ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Depressão em universitários de Itajubá (Minas Gerais)
Depression among university students in Itajubá (Minas Gerais)
Carlos David Segre1; Ana Claudia Aragão Delage2; Juliana Barbosa Pellegrini2; Karla Neder Nisticó2; Tatiana Barbosa Pellegrini2; Vivian Kiyomi Azuma2
1. Mestre e Doutor em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da FMUSP, diretor do NDPPG (Núcleo de Desenvolvimento de Pesquisa e Pós-Graduação) da Faculdade de Medicina de Itajubá, MG
2. Acadêmicas do 4º ano de Medicina da Faculdade de Medicina de Itajubá, MG
Carlos David Segre
Rua Paulo Vieira, 374/114 A
São Paulo, SP CEP 01257 - 000
Tel: (11) 38755123 e 38790356
Disciplina de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Itajubá-MG
Resumo
Com o objetivo de reconhecer a prevalência da depressão entre os universitários de Itajubá, foram estudados 352 acadêmicos de três áreas (humanas, biológicas e exatas) e compararam-se sintomas depressivos entre elas. Para isso foi utilizado o Inventário de Depressão de Beck. Foi encontrado, em média, o valor de 4,3% de depressão na amostra estudada, sendo que, na área de humanas, esse valor foi de 7,9%; na área de biológicas, foi de 2,2% e, na de exatas, 4,7%. Ao comparar, estatisticamente os dados coletados nas três áreas, com intervalo de confiança de 95%, não houve significância estatística, sendo p = 0,08. O mesmo ocorreu quando comparadas as áreas de biológicas e exatas (p=0,15) e exatas e humanas (p=0,31); ao comparar as áreas de humanas e biológicas (p=0,02), foi atingida a significância estatística. Irritabilidade e culpa são fatores que merecem destaque na pesquisa realizada. São emoções comuns, que aparecem, freqüentemente, nas várias síndromes psiquiátricas. Irritabilidade e culpa não são apanágio da depressão; contudo, a culpa, particularmente, é elemento psicodinâmico que aparece quase sempre de modo explícito ou implícito, junto com tristeza, desânimo, ansiedade, decepção e outros.
Palavras-chave: Depressão/Epidemiologia; Estudantes; Universidades; Emoções
A depressão é uma síndrome psiquiátrica freqüente, caracterizada por conjunto de sinais e sintomas psíquicos e somáticos, que podem surgir em associação com doenças orgânicas.1
A vida moderna provocou o enfraquecimento da cultura brasileira que antes fornecia, por meio de rituais e crenças, mecanismos compensatórios e protetores contra os efeitos nocivos da sociedade, como a competição, a rivalidade e a agressão. Esses elementos geram empobrecimento das relações interpessoais e atuam como uma das várias causas de depressão.2
Devido a esses fatores aliados, e talvez à maior facilidade de diagnóstico, a depressão é um dos transtornos psiquiátricos de maior prevalência, estimando-se que até 6% da população em geral seja acometida por estados depressivos e, ao longo da vida, 15% apresentarão quadro depressivo.1
Esta pesquisa teve como objetivo analisar a depressão e os sintomas depressivos, como crises de choro, oscilações do humor, fadiga, isolamento social, perda do interesse, alteração no sono e no apetite, irritabilidade, ideação suicida, diminuição das atividades diárias, negativismo e perda da auto-estima.3 A população-alvo foi de universitários do município de Itajubá e foram comparados os resultados obtidos entre as áreas de humanas, exatas e biológicas.
Para isso, foi utilizado como parâmetro de avaliação o Inventário de Depressão de Beck (BDI), que é instrumento para medir as manifestações de comportamento da depressão e aborda, em suas categorias, os sintomas depressivos mais freqüentes. O BDI, que antes era instrumento de entrevista somente utilizado por profissionais treinados, foi posteriormente revisado, em 1996, por Beck e outros, e passou a ser utilizado para a auto-aplicação.3 Este é um estudo preliminar cuja proposta é conhecer a saúde mental dos universitários, de modo a sugerir, posteriormente, um programa composto de orientação e acompanhamento psiquiátrico, reconhecimento de casos graves de doença mental, psicoterapia e tratamento medicamentoso.
MATERIAIS E MÉTODOS
Durante o primeiro semestre do ano de 2001, foi conduzido estudo-piloto realizado com estudantes de três áreas universitárias: biológicas, exatas e humanas. Aplicou-se questionário de propriedades psicométricas da versão em português do inventário de Depressão de Beck, que é uma medida de auto-avaliação de depressão.
A população de referência constituiu-se de universitários residentes no município de Itajubá, sem levar em consideração a idade dos mesmos.
Na área universitária biológica, foi selecionada uma amostra aleatória de 139 pessoas, representando os cursos de Medicina, Nutrição e Biologia, sendo essa amostra dividida entre os vários anos de cada curso. O mesmo foi feito na área de exatas, sendo escolhidos os cursos de Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica e Matemática; essa amostra foi de 150 pessoas. Já na área de humanas, o total foi de 63 pessoas e o curso escolhido foi História, único disponibilizado pela instituição procurada.
Os indivíduos foram avaliados por meio do BDI desenvolvido por Beck et al. O questionário consiste em 21 grupos de afirmações, incluindo sintomas e atitudes cuja intensidade varia de 0 a 3.
O BDI foi entregue pelos autores, acadêmicos do 4º ano do curso de Medicina, ao coordenador de cada curso analisado, que ficou responsável pela aplicação dos questionários durante o período das aulas e posterior entrega destes aos responsáveis pelo trabalho.
Para avaliação dos sintomas depressivos entre os universitários, foram coletados dados dos 21 itens do BDI, utilizando-se escores de 0 a 20, como ausência de depressão, e de 21 a 63, como presença de depressão. Os dados foram analisados pelo programa Statistic 2.0.
RESULTADOS
No total de 352 universitários pesquisados, no município de Itajubá, foi encontrado o valor médio de depressão de 4,3 %, sendo que, na área de humanas, obtivemos 7,9% , na área de biológicas 2,2% e, na de exatas, 4,7 % (Tabela 1).
Comparando-se estatisticamente os dados coletados com um intervalo de confiança de 95%, verificaram-se os seguintes resultados: entre as três áreas, obtivemos um p = 0,08; entre biológicas e exatas, p = 0,15; entre exatas e humanas, p= 0,31 e, entre humanas e biológicas, p= 0,02, tendo este resultado atingido significância estatística.
Analisando cada um dos 21 itens separadamente, nota-se predomínio de alguns sintomas depressivos semelhantes nas três áreas (Tabela 2). Destaque-se o item 5, que diz respeito ao sentimento de culpa, verificando que 65,7% de biológicas, 57,3% de exatas e 67,6% de humanas responderam que se sentem culpados às vezes. Também pode-se destacar o item 11, que se refere à irritabilidade, que apresenta uma porcentagem alta na sua afirmativa de maior intensidade, sendo que nas áreas de biológicas, exatas e humanas os valores foram de 11,8%, 10,2% e 12,6%, respectivamente.
Em contrapartida, pode-se dar ênfase também ao fato de que alguns itens obtiveram altas porcentagens no que se refere à ausência de sintomas, como no item 3, que se refere ao sentimento de fracasso, tendo suas porcentagens de 97,2% em biológicas, 90,7% em exatas e 92% em humanas. Questão que mereceu destaque pela alta porcentagem foi a que se refere ao item 21 (interesse sexual), pois 91,9% dos universitários de biológicas responderam que não houve nenhuma mudança recente nesse comportamento, sendo que, nas outras duas áreas, esse índice não foi tão alto.
DISCUSSÃO
O presente estudo coloca em relevo os estados depressivos, devido à sua prevalência na população em geral, que é de até 6%, segundo revisão de Vidal.1
Esta pesquisa encontrou o valor de 4,3% de depressão, o que está de acordo com os dados da revisão feita por Vidal.1
Em relação às áreas estudadas, na de humanas, obteve-se porcentagem de 7,9 de indivíduos acometidos pela depressão. Uma das possíveis explicações para esse achado foi o fato de se ter analisado apenas um curso desta área - História. Nele, diversos integrantes da amostra estavam submetidos a uma mesma rotina, mesmos horários de aulas, professores, datas de provas, dificuldade nas matérias e organização do curso.
Na área de biológicas, o resultado encontrado foi o menor dentre as três áreas, 2,2%. Uma possível justificativa seria que, embutidos nesse valor, estão possíveis falsos negativos, pois a maior parte da amostra é formada por acadêmicos de Medicina, que possuem fácil acesso a substâncias psicoativas, principalmente ansiolíticos e antidepressivos, como foi comprovado pelo estudo de Ribeiro.4 Cita-se ainda que maior conhecimento da fisiologia humana e de suas possíveis alterações permite o reconhecimento precoce dos sintomas depressivos, bem como seu tratamento. Outra hipótese seria a de que o estudante de Medicina, desde o primeiro ano, tem contato com matérias de saúde mental (Psicologia e Psiquiatria), realizadas como terapias de grupo, favorecendo o desenvolvimento psicológico e o ensinando a lidar com frustrações, desejos, fracassos e tristezas.
No entanto, esperava-se encontrar maior porcentagem de indivíduos com depressão na área de biológicas, creditando isso ao fato de que os acadêmicos de Medicina lidam com situações adversas, como os problemas sociais de seus pacientes, a ineficácia do Sistema Único de Saúde, doença e, principalmente, a morte, deixando-os impotentes, frustrados e com maior chance de ter depressão.
O valor da prevalência de depressão encontrado na área de exatas foi de 4,7%, o que está de acordo com o valor encontrado por Vidal1.
Os resultados estatísticos obtidos neste estudo indicam que não há diferença significativa entre as três áreas (p>0,05). Ao analisarmos as áreas de humanas e biológicas juntas, encontramos significância estatística, o que é facilmente observado nos valores de suas prevalências, que são os extremos, 2,2 % e 7,9 %, respectivamente.
Os sintomas depressivos que predominaram no questionário foram a sensação de culpa e a irritabilidade, sendo estes possíveis conseqüências das novas imposições da vida moderna. O indivíduo tem de conviver com vários tipos de estresse, como a aceleração do ritmo de vida diário, a competição e a luta pela sobrevivência, que, embora sejam de todas as épocas, sofrem aumento constante por causa do crescimento numérico da população e da piora das condições da existência (desemprego e instabilidade). Além disso, o sentimento de culpa pode estar relacionado com as deficiências dos dispositivos de personalidade, que são a capacidade de falar de si mesmo, a maneira de lidar com a vida e o suporte familiar .
A julgar pelos dados obtidos, a sintomatologia depressiva está presente em amostra significativa dos universitários, o que demonstra a importância de detectá-la precocemente para que situações como a sensação de culpa, a irritabilidade e até mesmo ideações suicidas sejam conhecidas e abordadas de maneira adequada por profissionais capacitados.
É importante pesquisar, de forma mais detalhada, as variáveis que atuam nesses universitários e que podem levar à depressão.
CONCLUSÃO
A Organização Mundial de Saúde considera a depressão como problema que não interessa somente ao psiquiatra, mas à população em geral. Isso porque ela deve ser considerada verdadeiramente como doença, no sentido estrito do termo, pelo sofrimento que acarreta e pelas graves conseqüências que pode ocasionar (suicídio, abandono de emprego, separações conjugais, uso de drogas, baixo desempenho escolar, etc.).
Conclui-se que:
Ocorreu uma prevalência de depressão de 4,3% entre os universitários, o que se aproxima do valor de até 6% da população em geral.1 É útil lembrar que a depressão, geralmente, acomete populações com mais idade do que a investigada. Não houve diferença significativa de sintomas depressivos quando comparadas, em conjunto, as áreas de humanas, exatas e biológicas (p>0,05). Não foi significativa, estatisticamente, a diferença da depressão quando comparadas as áreas de biológicas e exatas (p=0,15) e exatas e humanas (p=0,31). Encontrou-se significância estatística entre humanas e biológicas (p=0,02). Houve alta prevalência da sensação de culpa nas três áreas estudadas, sendo que, na de humanas, foi de 67,6%; na de biológicas, 65,7% e, na de exatas, 57,3%. Houve alta prevalência, no quesito de maior intensidade, no item referente à irritabilidade, sendo que nas áreas de humanas, biológicas e exatas, seus valores foram de 12,6%, 11,8% e 10,2%, respectivamente.
Os dados indicam a importância da avaliação da saúde mental do acadêmico, consistindo de consulta psicológica, dinâmica de grupo e tudo o que facilite a manutenção do equilíbrio psíquico do indivíduo. Apontam, ainda, para a necessidade de se investigar a alta prevalência do sentimento de culpa e irritabilidade.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Hector Arango, pelo auxílio na parte estatística, e à professora Maria Auxiliadora, pelas correções de português. Em especial, ao Dr. Kleber Lincoln Gomes, pelo apoio e incentivo na realização desta pesquisa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1- Vidal CEL. Depressão e doença física. Inform Psiquiatr 1994;13(supl.1):S19-S22.
2- Barreto A. Depressão e cultura no Brasil. J Bras Psiquiatr 1993;42(supl 1):13S-6S.
3- Gorenstein C, Andrade L. Inventário de Depressão de Beck-Psicométricas da Versão em Português. In: Gorenstein C, Andrade LHSG, Zuardi AW, eds. Escalas de avaliação clínica em psiquiatria e psicofarmacologia. São Paulo: Lemos; 2000. p 89-93.
4- Ribeiro MS, Ronzani FAT, Alves MJM. Consumo de substâncias psicoativas entre estudantes de Medicina da UFJF. J Bras Psiquiatr 1997;46(12):631-8.
5- Porto JAD. Depressões e transtorno bipolar do humor. In: Prado FC, Ramos J, Valle JR, eds. Atualização terapêutica. 20ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 2001. p 1329-37.
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