RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 24. 3 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20140095

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Artigo Original

Deficiência de cromo: um novo problema de saúde pública?

Chromium deficiency: a new public health problem?

Renato Barros Costa

Médico. Gerência de Saúde e Assistência da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Renato Barros Costa
E-mail: rbcmgbr@terra.com.br

Recebido em: 05/11/2012
Aprovado em: 08/08/2014

Instituição: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

INTRODUÇÃO: assim como se observa em muitas pessoas assintomáticas, a deficiência dos níveis plasmáticos de vitamina D parece ocorrer com os oligoelementos, especialmente o cromo. Não existe, até o momento, nexo causal entre esses achados.
MÉTODOS: 42 pacientes sem queixas específicas foram submetidos a dosagens de vitamina D e cromo no sangue, no período de julho a setembro de 2012.
RESULTADOS: encontrou-se deficiência significativa de vitamina D (81% dos casos) e absoluta de cromo (100% dos casos).
CONCLUSÃO: a deficiência de oligoelementos, especialmente do cromo, cujas consequências não são conhecidas, merece receber atenção das autoridades responsáveis pela saúde pública. É preciso investigar se o fenômeno decorre de algum tipo de poluição ou de degradação ambiental e dimensionar a sua gravidade, bem como alertar para a existência de novo problema de saúde pública, com repercussão direta sobre a conduta clínica e terapêutica.

Palavras-chave: Deficiência de Vitaminas; Deficiência de Vitamina D; Cromo/deficiência; Oligoelementos; Saúde Ambiental; Meio Ambiente e Saúde Pública; Pandemias.

 

INTRODUÇÃO

Nos dias de hoje observa-se com frequência a hipovitaminose D,1 mas não se conhece exatamente a origem do distúrbio. Foi aventada a possibilidade de que a "epidemia" seja, em parte, decorrente de atenção exagerada conferida ao problema, a partir do momento em que grande contingente de pessoas passou a ter acesso à dosagem laboratorial da vitamina D. Essa realidade não se ateve necessariamente ao conceito tradicional de raquitismo, condição resultante da baixa de vitamina D.2 Mesmo na vigência de epidemia de hipovitaminose D, inclusive em crianças, não se ouve falar de um caso de raquitismo. Isso quer dizer que o conhecimento antigo estava equivocado: será que se pode confiar absolutamente na informação a respeito de outras deficiências nutricionais? São idos os tempos em que as crianças recebiam suplementação de vitamina D (calciferol) para ficarem com "ossos fortes e músculos fortes": na verdade, era muito mais que isso o que estava em jogo. Hoje se conhecem centenas de funções metabólicas para a vitamina D,3 bem como seu papel na correta expressão de milhares de genes.4 A vitamina D é muito mais um hormônio, não exatamente uma vitamina, pois é produzida endogenamente; e não se constitui como composto nitrogenado, o que toda vitamina dever ser. Animais de algumas espécies sobrevivem à custa do calciferol endógeno exclusivamente, como se pode depreender da sua dieta e dos hábitos de vida, de tal forma que uma "amina vital" que precisa ser ingerida fica fora de cogitação. Qualquer conceito biológico aplicado em Medicina, entretanto, tem em vista o ser humano e ignora a realidade de outras formas de vida, o que deve ser descartado por colocar em risco o aspecto ecológico da própria Medicina humana.

Em relação à deficiência de cromo, pouco é conhecido, e o que é mais grave: o que se diz é o oposto dos resultados que aqui serão apresentados.5 Faz cerca de 50 anos que o cromo teve reconhecida sua função essencial à saúde,6 especialmente no que se refere ao metabolismo de lípides e de carboidratos, sendo reconhecida sua associação com a melhora da tolerância à glicose em portadores de diabetes mellitus tipo II.7 É prudente considerar que as funções metabólicas dos oligoelementos são praticamente desconhecidas, e muitas das teorias vigentes hão de se tornar obsoletas, como é o caso do raquitismo. Existe menção da existência de deficiência de cromo em pacientes sob nutrição parenteral,5 mas nesses casos a existência de grave moléstia subjacente impede a comparação com a situação de seres humanos saudáveis, sendo de pouco interesse neste artigo.

O cromo pertence ao grupo de 15 oligoelementos considerados essenciais para a homeostase de formas de vida superior; e esse número pode aumentar, à medida que o conhecimento avança, até talvez incluir todos os elementos da tabela periódica.8

Este trabalho objetivou a avaliação dos níveis séricos de cromo.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo foi realizado no Serviço de Gerência de Saúde e Assistência da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, a partir de propedêutica complementar realizada em pacientes com sintomatologia de pouca intensidade e em exame periódico de saúde anual, com o objetivo de encontrar explicação para alterações relacionadas a: vitamina D baixa; colesterol, ferritina e gamagluta-miltransferase altas; hormônio tireotrófico alto com hormônios tireoidianos invariavelmente normais; e principalmente alguns achados de paratormônio muito elevado. Todos os pacientes se apresentaram como voluntários ao tomar conhecimento dos resultados verificados em colegas de trabalho.

A direção da investigação foi definida pelos próprios resultados, à medida que iam surgindo. E do ponto de vista clínico, não era necessário realizar as dosagens especificadas, por isso não se elaborou um protocolo de trabalho desde o começo. Por essa razão, serão apresentados somente dois testes de laboratório que foram executados em todos os sujeitos do grupo.

O estudo foi autorizado pela Gerência de Saúde da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), responsável pela análise ética de todo o atendimento de saúde da circunscrição deste trabalho.

Foi realizada a dosagem sanguínea de vitamina D e cromo em 42 pessoas sem queixas ou sinal de alguma moléstia, no período de julho a setembro de 2012. Dessas pessoas, 17 eram trabalhadores convocados para exame periódico de saúde, todos funcionários da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais; 16 procuraram o serviço médico devido a alterações bioquímicas relacionadas aos exames mencionadas; e nove, como voluntários.

As dosagens sanguíneas de vitamina D e de cromo foram realizadas em quatro laboratórios certificados pela Gerência de Saúde da ALMG, e espontaneamente procurados pelos pacientes. Os técnicos dos laboratórios não tinham conhecimento sobre o andamento desse trabalho. A 25-hidroxivitamina D foi dosada pelo método de quimioluminescência (Tabela 1);9 e com o objetivo de padronizar a avaliação dos pacientes, as categorias de alteração foram agrupadas em uma única e excluída a categoria de toxicidade (Tabela 2).

 

 

 

 

O cromo foi mensurado pela espectrofotometria de absorção atômica em forno de grafite.7, 10 A maior parte dos exames incluiu o fator de correção de Zeeman, mas não todos. A referida correção permite a criação de uma faixa de normalidade, o que possibilita a avaliação do teor de cromo como nutriente. O exame não corrigido parece ter o objetivo de detectar o nível tóxico do metal, pois fornece apenas o limite superior. Essa discrepância não teve impacto sobre os resultados, a seguir verificado. No primeiro caso, a faixa de normalidade situa-se entre 0,7 e 2,2 µg/L, sendo considerado indetectável o valor de cromo abaixo de 0,1 µg/L; e no segundo caso, o valor normal é abaixo de 5 µg/L (Tabela 3).

 

 

Não foi possível realizar a comparação com outros dados devido ao fato de ter sido estabelecida uma faixa de normalidade até um único divisor entre anormalidade e normalidade, isto é, 30 ng/mL.

Foi aplicado o teste t de amostra única sobre o grupo de resultados de vitamina D, admitindo-se a média de 30 ng/mL.

 

RESULTADOS

Todas as pessoas viviam na região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, sendo 16 do sexo masculino e 26 do feminino. A idade variou entre 14 e 75 anos, média de 48.

O nível adequado de vitamina D foi encontrado em oito pessoas.

 

DISCUSSÃO

A avaliação regular de saúde usando testes padronizados para alguns exames laboratoriais revelou alterações diante de pacientes sem anormalidades clínicas. A reposição imediata de vitamina D e cromo foi realizada e surgiu outra questão relevante de encontrar a sua causa, especialmente nessa situação em que faltam sinais e sintomas, o que requer entender se a deficiência de vitamina D e de cromo estava em horizonte subclínico. A uniformidade da reação produzida em corpos de pessoas com idades tão diferentes, o que pressupõe estilos de vida completamente diferentes, sugere lento mecanismo de adaptação à exposição a algum fator ambiental desconhecido e onipresente. O que manteve a deficiência de cromo oculta até o momento foi justamente a falta de achados físicos específicos, mesmo diante de assintomáticos ou oligossintomáticos. Além da eventualidade de se confirmar uma pandemia de desnutrição específica, que se manteve subclínica durante décadas, ainda existe a possibilidade de indizível inépcia com que o modelo científico moderno aborda o sofrimento emocional, existencial e moral do ser humano.

Em vista da possibilidade da degradação ambiental grave, o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais foi alertado a respeito, por meio de carta-ofício datada de 27 de agosto de 2012, muito antes de termos em mãos os resultados desses 42 pacientes. É muito provável que todas essas pessoas estejam ingerindo um veneno que impeça a absorção de pelo menos um oligoelemento, levando, dessa forma, à sobrecarga de um mecanismo de captação intestinal mediado pela vitamina D.

A glicemia não foi realizada em todos os casos, mas dois dos 42 pacientes sabidamente com diabetes mellitus retornaram valores de cromo pelo menos detectáveis. Por outro lado, pacientes cujo nível de cromo era indetectável não apresentavam sinal de diabetes mellitus. Seria a associação imediata entre deficiência de cromo e intolerância à glicose mais um dos mitos que não estão destinados a sobreviver? Seria razoável cogitar da existência de um fator ambiental ou geográfico, específico da região de Belo Horizonte, que pudesse explicar o fato de que uma deficiência pandêmica de cromo tenha sido identificada aqui e não em outro lugar? Diga-se que na água potável da cidade existe um composto de metal trivalente, proveniente dos depósitos de minério encontrados em torno da região metropolitana, pois é sabido que íons com o mesmo número de oxidação competem entre si pela absorção intestinal.

Embora improvável, essa hipótese não pode ser ignorada. Uma resposta positiva certamente contribuiria para reduzir a gravidade do problema, mas não se deve esquecer que em Belo Horizonte vivem outros 3.000.000 de pessoas que não foram examinadas. No lado oposto da questão, existe o fato de que Minas Gerais, estado mediterrâneo, funciona como uma espécie de lastro para a nação brasileira, uma vez que o país e o estado têm em comum as diferenças regionais e a diversidade étnica. Minas Gerais é o local certo por onde se pode começar a pesquisa de uma circunstância demográfica que seja relevante para todo o Brasil. Espera-se que os resultados de um despretensioso estudo clínico não tomem a dimensão de uma catástrofe de proporções desconhecidas que esteja prestes a se abater sobre o nosso país ou mesmo sobre todo o mundo.

Poderia haver uma tendência ou um fator de confusão qualquer, capaz de invalidar completamente nossos resultados? Ni jamais, ni toujours: talvez. Espera-se a publicação dos resultados obtidos por pesquisadores independentes. Será possível que todos os exames estejam errados? Isto não deve ser possível, porque a reposição correta de cromo levou à sua normalização em pelo menos dois casos; e até o momento, a uma recuperação parcial dos valores de vitamina D. Também já se descortina tendência à normalização do colesterol e da ferritina, mas tal avaliação está fora dos objetivos deste artigo. Além do mais, se realmente a deficiência de cromo puder ser explicada por um distúrbio de absorção, muito provavelmente haverá também deficiência de outros oligoelementos trivalentes, criando-se o que se pode chamar de uma síndrome metalopênica. Nesse caso, pode-se esperar que os marcadores metabólicos se normalizem somente depois da erradicação completa de todas as deficiências.

 

CONCLUSÃO

Apresentam-se alguns dados preliminares sobre a baixa de concentração sérica de vitamina D e cromo, realizados em pacientes submetidos à consulta médica por vários motivos e para avaliação periódica de saúde. Os resultados obtidos foram surpreendentes, considerando-se a redução significativa, sem sintomatologia expressiva, dessa vitamina e oligoelemento, fato que requer melhores e mais aprofundados estudos. Serve como alerta para possível existência de fator ou fatores na região metropolitana de Belo Horizonte responsáveis por essas alterações. Novos estudos estão em andamento para aprofundamento no tema.

 

AGRADECIMENTOS

Aos pacientes, que são a razão de existir da Medicina como arte-ciência e de qualquer tipo de pesquisa ou investigação. Muito obrigado a vocês!

 

REFERÊNCIAS

1. Holick MF. The vitamin D epidemic and its health consequences. J Nutr. 2005 Nov; 135(11):2739S-48S.

2. Guyton A. Tratado de fisiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002.

3. DeLuca HF, Zierold C. Mechanisms and functions of vitamin D. Nutr Rev. 1998 Feb; 56(2 Pt 2):S4-10; discussion S 54-75. Review.

4. Darwish H, DeLuca HF, Vitamin D-regulated gene expression. Crit Rev Eukaryot Gene Expr. 1993;3(2):89-116.

5. Lamson DW, Plaza SM. The safety and efficacy of high-dose chromium. Altern Med Rev. 2002 Jun;7(3):218-35.

6. Vincent JB. Chromium: celebrating 50 years as an essential element? Dalton Trans. 2010 Apr 28;39(16):3787-94.

7. Cefalu WT, Hu FB. Role of chromium in human health and in diabetes. Diabetes Care. 2004 Nov;27(11):2741-51.

8. Nielsen FH. Ultratrace elements in nutrition. Annu Rev Nutr. 1984;4:2141.

9. Singh RJ. Are clinical laboratories prepared for accurate testing of 25-hydroxy vitamin D? Clin Chem. 2008 Jan;54(1):221-3.

10. Schermaier AJ, O'Connor LH, Pearson KH. Semi-automated determination of chromium in whole blood and serum by Zeeman electrothermal atomic absorption spectrophotometry. Clin Chim Acta. 1985 Oct 31;152(1-2):123-34.