ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Seminoma primário do mediastino
Primary mediastinal seminoma
Felipe Vieira Rodrigues Maciel1; Christiano Furtado Ribeiro1; Daniela Cássia dos Santos1; Eduardo Brandao Réche1; Cássio Furtini Haddad1; Antônio Carlos Jorge Miziara2
1. Acadêmico da Faculdade de Medicina de Barbacena
2. Médico Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Ibiapaba. Professor das disciplinas de Semiologia Médica, Clínica Médica e Oncologia da Faculdade de Medicina de Barbacena
Felipe Vieira Rodrigues Maciel
Rua Wenceslau Brás, 185 - Santa Tereza
36.201-076 Barbacena - MG
(32) 3332-6065
E-mail: felipevieiramaciel@bol.com.br
Trabalho realizado no Serviço de Oncologia do Hospital Ibiapaba em Barbacena - MG
Resumo
O seminoma é um tumor maligno de células germinativas que possui como sítio primário preferencial os testículos, embora existam raros casos de localização extra-gonadal. Os autores relatam caso de seminoma primário de mediastino em paciente masculino, 26 anos de idade, que apresentava dispnéia progressiva, tosse seca, rouquidao, dor torácica eventual, obstrução óbvia da veia cava superior e massa volumosa e palpável no mediastino ântero-superior. O diagnóstico etiológico foi suspeitado pelos exames de imagem, anatomopatológico e marcadores séricos e firmado pelo estudo imuno-histoquímico. Não havia evidência de metástase à distância, mas o tumor estava localmente avançado. O tratamento proposto foi poliquimioterápico com esquema PEB (cisplatina, etoposide e bleomicina) e o paciente evoluiu sem maiores intercorrências.
Palavras-chave: Seminoma, diagnóstico, seminoma, tratamento, neoplasia, mediastino
INTRODUÇÃO
O seminoma primário do mediastino é um tumor de células germinativas (TCG) maligno, incomum, que é morfologicamente idêntico ao seu equivalente gonadal, embora possua comportamento biológico distinto, pois cresce numa localização particular.1,2,3 O tratamento deve ser individualizado, de acordo com o estadiamento do paciente, tendo o prognóstico melhorado sensivelmente nas últimas décadas pelo melhor conhecimento da etiopatogenia e história clínica da doença e pelo uso de novas abordagens terapêuticas.
RELATO DE CASO
Paciente masculino, 26 anos, leucodérmico, motorista, foi encaminhado ao Serviço de Oncologia, com quadro de dispnéia aos médios esforços, ortopnéia, tosse seca persistente, rouquidao, dor torácica esporádica e edema cervicofacial há aproximadamente dois meses. Era previamente hígido. Não existia caso de câncer na família. Não era tabagista nem etilista. Estava em regular estado geral e, ao exame, apresentava-se pletórico e possuia edema importante na face, membros superiores e regiao cervical, compatível com síndrome de veia cava superior, além de grande massa na regiao cervical inferior, indolor, endurecida, sem sinais flogísticos e aderida a planos profundos. A radiografia e a tomografia computadorizada (TC) de tórax revelaram alargamento mediastinal, com presença de massa volumosa, multilobulada, localizada no mediastino ântero-superior, com extensa compressão sobre estruturas regionais e circulação colateral exuberante, tipo cava superior. Exame clínico não mostrou anormalidades nos testículos ou no abdômen. Foi feita biópsia incisional de linfonodo pré-escaleno e o exame histopatológico revelou neoplasia infiltrativa de histogênese incerta e teve como hipóteses diagnósticas principais timoma, linfoma e tumor de células germinativas. Para elucidar a histogênese da neoplasia, foi fundamental a realização de estudo imuno-histoquímico confirmou o diagnóstico de seminoma. Terapia com hidrocortisona foi iniciada enquanto aguardava-se o resultado do exame, com o intuito de reduzir o edema peritumoral, pois o paciente apresentava-se progressivamente mais dispnéico. Foi feita dosagem da gonadotrofina coriônica humana (HCG) e alfafetoproteína (AFP), cujos valores estavam na faixa da normalidade e desidrogenase lática (LDH), cujo valor sérico estava elevado. Foram feitas ultra-sonografia (US) e TC de abdômen e pelve para estadiamento, cujos resultados foram normais. Como o tumor era localmente avançado, pelo grande tamanho da massa e comprometimento de linfonodos regionais, optou-se inicialmente por quimioterapia, com o esquema PEB (cisplatina, etoposide e bleomicina) por 4 a 6 ciclos mensais. Após o segundo ciclo, o paciente obteve melhora da sintomatologia, e a radiografia de tórax evidenciou redução acentuada do tumor mediastinal, com persistência de pequena massa na regiao hilar esquerda.
DISCUSSÃO
No homem, o testículo é a localização preferencial para os TCG,4 embora eles também ocorram raramente em outras estruturas em torno da linha mediana como o retroperitônio, regiao sacrococcígea, glândula pineal e o mediastino,1,5 sendo esta última a localização extragonadal mais freqüente, representando 1% a 3% de todos os tumores.6
A história clínica da neoplasia, a responsividade da doença à terapia e o prognóstico variam de acordo com o subtipo histológico. Classicamente, estes tumores são divididos em benignos (teratomas) e malignos, sendo estes últimos subdivididos em dois grandes grupos: semi-nomatosos e não-seminomatosos, servindo esta classificação tanto para localização primária testicular quanto para extragonadal. Os tumores não-seminomatosos (teratocarcinoma, coriocarcinoma, carcinoma embrionário e carcinoma de saco vitelino) apresentam, em conjunto, prognóstico mais reservado. Separadamente, o semi-noma, na sua forma pura, é o subtipo histológico maligno que mais freqüentemente acomete o mediastino, constituindo 1/3 a 1/4 do total de casos.7,8
O seminoma primário do mediastino acomete preferencialmente pacientes nos terceiro e quarto decênios de vida e afeta quase exclusivamente homens, tendo sido publicados pouquíssimos casos de seminoma no mediastino em mulheres.6,7,9
Clinicamente, o seminoma mediastinal leva a sintomas relacionados à compressão ou estimulação de estruturas adjacentes, como tosse, dor torácica, dispnéia e hemoptise.2,7 Síndrome de veia cava superior está presente em 10% a 20% dos casos.3,8,9 O paciente pode apresentar ainda linfadenomegalias e sintomas de doença metastática, sendo os pulmoes, o fígado e os ossos os locais mais atingidos.10 Número significativo de pacientes podem estar assintomáticos, sendo o diagnóstico suspeitado por exames radiográficos de rotina.2
Paciente com suspeita de seminoma mediastinal deve sempre realizar radiografia e TC de tórax para se determinar o tamanho da tumoração e o envolvimento hilar e do parênquima pulmonar adjacente. TC abdominal pode ser útil para pesquisar metástases hepáticas e, menos comumente, câncer silencioso no retroperitônio. Exame físico cuidadoso dos testículos deve ser suplementado pela US quando se palpar anormalidades. Testes de função hepática, cintilografia óssea e TC cerebral podem ser utilizados quando guiados pela sintomatologia. A mensuração dos marcadores tumorais HCG, AFP e LDH é indispensável. O seminoma pode estar associado com baixa elevação do HCG (geralmente inferior a 100mIU/ml), mas elevação significativa de AFP é diagnóstica de tumor maligno com componente não-seminomatoso.10 A LDH se eleva tanto no seminoma quanto nos outros cânceres germinativos. O diagnóstico é firmado através do exame histopatológico da peça ou biópsia, sendo esses tumores histologicamente indistinguíveis dos seus semelhantes gonadais. Por vezes, apenas o estudo imuno-histoquímico poderá fazer a elucidação da natureza da lesão, sendo selado o diagnóstico de seminoma quando se encontra positividade para fosfatase alcalina placentária (PLAP).2
Uma variedade de neoplasias primárias e metastáticas crescem no mediastino, sendo que o diagnóstico diferencial deve ser estabelecido principalmente entre os TCG, o timoma e o linfoma. Metástases para o mediastino de seminomas testiculares são raras, sendo poucos os casos documentados.11 Revisões coletivas de tumores mediastinais em adultos e crianças nos oferecem estimativa da incidência dessas neoplasias. Segundo Mullen e Richardson,12 lesões tímicas são os tumores mais comuns, representando 47% dos casos nos adultos, seguido dos linfomas (23%) e dos tumores de células germinativas (15% do total). Ao se levar em consideração apenas as neoplasias malignas germinativas, este valor abaixa para 6%13 dos tumores mediastinais.
A patogênese permanece incerta, mas alterações genômicas são, inegavelmente, importantes, tendo sido encontrado um isocromossomo do braço curto do cromossomo 12, i(12p) em mais de 80% dos pacientes.5 Numerosas teorias têm sido apresentadas para explicar a origem extragonadal do seminoma, sendo que a maioria dos autores concorda que este tumor representa entidade verdadeira5,14 e não apenas metástase de tumor testicular oculto ou em regressão.
O tratamento desses pacientes deve ser individualizado, levando-se em consideração o estadiamento e a condição clínica. Por muitos anos, a radiação intensa do mediastino foi considerada o tratamento de escolha para os seminomas mediastinais.7,15 El Domeiri et al16 sugerem que a excisão total é desejada em tumores pequenos e ressecáveis antes da irradiação, mas alguns autores consideram isso desnecessário, visto que o seminoma mediastinal, assim como seu equivalente gonadal, é extremamente radiossensível e potencialmente radiocurável. A dose recomendada é de 3000 a 5000 rads durante três a seis semanas.17 Radioterapia profilática nos linfonodos supraclaviculares, infraclaviculares e cervicais inferiores também foi sugerido.15 A sobrevida com esse tratamento é estimada em 69%, em 10 anos.3 Pacientes com tumores muito grandes, que levam a sintomatologia exuberante, devem iniciar quimioterapia prévia com o intuito de reduzir rapidamente os sintomas, melhorar a radiorresponsividade, evitar irradiação excessiva das estruturas mediastinais normais e impedir o crescimento de focos metastáticos à distância. A introdução de quimioterapia com cisplatina no tratamento desses pacientes elevou consideravelmente o prognóstico, sendo que, atualmente, 70% a 80% dos pacientes com doença avançada se tornam livres da doença com essa terapia.18 Assim, a quimioterapia com cisplatina, em combinação com agentes como a bleomicina e o etoposide (esquema PEB) se tornou o tratamento padrao para TCG.19
O seminoma de mediastino possui curso clínico relativamente favorável, sendo o prognóstico melhor que do tumor mediastinal não-seminomatoso e pior que do seminoma gonadal primário. Isso ocorre porque a túnica albugínea do testículo confina o tumor e previne a disseminação local por longo período, ao passo que, no mediastino, pela proximidade dos grandes vasos, a disseminação hematogênica é mais precoce. Além disso, normalmente, o tumor mediastinal se apresenta em um estágio mais avançado ao diagnóstico, porque ele cresce bastante até produzir os primeiros sintomas.17 Alguns fatores se associam a maior potencial de progressão da doença, incluindo idade acima de 35 anos, presença de febre, síndrome da veia cava superior, adenopatia cervical ou supraclavicular e evidência radiográfica de envolvimento hilar. A sobrevida média em cinco anos é de 75%.9
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