RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 15. 1

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Artigos Originais

Prevalência do uso de drogas em adolescentes escolares

Drug use prevalence among scholar teenagers

Francisco José Ferreira da Silveira1; Eduardo Villela de Moraes2; Enio Corrêa Lima2

1. Professor do Internato Rural da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG), doutor em Pediatria
2. Acadêmicos do curso de Medicina da FCMMG

Endereço para correspondência

Enio Corrêa Lima
Rua Professor Arduíno Bolívar, 453/01 - Santo Antônio
Belo Horizonte, MG CEP: 30350-140
E-mail: enioclima@yahoo.com.br

Data de Submissao: 15/07/04
Data de Aprovaçao: 08/11/04

Trabalho realizado pela disciplina de Internato Rural da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

Resumo

OBJETIVOS: Avaliar a prevalência do uso de bebidas alcoólicas e outras drogas em adolescentes escolares.
MATERIAL E MÉTODO: Estudo do tipo transversal, com dados retrospectivos sobre o uso de bebidas alcoólicas e outras drogas, fornecidos por alunos, com idade de 13 a 19 anos, de escola no interior de Minas Gerais. Utilizado questionário anônimo, auto-aplicável e de preenchimento voluntário.
RESULTADOS: Foram estudados 866 adolescentes. A prevalência do uso de álcool foi de 77,2%, sendo que, deste total, 57,1% usaram-no pela primeira vez entre os 13 e 15 anos. As bebidas mais utilizadas foram cerveja e vinho. O local mais freqüente do primeiro contato com o álcool foi a "rua" (50,2%), seguido do domicílio (24,2%). As companhias mais freqüentes foram membros da própria família (28%) e amigos (25,7%). Dos que experimentaram bebida alcoólica, 44,9% usam-na, atualmente, menos de uma vez por semana; 38,1% não a usam e 16,8% usam-na, pelo menos, uma vez por semana. Em relação ao uso de outras substâncias, 13,0% já consumiram fumo e 3,9%, maconha. Observou-se associação estatisticamente significativa entre o uso de bebida alcoólica e o uso de tabaco (p=0,000); entretanto não se verificou associação entre o consumo de bebida e o sexo (p=0,190).
CONCLUSÕES: Encontrada alta prevalência de uso de bebidas alcoólicas, e prevalência significativa, porém menor do que em outros estudos, do uso de outras drogas, em alunos de 13 a 19 anos, sendo necessária a realização de ações preventivas eficazes, direcionadas especialmente aos usuários de bebidas alcoólicas.

Palavras-chave: Transtornos relacionados ao uso de substâncias/epidemiologia; Consumo de bebidas alcoólicas/epidemiologia; Adolescente; Tabagismo/epidemiologia

 

INTRODUÇÃO

Há milênios o ser humano faz uso de substâncias psicoativas, porém com determinações diferentes de acordo com o período, sendo que, em alguns momentos, a utilização dessas substâncias ajudava a integrar as pessoas na comunidade. Atualmente, o uso de drogas está associado ao aumento nos índices de violência, suicídio, acidente de trânsito, gravidez indesejada, abandono escolar e outros problemas, que contribuem para a deterioração física e psíquica de numerosas gerações1. Já se demonstrou ainda que o consumo de drogas por adolescentes está associado, de forma significativa, a manifestações de depressão2. No entanto, mais preocupante do que a experimentação é o desenvolvimento da dependência, que se dá principalmente em adolescentes predispostos.

Há algumas décadas, o uso abusivo e a dependência de drogas eram problemas quase exclusivos de adultos, mas atualmente incidem em idades cada vez mais precoces, como acontece também com outros fenômenos (início de atividade sexual, escolha profissional, entre outros)3. As primeiras experiências ocorrem geralmente na adolescência, e as substâncias inicialmente utilizadas são álcool, fumo, maconha, e às vezes outras mais potentes4. O ser humano nessa faixa etária é especialmente suscetível à experimentação de drogas, principalmente as consideradas lícitas, como álcool e fumo.

O aumento da prevalência do uso de drogas em adolescentes é atualmente um problema de saúde pública. Antes de terminar o segundo grau, até 90% dos adolescentes já consumiram bebida alcoólica4. Segundo dados da literatura, a bebida mais consumida pelos jovens é a cerveja (55,7%), seguida por vinhos (24,1%), cidra ou champanhe (21,7%) e destilados (8,1%). O início do uso é mais comum na companhia de amigos, seguido do uso com familiares5.

O uso de drogas por jovens é resultado de razões estruturais e predisposição individual, além de outros fatores desencadeantes6. Alguns estudos sobre o uso de drogas na idade escolar mostraram a importância de fatores sociodemográficos, como idade e sexo7. Há evidências de que indivíduos do sexo masculino consomem mais drogas7-9, principalmente as substâncias não-alcoólicas3. Fatores psicossociais, como a influência de amigos, também podem contribuir.

A realização de estudos que possibilitem conhecer a situação do consumo de drogas por adolescentes em diferentes localidades é muito importante, por fornecer subsídios na formulação e implementação de políticas de combate ao problema.

Este estudo foi realizado com o objetivo de avaliar a prevalência do uso de álcool e de outras drogas em adolescentes escolares de um município do interior do estado de Minas Gerais.

 

MATERIAL E MÉTODO

O estudo foi realizado em município mineiro, localizado a aproximadamente 250 quilômetros de Belo Horizonte, capital do estado, com população de aproximadamente 10.000 habitantes. A atividade agropecuária e a exploração de pedras ornamentais são as principais atividades econômicas do município.

O estudo foi do tipo transversal, com dados retrospectivos sobre o uso de drogas, que foram fornecidos pelos próprios participantes. Considerou-se para o estudo todos os adolescentes escolares, de 13 a 19 anos, da única escola com alunos dessa faixa etária do município. A faixa etária menor de 13 anos não foi pesquisada por não ter havido concordância da direção da escola. A estimativa era de serem estudados 950 adolescentes. Por se tratar da única escola com alunos nessa faixa etária, esta população pode ser considerada como o universo total dos escolares de 13 a 19 anos do município.

A coleta de dados foi feita no mês de setembro de 2003, por alunos do curso de Medicina, que cursavam a disciplina Internato Rural. Foi utilizado questionário anônimo, auto-aplicável e de preenchimento voluntário, com 20 questões fechadas, contendo informações sobre o uso de álcool e de outras drogas, além de permitir a identificação de alguns fatores que poderiam estar associados ao consumo de substâncias psicoativas.

Os adolescentes foram informados sobre as características do estudo, além de terem sido esclarecidos sobre a participação voluntária, o anonimato e a importância da veracidade das respostas.

Foram excluídos os questionários respondidos por escolares que não estavam na faixa etária de interesse do estudo ou que continham respostas inconsistentes.

Os dados obtidos foram armazenados em microcomputador e, para a análise, foi utilizado o software EPI INFO versão 6.04d. O teste do qui-quadrado foi utilizado para análise da associação entre variáveis, considerando-se o nível de significância de 0,05.

 

RESULTADOS

De um total de 914 questionários, 48 não se incluíam na faixa etária dos 13 aos 19 anos ou estavam com respostas inconsistentes, tendo sido excluídos.

Foram estudados 866 adolescentes, sendo 41,0% do sexo masculino e 59,0% do sexo feminino. Do total, 90,2% residiam na zona urbana e 9,8%, na zona rural. Quanto à faixa etária, 48,4% tinham entre 13 e 15 anos de idade, 37,0% entre 16 e 18 anos, e 14,6% entre 18 e 19 anos.

Em relação ao uso de bebida alcoólica, 77,2% dos adolescentes responderam que já a utilizaram alguma vez na vida. Destes, 4,1% utilizaram bebida alcoólica pela primeira vez entre cinco e nove anos, 21,5% entre dez e 12 anos de idade, 57,1% entre 13 e 15 anos e 14,7% entre 16 e 18 anos. Após esta faixa etária, não houve mais início de consumo (Tabela 1). A Tabela 2 mostra a distribuição do início de consumo entre os sexos masculino e feminino.

 

 

 

 

Em relação ao local onde utilizaram bebida alcoólica pela primeira vez, 50,2% dos estudantes responderam que foi na rua, 24,2% em casa e 6,9% no bar. As companhias mais freqüentes foram membros da família em 28% dos casos e amigos em 25,7% dos casos.

Dos adolescentes que já experimentaram bebida alcoólica, atualmente, 44,9% usam-na menos de uma vez por semana, 38,1% não fazem uso dela e 16,8% usam-na, pelo menos, uma vez por semana (Tabela 3).

 

 

Em relação às bebidas mais utilizadas, 12,8% relataram ter feito uso apenas de cerveja, e 7% apenas de vinho. Porém, 20,8% já experimentaram vinho e também cerveja. Além disso, 20,7% deles já haviam experimentado mais de quatro tipos diferentes de bebidas.

Em relação ao uso de outras substâncias, 13,0% já consumiram fumo, 3,9% maconha, 2,0% cocaína e 1,0% heroína.

Houve significância estatística entre o fato de já ter fumado e o uso de álcool (p=0,001). Estes resultados são mostrados na Tabela 4.

 

 

Foi também significativa a associação entre uso de bebida alcoólica e o fato de existir alguém que usa a substância na família (p=0,048), além do consumo de bebida alcoólica antes dos 16 anos de idade e a permanência do hábito na atualidade (p=0,004).

Não houve associação estatística significativa entre sexo e já ter consumido bebida alcoólica (p=0,190), nem entre sexo e manutenção do hábito (p=0,230). A Tabela 5 mostra a distribuição do sexo, de acordo com o fato de já ter feito uso de bebida alcoólica ou não.

 

 

DISCUSSÃO

Neste estudo há possibilidade de existir viés de informação, principalmente em relação ao uso de drogas ilícitas. No entanto, com a utilização de questionário autoaplicável e anônimo, além de explicações sobre os objetivos da pesquisa, procurou-se diminuir esse risco. Deve-se assinalar, ainda, que este tipo de pesquisa investiga o relato do consumo de drogas e não o consumo em si5,8,10. Foram observados índices elevados de experimentação e consumo de bebidas alcoólicas, tanto em relação ao fato de já ter sido utilizado como à freqüência atual de uso. Esses resultados são semelhantes aos encontrados em outros estudos5,9-12. É importante destacar ainda o alto índice de adolescentes que iniciaram o uso de bebidas alcoólicas na faixa etária de dez a 12 anos, e até mesmo entre cinco e nove anos, o que confirma um consumo precoce dessas substâncias. Estes achados são preocupantes, principalmente levando-se em consideração que houve associação significativa entre consumo mais precoce e a manutenção do hábito, além dos prejuízos que o consumo pode estar causando aos adolescentes.

O fato de não ter havido significância estatística entre o consumo de álcool e sexo, embora contraditório em relação à maioria das descrições da literatura, tem sido encontrado em alguns estudos8,9. Isto demonstra que pode estar havendo aumento de consumo de álcool entre adolescentes do sexo feminino, apesar de pesquisa recente realizada em outro município do estado ter encontrado consumo significativamente maior em adolescentes do sexo masculino12. Não se observou também diferença significativa entre os sexos feminino e masculino quanto ao uso atual de bebidas alcoólicas.

Há um consenso nos dados da literatura sobre a importância da influência do grupo de amigos sobre o início do uso de bebidas alcoólicas4,6,9. Neste estudo, essa influência pode ser também observada, pois, em 25,7% dos casos, o início aconteceu em companhia dos amigos. Observa-se, ainda, que 28% dos adolescentes tiveram o primeiro contato com essas substâncias junto aos familiares. Além disso, houve associação significativa desse contato com a existência de membros da família que utilizam a substância, podendo ter esta variável um valor preditivo importante, pelo menos em relação à experimentação.

O percentual dos adolescentes que relataram já ter feito uso de tabaco é inferior aos resultados encontrados em outras pesquisas5,10,12,13, o que talvez seja resultado de maior conscientização e conseqüente tendência à diminuição do consumo, devido à associação do tabaco com várias doenças, conforme divulgação na mídia, por intermédio de campanhas antitabagistas. Além disso, percentual significativo de adolescentes neste estudo está na faixa etária entre 13 e 15 anos, sendo que o início do tabagismo é mais freqüente posteriormente.

Houve significância estatística entre o fato de já ter feito uso de álcool e de tabaco, sendo que apenas dois adolescentes que já fumaram ainda não haviam feito uso de bebida alcoólica. Normalmente, a bebida alcoólica é experimentada antes do tabaco. Apesar de serem consideradas lícitas, as duas substâncias não são legalmente permitidas para menores de 18 anos de idade, embora sejam consumidas, muitas vezes, com permissão da própria família.

O relato do uso de maconha e de outras drogas ilícitas é significativamente menor em relação aos encontrados em municípios de grande porte5,10. Neste caso, assim como no uso de fumo, a predominância neste estudo de adolescentes na faixa etária dos 13 aos 15 anos, que é inferior em relação à faixa de início do consumo, pode ter influenciado nos resultados. Além disso, Gouveia é um município de pequeno porte do interior do estado, e nestas localidades o consumo de substâncias ilícitas provavelmente é menos difundido. Prevalência semelhante à encontrada neste estudo foi encontrada por Guimarães et al.13, em município do interior de São Paulo, com localização distante da capital do estado.

 

CONCLUSÕES

Foi encontrado consumo elevado de bebidas alcoólicas por adolescentes escolares, resultado semelhante a estudos realizados em outras regiões e localidades do estado e do país. Já o consumo de tabaco, embora esteja associado de forma significativa ao uso de bebidas alcoólicas, é significativo, porém inferior ao encontrado em outros estudos, o que acontece também em relação à utilização de drogas ilícitas, como maconha, heroína e cocaína.

Considerando-se as conseqüências do uso de drogas em adolescentes, tanto imediatas como na idade adulta, há necessidade da realização de ações preventivas eficazes, direcionadas especialmente às bebidas alcoólicas, no caso do município pesquisado. No entanto, deve-se levar em consideração que o abuso de substâncias psicoativas representa muitas vezes um sintoma, e não somente causa de problemas. Sendo assim, as ações devem visar, também, à detecção precoce e ao tratamento adequado de casos susceptíveis.

 

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