RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 21. 4

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Caso 4

Rafael Mattos Tavares1; Priscila Maria Goulart Ribeiro1; Glauber Coutinho Eliazar1; Manuel Schütze1; Fabiana Paiva Martins2; Luciana Dias Moretzsohn3

1. Acadêmico do curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Professora Assistente do Departamento de Propedêutica Complementar Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Professora Adjunta Doutora do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Luciana Dias Moretzsohn
Av. Alfredo Balena,190 Bairro: Santa Efigênia
CEP: 30130-100 Belo Horizonte, MG - Brasil
Email: lu18@uai.com.br

Recebido em: 24/11/2011
Aprovado em: 16/12/2011

Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

 


Figura 1 - Radiografia de tórax.

 

Homem de 38 anos, natural de Virgem da Lapa-MG, há dois anos iniciou quadro de dor torácica, tosse e disfagia inicialmente após ingestao de alimentos sólidos e nos últimos meses também de líquidos. Relata moderada perda de peso (4 kg) desde o início dos sintomas e dois episódios de pneumonia no último ano.

Analisando a imagem e os dados descritos, qual o diagnóstico mais provável:

tumor de mediastino;

neoplasia de pulmão;

acalásia de esôfago;

divertículo de Zenker.

 

ANALISE DA IMAGEM

Radiografia do tórax em incidência posteroanterior evidenciando imagem alongada no mediastino posterior, de limites bem definidos e contornos regulares, apresentando aspecto heterogêneo, predominantemente densa, porém com múltiplas pequenas áreas lucentes de permeio. Essa alteração estende-se para a direita da linha média em sua porção inferior e para a esquerda em sua porção superior, atingindo o ápice do hemitórax esquerdo. Nesse estudo radiológico, observa-se também cardiomegalia.

 

DIAGNOSTICO

As imagens e os dados sugerem o diagnóstico de acalásia de esôfago. Acalásia ("ausência de abertura") é o distúrbio motor esofágico mais comum. Essa afecção pode ser primária (idiopática) ou secundária à doença de Chagas ou neoplasia. Em áreas endêmicas de doença de Chagas, essa é a causa mais comum. Com o evoluir da doença ocorrem dilatação do esôfago, disfagia esofágica e retenção de alimentos na luz do órgao, podendo verificar-se regurgitação e aspiração com pneumonia. Pode ser observada em qualquer faixa etária, com predomínio entre 20 e 40 anos.

 

DIAGNOSTICOS DIFERENCIAIS

Tumor de mediastino: a maioria dos pacientes com massas mediastinais é assintomática. Os sintomas mais comuns são dor torácica, tosse, rouquidao e dispneia, enquanto a disfagia é menos frequente. No mediastino posterior, onde se localiza o esôfago, os tumores neurogênicos são mais comuns e podem causar sintomas neurológicos.

Neoplasia de pulmão: os sintomas mais comuns devidos aos efeitos intratorácicos do câncer são tosse, hemoptise, dor torácica e dispneia. O diagnóstico é realizado por exame citológico. O tabagismo é o principal fator de risco para o desenvolvimento de câncer de pulmão.

Divertículo de Zenker: trata-se de disfunção do músculo cricofaríngeo, constituinte do esfíncter esofágico superior que se apresenta hipertônico e com relaxamento incompleto. O esforço da musculatura faríngea em transpor o alimento por meio do esfíncter hipertônico provoca protusão da mucosa através da parede muscular, formando o divertículo. Esse divertículo pode tornar-se muito grande, o que determi na disfagia orofaríngea e retenção de alimentos qu podem ser regurgitados e até aspirados.

 

DISCUSSÃO DO CASO

Esse paciente, procedente de Virgem da Lapa-MG era portador de doença de Chagas e apresentava acalásia de esôfago secundária a essa afecção. Os distúrbios motores na acalásia de esôfago são devidos a alterações da inervação intrínseca do órgao. Há perda da inervação, principalmente inibitória produtora de óxido nítrico, com preservação da inervação excitatória colinérgica.

A doença de Chagas resulta da infecção pelo protozoário Trypanosoma cruzi. Em áreas endêmicas, a primeira exposição ao T. cruzi é geralmente subclínica, sendo rara a manifestação de infecção sistêmica aguda. A doença de Chagas crônica envolve sequelas tardias em órgao específico, mas sem sintomas sistêmicos como febre e linfadenopatia. Há um período latente de até 20 anos do início presumido da infecção. Nenhum ou poucos parasitos são encontrados nos órgaos afetados. As principais manifestações clínicas da doença crônica são a cardiomiopatia (manifestação mais comum), megaesôfago e megacólon. Grande parte dos pacientes com doença de Chagas gastrintestinal também têm cardiomiopatia, o que não ocorre na acalasia idiopática. Quanto às manifestações gastrintestinais, o envolvimento esofágico é mais comum que o do cólon, sendo que outros órgaos podem ser acometidos, como estômago e intestino delgado.

O diagnóstico da doença de Chagas gastrintestinal baseia-se em testes sorológicos, sintomas, epidemiologia e achados radiológicos. Radiografias de tórax podem mostrar nível hidroaéreo e dilatação do esôfago. Estudo radiológico contrastado do esôfago mostra esôfago dilatado, com retardo de esvaziamento e afilamento de sua porção distal (imagem em "bico de pássaro"). O padrao-ouro para o diagnóstico de acalásia é a manometria esofágica que mostra, além de hipertonia e alterações do relaxamento do esfíncter esofágico inferior, totalidade das ondas em corpo esofágico simultâneas. A endoscopia digestiva alta deve ser realizada para excluir doença maligna, visto que esses pacientes têm alto risco de desenvolver o carcinoma de células escamosas do esôfago.

 

ASPECTOS RELEVANTES

as principais manifestações clínicas da doença de Chagas crônica são a cardiomiopatia, o megaesôfago e o megacólon, sendo a cardiomiopatia chagásica muito mais comum.

o sintoma mais comum de acalásia é a disfagia, inicialmente para sólidos.

pacientes com acalásia de esôfago têm risco aumentado de câncer nesse órgão.

o diagnóstico da doença de Chagas gastrintestinal baseia-se em testes sorológicos, sintomas, epidemiologia sugestiva e achados radiológicos.

 

AGRADECIMENTO

Drª. Rosalia Morais Torres - Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG, que cedeu a imagem mostrada nesta seção.

 

REFERENCIAS

1. de Oliveira RB, Rezende Filho J, Dantas RO, lazigi N. The spectrum of esophageal motor disorders in Chagas' disease. Am J Gastroenterol. 1995;90:1119.

2. Kamiji MM, de Oliveira RB. Features of Chagas' disease patients with emphasis on digestive form, in a tertiary hospital of Ribeirao Preto, SPRev Soc Bras Med Trop. 2005;38:305.

3. Bern C, Montgomery SI? Herwaldt BL, et al. Evaluation and treatment of chagas disease in the United States: a systematic review JAMA. 2007;298:2171.