ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Cuidados anestésicos monitorados em anestesia ambulatorial
Monitored anesthesia care for ambulatory anesthesia
Adriano Bechara de Souza Hobaika1; Múcio Pereira Diniz2; Carlos Henrique Viana de Castro3
1. Ex-Residente em Anestesiologia do Hospital Felício Rocho
2. MBA, Presidente da COOPANEST, Conselheiro da Federação Nacional das Cooperativas Médicas, Ex-Diretor da SAMG, Anestesiologista do Hospital SOCOR e do Hospital Felício Rocho
3. TSA/SBA, Cordenador do Departamento de Anestesiologia do Hospital Life Center, Intensivista pela AMIB
Adriano B.S. Hobaika
Avenida do Contorno, 9530 - 3º andar, Bairro Prado
CEP: 30110-908, Belo Horizonte, MG
E-mail: hobaika@globo.com
Data de Submissão: 30/04/03
Data de Aprovação: 21/07/04
Instituição: Serviço de Anestesiologia do Hospital Felício Rocho
Resumo
A anestesia ambulatorial representa todo o procedimento anestésico que oferece ao paciente uma pronta recuperação, sem a necessidade de internação hospitalar. Dessa forma, o paciente retorna ao trabalho e ao lar precocemente e fica menos exposto ao risco de infecção, além de os custos hospitalares serem muito reduzidos. A unidade de anestesia ambulatorial requer infra-estrutura adequada, sendo suas atividades regulamentadas pelas Resoluções do Conselho Federal de Medicina. Devido ao aumento crescente no número de pacientes tratados em regime anestésico ambulatorial, o anestesiologista possui papel fundamental no processo de seleção. Muitos dos procedimentos ambulatoriais são diagnósticos ou terapêuticos e várias podem ser as técnicas anestésicas empregadas. Entre estas, os cuidados anestésicos monitorados apresentam algumas vantagens para o paciente ambulatorial, proporcionando conforto e segurança, além de uma recuperação mais rápida e com poucos efeitos indesejáveis.
Palavras-chave: Anestesia; Anestésicos; Assistência ambulatorial; Período de recuperação da anestesia
INTRODUÇÃO
A anestesia ambulatorial é todo procedimento anestésico realizado em ambulatório ou hospital, que permite ao paciente pronta recuperação, em geral, sem a necessidade de pernoite ou internação. Este tipo de tratamento tem como vantagens o retorno precoce ao lar e ao trabalho, gerando mais satisfação para o paciente e para seus familiares, menor risco de infecção e redução importante dos custos hospitalares1. Esta modalidade de cuidado médico tem sido prática cada vez mais comum em nosso meio, representando cerca de 20% de todas as anestesias administradas, em nosso serviço, no ano de 2001.
ORGANIZAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO
A unidade de atendimento ambulatorial requer infraestrutura adequada e os mesmos níveis de cuidados oferecidos ao paciente internado devendo, inclusive, oferecer a possibilidade de internação, se isso for necessário. A anestesia ambulatorial, no Brasil, é regulamentada pelas Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1363/93 e nº 1409/942, que estabelecem as normas para as condições de funcionamento da unidade e os critérios de seleção e alta dos pacientes (Tabela 1). A resolução CFM nº 1363/93 determina, entre outras normas, que o anestesiologista avalie, com antecedência, as condições clínicas dos pacientes, mantenha a vigilância permanente durante o ato operatório e os transfira à sala de recuperação pós-anestésica, onde devem permanecer até que apresentem condições de alta.
O anestesiologista possui papel fundamental no funcionamento da unidade de atendimento ambulatorial, pois deve realizar o ato anestésico de forma que permita ao paciente ter condições de alta em tempo menor, com índice mínimo de complicações. Deve estar também atento ao tipo de procedimento, avaliando a possibilidade de sua realização em regime ambulatorial e as condições físicas do paciente para esse procedimento, além de identificar as causas mais comuns de atraso ou cancelamento na alta do paciente (Tabela 2)3.
Tendo em vista o grande crescimento dos procedimentos ambulatoriais nas últimas décadas e o aumento na proporção de pacientes com afecções cada vez mais complexas que se apresentam para esses procedimentos, foram estabelecidos alguns critérios de contra-indicação à anestesia ambulatorial4,5. Entre esses, podemos citar as doenças sistêmicas tratadas inadequadamente (angina instável, asma sintomática, diabetes descompensada), a obesidade mórbida, o uso de inibidores de monoaminooxidase, a dependência de cocaína, pacientes ex-prematuros em idade inferior a 60 semanas6 e, pacientes sem responsáveis legais para acompanhá-los após a alta.
TÉCNICAS ANESTÉSICAS
Grande variedade de procedimentos pode ser feita em regime ambulatorial e várias são as técnicas anestésicas empregadas. A anestesia regional é bem indicada, pois apresenta menores riscos e complicações do que a anestesia geral. Dessa forma, diminui-se a incidência de náuseas e vômitos, sedação residual, aspiração, hipoxemia e outras complicações relacionadas à manipulação de vias aéreas.
Entre os bloqueios espinhais, a raquianestesia ressurgiu como excelente opção, em decorrência do desenvolvimento de agulhas de calibre fino (25G e 27G), o que permitiu a redução na incidência de cefaléia pós-punção dural para aproximadamente 1% a 2%7,8.
A anestesia peridural também pode ser realizada, dando-se preferência para o uso de anestésicos locais de curta a média duração, para não retardar a alta do paciente.
Os bloqueios de membros superiores e inferiores são muito úteis na medida em que propiciam analgesia pós-operatória duradoura. Esses bloqueios, quando realizados com o auxílio dos estimuladores de nervo periférico, permitem localização menos traumática e mais fidedigna dos plexos nervosos.
A anestesia geral com intubação traqueal ou máscara laríngea, associada a drogas de curta ação, é uma técnica amplamente utilizada, porém possui o inconveniente da manipulação de vias aéreas e suas complicações.
A sedação profunda, apesar de a traquéia não ser intubada, implica inconsciência e, também, requer manipulação de vias aéreas. Portanto, para fins práticos e de acordo com a literatura, é considerada anestesia geral.
Quando os procedimentos são de menor porte, geralmente diagnósticos ou terapêuticos, a sedação consciente, ou sedação leve, também pode ser realizada: o paciente permanece consciente durante a maior parte do tempo, cooperando na realização do procedimento, se necessário.
Cuidados anestésicos monitorados
Em 1996, a American Society of Anesthesiologists considerou o termo "sedação consciente" inadequado, já que ele não se referia a um serviço anestésico específico, propondo para esta técnica a denominação de "cuidados anestésicos monitorados"9. Estes cuidados, por definição, se referem a um serviço praticado por anestesiologistas e, como qualquer outro, significam oferecer ao paciente todo o tipo de assistência necessária ao ato anestésico, como consulta pré-anestésica, monitorização perioperatória adequada, vigilância realizada por médico anestesiologista e local para recuperação pós-anestésica.
Apesar de geralmente envolver o uso de drogas que deprimem os reflexos de vias aéreas, a aplicação adequada desta técnica implica manter esses reflexos preservados durante a maior parte do procedimento10. Na prática, para se obter esse efeito, deve-se titular a administração das drogas anestésicas com a finalidade de manter níveis plasmáticos suficientes para proporcionar boa analgesia, hipnose, amnésia e cooperação do paciente. Titular significa empregar doses menores de drogas, de forma incremental, de acordo com as necessidades do paciente ou do procedimento. Os cuidados anestésicos monitorados visam, portanto, à recuperação mais rápida da anestesia e com mínimos efeitos indesejáveis, apresentando-se, dessa forma, muito adequados para o paciente ambulatorial.
Esses cuidados monitorados apresentam vantagens em relação à sedação profunda e à anestesia geral (Figura 1) por permitirem melhor controle das vias aéreas do paciente com menor risco de aspiração, avaliação contínua do estado mental e recuperação mais rápida.
Associações de drogas venosas em cuidados anestésicos monitorados
A anestesia venosa moderna permite a associação de várias drogas, beneficiando-se das vantagens de cada uma e proporcionando ao paciente todos os elementos necessários ao ato anestésico seguro e eficaz.
O propofol apresenta um perfil farmacológico muito atrativo em anestesia ambulatorial, pois permite hipnose titulável, suave e de pronta recuperação devido à sua depuração metabólica muito alta11,12. Parece apresentar propriedades antieméticas também. Seu inconveniente é a dor à injeção, que pode ser aliviada com o uso adjuvante de lidocaína intravenosa.
O midazolam é um benzodiazepínico de curta ação que proporciona amnésia e hipnose potentes. Entretanto, pode atrasar a alta devido à sedação residual.
Os opióides de ação curta, como o fentanil e seus congêneres, são drogas seguras e eficientes para estes pacientes porque estabelecem analgesia e sedação potentes e tituláveis. Por outro lado, o uso de opióides também pode levar a efeitos indesejáveis em anestesia ambulatorial, podendo atrasar a alta do paciente em decorrência de depressão respiratória e dos reflexos de vias aéreas, náuseas, vômitos, prurido, retenção urinária, rigidez torácica e sedação residual. Associados ao propofol e/ou midazolam, os opióides apresentam uma técnica satisfatória para a anestesia ambulatorial.
A cetamina é droga de ação rápida que produz intensa analgesia e anestesia dissociativa. Quando associada ao propofol e utilizada em doses baixas (até 0,5mg/kg), apresenta índice mínimo de complicações, oferecendo vantagens em anestesia ambulatorial13. Além disso, esta associação possui efeito complementar: o propofol reduz a incidência dos efeitos alucinatórios, hemodinâmicos e de hipersialorréia induzidos pela cetamina e esta, por outro lado, determina menor depressão respiratória e melhor manutenção dos reflexos protetores de vias aéreas (muito importantes em cuidados anestésicos monitorados).
Recuperação anestésica e critérios de alta
São medidas objetivas da eficácia de uma técnica de anestesia ambulatorial a qualidade e a rapidez na recuperação pós-anestésica, e esta última é dividida em três etapas: fase I (despertar da anestesia), fase II (período intermediário) e fase III (período pós-operatório tardio).
Durante a fase I o paciente acorda da anestesia e recupera a função motora. A escala de Aldrete14 é o método de escolha para transferir o paciente da fase I para a fase II de recuperação, devendo o paciente ter atingido nove ou dez pontos (Tabela 3). Esta próxima fase é conduzida em um ambiente onde o paciente pode deambular, ingerir líquidos e urinar sob a supervisão de profissionais de saúde.
A alta para casa pode ser avaliada pela escala de Chung15-17, e o paciente deve obter nove ou dez pontos para ser liberado (Tabela 3). Nesta escala pode ser eliminada a necessidade de o paciente urinar e de se alimentar no hospital, permitindo alta precoce. No caso de bloqueio espinhal, o paciente só deve ser liberado para casa após a micção, pois apenas após esse evento está demonstrado que não existe mais bloqueio motor ou simpático. Todos os pacientes devem ser liberados com acompanhante adulto responsável, que o conduza o paciente à casa e permaneça com ele durante a noite. Devem ser dadas orientações verbais e por escrito a ambos sobre o pós-anestésico, incluindo a observância de não operar máquinas, dirigir automóveis e tomar decisões importantes por 24 horas. A anestesia raramente interfere na fase III, que é efeito direto do ato cirúrgico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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