RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 15. 2

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Relatos de Casos

Neoplasias sincrônicas de esôfago e estômago

Synchronous gastric tumors associated with esophageal cancer

Marcelo Rausch1; André Vinícius Rocha2

1. Médico Residente em Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Professor Assistente do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência

André Vinícius Rocha
Rua Junquilhos,1216/104 - B. Nova Suíça
Belo Horizonte/MG Cep: 30.460-010
E-mail: andre.rocha.bh@uol.com.br

Data de Submissão: 13/12/02
Data de Aprovação: 05/08/04

Resumo

Relata-se caso de paciente com neoplasias sincrônicas do esôfago e do estômago. O exame anatomopatológico das peças cirúrgicas confirmou o diagnóstico de carcinoma de células escamosas no esôfago e estabeleceu o diagnóstico de adenocarcinoma gástrico. O tratamento da neoplasia do estômago consistiu de gastrectomia parcial, colectomia transversa e jejunostomia para alimentação. A neoplasia do esôfago foi tratada por quimiorradioterapia paliativa.

Palavras-chave: Neoplasias Primárias Múltiplas/diagnóstico; Neoplasias Esofágicas/diagnóstico; Neoplasias Gástricas/diagnóstico; Adenocarcinoma/diagnóstico; Gastrectomia; Colectomia; Jejunostomia; Neoplasias Esofágica/terapia

 

INTRODUÇÃO

Autores japoneses têm descrito, desde a década de 70, a associação entre carcinoma de células escamosas do esôfago e adenocarcinoma gástrico3. Esta associação manifesta-se em maior escala naquele país, onde são altas as incidências destes dois tipos de câncer, quando comparadas às estatísticas ocidentais1.

O estômago é o órgão mais utilizado na reconstrução do trânsito alimentar após esofagectomia. Assim sendo, diagnosticar possíveis focos de adenocarcinoma no estômago constitui importante etapa no planejamento terapêutico das neoplasias malignas esofágicas, de maneira geral.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 67 anos, natural de Teófilo Otoni (MG), queixava-se de disfagia inicialmente para sólidos e posteriormente para líquidos, perda de peso e piora do estado geral.

A endoscopia digestiva alta revelou lesão vegetante e friável a cerca de 32cm da arcada dentária superior. Ocupava praticamente toda a luz esofágica, dificultando a progressão do aparelho até o estômago, que não pôde ser examinado, e impediu, posteriormente, a realização da radiografia contrastada em série de esôfago, estômago e duodeno (REED). O exame anatomopatológico mostrou carcinoma de células escamosas. O estadiamento pré-operatório (radiografia de tórax e ultra-sonografia abdominal) não evidenciou metástases à distância ou lesão localmente avançada.

O tratamento proposto para o paciente foi esofagectomia transhiatal, através de laparotomia mediana e cervicotomia esquerda. A esofagogastroplastia foi o método inicialmente proposto para o restabelecimento do trânsito alimentar. Entretanto, durante a laparotomia, foi evidenciada lesão de aspecto neoplásico em antro gástrico com invasão por contigüidade do cólon transverso, além de pequenos nódulos sugestivos de implantes tumorais em omento maior e peritônio pélvico. Em face dos achados e do estádio avançado da neoplasia gástrica, foi realizada gastrectomia parcial com anastomose gastroduodenal (Billroth I), colectomia transversa e jejunostomia para alimentação. Esta conduta foi tomada com o objetivo de desobstruir o estômago, possibilitando a alimentação por via oral após tratamento quimiorradioterápico paliativo da neoplasia esofágica.

O paciente evoluiu bem no pós-operatório, recebendo alta no décimo segundo dia de internação. O exame histopatológico do espécime cirúrgico revelou tratar-se de adenocarcinoma gástrico do tipo intestinal de Láuren.

 

DISCUSSÃO

O sincronismo entre os carcinomas de células escamosas do esôfago, da boca, da faringe e das vias aéreas superiores é bem conhecido. Compartilham da mesma origem histológica e susceptibilidade a agentes carcinogênicos idênticos, sendo principais o etilismo crônico e o tabagismo1,2.

A associação do carcinoma de células escamosas do esôfago com adenocarcinoma gástrico3 - tumores de origem histológica diferentes - foi descrita pela primeira vez, na década de 70.

Com a evolução tecnológica dos métodos propedêuticos e a sistematização de pesquisa no campo das neoplasias gástricas em pacientes com câncer esofágico, observa-se aumento desta associação, variável nos diferentes estudos. Kato et al., Hamabe et al., Koide et al. e Matsuura et al. relatam, respectivamente, a incidência de 6,1%, 3,8%, 11,5% e 3,8% de pacientes com câncer de esôfago e neoplasia gástrica associadas6-9.

A maioria dos trabalhos nesta área é de autores japoneses, que estudam população com taxas mais elevadas de câncer de estômago e esôfago. As instituições em que foram realizadas as pesquisas são reconhecidamente centros de referência para o tratamento destas afecções, o que pode representar viés de seleção, com aumento artificial da real incidência desta associação. Tal fato pode ser comparado com os registros em populações mais homogêneas e numerosas10, onde a prevalência desta associação situa-se entre 0,2% e 1,6%.

Sendo o estômago o órgão mais freqüentemente utilizado na reconstrução do trânsito intestinal após a esofagectomia, torna-se importante o diagnóstico preciso da ausência ou presença de lesões neoplásicas no estômago, para planejamento cirúrgico adequado. O REED e a endoscopia digestiva alta com realização de biópsias de segmentos suspeitos estão entre os mais úteis4. Entretanto, sabe-se que, na vigência de neoplasia estenosante de esôfago, a passagem do endoscópio pode ser impossibilitada e a interpretação dos exames radiográficos bastante prejudicada. Nos casos de adenocarcinoma precoce ou incipiente, há ainda a possibilidade de resultado falso-negativo. Maeta12,13 recomenda o exame rigoroso do aspecto da serosa no peroperatório, bem como a palpação do estômago. Sugere também a realização de gastrotomia e endoscopia peroperatória, com exame da mucosa e colheita de material para exame histológico por corte de congelação.

Nos casos de tumores sincrônicos de esôfago e estômago, as possibilidades terapêuticas são variadas4,6,8. Naqueles pacientes com doença avançada ou muito debilitados, as opções podem ser gastrectomia com posterior irradiação do tumor esofágico, esofagocoloplastia retroesternal ou simplesmente jejunostomia. Naqueles casos que permitem cirurgia mais radical na intenção de se aumentar o tempo de sobrevida dos pacientes, pode-se optar pela seguintes condutas: esofagogastrectomia total com reconstrução do trânsito, utilizando-se o cólon ou esofagectomia com gastrectomia parcial, utilizando-se o próprio remanescente gástrico para reconstrução do trânsito.

Portanto, a propedêutica pré-operatória nos casos de tumores sincrônicos é de extrema importância não só para o planejamento terapêutico, como também para a avaliação do prognóstico do paciente4.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Shibuya H, Wakita T, Nakagawa T, Fukuda H, Yasumoto M. The relation between an esophageal cancer and associated cancers in adjacent organs. Cancer 1995;76:101-5.

2- Goodner JT, Watson WL. Cancer of the esophagus. Cancer 1956;9:1248-52.

3- Ohhashi I, et al. A case of concomitant association of superficial esophageal carcinoma and early gastric cancer. J Jpn Surg Soc 1975;76:548.

4- Domene CE, Volpe P, Pinotti A, et al. Neoplasias sincrônicas de esôfago e estômago: importância diagnóstica e terapêutica. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1998;53(5):263-6.

5- Kuwano H, Morita M, Tsutsui S, Kido Y, Mori M, Sugimachi K. Comparison of characteristics of esophageal squamous cell carcinoma associated with head and neck cancer and those with gastric cancer. J Surg Oncol 1991;46(2):107-9.

6- Kato H, Tachimori Y, Watanabe H et al. Esophageal carcinoma simultaneously associated with gastric carcinoma: analysis of clinicopathologic features and treatments. J Surg Oncol 1994;56:122-7.

7- Hamabe Y, Ikuta H, Nakamura Y, Kawasaki K, Yamamoto M. Clinicopathological features of esophageal cancer simultaneously associated with gastric cancer. J Surg Oncol 1998;68:179-182.

8- Koide N, Adachi W, Koike S, Watanabe H, Yazawa K, Amano J. Synchronous gastric tumors associated with esophageal cancer. A retrospective study of twenty-four patients. Am J Gastroenterol, 1998;93(5):758-62.

9- Matsuura H, Morita M, Tsutsui S, Kido Y, Mori M. Esophageal carcinoma is frequently accompanied with early gastric carcinoma. Int Surg 1992;77:69-71.

10- Abo S, Miura H et al. Concurrent cancer of the esophagus and other organ in japan. Jpn J Gastroenterol Surg 1980;13:377.

11- Miwa K (ed). The report of treatment results of stomach carcinoma in japan. Japanese Research Society of Gastric Cancer, 1996.

12- Maeta S, Koga S et al. Diagnosis and surgical treatment of esophageal cancer associated with simultaneous gastric cancer. J Jap Surg 1986;13(2):96-8.

13- Maeta S, Koga S, Kimura A. Simultaneous superficial squamous cell carcinoma of the esophagus and early gastric adenocarcinoma. Hepatogastroenterol 1991;38(20):554-56.