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CAPES/Qualis: B2
Valor da manometria anorretal no diagnóstico da constipação intestinal crônica funcional e da doença de Hirschsprung em crianças
Value of anorectal manometry in the diagnosis of chronic functional constipation and Hirschsprung's disease in children
Alice Barreto Voordeckers1; Francisco José Penna2; Ricardo Castanheira Pimenta de Figueiredo3; Ariele Ton Leal.4; Mariza França Ferreira4
1. Médica especialista em Gastroenterologia Pediátrica, mestre em Pediatria, doutoranda em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Prof. Doutor Titular do Departamento de Pediatria da Faculdade Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
3. Prof. Doutor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
4. Acadêmica de Medicina
Alice Barreto Voordeckers
Rua: Ceará, 1695/502 - Funcionários
Cep: 30150311 - Belo Horizonte - MG
Email: erwin@wminas.com
Data de Submissão: 13/06/03
Data de Aprovação: 14/08/03
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais-Belo Horizonte.
Resumo
Foi realizado estudo observacional para avaliar a manometria anorretal no diagnóstico da constipação intestinal crônica funcional e da doença de Hirschsprung e estudar os parâmetros manométricos nestas doenças. Foram incluídas 91 crianças na faixa etária de um mês a onze anos com constipação intestinal crônica, refratária ao tratamento clínico, submetidas a manometria anorretal no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foram diagnosticados três casos de doença de Hirschsprung, confirmados pelo exame histopatológico da biópsia retal e 88 casos de constipação funcional. Foram detectados dois resultados falso positivos e nenhum falso negativo para a doença de Hirschsprung. As alterações da manometria anorretal mais freqüentes foram aumento do limiar da sensibilidade retal (97,1%), aumento da tolerância máxima (93,1%) e contração paradoxal do esfíncter anal externo (30%). Observou-se relação entre o aumento da freqüência de escape fecal e a diminuição da sensibilidade retal consciente. Os dados apresentados permitem concluir que a manometria anorretal é um teste adequado para o diagnóstico diferencial da constipação intestinal crônica, devendo ser incluída na investigação dos pacientes com resposta insatisfatória ao tratamento clínico inicial. Observou-se que algumas crianças com constipação funcional e megarreto podem necessitar de volumes maiores de ar intrarretal para desencadear o reflexo retoesfincteriano.
Palavras-chave: Doença de Hirschsprung / Diagnóstico; Obstrução Intestinal / Diagnóstico; Manometria; Reto; Criança
INTRODUÇÃO
A constipação intestinal crônica, com ou sem escape fecal, é comum na infância. Representa cerca de 25% das consultas a gastroenterologistas1. O diagnóstico clínico das formas graves de constipação intestinal crônica é difícil, porque o quadro clínico da forma funcional pode ser semelhante à da doença de Hirschsprung. A manometria anorretal é utilizada como método diagnóstico nesses casos. Em pacientes normais, após a distensão do balão intrarretal, ocorre relaxamento reflexo do esfíncter anal interno - reflexo retoesfincteriano ou reflexo inibitório anorretal, que não ocorre em pacientes com doença de Hirschsprung. Entretanto, o reflexo pode estar ausente, transitoriamente, em alguns recém-nascidos e em crianças com megarreto.
O exame fornece informações sobre a fisiologia anorretal. São descritas alterações dos testes de função anorretal em crianças constipadas, como diminuição da sensibilidade retal em resposta à distensão do balão e contração anormal do esfíncter anal externo e dos músculos pélvicos. Os novos conhecimentos da fisiologia anorretal levaram ao desenvolvimento de tratamentos mais eficazes, como o biofeedback, para crianças com contração paradoxal do esfíncter anal externo ou com incontinência fecal2.
Neste estudo, foi avaliado o uso da manometria anorretal no diagnóstico da constipação funcional e da doença de Hirschsprung.
CASUÍSTICA E MÉTODO
A população estudada consistiu de 91 crianças (69,2% do sexo masculino), com idade entre 1 mês e 11 anos e 7 meses (mediana de 3 anos e 8 meses), com constipação intestinal crônica de difícil tratamento clínico. As crianças foram avaliadas no período de abril a dezembro de 2000 e submetidas à manometria anorretal, no Laboratório de Motilidade do Serviço de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da UFMG. Cinqüenta e sete crianças (62,6%) tinham constipação com escape fecal. A freqüência de escape fecal variou de uma vez por semana a mais de dez vezes por dia e ocorreu em 96,9% das crianças maiores de cinco anos. Em 24,2% das crianças foi relatada história de trauma emocional relacionada com o início ou agravamento do quadro clínico. Muitos pacientes haviam usado medicamentos laxativos, supositórios e enemas, sem resposta clínica satisfatória.
Foram incluídas as crianças com idade até 12 anos, com constipação intestinal crônica, encaminhadas para realização de manometria anorretal para diagnóstico diferencial das formas graves da doença, sem doenças neurológicas, incontinência fecal, cirurgia anorretal prévia e sem malformações anorretais.
Foram excluídas as crianças com doenças neurológicas, malformações anorretais, incontinência fecal, pseudo-obstrução intestinal, espinha bífida ou submetidas a cirurgia anorretal prévia.
Os pais ou responsáveis pelos pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG.
As manometrias anorretais foram realizadas, utilizando-se o aparelho com sistema de perfusão capilar pneumo-hidráulico, de baixa complacência (MUI SCIENTIFIC, ONTARIO, CANADA), conectado ao monitor para registro de dados e com o programa específico para análise (Sandhill's Bioview software, 1995). Foi utilizado catéter de manometria de polietileno, com diâmetro de 4,8mm, quatro canais de pressão, com taxa de perfusão de meio mililitro por canal, por minuto. Na extremidade do catéter foi fixado um balão de látex, com capacidade de insuflação de até 300ml de ar pelo canal central.
A avaliação funcional consistiu da medida do comprimento do canal anal, localização da região de maior pressão no canal anal, pressões retal e anal de repouso, limiar e amplitude do reflexo retoesfincteriano, pressão de contração máxima do esfíncter anal externo, limiar da sensibilidade retal consciente, tolerância máxima à insuflação do balão intrarretal e contração anal paradoxal durante a evacuação. As crianças com retenção fecal e com fecaloma palpável foram submetidas a clister com solução salina glicerinada antes do exame.
O exame consistiu na introdução do catéter através do ânus. Os sensores de pressão localizados dentro do catéter detectaram as pressões do canal anorretal que foram transmitidas através de transdutores para o monitor. O catéter foi tracionado retrogradamente, usando-se suas graduações, para registrar a pressão de repouso do canal anorretal a cada centímetro, determinando-se o comprimento do canal anal e a localização da região de maior pressão. A pressão retal é mais baixa e, quando ocorre aumento da pressão, localiza-se o canal anal3.
Para determinar o reflexo retoesfincteriano, o catéter foi posicionado na região de maior pressão no canal anal. O reflexo foi determinado insuflando-se volumes progressivos de ar no balão. A resposta característica normal consistiu na contração breve do esfíncter anal externo, seguido de relaxamento prolongado do esfíncter interno de pelo menos cinco mmHg. Na doença de Hirschsprung, o reflexo estava ausente.
Nas crianças maiores de quatro anos e cooperativas ao exame, foram testadas a sensibilidade retal consciente e a dinâmica evacuatória. O balão de látex foi posicionado no reto e insuflado com ar para simular a presença de fezes no reto. Foram determinados os volumes de ar intrarretal para desencadear uma sensação inicial e transitória de vontade de evacuar (limiar da sensibilidade retal) e a tolerância máxima à insuflação do balão, percebida pelo paciente como urgência para evacuar (volume crítico). A pressão de contração máxima foi obtida, solicitando-se ao paciente contrair a musculatura do esfíncter anal externo e da musculatura puborretal. A dinâmica evacuatória foi testada, solicitando-se ao paciente que tentasse evacuar e considerada normal se tivesse ocorrido diminuição da pressão anal durante o aumento da pressão abdominal. A contração paradoxal do esfíncter anal externo foi definida pelo aumento persistente da pressão anal durante a tentativa de evacuar4.
Os pacientes, nos quais o reflexo não foi desencadeado, foram submetidos a biópsia retal. O fragmento da biópsia foi encaminhado para exame histopatológico, realizado no serviço de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da UFMG. Foi feito processamento em parafina e coloração pela hematoxilina-eosina e pesquisadas células ganglionares nos plexos submucoso e muscular. O diagnóstico definitivo da doença de Hirschsprung foi firmado com base no resultado da biópsia retal.
A análise descritiva da estatística foi feita pelas distribuições de freqüência para as variáveis constantes no protocolo. Realizou-se o teste de Kruskal-Wallis para comparação de medianas, o Qui-quadrado para a diferença de proporção entre os grupos examinados e o teste "t" de Student para o cálculo das médias. Para amostras menores que cinco, usou-se o fator de correção de Yates. O intervalo de confiança usado foi de 95%. Para análise dos dados, foi utilizado o software EPI INFO, versão 6.0. O valor de 5% (p<0,05) foi considerado como limiar de significância estatística.
RESULTADOS
Entre abril e dezembro de 2000, 91 crianças foram submetidas à manometria anorretal, como parte da investigação de constipação intestinal crônica de difícil tratamento clínico. Observa-se que o sexo masculino representou 69,2% dos pacientes elegíveis para o estudo, sendo a relação sexo masculino/feminino de 1,9:1. Cinqüenta e nove pacientes tinham menos que cinco anos (64,8 %) e 32 (35,2%) tinham entre cinco e 12 anos. A idade das crianças do primeiro grupo variou de 1,1 a 55,4 meses (mediana de 34,6 meses), sendo 67,3% do sexo masculino. O segundo grupo compreendeu crianças com idade entre 60,9 e 141 meses (mediana de 88,6 meses), sendo 24% do sexo masculino.
Os resultados da manometria anorretal foram avaliados globalmente, já que não houve diferença estatisticamente significativa entre os sexos. Foi observada assimetria do canal anal em 30 (33%) das crianças. A região de maior pressão de repouso no canal anal variou de 0,5 a 3,5cm da margem anal, com 45,5% dos casos localizada a dois centímetros. O comprimento do canal anal foi de 2,17±0,62cm, a pressão média do reto foi 6,52 ± 6,63mmHg, a pressão média anal de repouso foi de 47,32±16,31mmHg e a pressão de contração máxima foi de 73,72±34,43mmHg.
A doença de Hirschsprung foi diagnosticada pelo exame manométrico que mostrou ausência do reflexo retoesfincteriano (Figura 1). O reflexo retoesfincteriano estava presente, após a distensão retal, em 86 crianças e ausente em cinco. A biópsia retal foi realizada nestas cinco crianças sem reflexo retoesfincteriano. Em três crianças o resultado mostrou ausência de neurônios nos plexos mioentéricos, o que confirmou o diagnóstico de doença de Hirschsprung. As outras duas crianças apresentaram biópsia retal normal. Foram constatados dois resultados falso positivos. A manometria anorretal foi repetida nas duas crianças com reflexo retoesfincteriano ausente e exame histopatológico da biópsia retal normal com volumes de ar intrarretal maiores (100 e 180ml) e o reflexo foi desencadeado.
O menor volume de ar injetado no balão retal para induzir o reflexo retoesfincteriano com amplitude de, pelo menos, 5mmHg (limiar do reflexo retoesfincteriano) foi de 20 ml de ar em 48(54,5%) crianças constipadas. Oito (9,0%) crianças necessitaram de volumes acima de 60ml de ar no balão intrarretal para desencadear o reflexo retoesfincteriano (Tabela 1).
Foram também testados o limiar da sensibilidade retal, a tolerância máxima à insuflação do balão intrarretal (volume crítico) e a contração anal máxima em 34 crianças com idade entre quatro e 11 anos, cooperativas ao exame. Os valores do limiar da sensibilidade retal, limiar do reflexo retoesfincteriano e o volume crítico estavam aumentados nas crianças constipadas, quando comparado com o grupo controle3 (Tabela 2). Observou-se que 97,1% das crianças apresentaram aumento do limiar da sensibilidade retal e 93,1%, aumento da tolerância máxima.
A sensibilidade retal variou de 40ml a 300ml de ar intrarretal no grupo estudado. As crianças foram divididas em três grupos: limiar da sensibilidade retal até 60ml de ar intrarretal, limiar de 60ml a 100ml de ar e acima de 100ml. No primeiro grupo (n=4), 50% das crianças tinham escape fecal; no segundo grupo (n=5), 80% tinham escape fecal e, no último (n=15), todas as crianças apresentaram escape fecal (100%). A incidência do escape fecal aumentou proporcionamente com a diminuição da sensibilidade retal consciente.
A contração anal paradoxal (anismo) foi testada em 30 crianças com idade entre quatro e 11 anos (média de 8, 18 anos) e estava presente em nove (30%). Não houve diferença estatisticamente significativa da presença de contração paradoxal quanto às faixas etárias e sexos. 88,8% das crianças com contração anal paradoxal apresentaram escape fecal.
As alterações da manometria anorretal mais freqüentes foram aumento do limiar da sensibilidade retal (97,1%), aumento da tolerância máxima (93,1%) e contração anal paradoxal (30%).
DISCUSSÃO
O reflexo retoesfincteriano está ausente nos pacientes com doença de Hirschsprung, qualquer que seja a extensão do acometimento5. Não ocorre queda da pressão anal, porque as células gangliônicas que, normalmente, transmitem o reflexo estimulado pela distensão retal estão ausentes. O segmento acometido pode ter extensão variável no reto e no cólon, mas sempre com início logo acima do esfíncter anal interno5. Os três casos de doença de Hirschsprung sugeridos pela manometria anorretal e confirmados pelo exame histopatológico, através da biópsia retal, correspondem a 3,29% dos casos de constipação intestinal estudados. Loening-Baucke, Pringle, Ekwo 6 estudaram 25 crianças com clínica sugestiva de doença de Hirschsprung, durante cinco anos, e diagnosticaram quatro casos (16%). Morera et al.7 em estudo com duração de cinco anos, com 234 crianças (idade média de 5,62±4,72 anos), diagnosticaram 22 casos de doença de Hirschsprung, que corresponde a 9,4% da casuística. Segundo a casuística de Rao e Patel8, em estudo com duração de dois anos e meio, em 143 crianças constipadas, foram diagnosticados dois casos (1,39%) de doença de Hirschsprung. Segundo Costa-Pinto et al.9, em 57 crianças estudadas, foram diagnosticados oito casos de doença de Hirschsprung. Benninga et al.10 diagnosticaram um caso de doença de Hirschsprung nas 22 crianças estudadas. A porcentagem de casos de doença de Hirschsprung variou de 1,39% a 16% nos estudos citados. A doença de Hirschsprung tem uma incidência de um caso para 5.000 crianças nascidas vivas e o número de casos esperado foi muito pequeno nas casuísticas estudadas. O percentual elevado de casos de megacólon congênito, em algumas casuísticas, pode estar relacionado a critérios de seleção de casos mais graves e a faixa etária estudada, já que a maioria dos casos de doença de Hirschsprung são diagnosticados nos primeiros anos de vida.
Muitos pesquisadores têm relatado alterações na função anorretal em crianças constipadas. As alterações mais freqüentes foram a contração paradoxal (50%-80%);2,3 aumento da complacência retal e aumento do limiar da sensibilidade retal consciente8,11,12, alterações da pressão esfincteriana basal13; aumento do volume crítico, aumento do limiar do reflexo retoesfincteriano13 e expulsão do balão com água12. Existem diferenças no equipamento utilizado, na técnica, no grupo de pacientes selecionados, que podem inviabilizar a comparação entre os trabalhos.
Alguns estudos manométricos, realizados com o sistema de perfusão hidráulico, avaliaram a pressão anal de repouso em crianças constipadas e em controle. Loening-Baucke e Younoszai13, estudando 116 crianças constipadas com idade entre dois meses e 18 anos, mostraram que a pressão anal de repouso variou de 25mmHg a 72mmHg no grupo controle (média de 51±10mmHg) e de 10mmHg a 72mmHg nas crianças constipadas (39±12mmHg). Observa-se neste trabalho que a pressão anal de repouso foi significativamente menor nas crianças constipadas do que no grupo controle (p<0,05). Segundo Sutphen et al.15, a pressão anal de repouso foi de 48,9±23,6mmHg em crianças constipadas. Morera et al.7 estudaram crianças constipadas com idade média de 5,62±4,72 anos e relataram pressão anal média de repouso em crianças constipadas de 53,61±13,96mmHg e em crianças constipadas com escape fecal de 59,75±13,44mmHg. Segundo Benninga et al.10, a pressão média anal de repouso em 22 recém-nascidos sadios foi de 40mm Hg (variou de 7 a 65mmHg). Na presente casuística, envolvendo pacientes com idade entre um mês e 11 anos, a pressão média anal de repouso foi de 47,32±16,31mmHg. Não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas da pressão anal de repouso quanto aos sexos e as faixas etárias nos estudos citados. É desconhecida a razão de a pressão anal de repouso ser mais baixa em crianças constipadas. O esfíncter anal externo, que circula o esfíncter anal interno, contribui pouco para a pressão anal de repouso. A queda da pressão em resposta à distensão retal é devido ao relaxamento do esfíncter anal interno e independente do esfíncter externo16. A atividade motora diminuída em crianças constipadas sugere que o esfíncter anal interno é menos ativo nestas crianças do que nas crianças sadias ou naqueles em que a distensão crônica do reto pelo material fecal pode contribuir para diminuir a pressão anal de repouso13.
As crianças com constipação funcional de longa duração podem apresentar pequena queda da pressão anal (relaxamento mínimo do reflexo retoesfincteriano) ou ausência do reflexo retoesfincteriano, como ocorre na doença de Hirschsprung, cuja provável etiologia é a isquemia crônica do reto17. Algumas vezes, o reflexo retoesfincteriano é desencadeado após a distensão da ampola retal com quantidade maior de ar18. A presença do reflexo retoesfincteriano, mesmo débil, afasta a doença de Hirschsprung. Porém, a ausência do reflexo requer confirmação diagnóstica, através do exame histopatológico de material da biópsia retal. Neste estudo, oito crianças com constipação de longa duração e megarreto necessitaram de volumes maiores que 60 ml para desencadear o reflexo retoesfincteriano. A presença da dilatação do reto (megarreto) requer cautela na conclusão diagnóstica. A grande distensão retal levando à lesão isquêmica da parede do reto17, mostrada na biópsia retal pela diminuição do plexo mioentérico, pode explicar a necessidade de volumes maiores de ar no balão intrarretal, para desencadear o reflexo retoesfincteriano.
O estudo da sensibilidade retal consciente é subjetivo, porque depende da cooperação da criança. Neste estudo, o limiar da sensibilidade retal, do reflexo retoesfincteriano e o volume crítico foram maiores no grupo de crianças constipadas, quando comparados com o grupo controle de Loening-Baucke e Cruikshank3. Esses dados foram também observados por outros pesquisadores3,15. Sutphen et al.15 obtiveram sensibilidade retal mínima de 26,7±14,7ml e tolerância máxima de 120,0±62,2ml em crianças constipadas. Loening-Baucke e Cruikshank3, estudando crianças constipadas, mostraram volume crítico de 101±39ml no grupo controle e 200±108ml em crianças constipadas (p=0,001). Estes estudos indicam que a resposta do esfíncter anal interno à distensão retal está diminuída nas crianças constipadas. Não foi possível concluir o que leva à diminuição da resposta do esfíncter anal interno. Os prováveis mecanismos são a diminuição da sensibilidade dos receptores retais ou a incapacidade do esfíncter anal interno de relaxar adequadamente13.
Observou-se, neste trabalho, relação entre o aumento da freqüência de escape fecal e a diminuição da sensibilidade retal consciente. Estudo similar obteve resultado semelhante19.
Neste estudo, a média da pressão máxima de contração, que advém do esfíncter anal externo e da musculatura puborretal, nas crianças constipadas, foi de 73,72±34,42mmHg. Keren et al.2 detectaram pressão de contração máxima de 52,7±19,1mmHg no grupo controle e de 49,9±24,7mmHg em crianças constipadas. O valor da pressão de contração máxima tem valor clínico limitado, porém pressões mais baixas e a incapacidade de manter a contração muscular podem estar relacionadas com a incontinência fecal.
Na literatura é observada a contração anal paradoxal 36%20 a 78%2 das crianças constipadas. Essa contração anal paradoxal cria uma pressão, que excede a pressão do reto e impede a expulsão das fezes. Corazziari et al.11 observou que a alteração da função do esfíncter anal externo em crianças pode ser a causa da retenção fecal na ampola retal. Neste estudo, observou-se a contração paradoxal em 30% das crianças pesquisadas, sendo significativamente mais freqüente nas crianças com escape fecal.
Os dados apresentados permitem concluir que a manometria anorretal é um teste diagnóstico adequado para o diagnóstico diferencial da constipação intestinal crônica, devendo ser incluída na investigação dos pacientes, com resposta insatisfatória ao tratamento clínico inicial. Acredita-se ser desnecessária a biópsia retal nos casos em que o exame demonstrar a presença do reflexo inibitório retoesfincteriano. Além disso, o exame traz informações sobre a dinâmica evacuatória, que pode orientar a abordagem terapêutica.
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