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CAPES/Qualis: B2
Quantificações hemodinâmicas venosas de membros inferiores acometidos pela trombose venosa profunda, por meio da pletismografia a ar
Venous hemodynamic quantification of inferior lower limbs affected by deep venous thrombosis, through air plethysmography
Ricardo Costa-Val1; Tarcizo Afonso Nunes2; Solange Seguro Meyge Evangelista3; Tatiana Karina de Puy e Souza4
1. Angiologista - Cirurgião Cardiovascular do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais, Mestre em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais
2. Professor Adjunto-Doutor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
3. Angiologista - Cirurgiã Cardiovascular do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais
4. Acadêmica de Medicina da Faculdade de Barbacena - UNIPAC
Ricardo Costa-Val
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Resumo
O presente trabalho teve como objetivo o estudo de membros inferiores acometidos pela trombose venosa profunda unilateral e proximal, por meio da pletismografia a ar. Foram incluídos na casuística 15 indivíduos, sendo dez acometidos pela trombose e cinco sem anormalidades, perfazendo total de 30 membros examinados, divididos em três grupos: trombose venosa profunda subaguda, trombose venosa crônica e grupo controle. Todos foram submetidos a avaliação física com doppler de ondas contínuas, ecocolor-doppler e pletismógrafo a ar. No exame de pletismografia a ar, foram estudas as variáveis seguintes: índice de enchimento venoso, fração de esvaziamento venoso livre e fração de esvaziamento venoso após a oclusão superficial. Para a análise estatística foram utilizados os modelos de autopareamento e grupo controle e considerado significante quando p < 0,05 com intervalo de confiança de 95%.
CONCLUSÕES: houve obstrução ao fluxo sangüíneo do sistema venoso profundo em estado livre na fase crônica e após a oclusão do sistema venoso superficial; houve refluxo sangüíneo em estado livre, nas fases subaguda e crônica e não houve diferença dos resultados obtidos entre os membros inferiores acometidos nas fases subaguda e crônica, em relação ao refluxo venoso e à obstrução ao fluxo de retorno venoso em estado livre e após a oclusão do sistema venoso superficial.
A trombose venosa profunda de membros inferiores é uma afecção que possui alta incidência, considerável potencialidade de evoluir para complicações graves e sua história natural não é completamente conhecida. Esses fatos têm propiciado grande número de estudos sobre prevenção, diagnóstico e terapêutica. O ecocolor-doppler apresenta alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico da trombose venosa profunda proximal, entretanto não fornece dados importantes sobre a avaliação hemodinâmica quantitativa. De acordo com alguns autores1,2, a pletismografia a ar é o melhor exame para essa avaliação.
O presente trabalho teve como objetivo o estudo hemodinâmico de membros inferiores acometidos pela trombose venosa profunda, por meio da pletismografia a ar, em diferentes fases evolutivas.
CASUÍSTICA E MÉTODO
A casuística foi composta por 15 indivíduos, sendo dez com trombose venosa profunda proximal e unilateral, no período entre 30 e 730 dias (dois anos) de evolução e cinco voluntárias sadias (grupo controle), totalizando 30 membros avaliados. Foram 13 indivíduos do sexo feminino e dois do sexo masculino, cuja média das idades foi de 40,3 anos.
Os grupos foram constituídos de acordo com a seguinte orientação:
Grupo trombose venosa profunda subaguda: quatro pacientes do sexo feminino e um do sexo masculino, com média de 71,8 dias de evolução (mínimo de 31 dias e máximo de 180 dias).
Grupo trombose venosa profunda crônica: quatro pacientes do sexo feminino e um do sexo masculino, com média de 445 dias de evolução (mínimo de 213 dias e máximo de 698 dias).
Grupo controle: cinco mulheres sadias.
Utilizou-se o modelo de delineamento transversal comparativo de grupos paralelos3. Foram empregados para análise estatística os testes de Friedman e de Kruskal-Wallis.
Foram excluídos do estudo indivíduos: que apresentavam outras afecções nos membros inferiores, tais como doença varicosa cuja classificação clínica CEAP4 fosse maior ou igual à Classe C-3; com diagnóstico prévio e/ou atual de distúrbios anatômicos ou funcionais dos sistemas ósseo, articular, nervoso ou muscular; que já tinham sido submetidos a procedimento invasivo e com vasculopatia arterial (índice pressórico perna/braço < 0,90).
RESULTADOS
Os resultados estão expressos nas Tabelas 1 a 5.
DISCUSSÃO
A escolha do autocontrole, tendo sido usado como referência o membro contralateral, visa a anular as interferências sistêmicas5.
A proposta inicial do estudo incluía um quarto grupo formado pelos doentes com trombose venosa profunda aguda, cuja evolução estivesse entre 15 e 30 dias. Entretanto, após examinar três doentes, optou-se pela exclusão desse grupo do estudo em decorrência das dificuldades na realização do exame de pletismografia a ar devido a dor, processo inflamatório, aumento do volume do membro e na interpretação dos resultados.
Os critérios de exclusão foram rigorosos e tiveram o objetivo de eliminar os possíveis fatores que poderiam interferir nos resultados. Foram selecionados apenas doentes acometidos pela trombose de localização proximal.6 A pletismografia a ar apresenta aplicação limitada quando a trombose venosa profunda localiza-se na perna e quando há o acometimento maciço do sistema venoso profundo, porque trata-se de condição clínica grave que não se presta ao modelo de estudo em questão. Todos esses fatores foram importantes na limitação da amostra.
Diversos trabalhos mostraram o papel da pletismografia a ar em relação ao diagnóstico da trombose venosa profunda.7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18 Entre eles, Welch et al.18 afirmaram que existe correlação direta entre o índice de enchimento venoso medido pela pletismografia a ar e a intensidade do refluxo venoso medido pela flebografia descendente. Afirmaram, também, que o melhor meio de estudo não-invasivo para avaliar o doente com insuficiência venosa profunda, que poderá ser submetido à reconstrução venosa, é a associação do ecodoppler com a pletismografia a ar.
Por outro lado, deve ser considerado que a pletismografia a ar não é sensível como único método diagnóstico de trombose venosa profunda nas condições seguintes: trombo isolado nas veias da panturrilha e trombo na veia femoral profunda ou ilíaca interna. Além disso, o método pode produzir resultado falsamente negativo nos doentes com afecção venosa crônica em que houve recanalização ou formação de circulação colateral eficaz. O resultado falso-positivo geralmente ocorre em doentes com afecções que impedem o enchimento venoso adequado, tais como doença pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca congestiva, gravidez e ascite.19
Os resultados obtidos no grupo controle estão totalmente dentro do esperado, pois esse grupo formou-se de indivíduos sem queixas clínicas e os exames não identificaram alterações na hemodinâmica circulatória. A ausência de diferença hemodinamicamente significativa entre os membros inferiores do grupo controle com os membros não-acometidos dos grupos com trombose, nas três variáveis estudadas, foi favorável ao emprego do modelo do estudo.
Os resultados obtidos no grupo de doentes da fase subaguda deste estudo mostraram que a fração de esvaziamento após a oclusão superficial está de acordo com a literatura, entretanto essa concordância não ocorreu com a fração de esvaziamento venoso livre. Christopoulos et al.19 demonstraram que os resultados da fração de esvaziamento venoso em membros inferiores com o sistema venoso profundo normal estão próximos de 38% e nas oclusões agudas hemodinamicamente significativas, como ocorre na trombose venosa da coxa e/ou extensa, estão entre 15% e 34%.6
A revisão pormenorizada dos resultados de cada doente desse grupo mostrou que em um deles havia discrepância da fração de esvaziamento venoso em relação aos demais. Isso ocorreu em uma doente com trombose venosa profunda oclusiva do segmento ilíaco-femoral esquerda. Embora o ecodoppler seja sensível e específico para diagnosticar a trombose venosa dessa região, não foram estudadas as veias cava inferior e ilíaca direita. Deve ser considerado, ainda, que os exames complementares estão sujeitos a interferências, mesmo quando são realizadas várias análises. Como esta pesquisa teve amostra reduzida, as variações registradas ao longo do estudo certamente interferiram na análise global do mesmo, ficando claro que seria necessária casuística maior para melhorar a confiabilidade dos resultados.
Em relação ao refluxo encontrado na fase subaguda da doença, pode-se afirmar que há coerência com outros estudos. Meissner et al.20 afirmaram que ocorre predisposição para a agregação dos trombos nos folhetos valvulares venosos, que começam a degenerar-se devido a substâncias químicas, privação de oxigênio e alterações do ambiente local, atuando como corpos estranhos. Além disso, durante a fase de obstrução máxima do esvaziamento venoso, ocorre dilatação das veias à jusante do local da trombose, o que poderia ser causador de incompetência valvular fisiológica.
Já o refluxo sangüíneo mostrado na fase crônica da doença está de acordo com as observações de Raju et al.21,22, que encontraram refluxo valvular em 69% dos membros acometidos pela trombose venosa profunda, após 12 meses do quadro trombótico. Além disso, esses autores mostraram que, no decorrer do tempo, o principal fator responsável pelas manifestações clínicas da síndrome pós-trombótica é a presença do refluxo sangüíneo venoso, e não o componente obstrutivo. Isso serve como argumento para a extirpação da veia safena magna e de suas colaterais insuficientes nos pacientes com essa síndrome.
Apesar de Raju21 ter mencionado a ocorrência de recanalização bem-sucedida ou colateralização em cerca de 50% dos casos de trombose venosa profunda, particularmente na veia femoral, em que a obstrução residual acentuada está presente em apenas um terço dos casos, após alguns meses de evolução, em nosso estudo não houve diferença significativa entre a frações de esvaziamento venoso livre e após a oclusão superficial para o grupo com trombose venosa profunda crônica, assim como entre os membros acometidos dos pacientes com trombose venosa profunda em suas fases subaguda e crônica. Essa discordância pode ser explicada pelo modelo de estudo empregado neste trabalho, pois divide os grupos de pacientes em fases de 30 dias a 180 dias e de 181 dias até 730 dias, o que os coloca em períodos estreitamente interlaçados. Talvez fosse melhor se tivesse sido empregado período mais alargado entre os grupos acometidos pelo quadro trombótico.
CONCLUSÕES
Neste estudo, pode-se concluir que a quantificação hemodinâmica venosa pela pletismografia a ar dos membros inferiores acometidos pela trombose venosa profunda proximal foi capaz de mostrar que:
- houve obstrução ao fluxo sangüíneo do sistema venoso profundo em estado livre na fase crônica e após a oclusão do sistema venoso superficial, assim como refluxo sangüíneo em estado livre, nas fases subaguda e crônica.
- não houve diferença hemodinâmica entre os membros acometidos nas fases subaguda e crônica, em relação ao refluxo venoso e à obstrução ao fluxo de retorno venoso em estado livre e após a oclusão do sistema venoso superficial.
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