ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Incidência de suicídio entre idosos brasileiros
Incidence of suicide in brazilian elderly
Ana Cristina Catão Alves Miranda1; Angelo José Gonçalves Bós2
1. Médica clínica geral, especialista em Geriatria pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia/PUCRS
2. Professor Adjunto do IGG/PUCRS, Doutorado em Saúde Comunitaria pela Universidade de Tokai, Japão
Ana Cristina Catão Alves Miranda
Rua Santo Antônio, 51 - Centro
36480-000 Piranga-MG
Fax: (31) 3746-1769
E-mail: anacatao@ligbr.com.br
Data de Submissão: 31/07/03
Data de Aprovação: 23/07/04
Instituto de Geriatria e Gerontologia/ Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Resumo
OBJETIVO - Apesar das altas taxas de suicídio observadas na população idosa dos países desenvolvidos, ainda não há dados disponíveis sobre este evento na população idosa brasileira. Este trabalho tem como objetivo determinar as taxas de suicídio entre os idosos no Brasil.
MÉTODOS - Através da análise de dados do Sistema de Informações de Mortalidade do SUS no ano 2000 e do Censo 2000, foram calculadas as taxas de mortalidade por suicídio no Brasil e separadas por faixa etária. Foram considerados suicídios os óbitos classificados como "Lesões Autoprovocadas Intencionalmente" (CID X-60 a X-84), dentro do capítulo Causas Externas de Morbidade e Mortalidade do CID-10.
RESULTADOS - As taxas de mortalidade por suicídio encontradas na população idosa foram: 60 a 69 anos - 6,587/100.000 habitantes, 70 a 79 anos - 7,430/100.000 habitantes, 80 anos ou mais - 6,768/100.000 habitantes. A taxa de suicídio na população geral foi de 3,981/100.000 habitantes.
CONCLUSÕES - Os números encontrados mostraram que, também no Brasil, o suicídio é mais freqüente na população idosa, atingindo quase o dobro da média nacional.
Palavras-chave: Suicídio; Depressão; Idosos; Coeficiente de mortalidade
INTRODUÇÃO
O envelhecimento da população é um fenômeno já observado nos países desenvolvidos há várias décadas e que agora vem ocorrendo também nos países em desenvolvimento. No Brasil, a participação da população com mais de 60 anos, na população total, dobrou nos últimos 50 anos, passando de 4%, em 1940, para 9% no ano 20001, e projeções recentes indicam que este segmento poderá ser responsável por quase 15% da população brasileira em 2020.
Esse envelhecimento populacional apresenta padrões semelhantes em diversas sociedades, e um evento importante tem chamado a atenção dos pesquisadores em geriatria e gerontologia: o grande número de suicídios ocorridos na terceira idade. Elevadas taxas de suicídio têm sido observadas na população idosa de diversos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos da América, anualmente, mais de 8.000 pessoas com mais de 60 anos de idade cometem suicídio, representando 25% do total de suicídios naquele país2. Embora a população acima de 65 anos represente, aproximadamente, 11% da população norteamericana, 17% de todos os suicídios ocorrem nesta faixa etária3. Pesquisas em diversos países industrializados têm mostrado números semelhantes aos constatados nos Estados Unidos da América2-5 e têm revelado, também, tendência ao aumento progressivo destes números devido ao envelhecimento da população.
No Brasil, o suicídio entre idosos ainda é pouco estudado. Em levantamento realizado na base de dados LILACS, em março de 2004, não foram encontrados artigos publicados em revistas indexadas do Brasil ou da América Latina que tratassem especificamente do suicídio nesse grupo etário. A população brasileira apresenta características econômicas e socioculturais diversas dos países desenvolvidos, como distribuição de renda, estrutura familiar e religiosidade, fatores que podem determinar diferenças em relação às taxas de suicídio observadas nos estudos realizados nesses países. Este trabalho tem como objetivo determinar as taxas de suicídio na população idosa brasileira, comparando-as com aquelas descritas na literatura mundial.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Foi realizada pesquisa referente à mortalidade por suicídios no Brasil, no ano 2000, por meio de levantamento na base de dados do SIM - Sistema de Informação de Mortalidade4, acessível no site www.datasus.gov.br e na base de dados do Censo 20005, acessível em www.ibge.gov.br. Foram considerados suicídios todos os diagnósticos encontrados no CID-106 como lesões autoprovocadas intencionalmente (CID X60 a CID X84), dentro do capítulo Causas Externas de Morbidade e Mortalidade.
As taxas de incidência de suicídio no Brasil foram calculadas através da seguinte fórmula:
Taxa de suicídio =
As taxas foram calculadas também por faixa etária, permitindo-nos comparar dados entre diversos segmentos da população.
RESULTADOS
Foram encontrados 6.760 óbitos ocasionados por suicídio no Brasil, no ano 2000, em uma população total de 169.799.170 habitantes. A taxa de mortalidade por suicídio calculada para a população brasileira foi de 3,98 óbitos por cada grupo de 100.000 habitantes.
Da mesma forma, foram calculadas as taxas de mortalidade por suicídio nas seguintes faixas etárias: 5 a 9 anos, 10 a 14 anos, 15 a 19 anos, 20 a 29 anos, 30 a 39 anos, 40 a 49 anos, 50 a 59 anos, 60 a 69 anos, 70 a 79 anos e acima de 80 anos de idade.
Os resultados encontram-se na Tabela 1.
O Gráfico 1 mostra as taxas de mortalidade encontradas nas diferentes faixas etárias.
DISCUSSÃO
Comparadas aos dados de países europeus e norte-americanos, onde são encontradas taxas de suicídio de até 70 óbitos/100.000 habitantes, as taxas de suicídio no Brasil no ano 2000 não foram elevadas. Segundo a classificação de mortalidade por suicídio de Diekstra e Gulbinat7, a mortalidade por suicídio é considerada baixa quando os coeficientes são menores que cinco óbitos/100.000 habitantes; média, quando os coeficientes se situam entre cinco e 15 óbitos/100.000 habitantes; alta, entre 15 e 30 óbitos/100.000 habitantes; e muito alta, quando os coeficientes são de 30 óbitos/100.000 habitantes ou maiores.
Dessa forma, a mortalidade por suicídio na população total brasileira pode ser considerada baixa e as taxas de mortalidade na população idosa podem ser consideradas como médias. Entretanto, um dado que chama a atenção é a taxa de mortalidade por suicídio na população entre 70 e 79 anos de idade: 7,43 óbitos por 100.000 habitantes, a maior taxa de suicídio na população brasileira. Também nas faixas etárias de 60 a 69 anos e acima de 80 anos as taxas de suicídio são elevadas (6,58 e 6,76 óbitos por 100.000 habitantes, respectivamente). Se compararmos esses valores à taxa de suicídios na totalidade da população brasileira, que foi de 3,98 óbitos por 100.000 habitantes, veremos que, também no Brasil, o suicídio em idosos apresenta grande relevância: as taxas encontradas entre grupos mais idosos foram quase o dobro da média nacional observada.
Esses resultados são proporcionalmente comparáveis àqueles descritos na literatura mundial. Entre todos os grupos etários, idosos com 75 anos ou mais têm as mais altas taxas de suicídio na maioria dos países industrializados4. Homens idosos brancos têm a maior taxa de suicídio nos Estados Unidos, com taxas entre 40 a 75 suicídios/100.000 habitantes por ano, comparadas com apenas 27 suicídios/100.000 habitantes por ano entre jovens brancos, a segunda maior taxa2. Lantz relata taxa de suicídio de 67,6/100.000 habitantes entre idosos de raça branca nos Estados Unidos, o que corresponde a cinco vezes a média nacional5. Em estudo multicêntrico realizado em dez cidades européias, no período de 1989 a 1993, De Leo et al.8 observaram que a incidência de suicídios aumentava progressivamente com o aumento da idade, sendo as mais altas taxas de suicídio observadas naqueles com mais de 74 anos de idade.
Poucos dados estão disponíveis sobre a prevalência de suicídio entre idosos no nosso país. Alguns estudos que abordam o suicídio na população brasileira, relacionandoo, muitas vezes, a fatores como nível socioeconômico ou aumento da violência, permitem-nos traçar um esboço desta realidade em nosso meio.
Estudo realizado por Marín-Léon e Barros9 mostra que as taxas de suicídio entre a população com mais de 55 anos de idade na cidade de Campinas, SP, no período de 1980 a 1985, foram de dez óbitos por 100.000 habitantes na população masculina e de 3,1 óbitos por 100.000 habitantes na população feminina. Já no período de 1997 a 2000, foram de 5,06 e de 1,25 óbito por 100.000 habitantes no sexo masculino e no feminino, respectivamente.
Por outro lado, estudo realizado por Souza et al.9 no estado do Rio de Janeiro, avaliando a mortalidade de idosos relacionada à violência, mostrou que, no grupo com 60 anos de idade ou mais, o suicídio representou 3,4% da mortalidade por causas externas no ano de 1980, e 2,1% no ano de 1994. As principais causas de morte neste estudo foram os acidentes de trânsito, de transportes e as quedas.
Em trabalho sobre mortalidade por causas externas na população idosa10, desenvolvido pelo Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli - CLAVES, observou-se que as mortes por suicídio corresponderam a 6,7% das mortes por causas externas entre idosos no Brasil, no ano de 1980. No ano de 1998, o número de mortes por suicídio encontrado foi de 7,8% do total de óbitos por causas externas. Esse estudo revelou também que as cidades de Curitiba e Porto Alegre são as capitais que apresentam as maiores proporções de suicídios na população idosa. Em Curitiba, observou-se que 16,3% das mortes por causas externas entre idosos, no ano de 1998, foram devidas ao suicídio; já em Porto Alegre, os valores encontrados foram de 10,9%, em 1980, e de 15,8%, em 1998.
Os números acima, embora reflitam apenas aspectos regionais, revelam-nos uma realidade preocupante: também no Brasil, o suicídio é uma importante causa de morte entre os idosos.
CONCLUSÃO
Os números sobre o suicídio entre idosos mostram um cenário alarmante. Apesar desses dados, principalmente aqueles que dizem respeito ao Brasil, ainda serem insuficientes para a compreensão deste fenômeno em sua totalidade, eles alertam para a necessidade de se dar mais atenção ao risco de suicídio entre idosos.
Novos estudos ainda são necessários sobre este tema. Assim como já está sendo feito em países europeus e na América do Norte, devem-se investigar os principais fatores determinantes para o suicídio entre idosos no Brasil. É importante avaliar aspectos particulares de nossa realidade, como condições socioeconômicas, estrutura familiar e social, presença de comorbidades como depressão, cardiopatias, doenças neurológicas, acesso aos serviços de saúde, possibilidades de lazer, espiritualidade etc.
A partir dessa avaliação mais ampla, poderão ser determinados fatores de risco importantes em nossa população e, dessa forma, traçadas estratégias para a detecção precoce das tendências suicidas e para a prevenção deste evento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- Camarano AM. Envelhecimento da população brasileira: uma contribuição demográfica. In: Freitas EV, Py L, Néri AL, Cançado FAX, Gorzoni ML, Rocha SM. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 58-71.
2- Frierson RL. Suicide attempts by the old and the very old. Arch Intern Med 1991;151:141-4.
3- Blazer D G, Bachar J R, Manton K G. Suicide in late life: review and commentary. J Am Geriatr Soc 1986;34:519-25.
4- Sistema de Informação de Mortalidade. Disponível em: http://www.datasus.gov.br . Acesso em: 29 out. 2003.
5- 7. IBGE. Censo. 2000. [Citado em 29 out. 2003]. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/estatistica/população/censo2000/tabelabrasil111.shtm
6- Organização Mundial de Saúde. CID-10. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. Décima revisão; tradução Centro colaborador da OMS para classificação de doenças em português. 5ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; 1997.
7- Marin-Léon L; Barros MBA. Mortes por suicídio: diferenças de gênero e nível socioeconômico. Rev Saúde Pública 2003;37:357-63.
8- De Leo D. Attempted and completed suicide in older subjects: results from the WHO/EURO multicentre study of suicidal behavior. Int J Geriatr Psychiatry 2001;16:300-10.
9- Souza ER. Extremo da vida sob a mira da violência: mortalidade de idosos no estado do Rio de Janeiro. Gerontologia 1998;6:66-73.
10- CLAVES/ENSP - Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli. Mortalidade por causas externas em idosos no Brasil, estados e capitais de regiões metropolitanas.[Citado em: 22 out. 2003] Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/epi/ntransmi/epintransmi_estudos.htm>.
Copyright 2023 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License