RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 14. 4

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Relato de Caso

Paquidermoperiostose: relato de caso

Pachydermoperiostosis: case report

Ricardo C. Lage1; Carlos A.S. Bomtempo2; Gilda A. Ferreira3; Marco Antônio P. Carvalho4

1. Residente (R2) do Serviço de Reumatologia do HC/UFMG
2. Mestrando do Serviço de Reumatologia do HC/UFMG
3. Mestre em Reumatologia, preceptora do Serviço de Reumatologia do HC/UFMG
4. Prof. Adjunto, Doutor, Chefe do Serviço de Reumatologia do HC/UFMG

Endereço para correspondência

Serviço de Reumatologia
Alameda Álvaro Celso, 179 Santa Efigênia
Ambulatório Bias Fortes, 2∞ andar
Belo Horizonte-MG CEP: 30150260
Tel: 32489532 Fax: 32267681
e-mail: ricolage@ig.com.br

Data de Submissão: 31/07/03
Data de Aprovação: 13/01/04

Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo

A paquidermoperiostose, forma primária da osteoartropatia hipertrófica, é doença rara de etiologia desconhecida e incidência familiar, caracterizada por periostose de ossos longos e alterações hipertróficas da pele. As manifestações articulares ocorrem em 30% a 40% dos casos e podem ser a principal queixa do paciente. Neste artigo, é relatado o caso de paciente jovem, do sexo masculino, encaminhado ao reumatologista com dor e derrame em joelhos e tornozelos. Foram observadas ainda acne na face, acentuação das pregas cutâneas na região frontal, ptose bipalpebral, alongamento dos dedos das mãos e baqueteamento digital. As radiografias dos ossos longos dos membros superiores e inferiores evidenciaram periostose. Iniciou-se piroxican 20mg/dia, com melhora das manifestações articulares, entretanto essa medicação foi suspensa devido a hemorragia digestiva alta. Prescreveu-se, então, prednisona 10 mg/dia, com boa resposta.

Palavras-chave: Osteoartropatia hipertrófica primária / diagnóstico; Osteoartropatia hipertrófica primária / quimioterapia

 

INTRODUÇÃO

A paquidermoperiostose, forma primária da osteoartropatia hipertrófica (OAH), é uma síndrome caracterizada pela presença de alterações hipertróficas da pele e proliferação periostal de ossos longos. É uma doença rara, que representa 3% a 5% dos casos de OAH, sendo assim denominada por causa de suas alterações cutâneas mais exuberantes (paquidermia)1-3. A forma secundária da OAH, muito mais freqüente, pode ser generalizada ou localizada, dependendo da doença de base associada. As cardiopatias congênitas cianogênicas, as neoplasias primárias ou metastáticas dos pulmões e as infecções pulmonares predominam entre essas doenças4,5.

O conhecimento da paquidermoperiostose é importante, pois pode haver confusão diagnóstica com doenças que abrangem diferentes especialidades médicas, como a hanseníase e a acromegalia. A observação de baqueteamento digital e periostose radiográfica constitui a chave para o seu diagnóstico5.

Neste artigo, é relatado o caso de paciente jovem, masculino, cuja queixa principal era artrite de membros inferiores.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 25 anos de idade, melanodérmico, apresentou, em 1997, dor e derrame articular nos joelhos e tornozelos, sem calor ou redução da amplitude de movimento. O exame da face evidenciou espessamento e oleosidade da pele, acnes extensas, bléfaroptose bilateral e acentuação do pregueamento cutâneo da região frontal. A avaliação das extremidades revelou antebraços e pernas alargados distalmente, quirodáctilos alongados e baqueteamento digital, sendo essas as primeiras alterações notadas pelo paciente em torno dos 16 anos (Figura 1). As radiografias de ossos longos evidenciaram periostose (Figura 2). Os exames complementares, como hemograma, velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa e radiografia de tórax foram normais; o fator reumatóide foi negativo e a análise do líquido sinovial mostrou padrão não inflamatório. O exame histopatológico da pele demonstrou derme profunda e hipoderme com degeneração mucóide e feixes de colágeno espesso, associados a discreto infiltrado inflamatório mononuclear, perivascular e folicular, compatível com paquidermoperiostose (Figura 3)6. A propedêutica para acromegalia, doença da tireóide (acropatia tireóidea) e hanseníase foi negativa, assim como não houve evidência de outra afecção associada. A investigação familiar revelou-se negativa para doenças reumáticas. Iniciou-se piroxican 20mg/dia, com melhora das manifestações articulares, suspendendo-se a medicação devido à hemorragia digestiva alta grave. Prescreveu-se, então, prednisona 10mg/dia, e o paciente mantém-se estável após quatro anos de acompanhamento.

 


Figura 1 - A) Face com alterações hipertróficas da pele, acentuação do pregueamento cutâneo da regiao frontal e bléfaroptose bilateral. B) Alargamento dos punhos e baqueteamento digital. C) Alongamento dos dedos das mãos.

 


Figura 2 - A) Radiografia dos ossos da perna em AP, mostrando espessamento cortical e periostose. B) Detalhe da radiografia anterior, mostrando proliferação periostal na tíbia e na fíbula esquerdas (setas).

 

 


Figura 3 - A) Corte histológico da pele da região frontal, mostrando derme profunda, com feixes de colágeno espesso. B) Espessamento dos septos interadiposos na hipoderme (seta). C) Maior aumento mostrando depósito de material mucinoso na derme (seta).

 

DISCUSSÃO

As primeiras descrições da OAH datam de mais de um século, mas o reconhecimento da forma primária (paquidermoperiostose) é atribuída a Touraine et al7, em 1935. A etiologia da paquidermoperiostose não é ainda muito conhecida, mas membros da mesma família são acometidos em cerca de 40% dos casos, sendo descrita herança autossômica dominante com penetração variável. Predomina no sexo masculino (9:1) e há distribuição bimodal de início dos sintomas, com um pico no primeiro ano de vida e outro na puberdade1,4,8. No caso em questão, as manifestações iniciaram-se por volta dos 16 anos de idade.

A patogênese da OAH não está bem esclarecida. As principais hipóteses baseiam-se em estudos de indivíduos com cardiopatias cianogênicas. Distúrbio da interação plaqueta-endotélio com liberação de fatores de crescimento de fibroblastos, capazes de provocar proliferação periostal e aumento do tecido conjuntivo cutâneo parece ter papel chave no desenvolvimento da síndrome. O shunt direita-esquerda, presente nesses pacientes, impediria a fragmentação de plaquetas que ocorre normalmente na circulação pulmonar. As plaquetas não-fragmentadas, em contato com o endotélio, liberariam fatores de crescimento. Em indivíduos com paquidermoperiostose demonstrou-se aumento do nível sérico do antígeno do fator de Von Willebrand, um sinal de ativação plaquetária9,10.

O diagnóstico é feito pela observação de baqueteamento digital e de periostose radiográfica, além das alterações cutâneas que se manifestam por anormalidades glandulares (acne, hiperhidrose e seborréia) e alterações hipertróficas da pele (espessamento cutâneo da face, "pés de elefante", blefaroptose). Cutis verticis gyrata representa o estágio mais avançado de hipertrofia e pregueamento cutâneo da região frontal e couro cabeludo, causando aspecto semelhante a giros cerebrais. As radiografias mostram, além da periostose, espessamento cortical dos ossos longos e, em alguns casos, acrosteólise, uma reabsorção de falanges distais de mãos e pés, conseqüencia de aumento da remodelação óssea3,5,8.

Na forma primária da OAH, o hemograma e a radiografia de tórax são, habitualmente, normais; o fator reumatóide e o fator antinuclear, negativos. As provas de atividade inflamatória são normais ou elevadas. No paciente em questão, toda a propedêutica mostrou-se normal.

A pesquisa de uma doença de base deve ser sempre considerada. A presença de emagrecimento, provas de atividade inflamatória elevada e clínica articular mais exuberante alertam para a forma secundária. O acometimento articular da paquidermoperiostose é, usualmente, pouco sintomático e ocorre em 30% a 40% dos casos, sendo os joelhos e tornozelos as articulações mais acometidas3,11. Os pacientes podem apresentar dor e calor nas extremidades dos ossos longos, próximas às articulações, onde ocorre proliferação periostal mais intensa. Normalmente, as efusões articulares não se devem a sinovite propriamente dita, e sim a reação simpática à periostose adjacente. O líquido sinovial, habitualmente, mostra padrão não inflamatório, com baixa contagem de leucócitos, como observado no caso em questão8.

A terapia mais eficaz em pacientes com a forma secundária de OAH consiste no tratamento da doença de base.

Nos casos de paquidermoperiostose, ou seja, na forma primária de OAH, os antiinflamatórios não hormonais, os corticosteróides e a colchicina parecem ser os agentes mais úteis no alívio dos sintomas articulares da enfermidade1,2,4. Estudos preliminares demonstraram benefício com dose única venosa de pamidronato na redução de sintomas a longo prazo2. No entanto, até o momento, o tratamento relatado parece não alterar o curso evolutivo da moléstia, habitualmente auto-limitado, com remissão na idade adulta.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Martinez-Lavín M. Hypertrophic Osteoarthropathy. In: Klippel JH, Dieppe PA, editors. Rheumatology. London: Gower Medical; 1994.

2- Guyot-Drouot MH, Solau-Gervais E, Cortet B, Deprez X, Chastanet P, Cotten A et al. Rheumatologic manifestations of pachydermoperiostosis and preliminary experience with bisphosphonates. J Rheumatol 2000;27:2418-23.

3- Vilela SA, Araújo CMS, Natour M, Fernandes ARC. Aspectos radiológicos da osteoartropatia hipertrófica primária. Rev Bras Reumatol 1996;36:103-5.

4- Altman RD, Tenenbaum J. Hypertrophic osteoarthropathy. In: Kelly WN, editor. Textbook of Rheumathology. Philadelphia: WB Saunders; 2001. p.1589-94.

5- Martinez-Lavín M, Cerinic-Martucci M, Jajic I, Pineda C. Hypertrophic osteoarthropathy: consensus on its definition, classification, assessment and diagnostic criteria. J Rheumatol 1993;20:1386-7.

6- Hambrick Jr GW, Carter DM. Pachydermoperiostosis. Arch Dermatol 1966;94:594-608.

7- Touraine A, Solente G, Gole L. Un syndrome osteodermopathique: la pachydermie plicature avec pachyperiostose des extremites. Presse Med 1935;43:1820-4.

8- Martinez-Lavin M, Pineda C, Valdez T, Cajigas JC, Weisman M, Gerber N et al. Primary hypertrophic osteoarthropathy. Sem Arthritis Rheum 1988;17:156-62.

9- Martínez-Lavín M. Digital Clubbing and hypertrophic osteoarthropathy: a unifying hypothesis. J Rheumatol 1987;14:6-7.

10- Martínez-Lavin M. Hypertrophic osteoarthropathy. Curr Opin Rheum 1997;9:83-6

11- Macedo LMG, Torminn FB, Gonçalves HAT, Nóbrega MB, Ferreira MS, Maia ABA et al. Paquidermoperiostose: relato de um caso e revisão da literatura. Rev Bras Reumatol 1990;30:67-70.