RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 13. 1

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Educaçao Continuada

Cistos adrenais: revisão da literatura

Adrenal cysts: literature review

Ricardo Alexandre Fernandes Ferro1; Helenice Gobbi2; Paulo Roberto Savassi Rocha3; Marco Antônio Gonçalves Rodrigues4

1. Médico Residente de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
2. Profª. Adjunta do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Medicina
3. Prof. Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Medicina
4. Prof. Adjunto do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Medicina

Endereço para correspondência

Ricardo Alexandre Fernandes Ferro
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Tel: (31) 99069198 / 32412337
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Instituto Alfa de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

Resumo

Os cistos adrenais são rara condição clínica, pouco conhecida, de modo geral. Realizamos revisão da literatura sobre Cistos Adrenais, considerando os aspectos de incidência, classificação, quadro clínico, exames complementares, diagnóstico diferencial e tratamento.

Palavras-chave: Cistos adrenais; Zona Reticular

 

As lesões císticas da adrenal são raras, geralmente assintomáticas e não-funcionantes, sendo a maioria dos casos encontrada acidentalmente ou em necrópsia.1,2 Os pseudocistos hemorrágicos são geralmente maiores e sintomáticos (Fig. 1). Alguns Cistos Adrenais (CA) são conseqüência de anomalia vascular hamartomatosa, assim como podem decorrer de traumatismos.3 O primeiro caso foi relatado por Griselius, em 1670. Até 1999 foram descritos, aproximadamente, 600 casos na literatura mundial.1,4,5,6

 


Figura1 - Aspecto macroscópico do pseudocisto hemorrágico adrenal

 

INCIDÊNCIA

A incidência dos CA varia de 0,02% a 0,18 % dos casos de necrópsia.1,7 As mulheres são mais freqüentemente acometidas, numa razão de 2 : 1 a 3 : 1.14,7,8,9,10,11,12,13 Aparecem sobretudo entre 40 e 60 anos, com pico de incidência no quinto decênio de vida.10,11,14,15 No entanto, podem ocorrer em crianças e recém-nascidos,16,17,18,19 sendo freqüentes nos de baixo peso e nos prematuros. Na infância, são quase sempre pseudocistos. Os CA são, usualmente, unilaterais, sendo bilaterais em apenas 8% a 15% dos casos.7,11,12,20,21,22 Ambos os lados são acometidos igualmente.

 

CLASSIFICAÇÃO

Os CA são classificados em quatro categorias, de acordo com características etiomorfopatogênicas, a saber:

1.Parasitários - são raros (6,5% dos casos), sendo a eccinococose sua principal etiologia;

2.Epiteliais - responsáveis por cerca de 9% dos CA, são subdivididos em cistos glandulares congênitos (de retenção), adenoma cístico e cistos embrionários;

3.Endoteliais - são os mais comumente encontrados (45% dos casos), existindo três subdivisões: linfangiectásicos, angiomatosos e hamartomatosos;

4.Pseudocistos - subdividem-se em hemorrágicos, benignos e malignos. O pseudocisto adrenal é o tipo de CA não-funcionante e sintomático mais freqüente.(23) São causados principalmente por traumatismos, síndrome de Waterhouse-Friderichson, tumores sangrantes, diátese hemorrágica, infarto séptico, choque e ruptura de aneurisma da artéria supra-renal.14,24

Habitualmente são grandes, arredondados, uniloculares, contendo sangue ou líquido serohemorrágico e limitados por cápsula fibrosa.4,10,14,25 Apresentam, como característica importante, adesão às estruturas vizinhas, simulando neoplasias malignas.16,26

 

QUADRO CLÍNICO

Os CA são, geralmente, oligo ou assintomáticos, dificultando seu diagnóstico pré-operatório.2,7,8,9 Quando sintomáticos, o grande volume do cisto é responsável pela maior parte dos sintomas. Quando apresentam atividade endócrina, cursam com sintomatologia variada.

Em 1959, Abeshouse4 descreveu uma tríade clínica composta por dor lombar, sintomas digestivos e massa no flanco, aceita por vários autores como patognóstica de CA.7,9,10,22,25 As principais queixas são náuseas, vômitos, constipação, eructação e distensão abdominal. As anormalidades endócrinas podem ser isoladas ou associadas, como insuficiência adrenal, síndrome de Cushing, síndrome adreno-genital e hipertensão arterial. Anemia e febre são achados comuns nos cistos hemorrágicos.15,27,28 Existem relatos de abdome agudo hemorrágico.29,30 Sintomas como mal-estar, fadiga e emagrecimento são raramente descritos.8 Vezina et al.15 observaram massa palpável em 33% dos CA, correlacionaram esse achado com a intensidade da dor e verificaram que os indivíduos assintomáticos tinham volume médio dos CA significativamente menores.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

No passado, o diagnóstico de CA era feito no peroperatório ou durante necrópsia.8,21 Com o auxílio dos métodos de imagem, particularmente da tomografia computadorizada, é possível diagnosticá-lo no pré-operatório. A arteriografia seletiva da artéria supra-renal (Fig. 2) tem importância no diagnóstico diferencial com lesões císticas dos órgãos vizinhos. Nos casos de grande dificuldade diagnóstica, alguns autores sugerem punção biópsia do cisto, guiada por ultra-sonografia, com análise do líquido aspirado e dosagem dos hormônios adrenais.22,31 Esse método pode ser terapêutico se empregada drenagem percutânea. Nas áreas endêmicas para eccinococose, a drenagem deve ser evitada.

 


Figura 2 - Arteriografia seletiva da artéria renal direita evidenciando imagem cística em topografia adrenal

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial dos CA é feito principalmente com lesões malignas renais e adrenais, além de cistos hepáticos, esplênicos, renais e mesentéricos.4,7,8,9,12,21,25,32

 

TRATAMENTO

O tratamento cirúrgico não constitui necessidade absoluta nos CA; eles podem ser tratados de maneira expectante. As principais indicações cirúrgicas são: compressão de órgãos adjacentes, sintomatologia importante e/ou problemas endócrinos, e dificuldade em afastar lesão maligna.1,9,10,12,24,25,33 Se a suspeita de malignidade é pequena e a lesão é não-funcionante, o CA pode ser tratado com aspiração e, nos casos de cistos sintomáticos recorrentes, pode-se proceder a nova aspiração ou realizar excisão cirúrgica.6 Nos casos de pseudocisto hemorrágico, a anemia, a dor e o risco de sua ruptura impõem o tratamento cirúrgico.8,10,14

Para alguns autores, a possibilidade de malignidade justificaria a exploração cirúrgica sistemática.1,7,14,24,34 Entretanto, outros15,22,31,32 têm sugerido que o procedimento cirúrgico seja realizado somente nos casos em que a punção propedêutica evacuadora do CA evidenciar líquido hemorrágico, presença de células neoplásicas, ou quando seu esvaziamento não for suficiente para melhorar os sintomas ou ainda persistir dúvida diagnóstica.

Quando exeqüível, a enucleação do CA com preservação da glândula constitui a operação de escolha. Nos casos de cistos bilaterais, deve-se proceder à ablação total dos cistos, com preservação glandular. Na ausência de malignidade, não sendo possível a enucleação por fragilidade da parede do cisto ou pela presença de aderências às estruturas vizinhas pode-se optar pela exérese parcial, com marsupialização.

A cirurgia videolaparoscópica, sempre que possível, deve ser o procedimento de escolha, já que trata os CA efetivamente, é minimamente invasivo, preservando o parênquima adrenal.1,35

Mais recentemente, tem-se adotado a cirurgia videolaparoscópica para os CA de até 8 cm. Os de 9 cm a 15 cm são motivo de controvérsia e os maiores que 15 cm devem ser abordados por via laparotômica transversal transperitoneal.

 

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