RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 14. 4

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Artigos Originais

O espessamento da membrana basal do epitélio amniótico e as síndromes hipertensivas durante a gestação

The amniotic epithelium basal membrane thickening and hypertensive syndromes during pregnancy

Aline Santa Cruz Belela1; Rosana Rosa Miranda Corrêa1; Marina Carvalho Paschoin2; Mara Lúcia Fonseca Ferraz3; Marlene Antônia dos Reis4; Vicente de Paula Antunes Teixeira5; Eumenia Costa da Cunha Castro6

1. Bolsistas de Iniciação Científica, alunas do Curso de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro
2. Médica da disciplina Ginecologia Obstetrícia, da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro
3. Bióloga da disciplina Patologia Geral, da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro
4. Professora Adjunta da disciplina Patologia Geral, da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro
5. Professor Titular da disciplina Patologia Geral, da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro
6. Professora Adjunta da disciplina Patologia Geral, da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro

Endereço para correspondência

Eumenia Costa da Cunha Castro
Avenida Frei Paulino, 30, Bairro Abadia
38025-180 - Uberaba - MG
Telefone: (34)3318-5428 Fax: (34)3318-5846
email: : eumenia.pat@dcb.fmtm.br

Data de Submissão: 27/02/03
Data de Aprovação: 06/08/04

Departamento de Ciências Biológicas da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro.

Resumo

Existem estudos sugerindo a associação entre o espessamento da membrana basal do epitélio amniótico (MBEA) e as intercorrências maternas e fetais.
OBJETIVOS: Neste estudo avaliamos a espessura da MBEA em pacientes com hipertensão durante a gestação.
MÉTODOS: Utilizamos 66 placentas, 46 de pacientes hipertensas e 20 controles. Após os exames macroscópico e microscópico, foi realizada a análise morfométrica.
RESULTADOS: A espessura da MBEA foi maior nas pacientes com síndromes hipertensivas durante a gestação, comparadas às do grupo controle (p=0,04); nas placentas com inflamação associada à hipertensão e nas placentas com alteração morfológica placentária (AMP) compatível com hipertensão e hipóxia perinatal.
CONCLUSÕES: O espessamento da membrana basal do epitélio amniótico mostrou associação com às síndromes hipertensivas durante a gestação e deve ser mais um parâmetro a ser utilizado para avaliação das lesões placentárias relacionadas as síndromes hipertensivas durante a gestação.

Palavras-chave: Placenta; Hipertensão; Membrana basal; Complicações cardiovasculares na gravidez

 

INTRODUÇÃO

A moléstia hipertensiva representa a entidade clínica que determina maior mortalidade perinatal, acarretando ainda substancial aumento na morbidade perinatal devido à hipóxia intra-uterina1.

De acordo com o "Report of the National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Pregnancy"2, as síndromes hipertensivas que ocorrem durante a gestação são classificadas em Hipertensão Crônica, Pré-eclâmpsia/Eclâmpsia, Pré-eclâmpsia Sobreposta à Hipertensão Crônica e Hipertensão Gestacional.

Vários tipos de alterações morfológicas têm sido descritas nas placentas de gestantes hipertensas, incluindo aumento dos nós sinciciais, aumento do número de enfartes placentários, necrose vilositária, necrose fibrinóide acompanhada pelo acúmulo de lipídios em células da parede das arteríolas deciduais maternas e espessamento da membrana basal do trofoblasto3.

O aumento da espessura da membrana basal do epitélio amniótico (MBEA) tem sido descrito na literatura e associa-se a intercorrências maternas ou fetais4-6. Wang et al.4 relataram alterações do epitélio amniótico em pacientes diabéticas. Em seguida, outro estudo demonstrou que a placenta de fetos com hidropsia fetal acentuada apresentava espessamento lamelar da MBEA5. Além disso, em pacientes apresentando oligodrâmnio foi encontrado espessamento da MBEA4,7. Em estudos experimentais, realizados em ratos, demonstrou-se o espessamento da MBEA em gestações prolongadas6.

O presente estudo objetivou avaliar a espessura da MBEA de placentas em partos realizados no Hospital Escola da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (HE-FMTM) e associá-la à hipertensão durante a gestação.

 

MATERIAL E MÉTODO

Foram utilizadas 66 placentas de partos realizados no Hospital Escola da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, Uberaba, Minas Gerais (HE-FMTM), coletadas durante os anos de 2000 e 2001. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, no dia 17 de agosto de 2001 (número do parecer: 0201). Foram colhidas 46 placentas de pacientes com o diagnóstico clínico e laboratorial de síndrome hipertensiva durante a gestação. Como grupo controle, utilizaram-se 20 placentas de pacientes sem alterações clínicas, laboratoriais ou morfológicas placentárias, coletadas durante o mesmo período. Foram excluídas todas as placentas com "diagnóstico diferente de hipertensão". Procedeu-se à revisão dos prontuários de todas as pacientes que tiveram as placentas examinadas com o objetivo de colher as informações relativas à idade e à paridade materna; o sexo, a idade gestacional e o peso da criança; a gestação única ou gemelar e as intercorrências maternas e fetais. Depois de coletadas, as placentas foram classificadas de acordo com os critérios do "Report of the National High Blood Pressure Education Program in High Blood Pressure" em cinco grupos: Hipertensão Crônica, Pré-eclâmpsia/Eclâmpsia, Pré-eclâmpsia Sobreposta à Hipertensão Crônica e Hipertensão Gestacional2. As placentas foram analisadas de acordo com os protocolos de Driscoll e Langston (1991)8 e Benirschke e Kaufmann (1995)9. Após a análise macroscópica, foram colhidos os seguintes fragmentos placentários: dois fragmentos do cordão umbilical, um da membrana amniótica, um fragmento do disco placentário próximo à inserção do cordão umbilical e sete outros fragmentos colhidos aleatoriamente. Cada fragmento foi dividido em três outros que foram submetidos à fixação pelo formaldeído tamponado a 10%. O fragmento coletado próximo à inserção do cordão umbilical foi utilizado para a medida da espessura da MBEA, pois é o local placentário com fluxo sangüíneo mais estável, afastando-se possíveis erros na interpretação dos achados devido à eventos hipóxicos não relacionados com a doença materna estudada. O material foi incluído em parafina e processado para a análise histoquímica. Foram realizadas as colorações da Hematoxilina-Eosina (H&E) e o Ácido Periódico de Schiff (PAS), para posterior análise morfológica e morfométrica. As medidas foram realizadas utilizando-se uma câmara de vídeo acoplada a um microscópio de luz comum, que enviava as imagens do microscópio a um sistema analisador de imagens interativo (KS300 Zeiss'). Utilizou-se o aumento de 40 vezes para estas medidas. A espessura da MBEA de cada placenta foi estimada, fazendo-se na membrana basal 100 medidas, distribuídas uniformemente pelo epitélio amniótico (Figura 1). A média aritmética destas medidas foi considerada a espessura da membrana basal de cada placenta. As distribuições normais e com variâncias semelhantes foram analisadas utilizando-se testes paramétricos, o teste "t" de Student e a análise de variância. Caso contrário, foram utilizados testes não paramétricos, o teste de Mann-Whitney e o teste de Kruskal-Wallis. As proporções foram comparadas pelo teste do c2, acompanhado do teste exato de Fisher. Foram consideradas estatisticamente significantes as diferenças em que "p" foi menor que 5% (p<0,05).

 

RESULTADOS

Da análise das 66 placentas de partos realizados no HEFMTM, a média de idade das mães com síndromes hipertensivas foi de 25 ± 6,6 anos e as do grupo controle, de 23 ± 6 anos, sendo que tinham idade igual ou inferior a 18 anos sete (35%) pacientes do grupo controle e seis (13%) pacientes hipertensas. A média da idade gestacional no grupo controle foi de 39 ± 2,2 semanas, e a do grupo de síndromes hipertensivas foi 36,6 ± 3,8 semanas (p=0,01). O peso dos recém-nascidos foi estatisticamente menor nas mulheres que apresentaram pré-eclâmpsia (p<0,009).

A espessura da MBEA foi maior nas placentas das 46 (69,7%) mulheres com síndromes hipertensivas quando comparadas com as 20 (30,3%) mulheres do grupo controle (p=0,04). Na descrição das síndromes hipertensivas, o tipo mais freqüente foi a pré-eclâmpsia (37,8%), seguida de hipertensão gestacional (22,7%), pré-eclâmpsia superajuntada à hipertensão crônica (6%) e hipertensão crônica (3%). A espessura da MBEA foi maior nos casos em que as mulheres apresentaram pré-eclâmpsia superajuntada à hipertensão crônica (Tabela 1, Figuras 1 e 2).

 

 

 


Figura 1 - Fotomicrografia da membrana basal (seta larga) do epitélio amniótico (MBEA) de placenta do grupo controle (PAS, 81,25x).

 

 


Figura 2 - Fotomicrografia da membrana basal do epitélio amniótico (MBEA) de placenta do grupo de pacientes com síndrome hipertensiva (PAS, 81,25x).

 

A espessura da MBEA foi maior nas placentas em que foi encontrado infiltrado inflamatório como alteração patológica placentária, associada a hipertensão clínica, seguida dos casos em que havia alteração patológica compatível com hipertensão na placenta, associada a hipertensão clínica e hipóxia perinatal (p=0,297) (Tabela 2).

 

 

DISCUSSÃO

A hipertensão durante a gestação é a maior causa da morbimortalidade materna e fetal tanto em países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento, ocorrendo em aproximadamente 10% de todas as gestações10. O peso dos filhos de mães hipertensas é menor do que o das não-hipertensas10. Em nosso trabalho esta relação também foi encontrada, sendo estatisticamente significante.

O espessamento da MBEA apresentou associação estatisticamente significante com síndromes hipertensivas durante a gestação, podendo ser mais um parâmetro a ser avaliado nos estudos morfológicos da placenta de mães hipertensas.

Segundo Fox11, o espessamento da MB do epitélio trofoblástico que recobre as vilosidades placentárias em pacientes hipertensas ou com qualquer alteração do fluxo placentário seria uma conseqüência da hiperplasia do sinciciotrofoblasto devido à hipóxia. Os componentes da MB são, em parte, secretados pelas células do citotrofoblasto cuja proliferação aumentada em resposta a danos isquêmicos estaria acompanhada de um aumento da produção dos componentes da MB12.

No grupo de pacientes com hipertensão gestacional, o maior espessamento da membrana basal do epitélio amniótico ocorreu nas pacientes que tinham associado o diagnóstico de vilosite. Em estudo realizado no mesmo serviço, constatou-se um maior espessamento da membrana basal em pacientes com processos inflamatórios na placenta13. Uma possível explicação para o maior espessamento da MB associado a inflamação, encontrada na literatura, seria a não-destruição da MB do epitélio amniótico após a sua necrose, ocorrendo duplicação da membrana basal. A explicação para a não-destruição da membrana basal seria que esta permaneceria intacta para servir de suporte para a reposição celular, permanecendo como remanescente e aumentando a espessura da membrana14,15. A morte celular do epitélio amniótico seria causada por um processo inflamatório16-18.

Há amplas evidências de que a pré-eclâmpsia pode ocorrer em mulheres que já eram hipertensas antes da gestação (hipertensão crônica), em cujos casos os prognósticos materno e fetal são piores2. A gravidade das lesões encontradas nas pacientes com síndromes hipertensivas durante a gestação está relacionada ao tempo de duração e à gravidade da hipertensão11. Em nossos dados, a espessura da MBEA foi maior nas mulheres que apresentaram pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica, estando de acordo com o que foi encontrado na literatura.

Durante o exame anatomopatológico das placentas, procuramos avaliar as alterações dos vasos maternos localizados na decídua. As arteríolas espiraladas, localizadas na região mais interna do miométrio, são aquelas onde encontramos mais freqüentemente alterações, e estas, na maioria das placentas, não estão presentes após o seu desprendimento da parede uterina. Sendo assim, foram diagnosticadas as conseqüências da hipertensão materna, mas não as causas do baixo fluxo placentário. Este fato aumenta o valor de nossos achados, pois o epitélio amniótico está acessível para exame na maior parte das placentas, aumentando a chance de uma melhor correlação anatomoclínica.

A importância do exame anatomopatológico dos anexos fetais (placenta, cordão umbilical e as membranas) vem sendo reconhecida de forma crescente em todo o mundo, já há vários anos. Como órgão fetal, a placenta está exposta às mesmas influências do ambiente intra-uterino e a inúmeras agressões, de natureza diversa, que atingem o concepto. Como é consenso entre os estudiosos, seu exame contribui de maneira importante para o diagnóstico de muitas doenças e para o esclarecimento de causa de morte no período neonatal19.

 

CONCLUSÃO

Portanto, o espessamento da MBEA associou-se significativamente à hipertensão durante a gestação. Essa associação, é mais um parâmetro a ser avaliado entre as alterações que podem ser encontradas no exame anatomopatológico das placentas de mulheres com síndromes hipertensivas durante a gestação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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