RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 13. 1

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História da Medicina

Medicina Tropical em Minas Gerais

Tropical Medicine in Minas Gerais

Enio Roberto Pietra Pedroso1; Jayme Neves2

1. Professor titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (CLM/FM-UFMG)
2. Membro da Academia Mineira de Medicina, Professor titular aposentado e Professor Emérito do Departamento de Clínica Médica/FM-UFMG

Endereço para correspondência

Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG
Avenida Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia
CEP 30240-100 Belo Horizonte - Minas Gerais

Resumo

É descrita, de forma sumária, a contribuição de Minas Gerais à medicina tropical brasileira. Dos primórdios do Brasil aos dias atuais, Minas Gerais participou ativamente do desenvolvimento das ciências, da assistência médica e da formação de recursos humanos em todos os níveis, com extrema importância para a etapa evolutiva observada hoje no Brasil.

Palavras-chave: Medicina Tropical/história; História da Medicina; Brasil

 

Até o século passado, as principais questões de saúde humana se relacionavam às infecções. Parcelas significativas da população de importantes cidades européias eram dizimadas por epidemias de peste ou cólera. A partir do século XV, doenças epidêmicas foram introduzidas na Europa ou levadas às colônias em conseqüência das viagens transoceânicas e das trocas comerciais, em especial para as regiões tropicais. Aquelas trazidas especialmente da África e da Ásia, foram nomeadas como dos trópicos ou tropicais, revelando-se, na sua verdadeira acepção, doenças infecciosas. A América recém-descoberta recebeu toda a carga de infecções que acompanhavam os conquistadores. Os colonizadores passaram a definir as prioridades estratégicas em saúde em resposta aos seus problemas endêmicos e epidêmicos.1 Essas epidemias tiveram papel essencial na formação do pensamento científico, teológico, político e social prevalentes em diferentes sociedades medievais e mesmo modernas. Muitos dos avanços científicos associados ao intenso progresso no entendimento, na cura e prevenção das doenças freqüentemente serviram para moldar visão limitada e reducionista do mundo.2,3,4 As questões de fundo social e cultural e depois econômicas e financeiras passaram longe das primeiras análises sobre a influência que impõem sobre o estado de saúde do ser humano. As chamadas doenças tropicais contribuíram expressivamente para a visão mais global da interpenetração de várias influências externas e internas ao homem sobre a determinação de riscos de seu adoecimento.

A trajetória das doenças infecciosas durante o século XX provocou transformações nos indicadores demográficos, sociais, econômicos e da saúde com repercussão sobre as condições de vida das populações humanas. Entre essas doenças merecem destaque as diarréias, cujo declínio determinou queda significativa da mortalidade geral e principalmente infantil, com reflexos positivos na expectativa de vida. Formou-se a crença de que doenças infecciosas, fome, miséria, falta de saneamento e baixo nível de instrução poderiam ser erradicados com facilidade. A varíola havia sido erradicada e outras seis doenças estavam em via de extinção, entre elas poliomielite e hanseníase. A preocupação deveria ser a busca de meios para redução das doenças crônico-degenerativas e da violência. Essa impressão foi, entretanto, inteiramente equivocada.1,5,6 No início do século XX, aproximadamente 50% dos óbitos se deviam às infecções, metade atribuídas às diarréias, 10% à tuberculose. Doenças como pneumonia, difteria, febre tifóide, entretanto, apresentavam elevadas taxas de mortalidade. Na segunda década do século, houve significativa diminuição da mortalidade pela varíola, fato notável, pois, em 1908, ela havia provocado a morte de 1% da população da cidade do Rio de Janeiro. Esse fato relacionou-se possivelmente à introdução do vírus da varíola menor, provavelmente originário da África, que, em função de sua baixa patogenicidade e elevada infectividade, conseguiu erradicar o vírus da varíola maior do território nacional. Até os anos 40 do século passado, as mortalidades infantil e por infecções se mantiveram elevadas. Daí em diante, houve declínio regular e consistente dessas taxas, principalmente pelo impacto da eliminação dos óbitos por diarréia. A partir dos anos 80, o declínio da mortalidade pelas infecções se acelerou acompanhando a evolução favorável de boa parte dos indicadores de saúde, sociais e demográficos do país. Assistiu-se à coexistência perniciosa das infecções com outros problemas de saúde, como doenças crônico-degenerativas, efeitos da violência, doenças de origem ambiental e ocupacional. De 1980 a 1993, a mortalidade pelas infecções reduziu-se em 52%, relacionando-se, principalmente, com a maior redução das diarréias. As pneumonias, isoladamente, passaram a apresentar as maiores taxas de mortalidade. Houve também redução da mortalidade provocada por algumas doenças imunoprevensíveis. A poliomielite não ocorre desde 1989. O sarampo, apesar de surtos preocupantes, diminuiu expressivamente sua incidência. As ações de combate aos triatomíneos praticamente bloqueou a transmissão vetorial da doença de Chagas. Por outro lado, muitos problemas não apresentavam sinais de resolução, caracterizando-se quadro grave e preocupante de descontrole, com alguns revelando expansão, como a malária na Amazônia, com 500.000 casos novos a cada ano, a leishmaniose no Nordeste e Sudeste, inclusive invadindo grandes centros urbanos como Belo Horizonte, a esquistossomose, a persistência de problemas como a tuberculose e hanseníase. Associa-se a isso a reintrodução de doenças como cólera e dengue. A presença do Aedes aegyptii ocorreu em praticamente todas as cidades brasileiras, associada à febre amarela silvestre. Acrescentam-se infecções novas a esta já pesada carga de problemas como as associadas ao vírus da imunodeficiência humana (VIH) e ao vírus dos linfócitos T humanos (VLTH), que se têm verificado com altas prevalências em algumas regiões, a febre purpúrica brasileira, associada a um mutante do Haemophilus influenzae, casos de encefalite associados ao vírus Rocio ou de febre hemorrágica, associados ao vírus Sabiá. Vírus como o Mayaro e o Oropouche, entre dezenas de outros arbovírus encontrados na região amazônica, podem estar associados a síndromes febris diversas e pouco caracterizadas. O Vibrião cholerae, natural de estuários e áreas pantanosas litorâneas, adaptou-se bem ao ambiente de água doce. O mesmo se pode dizer da leishmaniose visceral, que se deslocou das áreas rurais para as urbanas. A seleção de bactérias multirresistentes é outro fator de grande preocupação. A síndrome de imunodeficiência adquirida (SIDA), como fenômeno internacional, se expandiu, situando-se, nas regiões mais desenvolvidas do país, entre as primeiras causas de óbito no grupo etário de 20 a 49 anos. Assistiu-se ao recrudescimento da tuberculose, em parte explicada pela co-infecção pelo VIH. A reintrodução do cólera no início dos anos 90 não resultou no desastre esperado, comportamento que se mostra consistente com a elevação da cobertura do fornecimento de água de abastecimento nas duas últimas décadas nas áreas urbanas do País. O cólera tende a assumir no Brasil o papel de doença associada à ausência de saneamento básico, coincidindo com áreas incluídas no denominado mapa de exclusão social. A redução da desnutrição infantil e da fecundidade, o aumento da escolaridade, acrescida da ampliação da cobertura de serviços de saúde e das elevadas coberturas de vacinação específicas a partir de 1987, devem explicar a expressiva modificação da gravidade do sarampo. Pode-se ter o impacto desse fato, considerando-se o sinergismo do sarampo com as diarréias e broncopneumonias na mortalidade das crianças com idade inferior a cinco anos.2,8

As infecções reemergiram, tanto nos países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos. As sociedades desenvolvidas se mostraram vulneráveis à introdução de novas e antigas infecções. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, as infecções nunca deixaram de ser causas destacadas de morbidade, onde representam 25% das razões de busca por assistência médica, constituem a terceira causa de morte e os antibióticos estão em segundo lugar em freqüência de prescrição. A mortalidade decorrente das infecções vem apresentando tendência crescente mesmo retirando-se o efeito da SIDA, obscurecendo visões que anteviam a proximidade de um mundo livre das infecções.8

Os desafios da infectologia são imensos, muitos já vencidos; entretanto, muito há por se fazer. Por seu escopo natural, a Medicina Tropical busca freneticamente entender as relações humanas com seu meio. A visão ambientalista e ecológica é agudamente percebida por intermédio da Medicina Tropical. Por isso mesmo, o grande esforço em relação à formação de recursos humanos com visão transformadora, crítica, transgressora; a ousadia de criar perspectivas; a busca de condições de vida equânimes e adequadas à existência do homem em equilíbrio com a natureza impregnam a Medicina Tropical, propiciando percepção sóciopolítico-econômico-financeiro-cultural da expressão humana e a luta por condições de vida digna para todos. É o que se vê nos exemplos de luta dos que participaram do desafio de criar no Brasil, especialmente em Minas Gerais, a Escola Mineira de Medicina Tropical.

 

DE PINDORAMA À INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Poucos anos depois da viagem de Cabral ao hemisfério sul, em 1500, a nova terra encontrada passou a ser chamada de "Terra do Brasil", numa alusão ao pau-brasil, árvore abundante no litoral, desde o Rio Grande do Norte até o Rio de Janeiro. Levado à Europa, o pau-brasil era raspado até se transformar num pó, usado para tingir tecidos de vermelho ou púrpura, cores muito valorizadas na época. A abundância dessa árvore pode ter contribuído para que a nova terra passasse a ser chamada de "Brasil", que pode ter derivado do francês brésil, do provençal brézil, do italiano braxile e brasile e do germânico brasa, com o mesmo sentido que tem hoje em português, e referenciava a madeira da qual se extraía o corante cor de fogo. A palavra Brasil e sua imagem mítica, entretanto, têm sua existência registrada desde épocas bem anteriores. Na mitologia celta, há referências a uma ilha paradisíaca chamada Brazil.

Caminha descreveu o povo que encontrou no Brasil como gente boa, de bela simplicidade e inocência com bons corpos, bons rostos que, se fosssem entendidos, e eles aos portugueses, seriam logo cristãos. Os portugueses tinham chegado no verdadeiro paraíso terrestre.7

Daí em diante, esse belo povo foi subjugado e aviltado, os colonizadores trouxeram doenças, vícios, aculturamento, invadiram a terra, exploraram as riquezas e as levaram para a Europa. Trouxeram escravos negros pela impossibilidade de escravizarem os índios.

A exploração da madeira foi sucedida pela da cana-deaçúcar; quando esgotadas, surgiram as riquezas de Minas Gerais: ouro, diamantes, pedras preciosas. Minas tornou-se o centro econômico-financeiro da colônia; Vila Rica, a grande metrópole. A Medicina foi exercida como prática popular, absorvendo as magias indígenas e africanas. Por mais de um século, um ou outro estrangeiro que praticava a medicina com competência vinha ao Brasil para enriquecer ou por amor à profissão, mas, quase sempre, sem diploma ou documentação que comprovasse sua habilitação.9 Eram os preferidos dos ricos, embora o fato de não apresentarem diplomas gerasse sérios embaraços. Os pobres, sem recursos, procuravam tratamento nas artimanhas dos charlatães ou curandeiros, "que mais matavam que curavam".9

Nesse ambiente, surgiu a saída mais plausível para a colônia, desvincular-se de Portugal, tornar-se soberana. As infuências da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos da América trouxeram para Minas, e Minas divulgou para o Brasil as idéias de libertação que culminaram com a Inconfidência Mineira, proposta ousada de um novo Estado independente que buscasse se entender e buscasse as soluções adequadas para a nação, que aos poucos estava sendo moldada nas contribuições indígenas, africanas e européias. A criação de uma Universidade era um de seus princípios fundamentais, com visão crítica e criativa, fato que não logrou êxito. A liberdade ainda que tardia ficou mesmo para mais além daquele tempo.

 

1801, A PRIMEIRA ESCOLA MÉDICA BRASILEIRA

Diante do infortúnio da população até então, o Governador Bernardo José de Lorena não teve outra alternativa senão pedir ao Príncipe Regente, D. João, a criação de uma Escola de Medicina a fim de preparar profissionais competentes, e assim, suavizar o sofrimento da população.9,10 Por carta Régia de 17 de junho de 1801, o Príncipe Regente atendeu ao pedido do Governador Lorena, criando a Escola de Cirurgia, Anatomia e Obstetrícia, as mesmas disciplinas que compunham o currículo médico da Universidade de Coimbra.11,12,13 As primeiras lições oficiais de medicina, no Brasil, foram ministradas por intermédio da Escola de Ouro Preto. O Hospital Real de Vila Rica era insuficiente para atender aos inúmeros casos de enfermidade da Capitania, por falta de pessoal especializado e de outros recursos. Essa não seria uma Escola qualquer, seria da importância das existentes nos hospitais militares de Lisboa, Elvas, Almeida e Chaves.11 Para regê-la, foi provisionado o cirurgião-mor de Cavalaria de Minas Gerais, Antônio José Vieira de Carvalho, discípulo de Manuel Constâncio no Real Hospital de Lisboa. A abertura da Escola de Medicina se realizou no Hospital Real de Vila Rica, onde o cirurgião Vieira de Carvalho já praticava a Medicina Operatória. Essa escola funcionou por cerca de 50 anos. Uma das principais preocupações da Escola fora com as "bexigas" virulentas. Aplicava a vacina anti-variólica de "braço em braço". A varíola dizimava e apavorava o ouropretano. Manoel Gesteira, em 1865, foi um dos baluartes na luta contra a epidemia da varíola. Um dos principais livros utilizados pela então Escola de Medicina era "A Arte de se Tratar em Enfermidade Venérea".9 Essa Escola Médica é o embrião da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, criada em 1911, que desempenhou papel de extrema importância na medicina como um todo e especialmente em relação à Medicina Tropical brasileira.

 

OS SANATÓRIOS PARA TRATAMENTO DA TUBERCULOSE E DA HANSENÍASE, OS HOSPITAIS DE ISOLAMENTO

A luta milenar contra a tuberculose e a hanseníase até a descoberta dos antimicrobianos para o combate aos seus microrganismos se baseou no afastamento da população contaminada do restante da sociedade indene. Os sanatórios foram, até então, a forma menos lesiva de isolamento. As condições ambientais preservadas de Minas Gerais, a valorização para o tratamento de manutenção de sanatórios em grandes altitudes e temperatura amena fizeram especialmente de Belo Horizonte local privilegiado para o tratamento dessas doenças. Por isso, muitos se localizaram na capital mineira e em seus arredores. Destacam-se a Colônia Santa Izabel, em Betim e o Hospital São Francisco de Assis, em Bambuí. Muitos foram os médicos que contribuíram para essa prática ao mesmo humanística e humanitária, da qual a Medicina Tropical mineira participou de maneira efetiva e corajosa. Deve-se a Antônio Aleixo, Samuel Libânio, Orestes Diniz, José Mariano, Olinto Orsini de Castro e Henrique Marques Lisboa essas ações que significaram atenção médica com muitos casos de efetiva melhora, controle e mesmo cura.

Destacaram-se, nesse período, as ações de Cícero Ferreira, estabelecendo os regulamentos da Polícia Sanitária e do Matadouro, as instalações sanitárias do cemitério, do Teatro Municipal, a organização do Projeto de Higiene do Estado de Minas Gerais, atuação extraordinária diante das epidemias de varíola, criação de um Laboratório de Análises Químicas, que se tornaria o Instituto Bromatológico de Minas Gerais, atualmente Fundação Ezequiel Dias. Ativo lutador em busca do estabelecimento em Belo Horizonte de uma filial do Instituto Oswaldo Cruz, obteve do Presidente Wenceslau Braz a construção do primeiro Hospital de Isolamento, que tão relevantes serviços tem prestado nas epidemias que, desde então ocorreram. Foi ainda um dos fundadores da Santa Casa de Belo Horizonte. Teve atuação decidida por ocasião da pandemia de gripe, em que sua intervenção foi um dos grandes elementos que concorreram para diminuir os malefícios daquela calamidade pública.(14)

 

OSWALDO CRUZ, CARLOS CHAGAS, VITAL BRASIL

Um trio de ouro, dois deles mineiros, deram contribuições fundamentais à Medicina Tropical universal. Oswaldo Cruz, o grande baluarte da saúde pública, ampliou a visão da medicina curativa e investigativa. Livrou o Brasil da febre amarela urbana, influenciou uma gama enorme de jovens pesquisadores que deram origem à verdadeira pesquisa biológica e médica no Brasil. Patrono da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, lutou para que a futura Escola Médica de Belo Horizonte pudesse vencer todos os desafios que a impediam de ser criada. Vital Brasil, em sua luta contra os acidentes por animais peçonhentos, descreveu a ação de anticorpos heterólogos. Deu início a uma nova frente de terapêutica na medicina, por intermédio de imunomodulação e transferência passiva de defesas orgânicas. Carlos Chagas entendeu, descreveu e apresentou, com grande sabedoria, as alterações associadas à tripanossomíase sul-americana. Foi um marco reluzente da pesquisa brasileira, desenvolvendo a maioria de suas observações em Minas Gerais.

 

A FUNDAÇÃO DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG)

Em 1911, surgiu a Faculdade de Medicina em Belo Horizonte, a terceira escola médica brasileira mais antiga, estadualizada em 1927 e federalizada em 1949. A Escola de Cícero Ribeiro Ferreira Rodrigues e de outros doze sonhadores - Cornélio Vaz de Mello, Eduardo Borges Ribeiro da Costa, Olyntho Deodato dos Reis Meirelles, Honorato Alves, Hugo Furquim Werneck, Zoroastro Alvarenga, Antônio Aleixo, Samuel Libânio, Ezequiel Dias, Alfredo Balena, Octávio Machado, Aurélio Pires (este último, apesar de não ter assinado o documento de fundação, foi um dos maiores batalhadores para a criação da Faculdade) - soube, com ousadia e perseverança, tornar-se uma das instituições de maior importância para a Medicina brasileira, especialmente para a Medicina Tropical. Pelo vigor de seu passado, assentado em pessoas de caráter inquebrantável, forjou inúmeros profissionais que contribuíram para o desenvolvimento do país, em várias esferas da atuação humana.(14)

 

INSTITUTO BROMATOLÓGICO DE MINAS GERAIS

Transcende no Instituto Bromatólogico a figura de Ezequiel Dias, discípulo da Escola de Oswaldo Cruz. Nascido em Macaé, Estado do Rio de Janeiro, aos 16 anos de idade, ingressou no curso de Farmácia. Matriculou-se no curso de Medicina, também do Rio de Janeiro, após sua graduação em Farmácia. Ainda como acadêmico de Medicina, freqüentou, a convite de Oswaldo Cruz, o Instituto Manguinhos. Em 1902, após sua investidura como Diretor-Técnico do Instituto Soroterápico de Manguinhos, foi Diretor-Geral do Instituto Manguinhos, por indicação de Oswaldo Cruz. Fez parte ativa da Comissão para efetuar pesquisa sobre beribéri e, em 1905, seguiu para o Maranhão, como Diretor de Higiene do Laboratório Bacteriológico. Em 1907, inaugurava-se a filial do Instituto Oswaldo Cruz em Belo Horizonte. Ezequiel Dias foi convidado para ingressar em seu quadro médico e logo assumiu a diretoria da instituição recémcriada. Em 1911, dirigiu-se a Laçance, onde Carlos Chagas pontificava, estudando os aspectos hematológicos da doença de Chagas. De 1907 a 1922, Ezequiel Dias foi diretor do Instituto Oswaldo Cruz, filial em Belo Horizonte.14

 

DE CAIO BENJAMIN DIAS E DE JOAQUIM ROMEU CANÇADO

A Faculdade de Medicina da UFMG, em seu primeiro século de existência, revelou talentos insuperáveis. Pioneiros e ousados, críticos e criativos, abriram perspectivas para a medicina brasileira, quase sempre tendo a Medicina Tropical como o eixo fundamental de sua atuação. Assim é a contribuição de Caio Benjamin Dias e de Romeu Cançado. A Escola que criaram e os discípulos que os acompanharam e mantiveram o espírito empreendedor fazem hoje a grande riqueza científica e cultural da Faculdade de Medicina da UFMG.

O Prof. Caio, a 23 de maio de 1944, foi empossado, após concurso, na docência-livre de Terapêutica. Aprovado em concurso, foi indicado, a 13 de setembro de 1952, para o cargo de catedrático de Clínica Médica, Primeira Cadeira, substituindo uma das figuras mais ilustres da Faculdade de Medicina, o Prof. Alfredo Balena. Inciava, assim, sua brilhante trajetória como médico, docente, pesquisador, formador de recursos humanos, administrador em Medicina, verdadeiramente um educador. A visão de futuro e a ousadia fizeram do Prof. Caio líder natural em Clínica Médica, vislumbrando o caminho da Clínica para a especialização, estimulando e dando condições para que jovens pudessem se desenvolver em todas as áreas em que a medicina começava a se diferenciar. Assim fez com as doenças infecciosas, instalando atendimento clínico e investigação científica, em especial na área da esquistossomose. Esse centro permitiu a emergência de espíritos críticos e criativos como de Dário Bittencourt, Naftale Katz, e em associação com a Clínica do Prof. Melo Campos, de Celso Affonso de Oliveira, José Luiz Ratton, José Santiago Moreira. Para a Faculdade de Medicina e Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais seguiram Celso Affonso de Oliveira, Dário Bittencourt, Jayme Neves e José Moreira Santiago. O Instituto Renné Rachou recebeu a valiosa e inestimável contribuição de Naftale Katz. José Luis Ratton constituiu-se em um dos marcos mais significativos da história do Hospital da Previdência do Estado de Minas Gerais. Todos pioneiros e ousados, partícipes da verdadeira evolução humana com contribuições como médicos, docentes e pesquisadores extraordinários à Medicina Tropical mineira e brasileira.

O professor Cançado descende da profícua atividade e do iluminismo do professor Baêta Viana. Formou-se em Medicina em 1937 pela Universidade de Minas Gerais. Foi monitor da cadeira de Química Fisiológica do Prof. Baêta desde seu segundo ano médico até sua formatura. O Prof. Baêta marcou intensamente o espírito do Prof. Cançado, infundindo-lhe senso crítico e o rigor científico da pesquisa. É por essa razão que o Prof. Cançado é considerado o pai da pesquisa clínica na Faculdade de Medicina, traduzindo em seu trabalho e na figura de seus assistentes e orientandos o real valor da pesquisa científica no ensino médico. Após sua graduação em Medicina, deixou a monitoria de Química Fisiológica e foi trabalhar com o Prof. Oswaldo de Melo Campos, catedrático de Clínica Propedêutica Médica, na Santa Casa, como assistente voluntário. Dessa forma, iniciou-se no magistério. Assumiu a cátedra de Terapêutica Clínica 12 anos após sua graduação em Medicina. Sua enfermaria, instalada inicialmente no antigo Hospital São Vicente de Paulo, composta de 28 leitos e um pequeno laboratório, foi definitivamente estabelecida no segundo andar do Bloco Alfredo Balena do complexo hospitalar do Hospital das Clínicas da UFMG. Naquela época, dispunha de quatro assistentes e assim iniciou a escola da "Terapêutica". Grande número de alunos procurava a Enfermaria do Prof. Cançado para trabalhar. A todos recebia com estímulo para a investigação clínica. Em sua enfermaria, foi pela primeira vez detectada a presença da Leishmania donovani em Minas Gerais. Suas principais linhas de pesquisa no campo das parasitoses intestinais, esquistossomose mansoni, leishmaniose visceral e doença de Chagas, muito contribuíram para o conhecimento humano. São muitas suas contribuições ao estudo da doença de Chagas, em especial, referentes ao seu tratamento específico. Entre tantos seguidores de Cançado citam-se Aloísio Sales da Cunha, Aluizio Faria, Carlos Alberto Franco Faria, Dulmar Garcia de Carvalho, Geraldo Guimarães Gama, João Mendes Álvares, José Caetano Cançado, José de Oliveira Campos, Mário López, Moisés Chuster, Oto Mourão e Ulins Duval Marra.

 

DE LUIGI BOGLIOLO E OSCAR VERSIANI CALDEIRA

Luigi Bogliolo, de origem italiana, brasileiro por adoção,15, 16 teve como orientador o Prof. Enrico Emilio Franco, discípulo da Escola de Morgagni, com sua atividade profissional, ainda na Itália, ligada também a Cesare Sacerdotti, discípulo de Golgi, e de Giulio Bizzozero, discípulo de Rudolf Virchow. Na Itália, sua produção científica ligava-se, especialmente, à leishmaniose. Em janeiro de 1942, no Rio de Janeiro, tornou-se chefe do Serviço de Anatomia Patológica da Quinta Cadeira de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil. No período em que trabalhou naquela Faculdade, foi grande incentivador das Sessões Anatomoclínicas, as quais, além de seu extraordinário valor pedagógico, funcionavam, na medida em que punham a descoberto o diagnóstico correto, como verdadeiro "controle de qualidade" do serviço médico prestado ao paciente.16 Em 1944, transferiu-se para Belo Horizonte, atendendo ao convite de seu compatriota Alfredo Balena. Criou uma Escola de Anatomia Patológica intimamente ligada à Medicina Tropical, possibilitando o substrato patológico para o desenvolvimento da Clínica de Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina da UFMG. Teve como assistentes Paulo Roberto Ferreira Borges, João Henriques de Freitas Filho, Nello de Moura Rangel, Edmundo Chapadeiro, Iracema Baccarini, Washington Luiz Tafuri, Pedro Raso, Celso Pedro Tafuri, Pérsio Godoy, Alberto Nicolau Raick, José Geraldo Albernaz, Guilherme Cabral Filho, Abadio Marques Neder, Isauro Epiphaneo Pereira, Jaeder Teixeira de Siqueira, Evilázio Teubner Ferreira, Waldemar Ladosky, Aluísio Molinar, Neide Garcia de Lima, Ayrton Garcia Leão, Romeu Cardoso Guimarães, Luiz Otávio Savassi Rocha, José Eymard Homem Pittella, Alfredo José Afonso Barbosa, Eduardo Alves Bambirra, Geraldo Brasileiro Filho, Edison Reis Lopes, Fausto Edmundo Lima Pereira, Hipólito de Oliveira Almeida e Ademir Rocha. As contribuições da Escola de Luigi Bogliolo, internacionalmente reconhecidas, versam sobre os mais variados temas da Patologia, destacando-se aquelas ligadas às chamadas doenças tropicais, particularmente esquistossomose mansoni, doença de Chagas, paracoccidioidomicose e leishmaniose. Merecem especial atenção as contribuições de Bogliolo para o conhecimento da esquistossomose mansoni. Também ressalta-se a descoberta devida a Washington Luiz Tafuri, enquanto trabalhava com Herman Hager (Instituto Max Planck, Munique), dos grânulos elementares de neurossecreção das fibras amielínicas intraganglionares do plexo mientérico de Auerbach. Tal descoberta deflagrou um número grandioso de pesquisas correlatas, uma vez que, até então, os grânulos elementares de neurossecreção eram considerados, pelos estudiosos em geral e por Bargmann e Palay em particular, específicos e exclusivos do trato hipotálamo-hipofisário. Desde a década de 50, Bogliolo realizava pós-graduação; entretanto, somente em 1972 é aprovada pela UFMG a criação do Curso de Pós-Graduação em Patologia.

Oscar Versiani Caldeira nasceu em Felisberto Caldeira, na tradicional Diamantina. Em 1926, graduouse em Medicina pela Universidade de Minas Gerais (UMG), tendo sido discípulo de Alfredo Balena, que o orientou na chamada "medicina interna". Iniciou suas atividades profissionais em Manhuaçu, Minas Gerais, regressando a Belo Horizonte, em 1928, para assumir interinamente a Secretaria da Faculdade de Medicina da UMG, acumulando esta função com a de assistente da Cadeira de Clínica Médica, sob a direção de Alfredo Balena. Em 1936, conquistava a docência de Clínica Médica e, em 1939, a de Clínica de Doenças Infectuosas e Tropicais. Versiani instituiu na sua disciplina a metodologia científica, o que marcou profundamente sua passagem pela Faculdade de Medicina. Perseguiu suas linhas de trabalho em Medicina Tropical, culminando seus estudos com a monografia "Arriboflavinose", com a qual conquistou a referida cadeira em 1946. As atividades de Oscar Versiani Caldeira também se fizeram sentir como Diretor da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais, na chefia do Serviço Técnico de Endemias Regionais, na presidência da Associação Brasileira de Escolas Médicas e nas diversas associações científicas nacionais e internacionais às quais era filiado. Vice-Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, recém-federalizada, de 1950 a 1959, Oscar Versiani Caldeira exerceu sua Diretoria entre 1959 a 1970. Em virtude da diferenciação de um grupo estudioso da Tropicologia Médica, planejou-se e implantou-se em Belo Horizonte, graças aos esforços de seu discípulo Jayme Neves, o Curso de Pós-Graduação em Medicina Tropical (Mestrado e Doutorado), cujas atividades foram iniciadas em 1972, um ano antes do falecimento de Oscar Versiani.

 

CENTRO DE PESQUISAS RENÉ RACHOU. A FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ EM MINAS GERAIS

O desejo de pecuaristas mineiros de obter uma vacina contra a peste da manqueira, ou carbúnculo sintomático, e o desejo de Oswaldo Cruz de fundar filiais nos estados brasileiros de seu Instituto Soroterápico, difundindo as doutrinas científicas de sua escola, o que representava uma necessidade em um país assolado por tantas endemias, possibilitou a criação da filial de Manguinhos em Belo Horizonte, em 1907, sob a direção de Ezequiel Dias, destinada, a princípio, ao preparo e à conservação do soro antidiftérico e anticarbúnculo. Assim, foi criada uma espécie de berço das ciências biológicas em Minas Gerais. Promovia reuniões semanais, na sua biblioteca, para discussão de artigos científicos nacionais e estrangeiros, às quais passaram a comparecer médicos e professores da cidade. Colaborou, certamente, com a criação da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, em 1911, iniciando uma colaboração duradoura que uniu pesquisa e ensino. A descoberta da doença de Chagas, em 1909, aproximou mais ainda Manguinhos de Minas Gerais. Os rumos da filial mudaram. Em 1922, com o falecimento de Ezequiel Dias, foi denominada Instituto Biológico Ezequiel Dias. Em 1936, rompeu-se o vínculo com Manguinhos, passando a ser administrada pelo governo de Minas Gerais, priorizando a produção de soros e vacinas. Evoluiu para a atual Fundação Ezequiel Dias. Manguinhos manteve outros vínculos com Minas Gerais por intermédio de pequeno posto de estudos em Belo Horizonte, associado à Cátedra de Fisiologia da Faculdade de Medicina e também pela criação, em 1944, de um Centro de Estudos da Doença de Chagas, em Bambuí. Para dirigir o Posto de Estudos de Bambuí, foi indicado o pesquisador Emmanuel Dias, filho de Ezequiel. A continuidade da vinculação Manguinhos-Minas Gerais veio se reconstituir com o Centro de Pesquisas René Rachou, com um projeto de pesquisa de autoria do professor Amílcar Vianna Martins, em colaboração com Versiani e Penna Sobrinho, de amplo levantamento da prevalência da esquistossomose em Minas Gerais. Os resultados desse trabalho chamaram a atenção do Dr. Amílcar Barca Pellon, Diretor da Divisão de Organização Sanitária do Ministério de Educação e Saúde, que solicitou a consultoria do Prof. Amílcar para estender o estudo a todo o país. Além disso, convidou o Prof. Amílcar para dirigir um Centro de Pesquisas sobre esquistossomose, que estava sendo instalado em Recife. O professor Amílcar agradeceu o convite, informando que não poderia se afastar de suas atividades e compromissos na Faculdade de Medicina, mas aceitaria chefiar um centro de pesquisas semelhante, se instalado em Belo Horizonte. O Dr. Pellon mostrou-se disposto a instalar esse Centro, o que se tornou possível graças à doação, pelo então prefeito de Belo Horizonte, Otacílio Negrão de Lima, de um terreno situado na avenida Augusto de Lima, onde ainda hoje funciona o Centro de Pesquisas René Rachou. Na década de 70, o Centro de Pesquisas René Rachou foi integrado à Fundação Oswaldo Cruz, voltando-se à situação dos primórdios do século. A pesquisa básica em parasitologia teve, especialmente, no Instituto René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz, papel de grande valor para o entendimento das questões mais relevantes das principais endemias humanas em Minas Gerais. A implantação do Posto Avançado de Bambuí começou a partir de curso oferecido na Universidade Federal de Minas Gerais pelo professor Amílcar Vianna Martins, em 1939, a profissionais de saúde de cidades do interior de Minas Gerais. No curso, ele ensinou a preparação da técnica da lâmina de gota espessa e a identificação do sinal de Romaña, que permite diagnosticar a doença de Chagas. Um dos médicos presentes no curso, Dr. Antônio Torres Sobrinho, percebeu que aquela doença era comum em sua cidade, Bambuí. De volta à Bambuí, Dr. Antônio, junto com o Dr. José Elias Lasmar, identificou os primeiros 22 casos agudos da doença, entre 1940 e 1941. Até então, tinham sido descritos menos de 30 casos. Assim se originou o projeto do posto avançado e, em 1943, o Dr. Henrique Aragão, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, nomeou o Dr. Emmanuel Dias para organizar e dirigir esse centro de pesquisas. Emmanuel Dias montou um grupo de pesquisa capaz de experimentar novas alternativas de controle e profilaxia, assim como estudos aprofundados da doença. Trata-se de local onde é possível realizar inquéritos, examinar casas, fazer estudos entomológicos, investigando melhor os barbeiros, realizar sorologias, ministrar tratamentos, fazer autópsias. Desde então, surgiram colaborações com o professor José Pellegrino e Francisco Laranja, que culminaram com estudos sobre inseticidas e cardiopatia chagásica, respectivamente. A grande contribuição de Emmanuel foi o de ser o primeiro a aplicar no controle da doença de Chagas o modelo da vigilância epidemiológica, já consolidado nas campanhas antimaláricas da década de 50. Implantou inovações como o controle biológico e a educação em saúde. Seu trabalho foi continuado por João Carlos Pinto Dias. Em Bambuí, foi planejado e avaliado o primeiro programa de vigilância epidemiológica com participação comunitária para o controle da doença de Chagas, do modo como havia sido preconizado pela Organização Mundial de Saúde. O Centro de Pesquisas René Rachou ofereceu, pois, grande contribuição à formação de recursos humanos, à criação de conhecimentos, às ações de saúde pública. Uma plêiade de importantes pesquisadores brasileiros como Alda Lima Falcão, Álvaro Cantini Nunes, Álvaro José Romanha, Amilcar Vianna Martins, Ana Lúcia T. Rabello, Antônia Ribeiro, Antoniana Ursini Krettli, Arinos da Silveira Guedes, Carlos L. Zani, Carlos T. Guimarães, Catherine Repert, Cecília P. S. Rodrigues, Célia Maria Ferreira Gontijo, Celso Affonso de Oliveira, Cibele Veloso, Cristiano Lara Massara, Elizabeth Bronfen, Edelberto Santos Dias, Elizabeth Neumann, Elizabeth Uchôa, Érika Martins Braga, Ernest Paulini, Geraldo Chaia, Guilherme C. de Oliveira, Henrique L. Guerra, Herton H. R. Pires, Iramaya M. Caldas, Isabela P. Cerávolo, Ivan Rodolfo A. Ricciardi, João Carlos Pinto Dias, José Pelegrino, Josélia O. de Araújo Firmo, Lais Clark Ribeiro de Lima, Liana Konovaloff J. Passos, Liléia Diotaiuti, Luiz Dias de Andrade, Luzia Helena Carvalho, Marcelo de Vasconcellos Coelho, Marco Antônio Campos, Maria Fernanda F. L. Costa, Maria Norma Melo, Milton Moura Lima, Moacir Gomes de Freitas, Naftale Katz, Nelymar Mendes Martinelli, Neusa Araújo, Olindo Assis Martins Filho, Omar dos Santos Carvalho, Paulo Marcos Zech Coelho, Paulo F. P. Pimenta, Pedro Coura Filho, Reginaldo Brazil, Ricardo T. Gazzinelli, Roberto Sena Rocha, Rodrigo Corrêa Oliveira, Rotrault Anna Gertrud Bohlmann Consoli, Sandhi Maria Barreto, Sebastião Hamilton Xavier, Sebastião Mariano Batista, Silvana Maria Eloi Santos, Tânia Maria de A. Alves, Valéria Maria de A. Passos, Virgínia Schall, Wladimir Lobato Paraense, Wilson Chagas de Araújo, Wilson Mayrink, Zélia Maria Profeta da Luz e Zigman Brener tiveram no Instituto René Rachou ambiente propício para seu desenvolvimento. Muitos outros pesquisadores, técnicos, médicos continuam esse trabalho pioneiro e de grande impacto no controle e conhecimento das doenças tropicais em nosso meio, contribuindo não só para o enriquecimento da história do Centro de Pesquisas René Rachou mas também para a de Minas Gerais. Em seus laboratórios e trabalhos de campo, são estudadas a doença de Chagas, as helmintoses intestinais, a esquistossomose, as leishmanioses, a malária em seus mais diversos aspectos de biologia; a sistemática, diagnóstico, imunologia, terapêutica, clínica, fisiologia, epidemiologia e antropologia do envelhecimento, do comportamento de risco e ocupacional.(18)

 

JAYME NEVES E A PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA TROPICAL

De Caio Benjamin Dias, Bogliolo e Versiani surgiu a influência que inspirou a trajetória de Jayme Neves. A Medicina Tropical mineira possui uma vertente caudalosa, rica, de grande contribuição, que principia com Jayme Neves. De Diamantina, portal do vale do Jequitinhonha, das regiões mais contraditórias do estado de Minas Gerais, rica e miserável, talvez por revelar a dualidade e as condições de sobrevivência humanas, incitando a reflexão sobre a vida e o viver, procede Jayme Neves. Seu senso crítico e inovador transformou a vida de inúmeros jovens. Talvez uma de suas maiores paixões, a de investir na formação de espíritos ávidos de conhecimento, estimulandoos ao exercício do raciocínio, seja o caminho que o fez exercer influência e liderança, ousar e transfigurar, lutar pela educação capaz de perceber as mazelas humanas e intervir no sentido de mudar as condições de vida para o bem-estar, merecimento de todos. Com esse ímpeto, liderou a Clínica das Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da UFMG, até quando foi possível a existência do Hospital Carlos Chagas. Com os Professores Adalberto Versiani Caldeira, Antônio Cândido de Melo Carvalho, Bernardo Café de Oliveira, Braz Fillizola, Dirceu Wagner Carvalho de Souza, Eduardo Costa Ferreira, Edward Tonelli, Francisco das Chagas, Nelson Lobo Martins, Nívia Nohmi, Roberto Pederccini Marinho e Sílvio Carvalho, construiu instituição hospitalar de isolamento exemplar, voltada para a formação de recursos humanos e criação de conhecimentos, oferecendo assistência à saúde de qualidade. As contribuições desse grupo à Medicina Tropical mineira e brasileira nos campos da esquistossomose mansoni, salmonelose septicêmica prolongada, doença de Chagas, leishmanioses, especialmente calazar, parasitoses intestinais, paracoccidioidomicose e raiva humana são reconhecidas internacionalmente. O ambiente, entretanto, de constante ebulição do pensamento inquiridor, preocupado com as condições brasileiras de subdesenvolvimento e as saídas para os problemas nacionais para verdadeira melhora das condições de vida do povo foram sempre os catalisadores da ação educadora da Escola de Jayme Neves. Por isso, atraiu jovens que lutavam por questões as mais amplas: contra a ditadura, contra a opressão política, em busca de condições sanitárias de base para o povo brasileiro, o conhecimento científico que propicia o avanço da cidadania. A pós-graduação em Medicina Tropical convergiu muitos desses pressupostos. Foi a primeira iniciativa pós-graduada na área da Clínica Médica em Minas Gerais, oferecendo condições de evolução acadêmica, abrindo perspectivas maravilhosas de aprimoramento do pensamento crítico e criativo, que moldou, forjou, influenciou número extraordinariamente grande de intelectos que continuam a reproduzir essa influência por várias escolas do Brasil. A literatura médica brasileira também foi aquinhoada por iniciativa de Jayme Neves, com a publicação, já por três edições, de tratado sobre as doenças infecciosas e parasitárias. Edward Tonelli criou a infectologia pediátrica na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e Nívia Nohmi estabeleceu a Clínica das Doenças Infecciosas no Hospital do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais, além de realizar trabalho científico e de assistência médica no estado do Amapá, de grande relevância.

A Pós-Graduação em Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da UFMG é hoje referência nacional, o único curso da área médica contemplado com essa láurea em Minas Gerais. São destacadas as contribuições atuais, no mesmo rumo iniciado por Jayme Neves, dos professores Dirceu B. Greco, Enio R. Pietra Pedroso, João Carlos Pinto Dias, José R. Lambertucci, Manoel O. Costa Rocha. Desde a década de 70, entretanto, foram fundamentais as contribuições para a pós-graduação de todos os discípulos de Jayme Neves assim como de Aloísio Sales da Cunha, João Amílcar Salgado, José de Oliveira Campos, Sérgio Assumpção Bicalho, Ulins Duval Marra. O setor de infecctologia da UFMG é referência estadual e nacional. Recebe, com freqüência, estagiários de outros países, especialmente da Europa. Contribui com referência assistencial e criação de conhecimento. Em colaboração com a Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, possui Centro de Referência e Treinamento para profissionais em doenças transmissíveis, especialmente importante para o tratamento de pacientes com SIDA.

 

DERMATOLOGIA TROPICAL

Da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, especialmente de sua Clínica Dermatológica, com Antônio Aleixo, Antônio Carlos Guedes, Bernardo Gontijo, João Batista Gontijo, Josephino Aleixo, Osvaldo Costa, Osvaldo Gontijo, Tancredo Furtado, Cid Ferreira Lopes, Orcanda Andrade Patrus, Paulo Uchoa Costa, resultaram inúmeras contribuições à Medicina Tropical mineira. Vários assuntos de realce foram descritos, em busca de alívio para o sofrimento provocado pela hanseníase, leishmaniose, infecção hospitalar, paracoccidioidomicose, pênfigo, doenças venéreas e micoses superficiais. A Pós-Graduação em Dermatologia foi a seqüência natural dessas influências com a formação de recursos humanos comprometidos com a busca de soluções para melhores condições de vida para todos.

 

INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

A reforma da Universidade Pública Brasileira, desencadeada nos anos 60 e continuada na década de 70, trouxe a criação na UFMG dos Institutos de Ciências Básicas. Após sua criação, o Instituto de Ciências Biológicas aglutinou pesquisadores das áreas básicas da biologia e medicina. Houve avanços enormes em relação à criação do conhecimento. O ICB deu guarida a inúmeros pesquisadores que contribuíram em várias áreas da Medicina Tropical, tornando-se referência em várias áreas da parasitologia e microbiologia, de reconhecimento internacional. Citam-se as contribuições nas áreas da esquistossomose, doença de Chagas, leishmanioses, micoses profundas, acidentes por animais peçonhentos, algumas vezes em contribuição com a Faculdade de Medicina da UFMG, outras com a Fundação Oswaldo Cruz. São destaques as contribuições de Amílcar Vianna Martins, Antoniana Ursini Krettli, Eduardo Osório Cisalpino, Geraldo Chaia, José Noronha Perés, José Pellegrino, Leógenes Antônio Pereira, Lineu Freire Maia, Marcelo de Vasconcelos Coelho, Moacir Gomes de Freitas, Omar Santos Carvalho, Paulo Marcos Zech Coelho, Wilson Chagas de Araújo, Wilson Mayrink, Zigman Brener.

 

AS AÇÕES DE SAÚDE PÚBLICA

A participação de profissionais da área de saúde pública e infectologia nas ações na Superintendência de Campanhas, Fundação Nacional de Saúde, Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais e nas Secretarias Municipais, no controle de sangue e de seus derivados, foram, neste século, fundamentais para o controle até agora obtido de muitas das endemias e epidemias que assolaram e colocaram em risco a saúde da população mineira. Foram fundamentais as ações de assessoria, criação de unidades sanitárias, de serviços e supervisões sanitárias, da vigilância epidemiológica, dispensação de medicamentos em que destacam as ações desenvolvidas por Benedictus Philadelpho de Siqueira, Clóvis Boechat de Menezes, Enio Pinto Corrêia, Emmanuel Dias, João Carlos Pinto Dias, José Pinto Machado, José Ribeiro de Paiva Filho e vários outros agentes de saúde que asseguraram e mantêm o estágio atual do controle das doenças infecciosas e parasitárias em Minas Gerais.

 

A ASSISTÊNCIA AOS PACIENTES COM DOENÇAS INFECCIOSAS

Vários hospitais de isolamento para doenças transmissíveis erigidos em Minas Gerais foram e continuam sendo de grande importância e valor para abordagem adequada dos problemas associados à infectologia. Os Hospitais Cícero Ferreira, Sálvio Nunes, Eduardo de Menezes, Centro de Saúde Carlos Chagas, os vários serviços de atendimento da rede da Fundação Hospitalar do estado de Minas Gerais, dos Ambulatórios de Atenção Primária à Saúde espalhados pelo Estado, a participação da rede privada e universitária revelam esforço enorme e dedicação de vários profissionais à prevenção e atendimento de pacientes com doenças infecciosas.

 

CONTRIBUIÇÃO DE VÁRIAS ESCOLAS ESPALHADAS PELO ESTADO DE MINAS GERAIS

Bem antes da criação e instalação da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM), já se desenvolviam pesquisas na área da saúde em Uberaba. A inauguração, em 1953, da FMTM constituiu o grande marco para o desenvolvimento das pesquisas da área da saúde não só em Uberaba, mas no Triângulo Mineiro. A visão científica de alguns professores, tanto de Uberaba como oriundos de outros centros universitários tradicionais, mostrou ser possível realizar trabalhos científicos de valor, mesmo nas precárias condições existentes na época.19 Acreditavam, também, que ao pesquisador cabe procurar soluções para os problemas que afligem o meio no qual exercem suas atividades trazendo, com isso, melhores condições de vida à comunidade. À época da criação da FMTM, um dos maiores, se não o maior, problema médico-social do Brasil Central decorria da doença de Chagas, endêmica na região. A Instituição criou várias linhas de pesquisa sobre o assunto. Mais recentemente, outras linhas de pesquisa passaram a fazer parte do rol de investigação na área das doenças tropicais como malária, esquistossomose, leishmaniose, cisticercose, paracoccidioidomicose, SIDA. Estão em Uberaba as sedes da Secretaria e da Editoração da Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, para lá levadas com a integração a Uberaba do renomado Professor Aluizio Rosa Prata, uberabense, mas que até então exercia sua notável atividade de tropicalista na Bahia.

A Clínica das Doenças Infecciosas da Universidade Federal de Juiz de Fora foi instituída recentemente, sob orientação dinâmica de Kalil Abrahão Hallck, trazendo grande contribuição a toda a região da Zona da Mata mineira em relação à infectologia clínica como referência, formando recursos humanos, difundindo e criando conhecimentos.

 

CONCLUSÃO

A contribuição das instituições de ensino, pesquisa, assistência médica e prevenção de Minas Gerais ao desenvolvimento da Medicina Tropical é imensa. Os esforços empreendidos até hoje foram relevantes e participaram em vários níveis da ação humana na busca de soluções para os problemas que afligem as populações subdesenvolvidas, apresentando propostas para a obtenção de melhores condições de vida para todos. As pessoas que participaram desse enorme esforço representam a riqueza da nação brasileira, a determinação de um povo que, apesar de todas as circunstâncias desfavoráveis, da exploração de seus recursos, do atrelamento de suas elites aos interesses externos culturais, econômico-financeiros, é capaz de encontrar perspectivas criativas que rompem com o ciclo perverso de submissão, dependência, alienação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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12- Xavier da Veiga J. Efemérides Mineiras. 1992;1:293.

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15- Savassi-Rocha, LO. Vida e obra de Luigi Bogliolo. Belo Horizonte: Editora Gráfica da Fundação Cultural de Belo Horizonte; 1992:522 (37 figuras).

16- Savassi-Rocha LO. Luigi Bogliolo. Rev Med Minas Gerais; 1998;8(3):132-4.

17- Miranda PSC, Costa HS, Fonseca Sobrinho D. DMPS e saúde pública: olhares singulares sobre a história. Belo Horizonte: UFMG. Faculdade de Medicina/DMPS; 2000:232.

18- Schall V, Carvalho OS, Rocha RS. Centro de Pesquisas René Rachou: a Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais. Belo Horizonte: FIOCRUZ; 2000:44.

19- Lopes ER, Chapadeiro E. Histórico da pesquisa na Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro. Rev Med Minas Gerais 1997;7(2/4):89-92.