ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Síndrome de Swyer-James-Macleod
Swyer-James-Macleod syndrome
Oriana V. C. Brant1; Maria Teresa Mohallem Fonseca2; Marina Mohallem Fonseca3
1. Pediatra e especialista em Pneumologia Pediátrica, pela Faculdade de Medicina da UFMG
2. Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da UFMG
3. Estudante de Medicina da UFMG
Maria Teresa Mohallem Fonseca
Rua Juiz Achiles Veloso, 299
CEP 30450540 Belo Horizonte - MG
E-mail: remar@newview.com.br
Data de Submissão: 07/04/03
Data de Aprovação: 27/07/03
Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG
Resumo
A Síndrome de Swyer-James é uma afecção relativamente rara, sendo que a maioria dos casos relatados na literatura foi descrita em pacientes adultos. Com o aprimoramento dos métodos diagnósticos, sobretudo dos de imagem, o diagnóstico na infância vem-se tornando mais freqüente. Como a abordagem dessa síndrome em livros-texto especializados é feita de maneira sucinta e os artigos publicados em periódicos são escassos, sobretudo na faixa etária pediátrica, muitas vezes o pediatra e o pneumologista infantil encontram dificuldades no tratamento desses pacientes. Este artigo tem como objetivo fazer uma revisão dessa síndrome, com ênfase especial nos métodos diagnósticos e aspectos terapêuticos.
Palavras-chave: Pulmão Hipertransparente / Diagnóstico; Bronquiolite Obliterante
CONCEITO
A síndrome de Swyer-James é uma doença relativamente rara, caracterizada por pulmão, ou lobo, hipertransparente ao exame radiológico, usualmente de tamanho normal ou diminuído, associado a aprisionamento aéreo, diminuição da vascularização pulmonar e, em alguns casos, a bronquiectasias.
É uma condição pulmonar adquirida, secundária a uma bronquiolite obliterante, usualmente de etiologia viral, ocorrida geralmente na primeira infância. É caracterizada, clinicamente, por episódios repetidos de infecção pulmonar1,2. A evolução da doença varia conforme a extensão do comprometimento pulmonar. A maioria dos casos descritos na literatura ocorreram em pacientes adultos.
HISTÓRICO
O primeiro caso desta síndrome foi descrito em 1953 por Swyer-James. Tratava-se de uma criança de seis anos de idade, do sexo masculino, que apresentou episódios de pneumonia com 5 semanas de vida, aos 2 e aos 3 anos. Posteriormente, evoluiu com episódios recorrentes de bronquite, afetando principalmente o pulmão direito. A radiografia de tórax mostrou hiper-transparência do pulmão direito, com vascularização diminuída e desvio homolateral do mediastino. Esse paciente foi posteriormente submetido a pneumectomia, que mostrou espaços císticos de diâmetros variáveis, alvéolos colapsados, outros enfisematosos, processo inflamatório crônico em linfonodos peribrônquicos e, o que chamava mais a atenção, obliteração difusa dos capilares pulmonares periféricos na parede dos alvéolos enfisematosos, apesar do calibre normal da artéria pulmonar. O autor se interrogou a respeito da etiologia dessas alterações, concluindo ser o mais provável tratar-se de anomalia congênita da artéria pulmonar, sendo a lesão pulmonar secundária à diminuição do fluxo sangüíneo3.
Em 1954, MacLeod relatou nove casos de pacientes adultos, com idade entre 18 e 41 anos, com pulmão hiper-transparente unilateral ao estudo radiológico. Embora os pacientes tenham sido submetidos a broncografia para afastar a possibilidade de lesões brônquicas, não foi feito estudo anatomopatológico do parênquima pulmonar. Nestes casos, ele considerou a vascularização pulmonar diminuída como conseqüência das alterações pulmonares4.
Após essas descrições iniciais, vários outros casos que apresentavam características semelhantes foram relatados.
ETIOLOGIA
Ao contrário da hipótese inicial de uma doença congênita, atualmente, a Síndrome de Swyer-James é considerada como uma forma pós-infecciosa de bronquiolite obliterante (BO), ocorrida em idade precoce do paciente.
Os principais agentes implicados na etiologia dessa bronquiolite obliterante são: adenovírus1,5-7, vírus do sarampo8,9, B. pertussis9, M. tuberculosis7,10 e M. pneumoniae3,6,7,11. A bronquiolite pode relacionar-se, também, à aspiração de corpo estranho, de conteúdo gástrico (refluxo gastroesofágico), inalação de ácido nítrico ou clorídrico, inalação de hidrocarbonos e radioterapia1,7.
FISIOPATOLOGIA
As alterações decorrentes da BO são mais acentuadas nos pequenos brônquios e bronquíolos, que mostram destruição da mucosa e preenchimento do lúmen por tecido fibroso. Os bronquíolos terminais são ocluídos e os bronquíolos respiratórios distais apresentam-se dilatados. Ocorre "air-trapping" distal, distensão das vias aéreas, atelectasias, fibrose e, finalmente, enfisema pan-acinar. Associada à obstrução dos bronquíolos terminais e conseqüente dilatação dos bronquíolos distais, ocorre também obliteração do leito vascular pulmonar, com redução do fluxo sangüíneo e, sobretudo, do calibre da artéria pulmonar1,12,13. A hipoventilação causa então uma hipoperfusão compensatória. A diminuição do fluxo sangüíneo pulmonar é primariamente responsável pela aparência hiperlucente do pulmão acometido, ao estudo radiológico8,11.
Embora os brônquios maiores sejam menos acometidos, eles freqüentemente apresentam hipertrofia de mucosa e infiltração celular, destruindo e desorganizando o tecido muscular e elástico da parede brônquica. A fibrose que ocorre nas paredes vai resultar em bronquiectasias.
Como a BO é usualmente adquirida na primeira infância, antes do completo desenvolvimento dos pulmões, usualmente o pulmão, ou lobo, afetado permanece menor, com número de alvéolos reduzido e subseqüente hipodesenvolvimento das artérias pulmonares15. Quando a BO ocorre mais tardiamente, o pulmão pode permanecer de tamanho normal com hipoplasia leve da artéria pulmonar.
De maneira geral, ocorre um acometimento predominante no pulmão esquerdo5,14. Embora a Síndrome de Swyer-James seja classicamente descrita como uma doença unilateral, à medida que métodos propedêuticos mais acurados vêm sendo desenvolvidos, (tomografia computadorizada de tórax, cintilografia para estudo da ventilação-perfusão pulmonar) está cada vez mais evidente que a doença pode ter distribuição mais heterogênea e lesões no parênquima contra-lateral podem ocorrer16.
Quadro clínico:
O diagnóstico da Síndrome de Swyer-James pode ser realizado na infância, coincidindo com o início dos sintomas, na vida adulta do paciente sintomático, ou mesmo ao acaso, no momento da realização de uma radiografia de tórax. A apresentação clínica é variável e alguns pacientes são assintomáticos. A maioria, porém, evolui com infecções pulmonares recorrentes, que podem ocorrer precocemente na infância, durante toda a vida, ou somente na vida adulta. Ocorrem também tosse crônica produtiva, hemoptise, dispnéia aos esforços, decorrentes das bronquiectasias. Quando a doença ocorre na infância, pode cursar com déficit de crescimento1,2,5,6,11,12,15. No exame físico, pode haver diminuição dos sons respiratórios, crepitações, finas ou grosseiras, roncos e sibilos. Pode ocorrer, também, baqueteamento digital3.
O curso clínico do paciente é diretamente relacionado à presença ou não de bronquiectasias e à extensão das mesmas. As bronquiectasias cilíndricas estão relacionadas a um melhor prognóstico. Já os pacientes que evoluem com bronquiectasias extensas, císticas ou saculares, em geral, acabam por necessitar de remoção cirúrgica do segmento acometido, em alguma fase da vida2,10.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é baseado, principalmente, em métodos de imagem, cada vez menos invasivos e mais elucidativos.
A radiografia de tórax evidencia hipertransparência de parte ou de todo o pulmão, que pode ter o tamanho normal ou reduzido. A vascularização encontra-se diminuída e a sombra hilar diminuída. Pode haver, ainda, hiperinsuflação, com desvio do mediastino para o lado não acometido, durante a expiração1,4,6,10,12.
A arteriografia pulmonar permite observar a vascularização periférica diminuída e a hipoplasia da artéria pulmonar do lado acometido1,4,12.
A cintilografia ventilatório-perfusional é útil na avaliação do grau de comprometimento das áreas hipertransparentes. O estudo de ventilação-perfusão permite delimitar áreas pouco perfundidas e hiperinsufladas, sendo muito útil para detectar pequenas áreas afetadas, não percebidas na radiografia nem na tomografia computadorizada (TC)1,4.
A broncoscopia é muito útil para se afastar processo obstrutivo do brônquio principal. Na broncografia, observa-se a clássica imagem de árvore podada, que resulta da obstrução dos brônquios terminais, com dilatação proximal1,3,4.
A angiografia, convencional e digital, mostra uma artéria pulmonar muito reduzida em tamanho, com diminuição também do número e tamanho de seus ramos, ressaltando a pobreza da vascularização periférica5,11,15.
Atualmente, o método de eleição para a avaliação da árvore traqueobrônquica, das artérias pulmonares e do parênquima pulmonar, de forma não-invasiva, é a tomografia de tórax de alta resolução.
Na síndrome de Swyer-James, devem-se observar, com maiores cuidados, os seguintes aspectos:
diferenças de atenuação e volume entre os pulmões perviedade de vias aéreas principais, lobares e segmentares alterações no parênquima pulmonar presença e extensão de bronquiectasias variação no tamanho da artéria pulmonar central e periférica do pulmão afetado.
A angiografia digital, associada à TC de tórax, permite uma avaliação completa da doença, tornando atualmente desnecessário o uso de outros métodos propedêuticos, sobretudo dos invasivos.
As alterações funcionais decorrentes da síndrome de Swyer-James são pouco relatadas na literatura. Em um relato de caso, Avital encontrou alterações obstrutivas importantes em curva funcional obtida em uma criança de 3 anos9.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O pulmão hipertransparente unilateral é um sinal radiológico bastante sugestivo da síndrome de Swyer-James. O principal diagnóstico diferencial deve ser feito com afecções que causam obstrução endobrônquica: aspiração de corpo estranho, tampão mucoso, obstrução de brônquios secundária a granulomas, tumores benignos ou neoplasias, atresia brônquica, enfisema lobar congênito. Também é importante excluir estenose de artéria pulmonar e embolia pulmonar.
TRATAMENTO
O tratamento é, fundamentalmente, conservador, baseado na sintomatologia do paciente. Consiste no acompanhamento clínico do paciente, com controle das infecções recorrentes. Muitos pacientes sem bronquiectasias, ou com bronquiectasias cilíndricas, têm sintomas respiratórios leves e tendência espontânea à melhora do quadro2. Fisioterapia respiratória (percussão e drenagem postural) está indicada nos pacientes com bronquiectasias. O uso profilático de antibióticos, em baixa dose, é controverso, mas é claramente indicado, em doses usuais, no tratamento das infecções respiratórias1.
O tratamento cirúrgico é reservado aos pacientes com infecções crônicas, associadas à hemoptise, dispnéia de esforço, tosse crônica produtiva ou sintomatologia que esteja levando ao comprometimento das atividades rotineiras do paciente1. A indicação de pneumectomia, historicamente mais utilizada, atualmente é controversa. A técnica de oclusão e ressecção do brônquio principal, com manutenção do pulmão afetado em sua localização normal, tem sido realizada com bons resultados e alívio dos sintomas, com a vantagem de obter resultados semelhantes aos da pneumectomia e ser menos traumática. O procedimento cirúrgico é realizado através de pequena incisão torácica. A técnica de oclusão do brônquio principal é indicada, sobretudo, em pacientes muito graves, praticamente sem fluxo sangüíneo no pulmão acometido. Nesses casos, o pulmão remanescente atua como uma prótese biológica, diminuindo o deslocamento das estruturas mediastinais e subseqüente hiperexpansão do pulmão contralateral. O uso prévio de broncoscopia para remoção da secreção na árvore brônquica e o uso de antibióticos em dose elevada, antes e após a operação, evitam as complicações infecciosas. Na maioria dos casos, nos dois primeiros anos após a oclusão brônquica, ocorre fibroatelectasia do parênquima pulmonar. Dessa maneira, as alterações inflamatórias dos brônquios e parênquima tendem a cessar10.
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