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ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Fatores associados à limitação funcional em Belo Horizonte, MG
Factors associated with functional limitation in Belo Horizonte municipality, state of Minas Gerais, Brazil
Amélia Augusta de Lima Friche1; Cibele Comini César2; Waleska Teixeira Caiaria3
1. Professora do Departamento de Fonoaudiologia / Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte,Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Professora do Departamento de Estatística da UFMG, Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte,Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social, Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte,Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Amélia Augusta de Lima Friche
Av. Alfredo Balena 190, sala 625 Bairro: Santa Efigênia
Belo Horizonte, MG - Brasil CEP: 30130-100
Email: gutafriche@gmail.com
Recebido em: 05/06/2011
Aprovado em: 22/06/2011
Instituição: Observatório de Saúde Urbana/Faculdade de Medicina/UFMG
Resumo
OBJETIVOS: examinar a prevalência e os tipos de limitação funcional entre residentes de Belo Horizonte, sua associação com características individuais e sua distribuição de acordo com o índice de vulnerabilidade à saúde.
MÉTODOS: utilizaram-se dados do inquérito domiciliar sobre fatores de risco para doenças crônicas e morbidade referida - InqDANT e do índice de vulnerabilidade à saúde (IVS). Foram realizadas análise descritiva e análise bivariada.
RESULTADOS: entre os 2.255 participantes, 54,4% eram mulheres, com mediana de idade de 35,0 anos; 12,3% relataram limitação funcional, com maior proporção entre os residentes nas áreas de elevado/muito elevado risco (p<0,001). Considerando as características individuais, observou-se significante associação estatística entre limitação funcional e idade (> 60 anos), sexo feminino, menos escolaridade, baixa renda e autoavaliação de saúde ruim. A mediana de idade foi menor no estrato de elevado/muito elevado risco (45,0 anos) quando comparado com os estratos de médio (50,0) e de baixo risco (52,0) (p= 0,013). Os tipos de limitação funcional mais relatados foram: cansaço (38,9%), dificuldade para andar (36,0%) e problemas na coluna (21,9%), concentrados nas áreas de mais vulnerabilidade à saúde.
CONCLUSÃO: os resultados obtidos podem contribuir para as recomendações que objetivam minimizar os impactos sobre as condições de saúde e sobre a qualidade de vida dos indivíduos com limitação funcional da cidade de Belo Horizonte, especialmente daqueles vivendo em áreas de mais vulnerabilidade à saúde.
Palavras-chave: Atividades Cotidianas; Vulnerabilidade em Saúde; Saúde da População Urbana; Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde.
INTRODUÇÃO
A rápida e crescente urbanização observada especialmente nos países em desenvolvimento, as mudanças no perfil epidemiológico, caracterizadas pelo predomínio das doenças crônicas não transmissíveis, e a transição demográfica, marcada pelo aumento significativo da população idosa, têm impactado não só o modo de vida e as condições de saúde, mas também, e de maneira importante, a capacidade funcional dos indivíduos.1-3
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)4, a capacidade funcional pode ser definida como a habilidade do indivíduo em executar atividades que assegurem o seu bem-estar e inclui os domínios biológico, psicológico e social. Essas atividades relacionam-se tanto às atividades básicas da vida diária (ABVD) como às atividades instrumentais da vida diária (AIVD). As primeiras referem-se àquelas necessárias ao autocuidado, como alimentar-se, vestir-se e deitar-se; e as segundas atividades são aquelas relacionadas às habilidades do indivíduo de viver em seu meio e à sua mobilidade, como fazer compras, ir ao banco, atender ao telefone e utilizar meios de transporte, ou seja, relacionadas às tarefas mais complexas necessárias à vida independente na comunidade.5,6 As limitações funcionais ou incapacidades referem-se, portanto, às dificuldades ou inabilidades em desempenhar as tarefas consideradas habituais.6
Ainda, a OMS, em sua Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)7, descreve a funcionalidade e a incapacidade relacionadas às condições de saúde. Desse modo, a funcionalidade é descrita como um aspecto positivo e engloba as funções do corpo, as atividades e a participação social e a incapacidade corresponde ao aspecto negativo resultante da interação entre a disfunção apresentada pelo indivíduo, à limitação de suas atividades e à restrição na participação social. Nesse sentido, um indivíduo pode ter incapacidade ou limitação funcional sem ter necessariamente uma doença ou deficiência ou, ao contrário, ter determinada doença sem apresentar incapacidade ou limitação de atividades.7
Dado esse novo paradigma, a limitação funcional passa a ser considerada não apenas consequência das condições de saúde/doença, mas é também determinada e influenciada pelo contexto físico e social, pelas diferentes percepções culturais e atitudes, pela disponibilidade de serviços e legislação adequada, pelas condições de moradia e acesso aos serviços de saúde.3,7,8
Todavia, sabe-se que essas condições não atingem igualmente a população. As condições de pobreza e desigualdade social, o processo de envelhecimento acelerado e o acesso aos serviços de saúde podem influenciar a capacidade funcional, produzindo resultados também desiguais na execução das atividades cotidianas.9 Esse fenômeno intensifica-se nas áreas urbanas, de maior densidade populacional, gerando iniquidades intraurbanas.10
Outro aspecto relevante refere-se à mensuração adequada tanto da capacidade funcional e suas limitações8, assim como das desigualdades intraurbanas, constituindo um desafio para a saúde pública.11,12
Na tentativa de mensurar a capacidade funcional, vários estudos têm adotado o uso de escalas que quantificam as dificuldades e a dependência para a realização de atividades de vida diária5,9-11, enquanto alguns inquéritos populacionais têm utilizado a dificuldade ou limitação autorreferida como uma medida da restrição para a realização dessas atividades.3,13
Quanto aos indicadores que discriminem os diferenciais intraurbanos, estudos mostram desde o uso de dados censitários agregados, passando por informações sobre o ambiente físico e social, obtidas por meio de inquéritos populacionais, até a utilização de indicadores específicos que identificam a qualidade de vida ou a vulnerabilidade de populações vivendo em determinada área.10-12,14,15
Entretanto, ainda são escassos os estudos de base populacional que descrevam a prevalência de limitações da capacidade funcional na população como um todo, sendo que a maior parte dos estudos direciona-se para a avaliação desses aspectos na população idosa.
Torna-se importante entao verificar a prevalência e os tipos de limitações funcionais e dificuldades para a realização de atividades habituais, considerando não só os fatores individuais, mas também a sua distribuição em relação aos diferenciais intraurbanos.
Assim, o presente estudo teve por objetivo examinar a prevalência de limitação funcional entre residentes de Belo Horizonte e sua associação com características individuais e com o índice de vulnerabilidade à saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte,16 com base no arcabouço teórico da CIF7 e no modelo de saúde urbana adaptado por Caiaffa et al.2
MÉTODOS
Trata-se de estudo observacional do tipo seccional elaborado com base em informações da população residente na cidade de Belo Horizonte (BH), Minas Gerais, em 2002-2003, obtidas por meio de inquérito domiciliar e informações sobre o risco de adoecer e morrer, obtidas por meio do índice de vulnerabilidade à saúde (IVS).16
Local do estudo
O estudo foi realizado em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais e sexta maior cidade brasileira. A população estimada é de 2.412.937 habitantes, distribuída entre os 2.563 setores censitários, estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).17
Fonte de dados
As informações sobre os indivíduos foram obtidas por meio do "Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis" (InqDANT)13,realizado no período de 2002-2003 pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) em parceria com a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde/Brasil (SVS). O InqDANTfoi um estudo multicêntrico, transversal, de base populacional, realizado em 15 capitais brasileiras e no Distrito Federal. Em cada cidade-alvo do estudo, foi retirada uma amostra por conglomerado, em dois estágios, autoponderada, sendo as unidades primárias os setores censitários e as secundárias, os domicílios. Foram considerados elegíveis todos os indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos residentes no domicílio e em condições de responder ao questionário. A coleta das informações foi realizada por meio de entrevistas face a face abordando aspectos demográficos e socioeconômicos do domicílio e informações individuais sobre situação e exposição ocupacional; atividade física; dieta; tabagismo; consumo de bebida alcoólica; percepção de saúde e morbidade referida, qualidade de vida e condição funcional, entre outros. O questionário foi elaborado com base em instrumentos validados e testado em estudo-piloto. O InqDANT teve aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) conforme parecer de número 1053/2000. O detalhamento dos procedimentos amostrais encontra-se disponível no endereço eletrônico http://www.inca.gov.br/inquerito/.13
Para o presente estudo, foram utilizadas as informações da cidade de Belo Horizonte, onde 995 domicílios (82,0% dos elegíveis) foram visitados e 2.255 indivíduos (90.49%) responderam ao questionário, representando 80 setores censitários do município.
Indice de Vulnerabilidade à Saúde
O Indice de Vulnerabilidade à Saúde (IVS), desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte em 2003, é um indicador composto que foi criado com o objetivo de identificar as desigualdades no perfil epidemiológico de grupos sociais distintos. A metodologia utiliza o Sistema de Informações Geográficas (GIS) e inclui os seguintes indicadores: a) Saneamento (esgotamento, abastecimento de água e destino do lixo); b) habitação (proporção de domicílios improvisados e razao de moradores por domicílio); c) educação (percentual de analfabetos e de chefes de família com menos de quatro anos de escolaridade completa); d) renda (percentual de chefes de família com renda de até dois salários mínimos e renda média do chefe de família); e) indicadores sociais e de saúde (taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares na faixa etária de 30-59 anos, mortalidade proporcional antes dos 70 anos, taxa de mortalidade em menores de cinco anos de idade e proporção de chefes de família com 10 a 19 anos de idade). Para cada indicador foi atribuído um peso específico por meio de consenso entre um conselho de especialistas. O índice é expresso em um escore final que varia entre 0,25 e 6,86, com os mais altos valores correspondendo aos setores censitários com mais vulnerabilidade à saúde. Essa pontuação final permitiu a classificação das áreas de acordo com a pontuação média e o desvio-padrao (DP) em quatro categorias de vulnerabilidade à saúde: risco baixo (os setores que têm valores inferiores à média), risco moderado (setores com valores de até ½ DP acima da média), risco elevado (setores com valores entre ½ e 1 DP acima da média) e risco muito elevado (setores com valores de até 1 DP acima da média).16,18 Para o presente estudo, as áreas de risco elevado e muito elevado foram agrupadas para aumentar o poder estatístico da análise.
Variáveis
A variável limitação funcional foi obtida por meio da pergunta do InqDANT: "O(a) Sr.(a) tem alguma limitação ou dificuldade para fazer as suas atividade habituais por causa de algum problema de saúde ou incapacitação?" Foram excluídas gravidez e limitações temporárias, como um braço ou perna quebrada. As respostas foram codificadas em (ausência de limitação funcional)(presença de limitação funcional).
Para análise da variável tipo de limitação funcional, utilizou-se a pergunta: "qual ou quais são as suas principais limitações ou dificuldades"? As possibilidades de resposta foram:
cansaço/mal-estar geral;
depressão, ansiedade ou outro problema emocional;
dor de cabeça/enxaqueca;
dificuldade de respirar/condição pulmonar;
dificuldade para andar/mover membros inferiores;
dificuldade para movimentar braço/mão/membros superiores;
fraturas ou lesões nas juntas ou articulações;
problemas de audição;
problemas de coluna; problemas de visão;
outras limitações.
Foram utilizadas ainda as seguintes variáveis explicativas: a) idade categorizada nas seguintes faixas etárias: <60 e >60 anos; b) sexo; c) escolaridade: < 8 e > 8 anos de estudo;d) auto-avaliação da saúde ruim: sim e não; e) IVS, categorizado em risco baixo, moderado e elevado/muito elevado.
Analise dos dados
Foi realizada análise descritiva das variáveis do estudo, por meio de distribuição de frequência, medidas de tendência central e de dispersão.
Verificou-se a associação entre limitação funcional e características individuais e os diferentes estratos do IVS, por meio do teste Qui-quadrado. O teste de Kruskal-Wallis foi empregado para a comparação das medianas de idade entre os estratos do IVS. Para todas as análises foram considerados o nível de significância de 5% e o intervalo de confiança de 95%.
As análises foram feitas utilizando-se o Stata 11.0,19 considerando-se o desenho amostral.
RESULTADOS
Dos 2.255 indivíduos entrevistados em Belo Horizonte, 54,4% eram mulheres, com mediana de idade de 35,0; 58,6% tinham oito ou mais anos de estudo; e 19,8% avaliaram o estado de saúde como regular ou ruim.
A limitação funcional foi relatada por 278 indivíduos, com prevalência de 12,3% [(IC95%:10,44-14,23) n=2.253]. Entre os indivíduos que referiram limitação funcional para a realização de tarefas habituais (n=258), 71,6% tinham menos de 60 anos, 72,3% eram do sexo feminino, 59,8% tinham menos de oito anos de estudo, 62,3% tinham renda entre dois e cinco salários mínimos e 53,6% avaliaram seu estado de saúde como regular ou ruim.
Na análise bivariada, a limitação funcional esteve associada à faixa etária >60 anos, sexo feminino, menos escolaridade, baixa renda, autoavaliação de saúde ruim e aos extratos de mais vulnerabilidade à saúde, todas com significância estatística (p<0,001). (Tabela 1).
Ainda em relação ao IVS, observou-se gradiente dose-resposta, ou seja, a prevalência de limitação funcional aumentou à medida que aumentou a vulnerabilidade à saúde (Tabela 1).
A distribuição da idade dos indivíduos por estrato de IVS considerando todos os sujeitos da amostra mostrou medianas de idade mais altas na população com limitação funcional. Entretanto, considerando só os indivíduos com limitação funcional, apurou-se menor mediana de idade no estrato de elevado/muito elevado risco (45,0 anos) quando comparado com os estratos de médio (50,0) e de baixo risco (52,0), com diferença estatística significante (p= 0,013).
Quanto ao tipo de limitação funcional, dos 278 indivíduos, 38,9% reportaram cansaço/mal-estar geral, 36,0% dificuldade para andar, 21,9% problemas na coluna, 20,9% dificuldade para movimentar os braços ou mãos, 20,5% depressão, ansiedade ou outros problemas emocionais, 15,8% problemas de visão, 14,8% dor de cabeça/enxaqueca, 14,4% dificuldade de respirar/condição pulmonar, 9,0% fraturas, 4,7% problemas de audição e 14,8%, outras limitações (Figura 2).
Considerando cada tipo de limitação funcional, a distribuição entre os estratos do IVS mostrou maior proporção de indivíduos no estrato de elevado/muito elevado risco para todos os tipos de limitação funcional descritos, com evidente gradiente dose-resposta, como pode ser observado na Figura 1.
DISCUSSÃO
Os resultados do presente estudo revelaram importantes diferenciais intraurbanos na prevalência de limitação funcional e na distribuição das suas características entre residentes de Belo Horizonte. A prevalência de limitação funcional foi de 12,3%, com evidente concentração entre indivíduos residentes em áreas de mais vulnerabilidade à saúde. Além disso, houve associação positiva e graduada entre o aumento da prevalência de limitação funcional e o aumento da vulnerabilidade à saúde.
A prevalência de limitação funcional foi similar à encontrada em outras capitais brasileiras em estudo desenvolvido pelo INCA, que reportou variação entre 7,7% em Joao Pessoa e 18,9% em Porto Alegre.16 Outros estudos nacionais e internacionais, especialmente desenvolvidos com a população idosa, constataram prevalências entre 6,0% e 66%, sendo inversamente proporcional às condições socioeconômicas dos locais pesquisados.5,9,20-25
Estudo que comparou os dados de duas edições da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 1998 e 2003, encontrou importantes diferenças regionais, salientando altas prevalências para os estados do Norte e Nordeste e baixas prevalências para os estados das regioes Sul e Sudeste do Brasil.9
Quanto às características individuais, de maneira geral, os resultados encontrados corroboram os de outros estudos nacionais e internacionais.9-12,20-24 As mais altas prevalências de limitação funcional foram encontradas entre os maiores de 60 anos, entre as mulheres, entre os de menos escolaridade e baixa renda e entre os que avaliaram a saúde como regular ou ruim.
A maior proporção de limitação funcional entre as mulheres, com associação estatística significante (p<0,001), reforça os resultados de várias pesquisas conduzidas no Brasil e em outros países, especialmente com a população idosa, que indica as desigualdades de gênero nas condições de saúde e adoecimento das populações.9-12,20-23 Essas diferenças podem influenciar não só a percepção sobre a própria saúde, mas também a avaliação da capacidade funcional.10,12,22
A relação entre limitação funcional e baixa escolaridade, assim como com a baixa renda, tem sido demonstrada em outros estudos, especialmente os direcionados à população idosa.23-25 Esses marcadores de nível socioeconômico também têm sido associados à melhoria na qualidade de vida e longevidade.23 No presente estudo, foi encontrada maior proporção de indivíduos com menos de oito anos de estudo (59,8%) e com renda entre dois e cinco salários mínimos (62,3%) entre os que relataram limitação para a realização de atividades habituais, ambos com significante associação estatística (p<0,001).
A autoavaliação de saúde reflete a percepção dos indivíduos sobre a própria saúde e provavelmente influencia e é influenciada pela habilidade do indivíduo em realizar tarefas habituais de diferentes complexidades. No presente estudo, como esperado, houve significativa associação (p<0,001) entre a limitação funcional e autoavaliação de saúde ruim, corroborando os resultados de outros estudos.10-12,23
A distribuição da idade entre os estratos de risco do IVS, com medianas mais altas no grupo com limitação funcional, reforça a associação encontrada com a faixa etária mais velha. Entretanto, a menor mediana de idade entre os que relataram limitação funcional no estrato de elevado/muito elevado risco indica provavelmente que nesse estrato a limitação funcional acomete os indivíduos mais precocemente. Ainda, a menor proporção de idosos nas áreas de mais vulnerabilidade à saúde pode sugerir mortalidade mais precoce nessas áreas. Esse resultado identifica a necessidade de se estender a abrangência dos estudos sobre capacidade funcional para as populações mais jovens. Enquanto entre os idosos a redução da capacidade funcional é progressiva e afeta diretamente o autocuidado, a independência e a vida social, entre a população jovem e adulta, além desses fatores, pode ter consequências importantes sobre a capacidade produtiva. Apesar de importante, este achado requer aprofundamento analítico e precisa ser mais bem explorado em estudos posteriores.
Quanto aos tipos de limitação funcional mencionados, houve ampla diversidade de manifestações e sintomas, englobando desde aspectos físicos, como problemas de coluna e dificuldade para andar, passando pelos aspectos psíquicos, como depressão e problemas emocionais, até manifestações subjetivas, como cansaço e mal-estar geral. Observa-se que essas limitações não estao relacionadas necessariamente à existência de doenças, mas podem também se relacionar a hábitos e comportamentos, ao modo e condições de vida, corroborando os modelos teóricos aqui propostos. A CIF, ao incorporar o modelo biopsicossocial, ressalta a importância de se considerar a funcionalidade e a incapacidade o resultado de uma complexa e dinâmica relação entre as condições de saúde e os fatores contextuais, que podem atuar como facilitadores ou como barreiras para o desempenho dessas atividades e da participação social.3,7
O IVS, instrumento utilizado pela SMSA/BH para subsidiar o planejamento, a organização dos serviços de saúde e a alocação de recursos e investimentos em saúde, tem sido considerado um bom indicador não só das condições de saúde, mas também das iniquidades sociais.11,12,16,18 Assim como citado em estudos anteriores,11,12,16 nesta investigação o IVS parece ter sido suficiente para discriminar adequadamente a população vulnerável em Belo Horizonte. A associação graduada e positiva encontrada não só entre as prevalências de limitação funcional e a residência em áreas de mais vulnerabilidade à saúde, mas também na distribuição dos tipos de limitação funcional entre os estratos de risco, reforça a indicação de utilização de indicadores geográficos de vulnerabilidade à saúde, tal como IVS, como um marcador das desigualdades intraurbanas em municípios, a exemplo da cidade de Belo Horizonte. Esses resultados indiretamente confirmam a influência do contexto na presença e na distribuição da limitação funcionalno município, mais uma vez corroborando o arcabouço teórico da CIF e o modelo de saúde urbana aqui adotados.
Algumas limitações deste estudo precisam ser consideradas. Em primeiro lugar, a natureza exploratória e seccional, que não permite que sejam feitas relações causais. Em segundo lugar, apesar de amplamente utilizada em inquéritos populacionais, a pergunta utilizada para determinação da limitação funcional é bastante vasta e não captura as dificuldades apresentadas pelos indivíduos em termos de gravidade. Em terceiro lugar, a associação encontrada entre menos escolaridade e baixa renda e mais vulnerabilidade à saúde deve ser considerada com critério, pois pode ter sido influenciada pela própria composição do IVS, que incorpora indicadores socioeconômicos, como escolaridade e renda do chefe da família. Por último, ressalta-se a incorporação do IVS, uma variável de contexto que classifica os setores censitários, em uma análise univariada. Como recomendação, sugere-se a realização de estudos que incorporem metodologias de análise que permitam a avaliação independente dos fatores individuais e contextuais.10,15
Apesar dessas limitações, este estudo trouxe avanços na medida em que analisou as limitações funcionais utilizando informações de inquérito de base populacional, considerou ampla faixa etária, não se restringindo à população idosa, e incorporou um macroindicador para a avaliação dos diferenciais intraurbanos da população de Belo Horizonte. No nosso conhecimento, este estudo foi pioneiro ao analisar a limitação funcional entre indivíduos jovens e adultos.
Os resultados obtidos podem contribuir para as recomendações que objetivam minimizar os impactos sobre as condições de saúde e sobre a qualidade de vida dos indivíduos com limitação funcional da cidade de Belo Horizonte. Ainda, podem contribuir para posteriores estudos de avaliação de intervenções em saúde ligadas ao cenário onde residem os gupos mais vulneráveis da população, com atenção direcionada também ao grupo de indivíduos não idosos.
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