico e prevalência de dores recorrentes.Österg et al.13 investigaram a associação entre queixas psicossomáticas em 5390 crianças e adolescentes de 10 a 18 anos e as condições sócio-econômicas das famílias suecas. A dificuldade financeira foi um fator de risco importante para o aparecimento de dor abdominal recorrente, cefaléia e insônia em comparação com a classe social. Filhos de pais solteiros apresentaram maior prevalência para estes sintomas que crianças que viviam com os pais.

Petersen et al.29 estudaram escolares com faixa etária entre 6 e 13 anos da cidade de Umeå (Suécia) para investigar a freqüência e a co-ocorrência de dores recorrentes: cefaléia, dor de estômago e dor nas costas. Mil cento e quinze crianças participaram da pesquisa sendo que 64% apresentavam dores recorrentes. As queixas foram mais comuns em escolares mais velhos. Baseados na alta prevalência das dores recorrentes nesta pesquisa, os autores demonstraram a necessidade de se estabelecer programas de prevenção e tratamentos para estas crianças desde os seus primeiros anos, permitindo a melhora na qualidade de vida.

Greene et al.26 investigaram a presença de eventos estressantes de vida em 172 adolescentes com idade entre 11 e 19 anos por meio de questionário padronizado para quantificá-los (McCutcheon's Life Events Checklist). Os adolescentes foram divididos em seis grupos:

1. Pacientes que foram avaliados para exame de rotina (n= 33).
2. Pacientes com doença aguda leve (n= 24).
3. Pacientes com doença crônica (n= 22).
4. Pacientes com dor aguda abdominal, torácica ou cefaléia de etiologia orgânica (n= 27).
5. Pacientes com dores abdominais, torácicas ou cefaléias recorrentes sem causa orgânica (n= 40).
6. Pacientes com problemas comportamentais (n= 26).

Os pacientes do grupo com dores recorrentes sem etiologia orgância apresentaram maior número de eventos estressantes de vida quando comparados aos outros grupos, com exceção, aos adolescentes com problemas comportamentais que mostraram uma freqüência ainda maior de eventos (p < 0,0001). A avaliação de eventos estressantes de vida mostrou-se, neste estudo, útil na diferenciação de pacientes com queixas somáticas recorrentes e a identificação de estressores específicos tornou-se importante na abordagem clínica e no planejamento terapêutico desses pacientes.26

Bakoula et al.30 realizaram estudo em 8130 crianças gregas com 7 anos de idade no período de 1983 a 1990 com o objetivo de determinar a prevalência de dores recorrentes, sua associação com características demográficas e fatores psicossociais. Aproximadamente 7% dos indivíduos apresentavam queixas de dor recorrente no abdome, pernas e cefaléia. Houve forte associação entre estes sintomas e alguns fatores estressantes como: doença crônica no ambiente da criança, mudanças freqüentes de endereço, mau rendimento escolar e dificuldade de relacionamento com outras crianças. Não houve diferença significativa entre dores recorrentes, estrutura familiar e classe sócio-econômica.30 Os autores observaram que há um componente psicossocial entre as crianças com dores recorrentes e reiteraram a importância do conhecimento do ambiente social destes pacientes na entrevista médica.

Eventos estressantes de vida e fatores moduladores da percepção dolorosa

Coddinghton31, com o objetivo de estudar o significado de eventos de vida em crianças e adolescentes e estabelecer o valor e a ordem de importância destes, aplicou um questionário com vários eventos que foram escolhidos da literatura e pela experiência clínica do autor para que professores, pediatras e profissionais da área de saúde mental quantificassem a importância de cada um na vida de crianças em diferentes faixas etárias. Com isso conseguiu estabelecer um método (Life Change Units - L.C.U.s.) importante na medida da capacidade de ajustamento da criança ao estresse psicossocial. Este mesmo autor, em outro trabalho descritivo utilizando o método anterior (L.C.U.s.), estudou 3500 estudantes da raça negra e branca. Solicitou a um membro da família que indicasse quais eventos listados havia ocorrido no ano anterior. Observou que não há diferenças em relação a ocorrência de eventos de vida entre diferentes raças, classes sociais e sexo. Porém, houve um aumento do número de eventos com o avançar da idade. Atribuiu este fato à ampliação do convívio social e, conseqüentemente, à maior possibilidade de ocorrência de eventos de vida sejam estes estressantes ou não.9

A eficácia do tratamento das crises dolorosas de crianças com DARNO com técnicas cognitivo-comportamentais foi avaliada por Duarte et al.32 Trinta e duas crianças de 5,1 a 13,9 anos com DARNO foram incluídas na pesquisa. Os controles receberam orientações gerais sobre cuidados básicos de saúde enquanto os casos se submeteram às intervenções cognitivo-comportamentais. Nestes houve redução de 86,6% na freqüência dos episódios dolorosos, enquanto o grupo controle apresentou redução de apenas 33,3%, após 3 meses de intervenção.32

Thomsen et al.33 estudaram 174 crianças e adolescentes com DAR e seus pais para avaliar sintomas de ansiedade e depressão, queixas somáticas, resposta ao estresse e a capacidade de enfrentamento desta população. O controle primário e o controle secundário estavam associados com diminuição das queixas somáticas, ansiedade e depressão enquanto o controle terciário se relacionou com o aumento destes sintomas. As crianças que utilizavam o controle secundário como forma de enfrentamento também experimentaram menor sensação de dor.18 Logan et al. também estudaram a capacidade funcional de adaptação e as características familiares de crianças com dores recorrentes (DAR e enxaqueca). Observaram que o ambiente familiar e a angústia dos pais são fatores importantes na determinação da maneira como a criança enfrenta a dor.33

Associação entre eventos estressantes de vida e DARNO

Liebman19, em estudo retrospectivo entre 119 crianças e adolescentes na faixa etária de 3 a 17 anos de uma comunidade urbana, objetivou descobrir fatores que contribuíam com DARNO. O aspecto mais importante foi o fator psicossocial devendo ser explorado com detalhes na entrevista médica. Desavenças maritais, separação ou divórcio ocorreram em 39% dos seus familiares durante o ano do estudo e outros 5% no ano anterior. A ocorrência de episódios dolorosos durante atividades escolares foi verificado em 32% da amostra. Queixas somáticas em familiares próximos foi observado com freqüência.19

Robinson et al.34 pesquisaram a presença de eventos estressantes em 137 crianças com idade média de 9,3 anos. Foram admitidas nesta pesquisa crianças com DARNO que freqüentavam escolas ou que já foram hospitalizadas (casos) e sujeitos saudáveis ou em tratamento odontológico sem DAR (controles). Os autores observaram que os indivíduos com dor abdominal faltaram mais às atividades escolares, mostraram-se mais ansiosos e experimentaram mais eventos estressantes no ano anterior ao aparecimento da dor comparados com os pacientes do grupo controle [tratamento odontológico (p < 0,01) e escolares saudáveis (p < 0,001)]. Concluíram que eventos estressantes de vida constituem importante fator desencadeante de dor abdominal alterando a expressão dos sintomas.34

Walker et al.23, em traballho prospectivo, avaliaram 197 crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 18 anos. Sessenta e oito tinham Dor Abdominal Recorrente Orgânica (DARO), 26 apresentavam síndrome do intestino irritável, dismenorréia e/ou constipação e 103 com diagnóstico de DARNO. Examinaram o papel dos eventos negativos de vida da família e seus fatores moderadores (competência social e sexo dos filhos e somatizações dos pais) nas manifestações somáticas dos pacientes. Demonstraram que níveis de estresse aumentados na família e somatizações parentais levaram à maior freqüência de queixas somáticas pelos filhos. Porém, naquelas crianças com boa adaptação ao social, a presença de eventos estressantes na família não esteve associado ao aumento desses sintomas.23

Trabalhos indianos estabeleceram associação entre eventos estressantes de vida e DARNO. Dutta et al.35 com o objetivo de determinar quais fatores ambientais na escola e na família estavam associados com DARNO, estudaram 50 crianças de 5 a 14 anos com DAR. Destas, 26% apresentavam causa orgânica para a dor. Pacientes com DARNO geralmente queixavam-se de enurese noturna e pertenciam a famílias com alta prevalência de discórdia familiar, síndromes dolorosas, dismenorréia materna, DAR e síndrome do intestino irritável. Na escola, mostraram maior índice de absenteísmo, infração e birras. Não verificaram diferenças entre as crianças indianas e as ocidentais com DAR em relação à instabilidade emocional.35 Três anos após, Buch et al.36 também encontraram aumento da freqüência de eventos estressantes de vida entre crianças e adolescentes com DARNO. Os fatores significativos foram: pais solteiros, fobia escolar, rivalidade entre irmãos, enurese noturna e DAR em familiares.36

Na Malásia foram realizados pesquisas em escolares com idade entre 9 e 15 anos com o objetivo de observar a correlação entre DAR e a presença de eventos estressantes de vida no último ano. Boey et al.37 avaliaram 1462 e 1488 indivíduos da zona rural e urbana, respectivamente, sendo que, a prevalência de DAR variou de 9,6 a 11% considerando os 2 trabalhos. Na zona rural as situações de estresse com relevância estatística, após análise de regressão logística, foram: morte de um membro da família e mudança na ocupação dos pais. Já na cidade, os eventos com significância foram: hospitalização de familiar, hospitalização da criança, mudança na ocupação dos pais e dificuldade escolar. Os autores concluíram que DAR em crianças e adolescentes está associada com eventos estressantes de vida recentes.37,38

Alfvén apresentou premissas e critérios para o diagnóstico de DAR segundo Apley & Naish.39 Observou que é possível estabelecer causa psicossomática para a dor abdominal, em 50 % dos casos, pela análise dos eventos negativos de vida.25

Chitkara et al.40 avaliaram trabalhos realizados nos Estados Unidos e Europa com o objetivo de revisar a prevalência, incidência, história natural e co-morbidades relacionadas às crianças com DARNO em idade escolar. A prevalência variou de 0,3 a 19%. Observaram que DARNO está associada a condições familiares (queixas somáticas, pais solteiros e maes com neuroticismo) e sócio-econômicas (baixa classe sócio-econômica).40

 

CONCLUSÕES

Há progressos significativos nos conhecimentos sobre a percepção dolorosa na infância, sua relação com eventos estressantes de vida e seus fatores moduladores.

Os eventos estressantes mais comumente associados à DARNO estavam relacionados com o ambiente familiar. Os resultados a respeito da influência dos fatores sócio-econômicos foram contraditórios. O aumento da idade mostrou ter uma associação positiva com a freqüência dos eventos de vida. A capacidade de adaptação da criança e adolescente frente ao estresse é um fator moderador importante na maneira como a criança e adolescente percebe a dor, pois a presença de eventos estressantes de vida em indivíduos com adequada competência social não esteve associado à maior freqüência dos sintomas dolorosos. As somatizações da dor nos pais estao diretamente relacionadas com aumento destas queixas nos filhos.

Baseados nestes resultados, concluímos que a identificação precoce de eventos estressantes de vida e de fatores moduladores da percepção dolorosa em crianças e adolescentes com DARNO, associado ao estabelecimento de programas de prevenção e tratamentos, são condutas necessárias e essenciais na abordagem clínica destes pacientes. Mais estudos controlados sobre este assunto são necessários.

 

REFERÊNCIAS

1. Barr R. Pain experiences in children: developmental and clinical characteristics. In: Wall PD, Melzack R, editors. Textbook of Pain. 3th ed. Edinburgh: Churchill Livinstone; 1994.p.739-65.

2. Giannakoulopoulos X, Sepulveda W, Kourtis P, Glover V, Fisk NM. Fetal plasma cortisol and beta-endorphin response to intrauterine needling. Lancet. 1994;344:77-81.

3. Buskila D, Newmann L, Zmora E, Feldman M, Bolotin A, Press J. Pain sensitivity in prematurely born adolescents. Arch Pediatr Adolesc Med. 2003;157:1079-82.

4. Anand KJ, Aranda JV, Berde CD, Buckman S, Capparelli EV, Carlo W, et al. Summary proceedings from the neonatal pain-control group. Pediatrics. 2006;117:S9-S22.

5. Al Chaer ED, Kawasaki M, Pasricha PJ. A new model of chronic visceral hypersensitivity in adult rats induced by colon irritation during postnatal development. Gastroenterology. 2000;119:1276-85.

6. McGrath PA. Psychological aspects of pain perception. In: Schechter NL, Berde CB, Yaster M, editors. Pain in infants, children, and adolescents. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 1993. p.39-64.

7. Selye H. Forty years of stress research: principal remaining problems and misceptions. Can Med Assoc J. 1976;115:53-6.

8. Fitzgerald M, Anand KJS. Developmental neuroanatomy and neurophysiology of pain. In: Schechter NL, Berde CB, Yaster M, editors. Pain in infants, children, and adolescents. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 1993. p.11-31.

9. Coddington RD. The significance of life events as etiologic factors in the diseases of children - II. A study of a normal population. J Psychosom Res. 1972;16:205-13.

10. Thiessen PN. Recurrent abdominal pain. Pediatr Rev. 2002;23:39-46.

11. Saps M, Di Lorenzo C. Diagnosing and managing functional symptoms in the child with inflammatory bowel disease. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2004;39(Suppl 3):S760-2.

12. Kohli R, Li BU. Differential diagnosis of recurrent abdominal pain: new considerations. Pediatr Ann. 2004;33:113-22.

13. Östberg V, Alfven G, Hjern A. Living conditions and psychosomatic complaints in Swedish schoolchildren. Acta Paediatr. 2006;95:929-34.

14. Boyle JT. Recurrent abdominal pain: an update. Pediatr Rev. 1997;18:310-20.

15. Drossman DA, Creed FH, Olden KW, Svedlund J, Toner BB, Whitehead WE. Psychosocial aspects of the functional gastrointestinal disorders. Gut. 1999;45(Suppl II):25-30.

16. Boey CC, Goh KL. Psychosocial factors and childhood recurrent abdominal pain. J Gastroenterol Hepatol. 2002;17:1250-3.

17. McGrath PA. Recurrent Pain Syndromes. In: McGrath PA, editor. Pain in children - nature, assessment & treatment. New York: The Guilford Press; 1990. p.251-308.

18. Thomsen AH, Compas BE, Colletti RB, Stanger C, Boyer MC, Konik BS. Parent reports of coping and stress responses in children with recurrent abdominal pain. J Pediatr Psychol. 2002;27:215-26.

19. Liebman WM. Recurrent abdominal pain in children: a retrospective survey of 119 patients. Clin Pediatr (Philadelphia) 1978;17:149-53.

20. McGrath PJ, Goodman JT, Firestone P, Shipman R, Peters S. Recurrent abdominal pain: a psychogenic disorder? Arch Dis Child. 1983;58:888-90.

21. Raymer D, Weininger O, Hamilton JR. Psychological problems in children with abdominal pain. Lancet 1984;1:439-40.

22. Walker LS, Garber J, Greene JW. Psychosocial correlates of recurrent childhood pain: a comparison of pediatrics patients with recurrent abdominal pain, organic illness, and psychiatric disorders. J Abnorm Psychol. 1993;102:248-58.

23. Walker LS, Garber J, Greene JW. Somatic complaints in pediatric patients: a prospective study of the role of negative life events, child social and academic competence, and parental somatic symptoms. J Consult Clin Psychol. 1994;62:1213-21.

24. Alfvén G. One hundred cases of recurrent abdominal pain in children: diagnostic procedures and criteria for a psychosomatic diagnosis. Acta Paediatr. 2003;92:43-9.

25. Di Lorenzo C, Benninga MA, Forbes D, Morais MB, Morera C, Rudolph C, et al. Functional gastrointestinal disorders, gastroesophageal reflux and neurogastroenterology: Working Group report of the second World Congress of Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2004;39(Suppl 2):S616-25.

26. Greene JW, Walker LS, Hickson G, Thompson J. Stressful life events and somatic complaints in adolescents. Pediatrics. 1985;75:19-22.

27. Clouse RE. Central nervous system approaches for treating functional disorders: how, when, and why? J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2004;39(Suppl 3):S763-5.

28. GrØholt EK, Stigum H, Nordhagen R, Köhler L. Recurrent pain in children, socio-economic factors and accumulation in families. Eur J Epidemiol. 2003;.18:965-75.

29. Petersen S, Brulin C, Bergström E. Recurrent pain symptoms in young schoolchildren are often multiple. Pain. 2006;121:145-50.

30. Bakoula C, Kapi A, Veltsista A, Kavadias G, Kolaitis G. Prevalence of recurrent complaints of pain among Greek schoolchildren and associated factors: A population-based study. Acta Paediatr. 2006;95:947-51.

31. Coddington RD. The significance of life events as etiologic factors in the diseases of children - I. A survey of professional workers. J Psychosom Res. 1972;16:7-18.

32. Duarte MA, Penna FJ, Andrade EMG, Cancela CSP, Neto JCA, Barbosa TF. Treatment of nonorganic recurrent abdominal pain: cognitive-behavioral family intervention. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2006;.43:59-64.

33. Logan DE, Sharff L. Relationships between family and parent characteristics and functional abilities in children with recurrent pain syndromes: an investigation of moderating effects on the pathway from pain to disability. J Pediatr Psychol. 2005;30:698-707.

34. Robinson JO, Alverez JH, Dodge JA. Life events and family history in children with recurrent abdominal pain. J Psychosom Res. 1990;34:171-81.

35. Dutta S, Mehta M, Verma IC. Recurrent abdominal pain in Indian children and its relation with school and family environment. Indian Pediatr. 1999;36:917-20.

36. Buch NA, Ahmad SM, Ahmad SZ, Ali SW, Charoo BA, Hassan M. Recurrent abdominal pain in children. Indian Pediatr. 2002;39:830-4.

37. Boey CC, Goh KL. Stressful life events and recurrent abdominal pain in children in rural district in Malaysia. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2001;13:401-4.

38. Boey CC, Goh KL. The significance of life-events as contributing factors in childhood recurrent abdominal pain in an urban community in Malaysia. J Psychosom Res. 2001;51:559-62.

39. Apley J, Naish N. Children with recurrent abdominal pains: A field survey of 1.000 school children. Arch Dis Child. 1958;33:165-70.

40. Chitkara DK, Rawat DJ, Talley NJ. The epidemiology of childhood recurrent abdominal pain in Western countries: a systematic review. Am J Gastroenterol. 2005;100:1868-75.