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CAPES/Qualis: B2
O paradoxo do papel da vitamina e na iniciação e progressão da aterosclerose e sua correlação com os radicais livres
The paradox of the role of vitamin e in the beginning and progression of atherosclerosis and its correlation with free radicals
Cristina Maria Martins1; Daniela Moura de Oliveira1; Tatiana Fiche Salles Teixeira2; Maria do Carmo Gouveia Peluzio3
1. Acadêmica do Curso de Nutrição/Universidade Federal de Viçosa
2. Acadêmica do Curso de Nutrição/Universidade Federal de Viçosa e Bolsista PIBIC/CNPq
3. Professora Adjunta do Departamento de Nutrição e Saúde/Universidade Federal de Viçosa
Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa
Av. Ph Rolfs, s/n Viçosa
Minas Gerais CEP: 36570-000
mpeluzio@ufv.br
Data de Submissão: 06/02/04
Data de Aprovação: 12/04/04
Resumo
O estresse oxidativo tem sido implicado na etiologia de diversas doenças crônicas, e se deve ao desequilíbrio entre as reações produtoras de radicais livres (particularmente espécies reativas de oxigênio - ROS) e a capacidade dos antioxidantes atuarem em mecanismos como scavenger. A vitamina E, na forma de alfatocoferol, é um componente essencial do corpo, sendo o melhor antioxidante lipofílico biológico na defesa contra efeitos nocivos dos radicais livres. Diversos estudos epidemiológicos e ensaios clínicos indicam que uma elevada ingestão ou níveis plasmáticos elevados de vitamina E associam-se à redução dos riscos de doença cardiovascular (DCV). Porém, recentes investigações têm demonstrado que ela pode atuar também como pró-oxidante, contribuindo para o desenvolvimento da DCV através da geração de radicais lipídicos reativos. Os co-antioxidantes desempenham importante papel como parceiros do α-tocoferol na defesa contra os efeitos deletérios dos radicais livres.
Palavras-chave: Vitamina E; Radicais livres; Oxidantes; Aterosclerose; Antioxidantes.
INTRODUÇÃO
Os radicais livres são definidos como átomos ou moléculas contendo um ou mais elétrons desemparelhados, tornando-os instáveis e altamente reativos1,2. A formação de radicais livres pode influenciar a proliferação celular, morte celular (necrose e apoptose) e a expressão de genes, estando envolvidos em diversos mecanismos de sinalização como segundos mensageiros para vários estímulos fisiológicos. Além disso, desempenham importante papel na defesa e regulação da homeostase de oxi-redução do organismo3. Células fagocitárias do sistema imune como neutrófilos, monócitos e macrófagos produzem radicais livres (principalmente radicais superóxido e óxido nítrico) como parte de seus mecanismos de defesa.
O desenvolvimento e a existência de um organismo na presença de O2 associam-se à geração de espécies reativas de oxigênio (ROS), mesmo em condições fisiológicas4. Os ROS mais relevantes são: radicais peroxil (ROO.), óxido nítrico (NO.), superóxido (O2.-), oxigênio singlet (1 O2), peroxinitrito (ONOO-), peróxido de hidrogênio (H2O2), hidroxil (H.OH)2.
O estresse oxidativo tem sido implicado na etiologia de doenças como algumas formas de câncer, catarata, doença cardiovascular, artrite reumatóide, doenças neurodegenerativas. Deve-se ao desequilíbrio entre as reações produtoras de radicais livres (particularmente ROS) e a capacidade de os antioxidantes atuarem em mecanismos como scavenger, trazendo conseqüências como danos ao DNA, lipídeos e proteínas, desregulando a homeostase celular e promovendo o acúmulo de moléculas danificadas1,5.
O nome genérico "Vitamina E" reúne um grupo de oito compostos com atividade biológica: quatro são membros da família dos tocoferóis e quatro são tocotrienóis6. Todos possuem um anel de 6-cromanol ligado a uma cadeia lateral saturada (tocoferóis) ou com três duplas ligações (tocotrienóis). Os a, b, g, d tocoferóis e tocotrienóis diferem no número e posição do grupo metil do anel cromanol7.
A vitamina E, na forma de alfa-tocoferol, é um componente essencial do organismo, sendo o melhor antioxidante lipofílico biológico na defesa contra efeitos nocivos dos radicais livres8. É encontrada nas membranas das lipoproteínas e em tecidos como fígado, rins, tecido adiposo e adrenal.
O sistema de defesa antioxidante do organismo pode ser alterado a fim de equilibrar os danos oxidativos e a defesa antioxidante de células e tecidos pelo aumento da ingestão de vitamina E. As recomendações de ingestão de nutrientes (DRIs) são estabelecidas para a prevenção de deficiências nutricionais, não levando em consideração a possibilidade de redução dos riscos de desenvolvimento de doenças crônico-degenerativas. Os níveis de antioxidantes efetivos na redução desses riscos são geralmente maiores que os recomendados9. A ingestão máxima de vitamina E considerada segura é de 1000 UI/dia10 e as fontes na dieta incluem os óleos vegetais, germe de trigo, nozes e algumas folhas11.
Diversos estudos vêm sendo conduzidos no sentido de se comprovar a eficácia da vitamina E como agente antioxidante e para esclarecer outras funções importantes possivelmente desempenhadas na prevenção e/ou redução dos riscos de doenças relacionadas ao estresse oxidativo.
O DESENVOVIMENTO DA ATEROSCLEROSE
Aterosclerose é uma doença inflamatória multifatorial que envolve o desequilíbrio da função imune e do estado de oxi-redução das células10. Os radicais de oxigênio e produtos da peroxidação lipídica são citotóxicos e podem produzir lesões nas células da camada endotelial do sistema vascular e também provocar aumento da infiltração de LDL, agregação plaquetária, liberação de fatores de crescimento, distúrbios da homeostase dos eicosanóides e acúmulo de células inflamatórias12, eventos que se ligam à iniciação e progressão da aterosclerose.
Há sugestões de que a atração e a adesão de células imunes ao endotélio vascular e a subseqüente transmigração são passos importantes na iniciação e no desenvolvimento do processo inflamatório associado à formação de estrias gordurosas e ao desenvolvimento da aterosclerose. O endotélio é um importante componente do sistema imune normal, regulando a produção de quimioatrativos e a adesão e migração de leucócitos13.
A partir de injúrias na parede vascular, as células endoteliais - formadoras da barreira entre a circulação e o espaço subendotelial - expressam várias citocinas, moléculas de adesão intercelulares e de células vasculares (ICAM-1 e VCAM-1, respectivamente) e fatores quimiotáticos para monócitos (MCP-1), cuja ação seqüencial leva ao recrutamento de monócitos para o subendotélio, onde ficam retidos e diferenciam-se em macrófagos secretores de citocinas pró-inflamatórias, tais como interleucina-1β (IL-β) e fator de necrose tumoral (TNF-α), além de fatores quimiotáticos (MCP-1). A presença de LDL oxidada no espaço subendotelial leva à formação de células espumosas, através da fagocitose da mesma pelos macrófagos (via receptores scavenger). Estes medeiam o recrutamento e a proliferação de células musculares lisas e potencializam a inflamação. O acúmulo das células musculares lisas e a geração de células espumosas, juntamente com outros fatores, são a base da formação da placa ateromatosa9,10.
A HIPÓTESE DA ALTERAÇÃO OXIDATIVA DA LDL
A oxidação da LDL é um processo decorrente da ação de radicais livres, no qual os ácidos graxos insaturados contidos na membrana da LDL são degradados pela peroxidação lipídica12. Diversos estudos epidemiológicos e ensaios clínicos indicam que uma elevada ingestão ou níveis plasmáticos elevados de vitamina E associam-se à redução dos riscos de doença cardiovascular por sua habilidade em prevenir o desenvolvimento da aterosclerose12.
A vitamina E está presente na estrutura da LDL e, de acordo com a hipótese oxidativa da aterosclerose, a inibição da oxidação da LDL seria um dos mecanismos pelos quais a vitamina E interfere na aterogênese12,13. Estudos indicam que a vitamina E pode modular a aterogênese também por outros mecanismos, incluindo a inibição da adesão e redução do dano oxidativo de células imunes e endoteliais15-17 e inibição da proliferação de células musculares lisas17.
As etapas da aterogênese, desde os eventos iniciais de adesão celular até a ruptura da placa formada, envolvem expressão de genes e reações que são sensíveis e responsivas ao estado redox da célula e, portanto, a ação da vitamina E é iminente14.
Outras funções da vitamina E na aterogênese
A proteína quinase C (PKC) é uma enzima cujas múltiplas isoformas têm um papel central na regulação da sinalização celular e um de seus principais efeitos é a ação proliferativa10. Azzi et al18 estudaram os efeitos da vitamina E na atividade da PKC em células musculares lisas, observando que a vitamina E inibe a PKC, suprimindo, assim, a proliferação dessas células.
Wu et al13 estudaram a suplementação in vitro com vitamina E de células endoteliais da aorta humana (HAEC) previamente estimuladas com a citocina próinflamatória IL-1β, observando não só uma redução da aderência a monócitos dependente da dose, mas também o decréscimo na produção de várias citocinas (MCP-1, IL-8 e IL-6) que estão envolvidas no recrutamento de células imunes para o sítio de estimulação. Sendo assim, é plausível concluir que o aumento da concentração da vitamina E no endotélio arterial via suplementação dietética pode prevenir a produção de MCP-1 pelo endotélio estimulado e, por sua vez, evitar o recrutamento de monócitos para o sítio de estimulação. Isso contribui para inibir e prevenir a formação de lesões gordurosas nos estágios iniciais da aterosclerose e a progressão de lesões existentes.
Três importantes estudos de intervenção examinaram os efeitos da Vitamina E na incidência de doenças cardiovasculares: Cambridge Heart Antioxidant Study (CHAOS), Grupo Italiano per lo Studio Della Sopravvivenza nell Infarto Miocardito (GISSI) e Heart Outcomes Prevention Evaluation (HOPE); apenas um deles encontrou efeito benéfico da vitamina E na aterosclerose (CHAOS). A inabilidade da vitamina E de reduzir a incidência de doença cardiovascular nos outros dois estudos pode estar relacionada a vários fatores: o CHAOS utilizou a dose mais elevada de vitamina E (800 UI/dia), sendo que, nos outros estudos, ela pode ter sido insuficiente para exercer efeitos protetores. Além disso, drogas utilizadas pelos participantes da pesquisa podem ter influenciado os efeitos da vitamina E. Diferenças genéticas e de hábitos alimentares podem ter agido como fatores de confusão nos resultados. Todos esses argumentos implicam que a eficiência da vitamina E contra a ateroclerose pode ser limitada por outros fatores10.
Os lipídeos plasmáticos parecem representar um fator que é ainda mais importante para a aterogênese do que a suplementação com antioxidantes. Aumentos significantes dos lipídeos plasmáticos podem sobrepor-se a qualquer efeito protetor da suplementação com antioxidantes10. Deficiência de vitamina E é induzida com doses farmacológicas de óleo de peixe por um período de tempo prolongado, em estudos animais, como reflexo da diminuição de lipoproteínas circulantes após a suplementação, o que pode resultar em aumento das reações de peroxidação lipídica e geração de radicais livres19.
O paradoxo da atuação da vitamina E: seu efeito pró-oxidante
Na literatura, ainda são inconsistentes os resultados publicados quanto ao papel da vitamina E, existindo estudos que demonstram efeitos benéficos, ambíguos ou até mesmo deletérios da suplementação de vitamina E na incidência de doença cardiovascular. Recente avaliação do papel da vitamina E na oxidação da LDL indica que, sob determinadas condições, o alfa-tocoferol pode agir como um pró-oxidante20.
A interação entre um radical oxidante (R*) com uma partícula de LDL gera, na fase lipídica da mesma, o radical tocoferoxil (alfa-TO*), já que esses radicais iniciadores reagem preferencialmente com as partículas de alfa-tocoferol presentes na LDL, em detrimento dos lipídios insaturados da camada fosfolipídica da mesma. Em sistemas isolados e com relativo baixo fluxo de radicais, pode ocorrer a interação do alfa-TO* com os ácidos graxos poliinsaturados da LDL, regenerando o alfa-tocoferol e dando origem a um radical lipídico (L*). Este pode reagir com o oxigênio resultando na formação de radicais peroxil lipídicos (LOO*) que, por sua vez, interagem com o α-tocoferol, originando os hidroperóxidos lipídicos (LOOH) e alfa-TO*, que pode reiniciar o ciclo de formação de radicais e peroxidação dos lipídeos da superfície da LDL20.
A presença de co-antioxidantes (ascorbato, ubiquinol-10) reduz o alfa-TO* e a alfa-TOH gerando um radical co-antioxidante, que na fase aquosa da célula, pode ser convertido a um produto não radical, terminando a cadeia de geração de radicais. O principal aspecto dos co-antioxidantes é o fato de o seu potencial redox ser menor do que o potencial redox do radical alfa-TO*, possibilitando-lhe doar um próton e reduzir o radical novamente a alfa-TOH21.
É importante salientar que a interação entre o alfa-TO* e o co-antioxidante gera um radical, sendo imperativo que este não reaja com os lipídios de membrana, o que poderia gerar um radical lipídico - o qual tem sua formação prevenida já no início do processo de oxidação quando o radical oxidante iniciador reage com o alfa-TOH22.
O co-antioxidante hidrofílico mais estudado é o ascorbato, cujo potencial como composto reciclador do tocoferol já é reconhecido nos sistemas químicos, em LDL isolada e no plasma. Tem sido demonstrado em sistemas fisiologicamente relevantes que a oxidação da LDL na presença de ascorbato leva à formação de deiidroascorbato, o qual pode ser captado pelas células e reduzido de volta a ascorbato. Portanto, a vitamina E e a vitamina C são excelentes parceiras na defesa antioxidante23.
A ingestão de vitamina E pela dieta pode ser mais eficiente contra doenças cardiovasculares do que os suplementos, pois os alimentos também são fontes de co-antioxidantes, que auxiliariam na regeneração do radical tocoferoxil e na eliminação dos radicais formados.
CONCLUSÃO
A aterosclerose é uma doença multifatorial na qual os radicais livres estão diretamente envolvidos, seja contribuindo para a modificação oxidativa da LDL ou atuando sobre fatores relacionados à adesão de células, fatores de crescimento, potencialização da inflamação, agregação plaquetária e acumulação de células inflamatórias. A vitamina E é um composto redox-ativo que atua em moléculas chave na progressão e sinalização da doença. Embora um grande número de estudos reportem o papel da vitamina E nas modificações oxidativas da LDL, o recém-postulado modelo de peroxidação mediada pelo tocoferol põe em dúvida o dogma da ação molecular da vitamina E como antioxidante capaz de quebrar a cadeia de geração de radicais livres, prevenindo a peroxidação lipídica, mesmo em LDL isolada.
É importante enfatizar que, pela manipulação dos níveis de stress oxidativo, a vitamina E pode passar de uma ação antioxidante para pró-oxidante, ainda que no mesmo sistema experimental, sendo a última atividade mais pronunciada sob condições moderadas de oxidação. O potencial da ação pró oxidante do alfa-tocoferol in vivo pode ser considerado baseado no fato de que ele está presente nas lipoproteínas isoladas de placas ateroscleróticas avançadas, contendo grandes quantidades de lipídios oxidados, sugerindo que estes podem ser oxidados in vivo na presença de vitamina E.
Estudos intervencionais em indivíduos com alto risco que desenvolveram doença cardiovascular mostraram, em sua maioria, efeitos negativos da suplementação com vitamina E. Por outro lado, estudos observacionais sugerem efeitos benéficos da suplementação por longos períodos em indivíduos aparentemente saudáveis. Isso sugere que a eficiência da vitamina E contra a aterosclerose depende do estágio da doença no qual a suplementação foi conduzida assim como a duração e a dose da mesma. A presença de co-antioxidantes é importante para evitar que a vitamina atue como um composto pró-oxidante, já que esses compostos atuam regenerando o radical alfa-TO*.
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