ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Proposta do curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana: algumas reflexoes
The Faculty of Health and Human Ecology medical course: some thoughts
Aristides José Vieira Carvalho
Médico. Mestre em Ciências da Saúde. Professor da Faculdade de Saúde e Ecologia Humana-FASEH. Vespasiano, MG - Brasil
Endereço para correspondênciaAristides José Vieira Carvalho
E-mail: ariscar@terra.com.br
Instituição: Faculdade da Saúde e Ecologia Humana - FASEH Vespasiano, MG - Brasil
Resumo
O curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana surgiu como resultado das discussões realizadas por profissionais ligados à área docente e assistencial. Este artigo tem como objetivo apresentar a proposta institucional em relação à formação médica. Trata-se de relato de experiência que faz uma abordagem descritiva e traz reflexões sobre o processo e os desafios que acompanharam a criação e a implementação do curso de Medicina. Entre os principais destaques desse relato cabe destacar a busca pelo "novo", a coragem de mudar e a ousadia de buscar a coerência.
Palavras-chave: Estudantes de Medicina; Escolas Médicas; Educação Médica.
INTRODUÇÃO
Em 2002, sob a atuação do Professor Assuero Rodrigues da Silva, intensificaram-se as discussões sobre a criação e organização do curso de Medicina da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH). Foram vários momentos de reuniao, de debate, de busca apaixonada por um novo modelo de formação capaz de responder às expectativas da sociedade em relação ao profissional da categoria médica. Destaca-se a participação dos professores Carlo Américo Fattini, Joao Lúcio dos Santos Júnior, Hérica Soraya Albano Teixeira, Aristides José Vieira de Carvalho e Carlos Ernesto Ferreira Starling e todos os outros fundadores.
De forma ousada, a FASEH não teve receio de compartilhar olhares de diferentes profissionais com vasta experiência na área de ensino, pesquisa e assistência, que traziam suas propostas, seus questionamentos, insatisfações e seus sonhos em relação a uma formação médica de qualidade.
A FASEH conseguiu construir de forma cuidadosa e corajosa, a partir de várias contribuições, uma nova proposta de formação profissional. Em outubro de 2003 o curso de Medicina iniciou suas atividades.
Este artigo tem como objetivo apresentar quais valores e princípios orientaram a FASEH em sua proposta de formação médica.
METODOLOGIA
Trata-se de relato de experiência que utilizou como instrumento a abordagem descritiva e procura refletir sobre a trajetória da FASEH e suas opções em relação à criação e à implementação do curso de Medicina.
Vários docentes e profissionais de saúde participaram da construção que é descrita neste artigo. Cabe destaque aos primeiros docentes que pensaram o projeto pedagógico inicial da FASEH para o curso de Medicina e que, de forma entusiasmada, deixaram a sua participação nos textos elaborados para a autorização do curso e, posteriormente, para o seu reconhecimento.
A estrutura curricular do curso de Medicina da FASEH tem como uma de suas inovações a disciplina Atividades de Integração Teórico Clínicas 1, 2, 3 e 4, que procura fazer a articulação do saber teórico e prático com as outras disciplinas. Entretanto, o espírito de integração permeia todas as disciplinas do curso e nasceu com a instituição. Nesse sentido, os docentes são a todo o momento provocados por esse objetivo institucional. Para além da disciplina de Atividades de Integração, a FASEH ousou na introdução de outras disciplinas, como Introdução a Ética Médica, Bioética, Deontologia, Tutoria, além de dar um tom todo especial às disciplinas clínicas e aos seus internatos.
O relato de experiência procura resgatar o espirito fundante, que animou, deu vida à instituição e que a acompanha à medida que abre novas frentes e ganha credibilidade junto à população e aos profissionais de saúde, em especial à categoria médica.
A busca pelo novo
Em sintonia com as Diretrizes Curriculares do curso de Medicina vigentes em 20031, a FASEH, quando iniciou em outubro com a primeira turma do curso de Medicina, não poupou esforços para investir no "novo". E o que seria o novo? Em certo sentido, seria algo diferente, ainda não praticado ou praticado de forma tímida em nosso país. De forma paradoxal - e estranhamente conceitual, utilizado neste texto - o novo também seria a busca pelo esquecido, pelo que é conhecido e imprescindível, mas que ficou à margem do processo de formação.
Ao falar no novo que não é praticado ou o é de forma tímida, a FASEH, com a sua primeira turma, iniciou a inserção dos alunos nos serviços de saúde com o objetivo de propiciar o conhecimento do Sistema Unico de Saúde (SUS), da Estratégia de Saúde da Família, da atuação dos profissionais e das demandas populares. Utilizando-se de metodologias ativas, procurou provocar os alunos no sentido de fazê-los pensar a atuação médica e a correlação entre o saber teórico e prático. Os alunos conheceram o território das Equipes de Saúde da Família, visitaram famílias, conversaram com os usuários do SUS - na rede básica de saúde e nos serviços hospitalares-, construíram projetos de pesquisa voltados para questoes do dia-a-dia dos serviços de saúde e participaram das discussões sobre a prática médica.
A inserção dos alunos nos serviços de saúde foi facilitada graças ao apoio da Secretaria Municipal de Saúde de Vespasiano, que abriu as suas portas e realizou importante e forte parceria com a Faculdade de Medicina.
A discussão sobre o SUS foi utilizada como ponto de partida para o acompanhamento e a vivência dos alunos nos serviços de atenção primária. As metodologias participativas e interativas tornaram-se importantes recursos para facilitar a apropriação do tema e o acompanhamento das diferentes questoes relacionadas à universalidade, à equidade e à integralidade das ações de saúde nos cenários de prática estabelecidos pela instituição.
No que diz respeito à integralidade das ações, um dos princípios do SUS2,3, a formação do aluno caminhou de forma progressiva, procurando conhecer a realidade, pensá-la de forma crítica e humanista, realizar diagnósticos e apresentar propostas de intervenção no sentido de transformá-la. Dessa forma, a FASEH conseguiu tornar realidade uma das orientações das diretrizes curriculares de Medicina de 2001, que foi referendada e reforçada nas diretrizes curriculares publicadas em 20141,4, o que permitiu a percepção da complexidade da atuação dos serviços de saúde, do desafio e da responsabilidade do profissional da área médica.
É importante comentar também sobre o "novo", utilizado como sinônimo do que já é antigo e conhecido, mas que ficou esquecido. Antigo porque remonta a Hipócrates5 e a Maimônides6, perpassando por Potter7 e pelos avanços da discussão bioética atual. A inovação da FASEH foi abraçar a formação Ética/ Bioética do aluno de Medicina. De forma ousada introduziu em sua estrutura curricular as disciplinas Introdução à Ética Médica, Bioética e Deontologia. Partindo na frente e coerente com a tendência atual de introdução da discussão ética nas faculdades de Medicina8, a FASEH ousou ao implementar a discussão de temas que conversavam diretamente com a prática médica e tentou, desde o início, quebrar a resistência dos alunos em relação às discussões que são primordiais para o profissional médico e que devem sustentar a sua prática.
Os debates relacionados à atividade médica foram orientados pelo Código de Ética Médica, utilizando como metodologia a discussão de casos clínicos e contando, sempre que possível, com a participação de profissionais da própria instituição e da Secretaria de Saúde, da Educação, de Assistência Social e lideranças comunitárias, dando o tom da formação médica balizada pelo Código de Ética Médica, "que contém as normas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício de sua profissão"9.
A formação humanista, crítica e reflexiva1,4 ocupou lugar de destaque na grade curricular e foi um dos pontos fortes da instituição e um dos seus diferenciais. A necessidade de uma formação ampla, que envolve outros conhecimentos como os da Filosofia, da Sociologia e da Bioética10, foi identificada desde o início e as discussões foram feitas a partir dos contatos com os serviços e/ou com profissionais convidados em sala ao contribuírem com a reflexão sobre a prática médica e a relação médico-paciente.
A coragem de mudar
As mudanças muitas vezes amedrontam. Tiram a estabilidade e a posição confortável. Para muitos, é melhor não mexer, deixar como está. Mudar implica coragem. A FASEH não poupou esforços em modificar, inovar, acolher o que há de novo e que é benéfico, faz crescer. Assim fez ao introduzir a tutoria dos alunos, ao organizar os trabalhos de final de curso, ao organizar os internatos, ao visitar as instituições representativas da categoria médica e ao permitir e apoiar a participação dos discentes e docentes nos vários espaços institucionais.
Mantendo o clima agradável de uma faculdade acolhedora e aconchegante, não se acomodou e não esqueceu os seus desafios. Atenta e aberta às inovações do curso de Medicina, acatou as orientações e contribuições dos vistoriadores do Ministério da Educação e Cultura (MEC), introduziu disciplinas novas, contratou novos profissionais e manteve-se firme no seu propósito inicial de dar a melhor formação possível aos seus alunos.
A FASEH procurou mudar com responsabilidade, garantindo a qualidade da formação. Manteve avanços, questionou iniciativas, foi à frente, voltou e buscou sempre, em uma posição de flexibilidade, garantir que os alunos tivessem segurança em relação à seriedade institucional. O desempenho dos alunos egressos da instituição nos serviços de saúde e/ou nas residências médicas atesta a qualidade da instituição.
A ousadia de buscar a coerência
Manter-se fiel aos sonhos que gestaram a instituição é o grande desafio de qualquer serviço sério e comprometido. Com a FASEH não foi diferente. Em seu nascedouro, a inovação, a ética, a humanização da prática médica e a atividade interdisciplinar estiveram fortemente presentes. O caminhar institucional sempre foi motivado por esses valores que deram vida e impulsionaram a sua criação. Assim como toda instituição no decorrer da caminhada, corre-se o risco de perder a inspiração inicial. O desafio é acatar as novidades e os avanços conquistados pelas melhores evidências científicas, ao mesmo tempo em que se mantém a coerência com os sonhos e as construções feitas a várias mãos pelos docentes, discentes e gestores.
O processo avaliativo institucional tem esse papel. A partir dele a instituição se reaviva, se reencontra com sua história e ganha fôlego para seguir em frente de forma firme e transparente.
Um dos exemplos da busca permanente pela coerência são os trabalhos desenvolvidos na cidade de Vespasiano, onde, em sintonia com as Novas Diretrizes Curriculares, os alunos têm atuado em serviços de saúde, escolas, creches, instituições de longa permanência, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotores da saúde integral do ser humano.4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta da FASEH é numa educação de qualidade. Sua história iniciou a partir da discussão sobre valores fundamentais para um serviço de excelência. No decorrer da sua caminhada, a instituição primou pela coerência com as suas motivações iniciais e sempre se manteve aberta a novos avanços para a formação médica. Essas características dao à Faculdade de Medicina da FASEH a credibilidade e o reconhecimento da população, dos docentes, discentes e da categoria médica.
REFERENCIAS
1. Brasil. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 4, de 7 de novembro de 2001. Brasilia/DF: Explanada dos Ministérios; 2001.
2. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasilia, DF: Senado Federal; 1988.
3. Carvalho AJV. A saúde no Brasil: uma introdução ao Sistema Único de Saúde. Vespasiano: FASEH; 2006.
4. Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em Medicina. [Citado em 30 set 10]. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/Med.pdf
5. Munõz DR. Bioética: a mudança da postura ética. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(5 Pt 1):578-9.
6. Jorge Filho IJ. Os compromissos do médico: reflexões sobre a oração de Maimônides. Rev Col Bras. Cir. 2010;37(4):306-7.
7. Pessini L. As origens da bioética: do credo bioético de Potter ao imperativo bioético de Fritz Jahr. Rev Bioét. 2013;21(1):9-19.
8. Gerber VKQ, Zagonel IPS. A ética no ensino superior na área da saúde: uma revisão integrativa. Rev. Bioét. 2013;21(1):306-7.
9. Conselho Federal de Medicina; Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais. Código de Ética Médica. Resolução CFM nº 1931/2009. Belo Horizonte/MG, 2009. Brasilia: CFM; 2009.
10. Gonzalez RF, Branco R. Reflexões sobre o processo ensino-aprendizagem da relação médico paciente. Rev Bioét. 2012;20(2): 244-54.
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