ISSN (on-line): 2238-3182
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CAPES/Qualis: B2
Tratamento cirúrgico da hérnia inguinal indireta, tipos 1 e 2, pela técnica do reforço duplo do anel inguinal profundo e proteção do trígono inguinal
Surgical treatment of the indirect inguinal hernia, types 1 and 2, by the double reinforcement technique of the deep inguinal ring and protection of the inguinal trigone
Norton Costa e Silva1; Alcino Lazaro da Silva2
1. Professor Adjunto-Doutor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG
2. Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG
Norton Costa e Silva
Avenida Bernardo Monteiro, 890/703 Funcionários
Cep: 30150-281
Telefone: 3226-2943
Data de Submissao: 01/10/04
Data de Aprovaçao: 20/12/04
Trabalho realizado nos Serviços de Cirurgia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, do Hospital Maria Amélia Lins, do Hospital Alberto Cavalcanti e do Hospital Mater Dei - Belo Horizonte - MG
Resumo
OBJETIVO: Avaliar a exeqüibilidade de uma variação técnica, indicada na correção da hérnia inguinal indireta, tipos 1 e 2, como também o resultado do procedimento avaliado no pós-operatório imediato e tardio.
CASUÍSTICA E MÉTODO: no período compreendido entre janeiro de 1985 a janeiro de 1995, foram operados pela técnica do reforço duplo do anel inguinal profundo, associado à proteção do trígono inguinal, 180 indivíduos do sexo masculino, portadores de hérnia inguinal indireta, tipos 1 e 2, com idade entre 13 anos e 70 anos.
RESULTADOS: As complicações observadas em 180 indivíduos no pós-operatório imediato foram: edema local em cinco casos (2,8%), equimose / hematoma em cinco casos (2,8%), dormência local em dois casos (1,1%) e infecção da ferida cirúrgica em dois casos (1,1%). No pós-operatório tardio, apenas 143 pacientes foram avaliados. Um permaneceu com sensação parestésica local (0,7%), um com dor no nível da cicatriz cirúrgica (0,7%) e foi detectada uma recidiva (0,7%).
CONCLUSÃO: A variação técnica proposta é exeqüível. O pós-operatório transcorreu bem na maioria dos casos, tendo sido observada uma recidiva.
Palavras-chave: Hérnia Inguinal/cirurgia; Complicações Pós-Operatórias; Período Pós-Operatório
INTRODUÇÃO
A hérnia inguinal é uma afecção secular. Surgiu, possivelmente, quando os seres humanos passaram à postura ereta.
Na atualidade, o seu tratamento constitui uma das operações mais realizadas nos hospitais gerais e a maioria dos jovens cirurgiões iniciam seu treinamento operando hérnias da parede abdominal.
Apesar de sua alta incidência, observamos que princípios fisiopatológicos e pormenores anatômicos básicos e primordiais na sua abordagem e tratamento são, muitas vezes, negligenciados. A correção da hérnia inguinal indireta, o tipo mais comum, é comumente feita sem que o anel inguinal profundo tenha sido positivamente identificado.
A hérnia inguinal indireta, tipos 1 e 2, de acordo com a classificação de Gilbert1 e de Nyhus et al.2 apresenta como característica básica enfraquecimento do anel inguinal profundo, com conseqüente aumento gradativo de seu diâmetro, mantendo a integridade da fáscia transversal ao longo do trígono inguinal.
A partir de janeiro de 1985, passamos a empregar para os casos de hérnia inguinal indireta, tipos 1 e 2, o reforço duplo do anel inguinal profundo, associado à proteção do trígono inguinal.
Este estudo teve por objetivo avaliar a exeqüibilidade dessa variação técnica, que consiste no fechamento em jaquetão do anel inguinal profundo, associado à proteção do trígono inguinal, como também os resultados do procedimento no pós-operatório imediato e tardio.
CASUÍSTICA E MÉTODO
No período compreendido entre janeiro de 1985 a janeiro de 1995, foram submetidos à correção de hérnia inguinal indireta unilateral, tipos 1 e 2, pela técnica do reforço duplo do anel inguinal profundo, associado à proteção do trígono inguinal, 180 indivíduos do sexo masculino com idade entre 13 anos e 70 anos.
Os pacientes foram selecionados de acordo com a classificação de Gilbert1 e de Nyhus et al.2
Praticou-se a anestesia local em 18 pacientes (11,3%) e o bloqueio espinhal em 162 (88,7%).
O acesso à região foi obtido por meio de inguinotomia ligeiramente oblíqua. O anel inguinal profundo foi exposto, sendo para isso necessária a secção do músculo cremaster.
Após terem sido reparadas as bordas do anel inguinal profundo, realizou-se a ligadura do saco herniário, o mais alto possível, sempre sob visão direta do conteúdo (Figura 1). Com as bordas do anel totalmente expostas, obteve-se, com auxílio de uma pequena fita milimetrada ou de compasso, sua dimensão, tomada no sentido crânio-caudal ao longo do seu maior eixo, selecionando-se para este estudo aqueles cuja medida não ultrapassavam 4 cm.
O reparo iniciou a partir do ligamento interfoveolar (de Hesselbach), utilizando-se fio monofilamentar inabsorvível de número 2-0, com agulha cilíndrica de 2 cm. A primeira linha de sutura, contínua e não-cruzada, imbricou a borda inferior do anel por baixo do superior, até o ponto em que o fechamento parcial do anel inguinal profundo permitiu a insinuação de apenas uma pinça hemostática no seu interior (Figura 2). Retornou-se, então, com o mesmo fio, que não deve ser interrompido, levando, portanto, a borda superior e medial do anel no trato ileopúbico, até encontrar o ponto de partida da sutura, onde foi anodado (Figura 3).
A seguir, realizou-se sutura contínua da área conjunta com o trato ileopúbico (Figura 4), iniciando-a no ligamento interfoveolar (de Hesselbach) até o púbis.
O canal inguinal foi fechado, suturando-se aponeurose do músculo oblíquo externo de forma contínua, utilizando-se fio monofilamentar inabsorvível de número 3-0. A fáscia de Scarpa foi suturada com material absorvível de número 4-0.
Sutura subdérmica foi então colocada, fazendo-se uso do mesmo material absorvível e a pele fechada através de sutura intradérmica com náilon 4-0.
Foi encorajada a deambulação precoce e todos os pacientes pernoitaram no hospital, recebendo alta na manhã seguinte.
RESULTADOS
Realizou-se acompanhamento pós-operatório na maioria dos pacientes (79,4%). Um grupo de 37 pessoas (20,6%) permaneceu sem nenhum controle. O menor tempo de controle, até a presente data, foi de seis anos e o maior de 16 anos.
As complicações pós-operatórias imediatas podem ser vistas na Tabela 1, sendo que as complicações tardias estão sumariadas na Tabela 2. Até o último controle, realizado em janeiro de 2001, foi observada apenas uma recidiva (0,7%).
COMENTÁRIOS
A existência de numerosas cirúrgicas para a correção da hérnia inguinal, uma afecção tão comum, demonstra que a técnica ideal para o tratamento de todos os casos ainda não surgiu. Impõe-se, assim, a necessidade de particularizar o tratamento.
Na correção da hérnia inguinal indireta, tipos 1 e 2, não é preciso fender a fáscia transversal, como recomendado pela Clinica Shouldice e entre nós adotado por Silva3. Não é necessária também a utilização de tela.
Como o defeito herniário localiza-se no anel profundo, fica obrigatória a sua abordagem, como recomendado por Marcy4, Lytle5, Nichols6, entre outros.
A identificação com clareza das bordas do anel profundo faculta sua medida, permitindo realizar uma classificação mais fidedigna, além de propiciar a oclusão do defeito herniário em dois planos.
O fechamento parcial do anel inguinal profundo, sem tensão, por meio de suturas contínuas em dois planos, não somente é exeqüível, como poderia beneficiar o paciente duplamente. Primeiramente, porque a superposição de planos promoveria fibroplasia dupla e ordenada em lâmina, o que daria maior resistência ao reparo. Em segundo lugar, porque a força de tensão seria distribuída homogeneamente, ao longo do reparo, minimizando as possibilidades de recidiva.
A proteção do trígono inguinal, realizada por meio de sutura da área conjunta com o trato ileopúbico, constitui medida preventiva contra os futuros adelgaçamentos que a fáscia transversal poderia vir a apresentar no transcorrer da vida, tornando-a incapaz de suportar a pressão intra-abdominal.
Acreditamos que o procedimento, além de tecnicamente fácil, promoveria boa solidez na oclusão do defeito herniário, podendo constituir uma opção cirúrgica nos casos em que a afecção restringe-se ao anel inguinal profundo.
CONCLUSÕES
O fechamento parcial do anel profundo, executado por meio de suturas contínuas em dois planos, torna-se factível após a exposição de suas bordas.
A proteção da fáscia transversal, ao longo do trígono inguinal, realizada pela sutura da área conjunta com o trato ileopúbico, é exeqüível.
O pós-operatório imediato transcorreu bem na maioria dos casos. Foi observada até a presente data uma recidiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- GILBERT AJ. An anatomic and functional classification for the diagnosis and treatment of inguinal hérnia. Am J Surg. 1989;157:331-3.
2- NYHUS L M, KLEIN M S, ROGERS F B. Inguinal hernia. Curr Probl Surg 1991;28:403-7.
3- SILVA NC. Tratamento cirúrgico da hérnia inguinal pela técnica de Souldice: contribuição pessoal. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG, 1987, (Tese, Mestrado em Cirurgia).
4- MARCY HO. The cure of hernia. JAMA. 1887;8:589-92.
5- LYTLE WJ. The internal inguinal ring. Br J Surg. 1945;32:441-6.
6- NICHOLS H M. Inguinal hernia. Reconstrution of internal ring inguinal hernia repair; method utilising cremaster muscle. West J Surg. 1951;59(9):257-61.
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