RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 13. 4

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Relato de Caso

Megaureter quadruplicado associado à duplicação ureteral contralateral: relato de caso

Megaureter quadruplication with contralateral duplicate ureter: case report

Ailton Gomes Faion1; Haroldo Pires Castro Júnior1; Guilherme Ferreira Pena2; Alessandro Tarcius Pereira Berto Silva2; Rodrigo Pires Bernis Abdo2

1. Preceptores da Residência Médica em Urologia da Fundação Benjamim Guimarães, Hospital da Baleia-MG
2. Médicos Residentes do Serviço de Urologia da Fundação Benjamim Guimarães, Hospital da Baleia-MG

Endereço para correspondência

Rodrigo Pires Bernis Abdo
Avenida Guaicuí, nº 44 apto 704, Luxemburgo
30380-380, Belo Horizonte - MG
(31) 9164-9180
E-mail: robernis@ig.com.br

Serviço de Urologia da Fundação Benjamim Guimarães, Hospital da Baleia - MG

Resumo

Paciente do sexo feminino, 12 anos, com incontinência urinária desde o nascimento e dor abdominal em fossa ilíaca direita há dois anos. Após a realização de exame clínico e exames de imagem foi diagnosticado megaureter à direita associado a hipoplasia renal ipsilateral e duplicação ureteral contralateral. Foi necessário tratamento cirúrgico, que trouxe grande benefício para a paciente.

Palavras-chave: Anormalidades, ureter, dor abdominal

 

Embora menos de 100 casos de triplicação ureteral e apenas quatro casos de ureter quadruplicado tenham sido descritos na literatura1,2, a duplicação ureteral é uma das malformações mais comuns do trato urinário, ocorrendo mais no sexo feminino, em proporção de 3:1.3 Incidência aumentada de refluxo vesicoureteral ocorre em pacientes com duplicação completa do ureter.4 A presença de dois brotos ureterais leva à formação de dois ureteres totalmente separados e duas pelves renais distintas. O ureter do segmento superior, por permanecer fixo ao ducto mesonéfrico por mais tempo, apresenta maior migração, terminando medial e inferiormente ao ureter que drena o segmento inferior em 97% dos casos (lei de Weijert-Meyer). O ureter superior pode migrar excessivamente e tornar-se ectópico e obstruído, enquanto o ureter que drena o segmento inferior pode terminar lateralmente e apresentar um curto túnel intravesical, o que resulta em refluxo vesicoureteral3, sendo o tratamento cirúrgico precoce freqüentemente indicado. A hipoplasia renal é condição rara e, com certa freqüência, acompanhada por outras anomalias da pelve, do ureter e da artéria renal. A incidência de megaureter em homens é 1,5 a 4,8 vezes maior que em mulheres; o ureter à esquerda é 1,6 a 4,5 vezes mais acometido que o direito e a incidência de agenesia contralateral é de cerca de 9%. O megaureter não é relatado como condição hereditária, mas casos de famílias com mais de um membro afetado já foram descritos.4

 

CASO CLÍNICO

Apresentamos o caso de L.T.F., 12 anos, sexo feminino, melanodérmica, solteira, estudante, natural e procedente de Lagoa da Prata - MG, com queixa principal de incontinência urinária desde o nascimento, associada a dor abdominal em cólica, há dois anos, em fossa ilíaca direita, sem irradiações, moderada, intermitente e aliviada parcialmente com uso de dipirona. Negava hematúria, eliminação de cálculos urinários, ou perda de peso recente. Ao exame físico, o único achado era dor abdominal moderada à palpação profunda da fossa ilíaca direita. Ultra-sonografia de abdome que evidenciou ausência de rim direito em sua loja anatômica, com questionamento de agenesia ou de rim ectópico pélvico malformado, associado a megaureter. Tomografia de abdome evidenciou rim esquerdo de topografia, morfologia e função preservadas e ausência de rim direito, além de lesão arredondada e hipodensa de contornos regulares em pelve direita, sugestiva de rim pélvico hidronefrótico com perda do parênquima. A urografia excretora (Figura 1) evidenciou função e excreção renais normais à esquerda, duplicação pelve-ureteral incompleta esquerda e ausência de função à direita, além de bexiga sem alterações e ausência de refluxo vesicoureteral. O rim direito não foi contrastado após pielografia (Figura 2). Ao realizarmos uretrocistoscopia, identificamos meato ureteral esquerdo sem identificarmos meato ureteral direito. A paciente foi submetida à ressecção de rim pélvico por incisão de Gibson à direita, quando encontramos ureter longo e tortuoso estendendo-se do flanco direito até a fossa ilíaca direita (Figura 3), sendo o mesmo ressecado e enviado a estudo anatomopatológico, (exame nº 00.133/02), que revelou: material constituído por segmento de megaureter malformado, mostrando quatro lúmens; três com luzes patentes e se originando do hilo renal e um deles mostrando luz em fundo cego, além de parênquima renal hipoplásico em fase de pielonefrite crônica. A paciente evoluiu bem, ficando continente no pós-operatório imediato e retornou ao ambulatório no 10º dia pós-operatório assintomática.

 


Figura 1 - Urografia Escretora. Função e excreção renais normais à esquerda. Duplicação pelve ureteral à esquerda e ausência de função renal à direita.

 

 


Figura 2 - Pielografia retrógrada. Meato ureteral direito não visibilizado. Meato ureteral à esquerda contrastado evidenciando duplicação pelveureteral à esquerda.

 

 


Figura 3 - Megaureter quadruplicado à direita (luzes indicadas pelas setas) estendo-se do flanco direito à fossa ilíaca direita.

 

 

DISCUSSÃO

Na situação relatada, é possível que a unidade pieloureteral superior drene distalmente ao colo vesical, ocasionando incontinência urinária com micções normais devido à urina coletada na bexiga pelo ureter proximal ao colo vesical. Criança com megaureter, com ou sem pieloectasia, pode apresentar clinicamente cistite, hematúria ou, como nesse caso, dor abdominal localizada.4 O megaureter pode ser diagnosticado incidentalmente durante laparotomia exploradora e seu diagnóstico é geralmente precoce, sendo mais raramente diagnosticado em adolescentes.4 O avanço nos métodos propedêuticos e a rotina pré-natal têm reduzido o diagnóstico tardio de malformações do trato urinário, proporcionando até a correção intra-útero de algumas malformações, porém o exame clínico bem feito permanece importante na valorização de sintomas que podem passar despercebidos durante a infância e adolescência e que estão relacionados a malformações do trato urinário.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- Hsu THS, Goldfarb DA. Blind-ending ureteral triplication. J Urol 1998,159:1295-8.

2- Lopes RI, Lopes RN, Filho CMB. Ureteral quadruplication with contraleteral triplicate ureter. J Urol 2001;166:979-80.

3- Kogan BA. Disorders of the ureter & Ureteropelvic junction. In: Tanagho EA, McAninch JW. Smith's General Urology. 12 th ed. California: Appleton & Lange; 1988. p.538-51.

4- King L R, Levitt SB. Vesicoureteral reflux, megaureter, and ureteral reimplantation. In: Walsh PC, Gittes RF, Perlmultter AD. Campbell's Urology. 5th ed. Philadelphia: W.B Saunders; 1986.p.2067-9.