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CAPES/Qualis: B2
Formigas como veículo de patógenos no hospital universitário Alzira Velano, em Alfenas - M.G
Ants as a way to pathogens in the university hospital Alzira Velano, Alfenas city - MG
Lilian Teixeira Silva1; Nemer Luís Pichara2; Maria Aparecida Pereira3; João Evangelista Fiorini4
1. Acadêmica de Medicina do 6º período - Bolsista FAPEMIG
2. Acadêmico de Medicina do 4º período
3. Laboratório de Biologia e Fisiologia de Microrganismos
4. Professor, Doutor, Pesquisador Sênior
Laboratório de Biologia e Fisiologia dos Microrganismos
Rodovia MG 179 - KM 0
CEP:37130-000 - Alfenas - MG
E-mail: microrganismo@unifenas.br
Data de Submissão: 13/06/03
Data de Aprovação: 20/12/04
Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS, Alfenas, MG.
Resumo
O objetivo deste trabalho foi avaliar o risco potencial de infecções em ambiente hospitalar, causadas pela presença de patógenos carreados por insetos, especificamente formigas. Amostras de formigas foram coletadas em frascos estéreis, em diversos locais do Hospital Universitário Alzira Velano em Alfenas, Minas Gerais, tais como cozinha, corredores, recepção, isolamento da Clínica Médica e Clínica Médica. Os insetos foram tratados para o isolamento das cepas microbianas, conforme protocolos padronizados (NCCLS 2002), seguindo-se o cultivo microbiano em meios apropriados (BHI e Sabouraud), e testes bioquímicos para a identificação das cepas. Os resultados revelaram um percentual de 97,5% de contaminação entre as três espécies de formigas obtidas (Paratrechina, Camponotus e Pheidole). As cepas bacterianas predominantes nas amostras foram Staphylococcus sp., Neisseria sp, e Bacillus sp. Por meio de testes de antibiograma, não foi encontrada nenhuma bactéria multirresistente. Apesar disso, linhagens potencialmente patógenas observadas nas amostras de formigas examinadas sugerem um risco potencial de veiculação de infecções hospitalares. Em conjunto, esses resultados apontam para uma situação preocupante no que se refere aos protocolos de assepsia em ambiente clínico, e sugerem um mecanismo adicional para o aparecimento de infecções nosocomiais, que é o transporte de patógenos entre pontos diferentes em um hospital.
Palavras-chave: Infecção Hospitalar/microbiologia; Hospitais Universitários; Insetos vetores; Formigas/patogenicidade
INTRODUÇÃO
As formigas em ambiente hospitalar têm-se se transformado em objeto de estudo, pois, quando elas infestam hospitais, podem entrar em contato com bactérias resistentes aos antibióticos, levando-as de um lugar para outro e propiciando aumento do risco de infecção hospitalar e os conseqüentes malefícios à saúde.
É pouco provável que um hospital afirme não possuir vetores, ou seja, potenciais agentes causadores de infecção hospitalar. Estes vetores são representados por formigas, baratas, ratos e outros carreadores de bactérias. As razões do aparecimento de insetos e roedores são diversas, desde a falta de limpeza e conservação à ausência de técnicas básicas de enfermagem, mas decorrem principalmente, da dificuldade de se eliminarem esses insetos1.
Apesar de representarem um desafio às Comissões de Controle de Infecção Hospitalar, as formigas não são os principais agentes disseminadores de bactérias. O controle dos agentes infectantes em um hospital é problemático, pois, para cada unidade hospitalar, existe um tipo mais comum de bactéria. Mesmo assim, estudo realizado no estado de São Paulo revelou os tipos mais comuns de bactérias encontradas no ambiente hospitalar, como Acinetobacter, Enterobacter, Enterococcus faecalis, Klebsiella, Staphylococcus aureus, Serratia marcescens e Serratia rubidae 2.
Entre os artrópodes, os insetos sociais, e particularmente as formigas, estão entre as espécies que melhor se adaptaram ao ambiente urbano. Como qualquer ambiente natural, os artificiais, entre eles as áreas urbanas, podem ser colonizados e explorados por várias espécies, principalmente aquelas que são associadas ao comportamento humano. Ao contrário do que se possa imaginar, certas espécies de formigas são indicadoras de limpeza, pois somente vivem em locais extremamente limpos3.
As construções possuem muitos locais favoráveis para que as formigas façam seus ninhos. Os locais preferidos por elas são atrás de paredes, armários, tomadas elétricas, conduítes de eletricidade, dentro de batentes de portas e janelas, frestas nas calçadas, rodapés e, até mesmo, dentro de aparelhos eletrônicos. A maioria desses locais é de difícil acesso, o que torna difícil sua localização4.
Esses insetos podem causar sérios problemas quando ocorrem em fábricas de alimentos, padarias, restaurantes, escritórios, instituições de pesquisa, biotérios, zoológicos, museus, cabines de eletricidade e centrais telefônicas. Também constituem perigo potencial à saúde pública, quando a infestação se dá em hospitais, por apresentarem a capacidade de transportar microrganismos patogênicos, atuando como vetor mecânico. Esse fato foi inicialmente mostrado na Inglaterra por Beatson (1972)5 e, mais tarde, por Edwards e Backer (1981)6; e, na Alemanha e em países do leste europeu, por Eichler (1987)7. Na América, ele foi verificado por Ipinza-Regla et al. (1981)8, no Chile, e por Bueno e Fowler (1993)2, no Brasil.
O presente estudo teve por objetivo avaliar, no Hospital Universitário Alzira Velano, se as formigas representam um risco aos pacientes, na condição de veículo para infecção hospitalar, procurando estudar a microbiota carreada por formigas e sua resistência a determinados antimicrobianos. Pretendem, também, identificar os patógenos que são transmitidos pelas formigas e quais as áreas do hospital que apresentam formigas contaminadas por microrganismos.
MATERIAL E MÉTODO
O experimento foi realizado no Laboratório de Biologia e Fisiologia de Microrganismos da Universidade de Alfenas - UNIFENAS, no ano de 2002. As formigas foram coletadas no Hospital Universitário Alzira Velano, da cidade de Alfenas-MG, nas seguintes áreas: cozinha, corredor, isolamento, recepção, e enfermaria de Clínica Médica e Pronto Socorro. Para atrair as formigas, foi utilizado mel de abelha como isca, deixado durante a noite em locais estratégicos. Foram feitas três coletas em cada área determinada, coletando-se, aproximadamente, dez formigas por vez. As amostras foram devidamente identificadas no Laboratório de Entomologia da Universidade de Alfenas-MG. Para identificação dos microrganismos, as formigas foram imersas em caldo Brain Hearth Infusion (BHI). A partir desse caldo, foram feitas diluições decimais seriadas e inoculações em ágar BHI e em ágar Sabouraud para contagem global de bactérias aeróbicas mesófilas, bolores e leveduras. As colônias encontradas foram isoladas e submetidas a análise microscópica e provas bioquímicas complementares objetivando a identificação, seguindo como indicado no Bergey's Manual of Determinative Bacteriology9. Para a realização do teste de sensibilidade antimicrobiana, foram preparadas placas contendo o meio Müeller Hinton, sendo a técnica de Bauer e Kirby10 utilizada para a montagem do antibiograma.
RESULTADOS
Verificou-se que 97,8% das formigas coletadas estavam contaminadas. Na contagem global, encontrou-se média de 1,5 x 10-5 Unidades Formadoras de Colônias (UFC)/formiga. Os patógenos mais freqüentes foram: Staphylococcus sp, Neisseria sp e Bacillus sp. Nos exemplares de insetos examinados, não foram encontradas leveduras quando as placas de ágar Sabouraud foram incubadas a 25ºC por até sete dias.
A cozinha, a recepção e o isolamento da Clínica Médica foram os locais onde se encontrou maior número de formigas, que também apresentaram a maior diversidade e quantidade de microrganismos (Tabela 1).
Quanto à diversidade de formigas, verificou-se a presença de três gêneros: Paratrechina, Camponotus e Pheidole, sendo o último o mais encontrado.
Por meio da prova da coagulase, verificou-se que 80% dos Staphylococcus eram coagulase-positivos; sugerindo tratar-se de S. aureus.
As bactérias do gênero Neisseria foram submetidas à prova de fermentação de açúcares, e constatou-se que todas eram saprófitas e, possivelmente, enquadravam-se nas espécies N. sicca, N. subflava ou N.mucosa.
Os resultados do antibiograma, que se encontram na Tabela 2, foram interpretados conforme a tabela padrão para a interpretação de halos de inibição da NCCLS de 200211, sendo encontrada resistência a ampicilina, cefalotima, penicilina, cefuroxima e rifampicina em todos os microrganismos testados. O Staphylococcus foi o gênero que apresentou maior resistência aos antibióticos.
DISCUSSÃO
O percentual (97,8%) de formigas carreando microrganismo é elevado, se comparado, por exemplo, com resultados obtidos no Hospital Calixto Midlej, em Itabuna - BA, onde apenas 40% das formigas pesquisadas estavam contaminadas12,13.
Levantamentos realizados em oito hospitais do estado de São Paulo mostraram que todos os hospitais visitados apresentaram infestação de formigas2; o que sugere que a presença de insetos no HUAV não significa falta de cuidados com detetização ou algo fora da realidade brasileira. Nesse estudo em São Paulo, sempre ocorreram várias espécies, com a predominância de uma delas, e o índice de infestação variou de 16% a 61% dos pontos amostrados, atingindo 73% quando ocorreu a explosão populacional de uma das espécies. Em comparação, no HUAV, o índice de infestação foi de 65%. Em um dos hospitais localizado na Região Sudeste, 16,5% das formigas coletadas apresentaram bactérias patogênicas. No presente estudo, estima-se que esse valor seja de 18,5%, uma vez que não foram realizados testes de patogenicidade nesse ensaio. Os berçários e as unidades de tratamento intensivo foram as alas com maiores índices de infestação nos hospitais de São Paulo; enquanto que, em Alfenas, as áreas mais atingidas foram a cozinha, a recepção e o isolamento da Clínica Médica. As formigas mais comuns no estudo de Fowler2 foram duas espécies: Tapinoma melanocephalum e Paratrechina longicornis; no presente trabalho, a prevalência significativa da Paratrechina longicornis foi compartilhada com outras espécies dos gêneros Pheidole e Camponotus.
Dos patógenos encontrados em outros estudos sobre formigas realizados em hospitais, o gênero Staphylococcus foi o de maior prevalência12,13. Os Staphylococus coagulase-positivos: S. aureus, S. delphini, S. intermedius, S. coagulans9, com destaque especial para o S. aureus, são geralmente patogênicos. Mas estudo recente verificou a importância médica dos Staphylococus coagulase - negativos causadores de doenças em pacientes imunodeprimidos14. Portanto, como o estudo foi feito em ambiente hospitalar, onde há pacientes imunocomprometidos, todos os Staphylococus encontrados podem ser considerados potencialmente patogênicos.
Segundo dados publicados no jornal Folha de São Paulo (Cotidiano, 3.11) de 2.12.96, dos 12 milhões de pacientes internados em 1995, por intermédio do SUS, 12,5% (1,5 milhão) contraíram infecção hospitalar, dos quais 2,3% (cerca de 35 mil) vieram a óbito (dados do Ministério da Saúde). Considerando que nos países desenvolvidos os custos de cada tratamento estão estimados em US$ 2.000, pode-se deduzir que, no Brasil, seriam gastos cerca de três bilhões de dólares por ano no atendimento de pacientes infectados. Outra informação importante é que para cada dólar investido na prevenção de infecção ocorre um retorno de quatro dólares15.
As medidas preventivas geralmente adotadas pelas comissões de controle de infecção hospitalar, compreendendo precauções-padrão, universais, entéricas totais, por contato, com drenagem e secreções, respiratórias, especiais para tuberculose, isolamento total e protetor, bem como a conduta técnica preconizada em cada caso16, não demonstram preocupação direta com a transmissão de doenças por formigas. No entanto, a presença de formigas em áreas consideradas críticas e a ocorrência de altas taxas de bactérias patogênicas associadas constituem riscos em potencial para transmissão de bactérias que podem causar infecção hospitalar.
O papel das formigas como vetores deve ser considerado em ações educativas da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar, visando ao controle integrado e eficiente desses insetos no ambiente hospitalar.
AGRADECIMENTOS
- À Dra. Renata Souza Mendonça, pela colaboração na identificação das formigas;
- Ao Dr. Aguinaldo Araújo, por permitir a realização do trabalho no HUAV;
- Ao Prof. Dr. José Maurício Schneedorf Ferreira da Silva, pelo auxílio na revisão do texto;
- À UNIFENAS e à FAPEMIG, pelo apoio financeiro e logístico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- Goddard J, Jarratt J, deShazo RD. Recommendations for prevent and management of Fire Ant infestation of Health Care Facilities. South Med J. 2002;95:627-33.
2- Fowler HG, Bueno OC, Sadatsune T, Montelli AC. Ants as potential vectors of pathogens in hospitals in the state of São Paulo. Brazil Insect Sci Applic. 1993;14:367-70.
3- Bueno OC, Campos-Farinha AEC. Formigas urbanas: estratégias de controle. Vetores & Pragas. 1999;II:5-7.
4- Bueno OC, Campos-Farinha AEC. Formigas urbanas: comportamento das espécies que invadem as cidades brasileiras. Vetores & Pragas 1998;I:13-6.
5- Beatson SH. Pharaoh's ant as pathogen vectors in hospital. The Lancet. 1972;19:425-6.
6- Edwards JP, Baker LF. Distribution and importance of pharaoh's ant monomorium pharaonis (L) in national health service hospital. Engl J Hospital Infection. 1981;2:249-54.
7- Eichler WD. Health aspects and control of monomorium pharaonis. In: Meer V, Jaffe RK, Cedeno A, editors. Appied myrmecology: a world perspective Westview Studies in Insect Biology. Westview Press, Bolder;1990. p.671-5.
8- Ipinza-Regla J, Figueroa G, Osorio J. Iridomyrmex humilis, "hormiga argentina", como vector de infecciones intra hospitalarias. I. Estudio bacteriologico. Folia Entomol Mex. 1981;50:81-96.
9- Holt JG, Krieg NR, Sneath PHA, Staley JT, Willians ST. Bergey's Manual of determinative bacteriology. 9th ed. Baltimore USA: Saunders;1994.
10- Bauer AW, Kirby WMM, Sherris JC, Turck M. Antibiotic susceptibility testing by a standardized single disc method. Am J Clin Pathol. 1996;45:493-6.
11- National Commitee for Clinical Laboratory Standarts (NCCLS); Performance Standards for Antimicrobial Susceptibility Testing. Twelfth Informational Supllement M100-S12, 2002;v. 22, n. 1.
12- Fontana R, Brito TAl. Formigas como vetor de propagação bacteriana no Hospital Calixto Midlej em Itabuna-BA. In: XXI Congresso Brasileiro de Microbiologia, 2001. Livro de Resumos. p. 142 artigo IH-013 .
13- Silva SC, Ribeiro JD, Santo JG, Filho RF. Levantamento de patógenos em formigas (Insecta, Hymenoptera) localizadas em hospital na cidade de Manaus, AM. In: XXI Congresso Brasileiro de Microbiologia, 2001. Livro de Resumos. p. 152 artigo IH-054.
14- Minto ECM, Barrelli C, Martinez R, Darini ALC. Identification and medical importance of coagulase-negative staphylococci species, São Paulo Med J. 1999;177:175-8.
15- Cotidiano, 3.11, Folha de São Paulo, São Paulo 02 de dezembro de 1996.
16- Marques SR. Infecção hospitalar: medidas preventivas (isolamento e precauções). Pediatria Moderna. 2000;36:55-62.
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