ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Fístula Pleuropancreática com Pseudocisto Intratorácico: relato de caso
Pancreaticopleural Fistula with Intrathoracic Pseudocyst: case report
Cláudio Henrique Rebello Gomes1; Graziele Sales Diniz2; Fernanda Martins Ribeiro3; Elisa da Cunha Teixeira4; Aline Aparecida Campos Reis3; Faustino Teixeira Neto5
1. Médico Assistente do Serviço de Nutrição Parenteral e Enteral da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, MG (SCM-BH)
2. Médica Especializanda do Serviço de Nutrição Parenteral e Enteral da SCM-BH
3. Acadêmica do 5º ano de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e Estagiária do Serviço de Nutrição Parenteral e Enteral da SCM-BH
4. Acadêmica do 6º ano de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e Estagiária do Serviço de Nutrição Parenteral e Enteral da SCM-BH
5. Médico-Chefe do Serviço de Nutrição Parenteral e Enteral da SCM-BH
Fernanda Martins Ribeiro
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Serviço de Nutrição Parenteral e Enteral da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte
Resumo
A fístula pleuropancreática, complicação rara da pancreatite crônica, geralmente, é resultado da ruptura de pseudocisto ou do ducto pancreático, fistulizando para o espaço pleural. Os autores relatam caso de paciente de 44 anos, feodérmico, do sexo masculino, com diagnóstico prévio de pancreatite crônica de etiologia alcoólica, apresentando quadro de dispnéia aos esforços, tosse seca, dor torácica ventilatório-dependente com evolução de sete dias. Foi submetido a toracocenteses de alívio, sendo a dosagem de amilase no líquido pleural de 27.816 UI/l. Radiografias de tórax evidenciaram esboço de coleção intrapleural, confirmada por tomografia computadorizada de tórax. O paciente foi tratado, clinicamente, com jejum e nutrição parenteral total durante 22 dias. Evoluiu com remissão dos sintomas e do derrame pleural. A colangiopancreatografia endoscópica retrógrada realizada ao final do tratamento não demonstrou comunicação pleuropancreática.
Palavras-chave: Pancreatite - Complicações; Doença Crônica; Fístula Pancreática; Derrame Pleural
A fístula pleuropancreática é uma complicação rara da pancreatite crônica.1
Fístula é usualmente definida como comunicação anormal entre duas faces revestidas por epitélio. No caso da fístula pancreática, essa definição deve ser mais abrangente, incluindo, também, comunicações entre o ducto pancreático e a cavidade peritoneal (ascite pancreática) ou a cavidade pleural (fístula pleuropancreática), assim como a comunicação entre o ducto e víscera oca ou pele. As fístulas pancreáticas internas, normalmente, ocorrem de forma espontânea. A fístula pleuropancreática é interna e resulta da ruptura do ducto pancreático ou do escape líquido proveniente de pseudocisto, e seu reconhecimento depende do grau de suspeita clínica e dos meios de diagnóstico disponíveis.2
RELATO DE CASO
JCA, sexo masculino, 44 anos de idade, etilista inveterado, com diagnóstico prévio de pancreatite crônica de etiologia alcoólica, evidenciada por tomografia computadorizada (TC) de abdome (atrofia do parênquima pancreático, dilatação do ducto pancreático, calcificações e pseudocisto) (Figura 1). Foi admitido na Santa Casa em julho de 2000, com quadro de dispnéia aos esforços, tosse seca intensa e dor torácica ventilatório-dependente com evolução aproximada de sete dias, sem outras queixas. Ao exame físico, o paciente apresentava macicez à percussão, diminuição do frêmito tóraco-vocal e murmúrio vesicular abolido nos dois terços inferiores do hemitórax direito.
A radiografia de tórax evidenciou grande derrame pleural à direita e imagem caprichosa de forma esférica ipsilateral (Figura 2). O paciente foi submetido a toracocentese de alívio e evoluiu com recorrência do derrame pleural. Foi realizada nova toracocentese e análise do líquido pleural, que evidenciou amilase de 27.816 UI/l. Foi considerada a hipótese de fístula pleuropancreática.
Paciente foi transferido para o Serviço de Nutrição Parenteral e Enteral e tratado clinicamente com jejum e nutrição parenteral total (NPT). Durante 22 dias de NPT, foram necessárias mais duas toracocenteses de alívio, uma vez que houve recorrência do derrame pleural. A quarta toracocentese resultou em pneumotórax confirmado por radiografia de tórax que mostrou a permanência da imagem caprichosa, de forma cística sugestiva, no hemitórax direito (Figura 3). Foi realizada drenagem em selo d'água. A TC de tórax constatou dreno torácico atingindo imagem de forma esférica e circundada por parênquima pulmonar (Figura 4).
Em seguida, paciente evoluiu com remissão dos sintomas, sem refazer o derrame pleural. A colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER), realizada posteriormente à drenagem do pneumotórax, não mostrou comunicação pleuropancreática e constatou pseudocistos (Figura 5). Então, a NPT foi suspensa e a dieta oral reiniciada. O paciente obteve alta hospitalar assintomático.
DISCUSSÃO
A fístula pleuropancreática ocorre em 0,4% dos pacientes com pancreatite. Essa incidência aumenta para 3% naqueles com pseudocisto.3
A ruptura posterior de pseudocisto ou do ducto pancreático permite o escape de líquido pancreático através do hiato esofageano ou aórtico, criando pseudocisto mediastinal.4 Derrame pleural importante ocorre quando há ruptura do pseudocisto para uma ou ambas as cavidades pleurais. Outra alternativa é o líquido pancreático extravasado atravessar o retroperitônio para ganhar acesso direto a uma ou às duas cavidades plurais.2 O derrame pleural é grande e recorrente. Usualmente, ele ocorre à esquerda, mas pode ocorrer à direita ou bilateralmente.1
O quadro clínico da fístula pleuropancreática é marcado pelo predomínio dos sintomas respiratórios sobre os abdominais. O principal achado laboratorial é o alto nível de amilase encontrado no líquido pleural. O diagnóstico diferencial deve ser feito com condições que também aumentam a amilase no líquido pleural: pancreatite aguda, perfuração esofágica, adenocarcinoma do pulmão, carcinomas do trato genital feminino.1 A CPER e a TC são importantes métodos diagnósticos nas fístulas pleuropancreáticas. A TC identifica atrofia do parênquima pancreático, dilatação do ducto pancreático, calcificações e pseudocistos na pancreatite crônica, podendo, raramente, evidenciar a presença de trajeto fistuloso entre o pâncreas e a cavidade pleural.5,6 A CPER permite a visualização da anatomia do ducto pancreático e a demonstração de trajetos fistulosos com extensão para cavidade pleural, embora ela possa falhar em demonstrar a completa anatomia da fístula pleuropancreática.5, 6
O tratamento da fístula pleuropancreática é, inicialmente, clínico e consiste em "repouso pancreático" por meio do jejum e estabelecimento de NPT.2 Em alguns casos, a inibição farmacológica da secreção pancreática com o octreotídeo, análogo da somatostatina, contribui para o fechamento espontâneo da fístula pancreática.
Alguns fatores, como obstrução distal do ducto pancreático, hiponatremia e hipoalbuminemia, podem contribuir para a falência do tratamento clínico.7 Entretanto, as estatísticas revelam que, em média, 40% a 65% dos pacientes apresentam fechamento espontâneo da fístula com tratamento clínico.8, 9, 10, 11 e 12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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