RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 14. 3

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Artigos de Revisão

Papel de mediadores endógenos na fisiopatologia da cirrose hepática

The role of endogenous mediators in the pathophysiology of hepatic cirrhosis

Marília de Oliveira e Silva1; Regina Maria Pereira2; Augusto Gonçalves Araújo3; Fabíola Madureira3; Marcelo Guerra Lopes3; Ana Cristina Simões e Silva4

1. Pediatra da Enfermaria e do CTI Infantil do Hospital das Clínicas da UFMG
2. Cirurgiã Pediátrica do Hospital das Clínicas da UFMG, Mestre em Pediatria pela Faculdade de Medicina da UFMG
3. Acadêmicos da graduação da Faculdade de Medicina da UFMG
4. Doutora em Pediatria pela Faculdade de Medicina da UFMG, Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da UFMG

Endereço para correspondência

Ana Cristina Simões e Silva
Rua Timbiras - 1364/1704 A
Belo Horizonte - MG CEP: 30140-061
E-mail: acssilva@hotmail.com

Data de Submissão: 02/01/03
Data de Aprovação: 27/12/03

Resumo

A cirrose hepática é o evento final das doenças hepáticas crônicas em pacientes adultos e pediátricos. Apesar de muitos estudos em relação ao desenvolvimento da fibrose hepática, o entendimento de sua etiopatogênese e fisiopatologia continua obscuro. Diversos mediadores, tais como componentes do sistema renina-angiotensina, o sistema nervoso simpático, a vasopressina os peptídeos natriuréticos, o sistema calicreína-cinina, a endotelina e o óxido nítrico podem estar envolvidos nesses mecanismos. Além disso, a abordagem terapêutica dos pacientes hepatopatas ainda é bastante limitada, contribuindo para o prognóstico reservado. Este artigo de revisão pretende discutir algumas evidências clínicas e experimentais relativas à participação destes mediadores endógenos na fisiopatologia da cirrose hepática.

Palavras-chave: Cirrose Hepática / Fisiopatologia; Sistema Renina-Angiotensina

 

INTRODUÇÃO

A cirrose consiste em alterações anatomopatológicas do fígado, que representam o estádio final de uma doença hepática crônica. A causa dessas alterações pode influenciar a gravidade e o curso clínico da doença, apresentando-se sob a forma compensada ou descompensada. Muitas doenças hepáticas crônicas, tanto em crianças quanto em adultos, podem progredir para cirrose1-3.

A forma de apresentação da doença hepática é muito variável, podendo, em determinada fase das alterações fisiopatológicas, ser silenciosa, tornando-se, posteriormente, sintomática1,3. Outra possibilidade é a ocorrência precoce dos sintomas, com rápido comprometimento da arquitetura e da função hepática, evoluindo para cirrose em curto período de tempo. Não é raro o diagnóstico da hepatopatia já em fase avançada, podendo, em algumas situações, manifestar-se como insuficiência hepática aguda grave, com prognóstico reservado1,3.

O fígado tem um papel chave na homeostase corporal através de suas funções de excreção, síntese e metabolismo. Participa do metabolismo intermediário através da regulação glicêmica (gliconeogênese, armazenamento e degradação do glicogênio), da síntese protéica (fatores de coagulação, proteínas do complemento, imunoglobulinas, proteínas constitutivas) e da b-oxidação e transporte dos lípides4. Apresenta também papel fundamental nos processos de digestão e absorção de nutrientes, através da produção e da excreção de enzimas e sais biliares4. Além disso, possui diversas funções hormonais, estando envolvido na síntese de hormônios esteróides, assim como na produção de angiotensinogênio, cininogênio e outros autacóides5. Dessa forma, quando acometido, pode produzir complicações em outros órgãos e sistemas, como a encefalopatia hepática e a síndrome hepatorrenal5.

O desenvolvimento de cirrose hepática está associado a inflamação e necrose do parênquima, levando a um total desarranjo de sua arquitetura. O processo inicia-se por fenômenos inflamatórios associados a alterações degenerativas (necrose). A partir daí, é deflagrada uma série de mecanismos que atuam na tentativa de regeneração do tecido lesado. Esse processo regenerativo acontece de forma anárquica, levando à deposição de colágeno com formação de nódulos, circundados por fibrose, gerando distorção, compressão e oclusão tanto da vascularização hepática quanto do sistema de drenagem biliar3. Apesar de haver muitos estudos em relação ao desenvolvimento da fibrose hepática, o entendimento de sua etiopatogênese continua obscuro. Diversos mediadores, tais como componentes do sistema renina-angiotensina (SRA)6,7, o sistema nervoso simpático (SNS)6, a vasopressina (AVP)9, os peptídeos natriuréticos8, o sistema calicreína-cinina (SCC)8, a endotelina (ET)10 e o óxido nítrico (NO)11 podem estar envolvidos nesses mecanismos. Além disso, a abordagem terapêutica desses pacientes hepatopatas ainda é bastante limitada, o que contribui para o prognóstico reservado1.

Nesse contexto, o presente artigo pretende discutir algumas evidências clínicas e experimentais relativas à participação destes componentes na fisiopatologia da cirrose hepática.

 

FISIOPATOLOGIA

A partir da instalação do processo de cirrose, ocorrem alterações na hemodinâmica hepática, caracterizadas por compressão venosa com aumento da resistência ao fluxo. Tais alterações são responsáveis pela hipertensão porta. Esta acaba por gerar vasodilatação venosa e formação de conexões portossistêmicos, intra e extra-hepáticas, com irrigação inadequada dos nódulos regenerativos. Esta vasodilatação ocorre principalmente no leito vascular esplâncnico, com aumento do diâmetro da veia porta11,12. O desenvolvimento de circulação colateral, em associação com a hipertensão porta, pode envolver tanto a abertura de vasos sangüíneos pré-formados quanto a neoformação vascular ou angiogênese. A presença de vasodilatação, shunts, ou ambos, pode levar ao desenvolvimento de circulação hiperdinâmica, que consiste em alterações hemodinâmicas caracterizadas por aumento do débito e da freqüência cardíaca, que se associam à diminuição da resistência vascular sistêmica e queda da pressão arterial11-13. A patogenia da circulação hiperdinâmica ainda é pouco compreendida, porém existem evidências que ela esteja associada a mecanismos locais e neuro-humorais envolvidos na regulação da hemodinâmica e da excreção de sódio. Tal processo ocorre em graus variáveis, de acordo com o estádio da doença hepática11-13.

A evolução da cirrose pode ser dividida em duas formas clínicas, conforme o estado fisiopatológico do paciente compensada ou descompensada. A Figura 1 resume a seqüência de eventos proposta em relação à hipótese mais aceita para a gênese da descompensação hepática, a vasodilatação periférica12.

 


Figura 1 - Hipótese de vasodilatação periférica (Adaptada de Schrier RW, Arroyo v, Bernardi M et al. 198812).

 

A maioria dos pacientes cirróticos compensados encontra-se sem ascite e têm um aumento da água corporal total, relacionado a uma expansão do volume do compartimento extracelular, conseqüente à retenção subclínica de sódio1,5,11. Segundo Blendis e Wong11, observou-se que, na posição ereta, estes pacientes têm débito cardíaco, resistência vascular sistêmica e atividade de renina plasmática semelhantes à de indivíduos saudáveis. Entretanto, após duas horas em posição supina, uma circulação hiperdinâmica torna-se evidente, por meio do aumento do débito cardíaco e diminuição da resistência vascular sistêmica. Os autores atribuem tais alterações a uma redistribuição do fluido corporal aumentado, na posição supina, para a circulação central. Esta redistribuição de volume sangüíneo está associada à diminuição da renina plasmática e dos níveis de aldosterona circulante, assim como ao relaxamento passivo da vasculatura central.

Em pacientes cirróticos compensados, o fluxo sangüíneo renal pode estar normal ou aumentado, associado à hiperfiltração glomerular11. Essa hiperfiltração glomerular tem patogenia complexa, sendo decorrente de múltiplas interações entre os sistemas de regulação. Muitos autores têm verificado a participação de inúmeros mediadores, tais como angiotensina II (Ang II), norepinefrina (NE), vasopressina (AVP), peptídeo atrial natriurético (ANP), bradicinina (BK) e prostaglandinas (PG), entre outros5,6,8,13. De modo geral, o aumento da filtração glomerular ocorre em fases precoces da doença hepática em decorrência de alterações na hemodinâmica dos vasos pré e pós-glomerulares. Observa-se, então, uma vasodilatação da arteríola aferente acoplada a uma vasoconstricção da eferente com conseqüente aumento da pressão de filtração pela maior pressão hidráulica transglomerular5,13. Nesse sentido, a ativação do sistema renina angiotensina (SRA) tem um papel chave.

Outros trabalhos têm mostrado que, tanto em pacientes cirróticos compensados quanto em modelos experimentais, o volume atrial direito tende a ser maior que o normal, sugerindo uma hipervolemia9,14. Além disso, os efeitos de uma expansão aguda do volume vascular estão exacerbados nesses pacientes. Assim, detecta-se aumento mais acentuado dos níveis de ANP no plasma dos cirróticos compensados comparados com indivíduos sadios em resposta a pequenas expansões volumétricas6,8.

Em contraste, os pacientes cirróticos descompensados geralmente apresentam ascite, vasodilação e hipotensão arterial, apesar dos níveis elevados de vasoconstritores circulantes como Ang II e NE6,11. Adicionalmente, nesses pacientes, o fluxo sangüíneo renal está invariavelmente reduzido devido à vasoconstrição da arteríola aferente. Sendo assim, não é sempre que a presença de circulação hiperdinâmica sistêmica está diretamente relacionada à vasodilatação de um leito específico11. Uma explicação para esses dados é a possibilidade de reatividade vascular alterada na cirrose. Há uma tendência de alguns leitos vasculares se tornarem mais vasoconstritos com a progressão da doença hepática. Isso pode ser atribuído a fenômenos de hiporreatividade vascular, variando com o estádio da doença hepática ou com as mudanças nos níveis circulantes de vasodilatadores e vasoconstritores11,15. Dessa forma, a expansão do líquido extracelular com pequenos volumes produz nesses pacientes um efeito mínimo em sua circulação, que já se encontra em estado hiperdinâmico. Entretanto, uma grande expansão de volume, como a que ocorre através de derivações peritônio-venosas, usadas para tratamento de ascite, produz exacerbação da circulação hiperdinâmica, com aumento do débito cardíaco e queda da resistência vascular periférica, apesar da elevação dos níveis plasmáticos de catecolaminas6,11.

Serão relatadas, a seguir, de forma resumida, algumas evidências clínicas e experimentais sobre o papel de diferentes mediadores na fisiopatologia da cirrose hepática.

 

SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA (SRA)

O SRA é considerado um dos mais importantes sistemas regulatórios para a homeostase cardiovascular e o equilíbrio hidroeletrolítico16,17. Uma das suas formas de ativação se dá através de estímulos que promovem a liberação de renina, tais como redução na pressão de perfusão renal, restrição à ingestão de sódio e perda aumentada de sódio urinário. Assim, em resposta a vários estímulos, poderá ser desencadeada a liberação de renina que, pela cascata do SRA (Figura 2), determinará maior formação de Ang II, bem como de outros peptídeos tais como Ang III, AngIV e Ang-(1-7)16,18.

 


Figura 2 - Esquema simplificado das vias proteolíticas envolvidas na formação de peptídeos angiotensinérgicos biologicamente ativos (adaptado de Santos et al., 200118).

 

Dentre os possíveis mediadores do SRA, a Ang-(1-7) mostrou-se particularmente interessante devido às suas ações relacionadas ao controle do equilíbrio hidroeletrolítico19,20. Além disso, a Ang-(1-7) exerce ações opostas à Ang II, conferindo ao SRA uma influência dual em vários tecidos16,18.

ECA - enzima conversora de angiotensina, ECA2 - enzima conversora de angiotensina 2, PEP - prolil-endopeptidase, EPN - endopeptidase neutra, CBP - carboxipeptidase

Existem várias evidências do envolvimento do SRA nos mecanismos fisiopatológicos da cirrose hepática7,8,21. Tem sido observado um aumento na atividade da renina plasmática e nos níveis de aldosterona circulante tanto em modelos experimentais22 quanto nos pacientes portadores de cirrose hepática9, especialmente naqueles com síndrome hepatorrenal7,21. Os níveis elevados de renina e aldosterona são decorrentes de uma produção excessiva e não de um catabolismo diminuído pelo fígado7. Essa produção aumentada pode ser atribuída a uma resposta fisiológica à vasodilatação sistêmica presente nos cirróticos5,7,19. As ações intrarrenais de Ang II e aldosterona determinam vasoconstrição renal, redistribuição do fluxo sangüíneo e aumento da reabsorção tubular de sódio e água8,18,22. A Ang II também participa de mecanismos patogenéticos envolvidos em diversos tipos de fibrose tecidual que também podem estar presentes na progressão das lesões hepáticas13,15. O uso de inibidores da ECA em pacientes cirróticos produziu alterações hemodinâmicas e da função renal, sugerindo um provável efeito benéfico23. Além disso, observou-se diminuição da fibrose hepática em ratos após o bloqueio à síntese de Ang II com o uso de inibidores da ECA21. Nos cirróticos descompensados, também se observa uma ativação exacerbada do SRA com perda dos mecanismos homeostáticos de retroalimentação negativa6,7. Não há, no entanto, até o presente momento, nenhum estudo em relação à presença e/ou participação da Ang-(1-7) na etiopatogenia dos desequilíbrios hidroeletrolíticos e metabólicos nas hepatopatias crônicas.

 

SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO (SNS)

À semelhança do SRA, existem evidências da participação do SNS nos mecanismos de descompensação hepática24.

O início e a manutenção de um balanço de sódio positivo representa um dos maiores desarranjos que ocorre na cirrose hepática. Um dos mecanismos que contribui significativamente para esta retenção renal de sódio é o aumento da atividade nervosa simpática renal24.

A concentração plasmática de NE que, habitualmente, é considerada um marcador confiável da atividade do SNS, está normal em pacientes com cirrose compensada, mas aumentada em pacientes descompensados, com ascite, especialmente naqueles com síndrome hepatorrenal. Já é bem conhecido que a ativação do SNS em várias situações clínicas, inclusive na ascite, aumenta a reabsorção de sódio no túbulo proximal. Alguns trabalhos mostraram uma relação inversa entre NE plasmática e excreção de sódio urinário em pacientes ascíticos. Acredita-se, também, que a ativação do SNS é um dos mecanismos desencadeadores da síndrome hepatorrenal5,25.

 

PEPTÍDIO ATRIAL NATRIURÉTICO (ANP)

Classicamente, já é bem conhecido o papel do ANP na regulação da homeostase cardiovascular e renal26.

No que se refere à cirrose hepática, também existem evidências do envolvimento deste mediador. Entre elas, podem ser mencionadas:

  • pacientes adultos cirróticos apresentam níveis plasmáticos elevados de ANP27;
  • os níveis plasmáticos de ANP em pacientes pediátricos com atresia biliar e cirrose avançada estão aumentados em relação àqueles observados em crianças saudáveis28;
  • a infusão de ANP em ratos cirróticos produz aumento na excreção de sódio e água, similar ao observado em ratos normais8;
  • observações clínicas sugerem que alguns pacientes cirróticos apresentam uma provável resistência periférica ao ANP27.
  •  

    SISTEMA CALICREÍNA-CININA (SCC)

    O SCC consiste num conjunto de peptídeos biologicamente ativos que atuam sobre a homeostase cardiovascular e renal interagindo com o SRA18,26. A já bastante conhecida interação entre o SRA e o SCC fica evidente ao se analisar o cruzamento das vias metabólicas desses dois sistemas peptidérgicos, através das ações da ECA (Figura 3)29.

     


    Figura 3 - Interações entre as vias metabólicas do SRA, ANP e SCC por meio das ações da ECA e da EPN 24, 11 EPN (adaptado de Laragh & Brenner, 199518).

     

    Existem poucos estudos sobre a participação do SCC na cirrose hepática. Hayes et al.6 observaram que a retenção hidrossalina dos pacientes cirróticos é mais acentuada nos pacientes descompensados, com ascite. No entanto, tal fenômeno pode estar presente, mesmo na fase inicial da doença, quando ainda não existem evidências de ativação do SRA. Neste estudo, foi demonstrada também a presença de uma relação inversa entre a atividade de renina plasmática (ARP), calicreína urinária e fração de excreção de sódio. Nos pacientes cirróticos descompensados, a razão ARP: calicreína urinária encontra-se aumentada. Nos pacientes cirróticos compensados, a razão ARP: calicreína urinária é semelhante à encontrada em pacientes normais após expansão plasmática. Apesar disso, a fração de excreção de sódio já se encontra reduzida, indicando a presença de retenção de sódio mesmo quando o SRA ainda não foi ativado6.

     

    VASOPRESSINA (AVP)

    A vasopressina ou hormônio anti-diurético tem como principal função a regulação da osmolaridade e do volume plasmáticos26.

    Em relação à cirrose hepática, vários estudos têm correlacionado os níveis plasmáticos de AVP com a já referida circulação hiperdinâmica e a função renal dos pacientes cirróticos. Já foi observado que os níveis circulantes de AVP estão aumentados em pacientes e animais experimentais com cirrose e ascite, apesar da presença de hiponatremia e hiposmolaridade30,31. Essas alterações correlacionam-se diretamente com o grau de comprometimento da excreção renal de água30,31 e com os níveis plasmáticos elevados de renina e NE32. Além disso, Claria et al.9 mostraram que a AVP endógena é tão importante quanto a Ang II na manutenção da pressão arterial em ratos cirróticos com ascite. Seus achados sustentam a hipótese de que a hipotensão arterial é o evento inicial que induz a estimulação do SRA e AVP nesses modelos experimentais9.

     

    ÓXIDO NÍTRICO (NO)

    Existem evidências da atuação do NO na circulação hiperdinâmica presente na cirrose hepática, sendo responsabilizado, em parte, pela vasodilatação que ocorre no leito esplâncnico. Na circulação intra-renal, o NO modula a retenção de sódio e água observada nesta doença33. Vários dados experimentais ressaltam a importância do NO, tais como (para revisão, ver ref. 33):

  • fragmentos de aorta de ratos cirróticos contraem menos em resposta à Ang II ou à NE quando comparados a fragmentos de aorta de ratos normais. Esta diminuição da resposta pode ser revertida com o uso de N-nitro-L-arginina, inibidor da NO-sintetase34.
  • em ratos cirróticos com ascite, o efeito pressor, após uso do inibidor da NO-sintetase, foi significativamente maior quando comparado com animais normais, sugerindo atividade aumentada de NO endógeno35;
  • a correção das anormalidades na hemodinâmica sistêmica após o uso de baixas doses de N-nitro-L-arginina em ratos cirróticos com ascite foi associada a uma redução da atividade de renina plasmática e das concentrações de aldosterona e AVP, além de efeito natridiurético36;
  • ratos cirróticos tratados com N-nitro-L-arginina não desenvolvem ascite ou a reduzem significativamente quando comparados ao grupo controle33;
  • a produção de NO pelas células endoteliais sinusoidais está diminuída nos ratos com cirrose, podendo estar envolvida também na patogênese da hipertensão porta37;
  • a inibição da NO-sintetase beneficia a função renal na cirrose, principalmente por elevar a pressão arterial, aumentando a pressão de perfusão renal33.
  • Além das evidências experimentais, existem dados clínicos que sugerem a participação do NO em alterações observadas em pacientes cirróticos, tais como uma maior resposta vasoconstritora após inibição da NO-sintetase e concentrações elevadas de NO, principalmente no plasma venoso portal33,38. A grande questão, entretanto, é que não se sabe, até o momento, se a síntese aumentada de NO é o fator primário responsável pela vasodilatação arterial sistêmica na cirrose ou se é uma resposta ao transtorno hemodinâmico que ocorre nessa afecção.

     

    ENDOTELINAS (ET)

    As ETs são peptídeos vasoconstritores secretados pelas células endoteliais que atuam regulando a hemodinâmica micro-circulatória e a liberação de várias substâncias vasoativas como a AVP, ANP e NE26.

    Em relação ao papel das ETs na cirrose hepática, existem as seguintes evidências:

  • os níveis plasmáticos de ET estão aumentados em pacientes adultos com cirrose, podendo estar envolvidos nos distúrbios circulatórios presentes na insuficiência hepática avançada39;
  • antes do transplante hepático, os níveis de ETs estão aumentados em pacientes pediátricos com atresia biliar e/ou cirrose avançada em relação a crianças saudáveis28;
  • infusões em bolus de ET em ratos cirróticos provocaram inicialmente uma pequena resposta hipotensora, seguida de um efeito hipertensivo mais prolongado, ambos dose-dependentes10;
  • a administração de ET em ratos cirróticos descompensados aumentou a excreção de sódio, atingindo valores similares aos observados no grupo controle10.
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    PROSTAGLANDINAS (PGs)

    As PGs consistem em um grupo heterogêneo de substâncias vasoativas derivadas do metabolismo do ácido aracdônico. Na maioria dos territórios vasculares, exercem efeitos vasodilatadores, interagindo com sistemas vasoconstritores como SRA e SNS19,20,26. Vários estudos têm demonstrado que as PGs também encontram-se alteradas na cirrose hepática:

  • pacientes cirróticos com função renal preservada apresentam um aumento na excreção urinária de 6-ketoprostaglandina F1a, PGE2 (PGs vasodilatadoras) e tromboxana B2 (TXB2 - prostaglandina vasoconstritora). Entretanto, quando desenvolvem insuficiência renal, passam a excretar quantidades significativamente mais baixas das PGs vasodilatadoras a aumentam a excreção de TXB241;
  • estudos mostraram que o aumento da síntese renal de PGs ocorre independentemente da elevação dos hormônios vasoconstritores7,31;
  • a expansão do volume plasmático elevou, simultaneamente, a excreção de PGE2 e o fluxo urinário em pacientes cirróticos com função renal preservada42. A excreção de PGs correlacionou-se inversamente à aldosterona e à atividade de renina plasmática, sugerindo que, na cirrose, a síntese de PGs deve obedecer a fatores associados à volemia7;
  • em animais cirróticos, a administração de PGE2 inibiu o transporte tubular de sódio e aumentou a excreção de água, sugerindo sua participação na homeostase do volume plasmático na cirrose41;
  • a administração de drogas inibidoras da cicloxigenase reduziu dramaticamente o fluxo sangüíneo renal e o ritmo de filtração glomerular em pacientes cirróticos com ascite. Além disso, técnicas de imunofluorescência têm mostrado uma redução dos níveis de PGH2-sintetase nos rins de pacientes que morreram de síndrome hepatorrenal43.
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    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Em resumo, a fisiopatologia da cirrose hepática é extremamente complexa, envolvendo interações de múltiplos mediadores. Sendo assim, é de grande relevância o conhecimento do papel desses sistemas regulatórios na cirrose hepática. A partir desse entendimento mais amplo do processo, novas estratégias terapêuticas poderão ser propostas, aumentando a sobrevida desses pacientes.

     

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