ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Desnutrição versus obesidade: o paradoxo nutricional
Joel Alves Lamounier; Enio Cardillo Vieira; Ennio Leao
Recentemente a mídia divulgou os resultados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (2002-2003) do IBGE mostrando que, em 2003, o excesso de peso afetava 41,1% dos homens e 40% das mulheres, correspondendo a 38,8 milhões de brasileiros adultos. O mais intrigante é que a sua freqüência na população supera em oito vezes o déficit de peso entre as mulheres e em quinze vezes o da população masculina. Num universo de 95,5 milhões de pessoas de 20 anos ou mais de idade há 3,8 milhões de pessoas (4,0%) com déficit de peso e 38,8 milhões (40,6%) com excesso de peso, das quais 10,5 milhões são consideradas obesas. Esse padrão se reproduz, com poucas variações, na maioria dos grupos populacionais analisados no País. A população adulta brasileira, quando observada de forma coletiva, apresenta taxa de desnutrição de 4%, compatíveis com os padrões internacionais. Taxas entre 3% e 5% são encontradas em todas as populações não expostas a deficiências nutricionais e quando os déficits excedem os 5% considera-se que a população está exposta a risco de desnutrição.
A maioria dos estudos sobre nutrição realizados no século passado se concentrou nos aspectos da desnutrição. Atualmente, nos países desenvolvidos e naqueles em desenvolvimento que se encontram no estágio de transição nutricional (entre os quais o Brasil), esses estudos começam a investigar e verificar uma redução na prevalência da desnutrição e um predomínio do excesso de peso em crianças e adolescentes, com uma taxa de incremento deste em 1% ao ano. No Brasil, estudo com amostra representativa de crianças e adolescentes, mostrou um aumento na prevalência de sobrepeso de 4,1% a partir de 1974-1975 para 13,9% em 1996-1997. Outro estudo, utilizando referências internacionais para a identificação de déficit de peso e excesso de peso (sobrepeso e obesidade), avaliou os dados referentes a crianças e adolescentes de 6 a 18 anos de idade, oriundos de inquéritos epidemiológicos representativos da população. A análise de tendência para períodos distintos referentes ao Brasil (1975 e 1997), China (1991 e 1997), Rússia (1992 e 1998), e EUA (1971-1974 e 1988-1994) mostrou o estágio de transição nutricional em que se encontra a população brasileira. Neste estudo, a prevalência de excesso de peso triplicou no Brasil entre 1974 e 1997, passando de 4,1% para 13,9%; enquanto que a prevalência de déficit ponderal apresentou um declínio acentuado, reduzindo-se para quase a metade, passando de 14,8% para 8,6%. Essas alterações foram mais acentuadas no Brasil do que nos outros países participantes do estudo. Outro aspecto importante é que as crianças vêm se tornando cada vez mais vulneráveis ao excesso de peso, numa versão "júnior" da epidemia global da obesidade adulta, inclusive com a presença de diabetes mellitus tipo 2 cada vez mais frequente entre crianças e adolescentes, num padrão da tendência crescente. O excesso de peso nessa faixa etária tem-se associado com vários fatores de risco cardiovasculares, incluindo dislipidemia, hipertensão arterial, resistência à insulina e aterosclerose precoce.
Assim, podemos estar num país onde os dois extremos da má nutrição - desnutrição pela carência e obesidade pelo excesso - compartilham do mesmo cenário. O combate à fome tem justificativa visto que ainda existem bolsões de pobreza com desnutrição. Por outro lado, famílias tendem a incluir na alimentação alimentos de elevado valor calórico, em geral, de menor custo. A questão poderia ser vista sob o ângulo de falta de informação nutricional, o que requer enfoque na promoção da educação e não na distribuição de alimentos. Outra questão também é distribuição de renda de forma cruel, concentrada a maior parte nas mãos de uma pequena parcela da população. Estes são fatores que devem ser considerados numa análise mais profunda da questão nutricional e de suas implicações na saúde da população Brasileira. Fome zero e obesidade zero devem ser parte de uma mesma política que passa por um programa de educação nutricional e melhor distribuição de renda, para que as famílias possam ter melhor conhecimento e mais acesso aos alimentos de qualidade nutricional.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF 2002-2003. Disponível em:< http://www.ibge.gov.br> Acesso em: 03/01/2005
Joel Alves Lamounier
Enio Cardillo Vieira
Ennio Leão
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