ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Fatores obstétricos e sociais na determinação do tipo de parto em Uberaba, MG
Obstetric and social factors causing differentiation in type of delivery in Uberaba, MG
Renato Humberto Fabri1; Eddie Fernando Candido Murta2; Daniel Capucci Fabri3
1. Professor Adjunto da Disciplina de Epidemiologia da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro
2. Professor Titular da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro
3. Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade de Uberaba
Renato Humberto Fabri
Epidemiologia da FMTM
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Trabalho realizado pelas Disciplinas de Epidemiologia e Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM)
Resumo
OBJETIVO: Analisar a influência de fatores obstétricos e sociais das parturientes de Uberaba sobre os tipos de parto.
MÉTODO: Estudo retrospectivo realizado em Uberaba,MG (1996), no Hospital Escola (HE), com atendimento público, e em dois hospitais privados, sendo um com atendimento misto (público e privado, HA) e o outro só com atendimento privado (HB). Analisou-se a idade materna, estado civil, escolaridade, assistência médica, indicações de cesariana e peso do recém-nascido.
RESULTADOS: Foram estudados 1.897 prontuários, sendo que 1.295 (68,2%) do HE, 508 (26,8%) do HA e 94 (4,9%) do HB. As taxas de cesariana foram de 23,9% no HE, 43,5% no HA e 89,4% no HB. A escolaridade das puérperas foi mais elevada nos hospitais privados. No HE, o número de cesarianas foi maior entre os recém-nascidos com peso > 4.000 gramas e os de baixo peso.
CONCLUSÕES: a cesariana é mais freqüente nas pacientes com escolaridade maior.
Palavras-chave: Cesariana; Parto vaginal; Fatores socioeconómicos
Os índices de cesarianas têm-se elevado em todo o mundo nas últimas décadas.1-4 O aumento das taxas de cesarianas tem sido verificado também em países orientais. Na China, apesar da diminuição do número de nascimentos nos últimos anos, as taxas de cesariana têm aumentado significantemente.5
O Brasil possui uma das maiores taxas de cesarianas do mundo. Essas taxas atingiram 36,9% em 1999; no entanto, esse indicador apresentou importantes diferenciais entre os estados. Sudeste, Centro-Oeste e Sul destacam-se com elevados percentuais: 45,2%, 42,7% e 40,5%, respectivamente. Essas taxas são quase duas vezes maiores, se tomadas em relação à região Nordeste. Devido a restrições do SUS, as taxas de cesarianas não podem ultrapassar 30%, ficando o sistema privado com maior proporção dos mesmos.6 Estudos realizados nos hospitais da rede pública encontraram variações de 14,6% a 33,3% entre as décadas de 70 e 80.7,8 Em Uberaba, no período de 1992 a 1993, a taxa de cesariana foi de 53,2%.9 Esta alta percentagem foi decorrente da inclusão na análise dos hospitais particulares, onde os índices chegaram a 89%.10 Em hospitais universitários brasileiros, o número de cesarianas também aumentou nos últimos anos, com taxas variando de 20% a 40%.7
O aumento das taxas de cesarianas tem sido alarmante e não é justificado somente pela monitorização do bem-estar fetal.9 A desproporção cefalopélvica, o sofrimento fetal agudo e o trabalho de parto prolongado são os diagnósticos mais freqüentemente relacionados com o aumento das taxas de cesarianas.12 O tempo escasso do médico não permite acompanhamento do trabalho de parto, e fatores socioeconômicos são também apontados como fatores para este aumento.13
Os motivos desse aumento ainda não estão totalmente esclarecidos. O objetivo deste trabalho é contribuir para a análise desse problema social, avaliando os fatores obstétricos e sociais de parturientes atendidas em hospitais na cidade de Uberaba, Minas Gerais.
MATERIAL E MÉTODO
Realizou-se um estudo retrospectivo com a coleta de dados em um Hospital Escola (HE) e em dois hospitais da rede privada (HA e HB), em Uberaba-MG, de janeiro a dezembro de 1996. Foi formulado um questionário em que as variáveis analisadas foram: idade materna, escolaridade, paridade, dados relativos à gestação (tipo de parto e indicação de cesariana), tipo de assistência médica (privada, plano de saúde e público) e o peso do recém-nascido. Durante uma semana, a equipe participou de plano piloto para a aplicação do mesmo. Finalmente, a coleta dos dados só foi realizada após a autorização dos responsáveis das entidades. As informações foram, então, codificadas, aferidas para posterior análise. Devido a problemas referentes às informações com os códigos ignorados ou incompatíveis com os dados fornecidos, o número total de casos pode ser diferente, conforme a variável em estudo.
Foram levantados 2.081 prontuários, sendo 1.437 (69%) do Hospital Escola (HE), que só atende pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), portanto atendimento público gratuito; 532 (25,6%) de um hospital da rede privada (HA) com atendimento misto (SUS, planos de saúde e particulares) e 112 (5,4%) de um hospital privado, que atende pacientes conveniadas e particulares (HB). Apenas as pacientes do Município de Uberaba entraram na pesquisa, logo, 1.897 (91,2%) prontuários foram analisados e discutidos. Os Hospitais E, A e B participaram respectivamente com 1.295 casos (68,2%), 508 casos (26,8%) e 94 casos (4,9%).
RESULTADOS
Na Tabela 1, observa-se que as taxas de cesariana foram de 23,9% no HE, 43,5% no HA e 89,4% no HB. Do total de partos estudados, 615 partos foram operatórios (32,4%). O HE ficou responsável pela maior taxa de partos normais (76,1%) e a menor taxa de cesariana entre adolescentes (19%), a qual, porém, se elevou com os grupos etários subseqüentes. O grupo etário entre 20-30 anos ficou responsável pela maior proporção de partos (52,6%).
No Gráfico 1, observamos que a taxa de cesariana é mais elevada nas puérperas com nível superior, em todos os hospitais estudados. No HE, as gestantes que não têm nível superior apresentaram índices de cesarianas menores que o HA e o HB. As gestantes com nível superior do HA apresentaram índices de cesarianas maiores que os outros níveis de escolaridade.
Quanto à distribuição da paridade das pacientes e às taxas de cesarianas, Gráfico 2, verifica-se que as secundigestas do HE apresentam taxas de cesariana menores que as primigestas e as mulheres com três ou mais gestações. Não houve diferença estatisticamente significante dos índices de cesarianas comparando-se as mulheres primigestas, secundigestas e com três ou mais gestações, dos outros hospitais estudados.
Em relação ao peso dos recém-nascidos, somente no HE o índice foi estatisticamente superior em relação às faixas de peso de 2.501 a 2.999 gramas e entre 3.000 e 3.999 gramas. O HB apresentou maiores taxas de cesarianas em todas as faixas de peso comparando-se com os outros hospitais. No HE, o número de cesarianas foi maior entre os recém-nascidos com peso maior ou igual a 4.000g (45,6%) e entre as crianças com peso menor de 2.500g (29,9%). No HA, os índices de cesarianas aumentaram com o peso, e no HB, os índices não apresentaram diferenças estatisticamente significativas. Entre os grupos extremos, crianças com peso menor que 2.500g e maior que 4.000g, encontrou-se, respectivamente, 10,5% e 4,6% do total de partos e a taxa de cesariana de 31,2% e 51,9%, respectivamente (Tabela 2).
Quanto ao tipo de assistência médica, as parturientes que utilizaram o SUS no HA e HE, as taxas de cesarianas foram respectivamente 26,4% e 23,9%. Aquelas que foram assistidas em particular ou convênios, a taxa foi de 82,3% e 89,4%, respectivamente no HA e HB.
Na Tabela 3 estão as indicações das cesarianas. A distócia de apresentação (desproporção céfalo-pélvica) e a interatividade foram as responsáveis pelas maiores taxas nos três hospitais analisados, embora com freqüências diferentes.
DISCUSSÃO
Encontrou-se taxa média de cesariana de 32,4%, valor elevado se compararmos às taxas de outros países.14 O Hospital Escola é centro de referência na região e recebe os casos mais graves, o que poderia determinar freqüência mais elevada de cesarianas; no entanto, o índice de cesariana neste hospital (23,9%) tem sido inferior ao observado nas instituições privadas. Este é um fenômeno também verificado em estudo realizado no estado de Virginia (EUA), no qual também encontrou-se menor taxa de cesariana aliada a menor índice de complicações maternas nos centros acadêmicos em comparação a hospitais comunitários.14 Tal fato demonstra que o treinamento do obstetra é para o parto vaginal.
Nos hospitais por nós estudados, a maior freqüência de cesariana foi nas primíparas. Nos hospitais privados, a taxa de cesariana nas primíparas é de duas a quatro vezes maior em relação ao HE. Essas pacientes serão, em gestações futuras, candidatas a nova cesariana por iteratividade. Ainda há muito receio em se realizar partos vaginais em pacientes com mais de uma cesariana prévia, embora já seja bem difundido o conceito de que uma única cicatriz de cesariana prévia não contra-indica o parto vaginal.16
Nossos resultados mostraram que os índices de cesarianas tornam-se progressivamente maiores com a idade materna. Deve-se salientar que em grupos etários mais avançados é maior a probabilidade de que a paciente tenha-se submetido previamente a uma cesariana ou que tenha uma gestação de risco. Entretanto, os índices de cesariana são também elevados na faixa etária abaixo dos 30 anos nos hospitais privados. Isto demonstra que os altos índices de cesariana não são plenamente justificados pela maior probabilidade de gestação de risco.
Quanto ao peso, verificou-se que no HE há maior incidência de cesariana nos fetos abaixo de 2.500 gramas e acima de 4.000 gramas, que são decorrentes dos fatores de risco. Entretanto, nos Hospitais HA e HB o peso do recém-nascido não influenciou na proporção de cesariana, demonstrando que as indicações não foram baseadas em gestações de risco. Em parturientes da Escócia17 e em parturientes adolescentes no Brasil18, não encontraram-se evidências clínicas de que o peso fetal contribua para o aumento dos índices de cesariana.
O alto índice de indicação de cesariana por DCP no HB em relação aos demais Hospitais parece não estar relacionado com o peso fetal, não existindo justificativa obstétrica para esta diferença.
Nos EUA, os hospitais e planos de saúde são freqüentemente ranqueados baseando-se nas taxas de cesarianas, nas quais está implícito que menores índices de cesarianas refletem uma prática clínica mais apropriada e eficiente.19 O Ministério da Saúde do Brasil estipulou índices máximos de cesarianas nos hospitais públicos na tentativa de diminuir as altas taxas, porém isso não tem ainda surtido efeito desejável. Nos EUA, o Sistema Nacional de Saúde adotou medida semelhante, com o objetivo de atingir valores menores que 15%.20
Vários trabalhos sugerem que, além de fatores obstétricos21, há uma relação entre a condição socioeconômica da paciente e a maior freqüência de cesariana.22 No Brasil, o nível de escolaridade está relacionado à condição social, e pode ser um determinante dos elevados índices de cesarianas. O aumento das taxas de cesarianas está ligado ao conforto médico e da paciente.12 Os obstetras têm limites diferentes para realizar o parto cirúrgico em face da ambigüidade e incerteza dos diagnósticos e condutas de distocia e sofrimento fetal, principais indicações clínicas da cesariana.23 Devemos salientar a contribuição do desejo materno para a cesariana eletiva, muitas mulheres a requisitam e há médicos que realizam sem indicação obstétrica.24 Pesquisa analisando a solicitação de cesariana pela mãe concluiu que poucas mulheres requerem a cesariana na ausência de complicações obstétricas. Entretanto, os autores chamam a atenção sobre a influência do médico na indução desta solicitação pela parturiente.28 Um estudo sobre a prevalência e fatores de riscos para cesariana em diferentes grupos de imigrantes da Noruega encontrou altos índices em parturientes provenientes do Sri Lanka/India (21,3%), Somália/Eritrea/Etiópia (20,5%) e Chile/Brasil (24,3%), enquanto que o índice em mulheres norueguesas foi de 12,4%. Os critérios mais freqüentes de indicação nos grupos com índices mais elevados foram a desproporção cefalopélvica, sofrimento fetal e trabalho de parto prolongado.12
Nossos dados mostram que os altos índices de cesarianas, principalmente nos hospitais privados, não são explicados somente por fatores médicos. A cultura da cesariana no Brasil é um fato que atinge os obstetras e a sociedade.26 No Brasil há um caráter predominantemente eletivo dessas indicações.7
As escolas médicas têm priorizado o treinamento para o parto vaginal, porém os sistemas de saúde pública e privada do Brasil dificultam o obstetra na espera de horas por um parto vaginal, em decorrência de o mesmo assumir várias atividades. Além disso, a cesariana confere um certo status à mulher que associa isto à modernidade.26 É necessário que haja um trabalho educativo à população brasileira, relativo à gestação e parto, para desmistificar a cesariana como a alternativa ideal de parto.
Podemos concluir que as taxas de cesarianas em hospitais da rede privada são mais altas que no hospital universitário, provavelmente influenciadas pela escolaridade e pela indicação eletiva das cesarianas.
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