ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Sono da criança: será que é dada a sua devida importância?
Children's sleep: is it given its due importance?
Ana Elisa Ribeiro Fernandes1; Ananda Pereira Novais2; Bruna Meira Feitosa2; Frederico Cunha Valim2; Mariana Aparecida Pasa Morgan2; Mariana Rocha Figueiredo2; Paula Quinaglia Milan2
1. Médica Pediatra. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente. Professora da Universidade José do Rosário Vellano- UNIFENAS - BH. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Acadêmico(a) do Curso de Medicina da UNIFENAS - BH. Belo Horizonte, MG - Brasil
Ana Elisa Ribeiro Fernandes
E-mail: anaelisarf@hotmail.com
Recebido em: 06/02/2013
Aprovado em: 08/05/2014
Instituição: Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS BH Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
OBJETIVO: verificar a importância dada aos distúrbios do sono em crianças.
MÉTODOS: estudo transversal, observacional e retrospectivo em revisões das provas de título de Especialista em Pediatria disponíveis no site oficial da Sociedade Brasileira de Pediatria, a fim de verificar quantas questões abordavam o tema "sono".
RESULTADOS: foram analisadas 853 questões, sendo encontradas duas referentes ao sono, uma em 2004 e outra em 2006, relacionadas ao terror noturno.
CONCLUSÃO: não é dada importância à necessidade do conhecimento pelo pediatra sobre os distúrbios do sono na infância, apesar de sua alta prevalência e suas diversas consequências biopsicossociais.
Palavras-chave: Sono; Transtornos do Sono; Criança.
INTRODUÇÃO
O sono caracteriza-se pela alteração reversível da percepção do ambiente externo, com modificação do nível de consciência e reorganização intensa do sistema nervoso central.1 Suas alterações podem interferir na saúde em geral,2,3 especialmente em relação ao crescimento, comportamento, desenvolvimento neuropsicomotor, cognição e relacionamento familiar da criança, sendo importante seu reconhecimento para adequado manejo clínico.4 Alguns estudos longitudinais têm demonstrado que os problemas de sono, muitas vezes menosprezados na infância, podem evoluir e originar graves problemas médicos e psiquiátricos na idade adulta.5
Em 2011, a Comissão Mista de Especialidades do Conselho Federal de Medicina aprovou a criação da área de atuação em Medicina do Sono para as especialidades de Otorrinolaringologia, Psiquiatria, Neurologia e Pneumologia;6 e considera fundamental a atuação do pediatra para a prevenção e tratamento dos distúrbios do sono na infância.
As perturbações do sono constituem queixas das mais comuns durante toda a infância e situam-se entre as cinco de mais preocupação dos pais. Ocorrem em 17 a 41% das crianças, sendo habitualmente recorrentes,7 entretanto, são pouco descritas em atenção básica de saúde, inclusive no consultório pediátrico. Isso pode ser explicado pelos pais não considerarem os problemas do sono uma questão médica e, na maioria das vezes, desconhecerem o que é o padrão normal do sono.8 Soma-se a isso o fato dos problemas de sono serem pouco questionados ou diagnosticados pelos médicos.9,10
Os distúrbios do sono podem causar diversos problemas na saúde das crianças,2,3 especialmente: alteração do crescimento;11 comprometimento da função imunológica;2 atopias;12 cefaleia;12 desequilíbrio entre as funções simpática e parassimpática, com predomínio simpático;13 obesidade;2,3,13-16 redução da sensibilidade à insulina;14 aumento da grelinemia;14 diminuição da leptinemia;13 fadiga diurna;17 capacidade física restrita;17 inadaptação motora;2 predisposição a acidentes,12,18 inclusive na adolescência;19 mau desempenho escolar;12,20,21 déficit congnitivo22 e da atenção;2,22-25 hiperatividade;2,26 prejuízo da memória;23,24 sonolência excessiva;18 transtornos de humor;2 problemas comportamentais;2,25 ansiedade;14,24,26-28 depressão;14,22,26,27 e estresse emocional.17 Os pais de crianças com distúrbios do sono são mais suscetíveis ao estresse, a apresentarem menos afeto por seus filhos e a vivenciarem discórdia conjugal.18
Tendo em vista as possíveis e inúmeras complicações dos distúrbios do sono nas crianças e em seus pais, considera-se necessário que o pediatra conheça as características fisiológicas do sono nas diversas faixas etárias e suas possíveis variações interpessoais;1 e a valorização dos distúrbios do sono na infância deve constituir prioridade do atendimento pediátrico.29-30 A aquisição de conhecimentos específicos em relação aos distúrbios de sono infantil pelos profissionais de saúde melhora a sua profilaxia, diagnóstico e a terapêutica.1
O objetivo deste estudo foi verificar, por meio do instrumento de avaliação para obtenção do Título de Especialista (TEP) da Sociedade Brasileira de Pediatria,30 a importância dada a este tema tão relevante.
METODOLOGIA
Trata-se de estudo transversal, observacional e retrospectivo. Foram feitas revisões das provas de TEP disponíveis no site oficial da Sociedade Brasileira de Pediatria para verificar quantas questões abordavam o tema "sono". Não foi necessário aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa.
RESULTADOS
Foram encontradas no site oficial da Sociedade Brasileira de Pediatria 14 provas de título referentes aos anos de 1998 a 2011. O número de questões por prova variou de 53 a 100, incluindo questões abertas e fechadas. Foram analisadas 853 questões e encontradas duas referentes à Medicina do Sono, uma em 2004 e outra em 2006, ambas sobre o terror noturno.
O acerto das questões foi de 67,86% em 2004 e 56,68% em 2006 (Tabela 1).
DISCUSSÃO
Esta avaliação revela como o tema "medicina do sono" foi valorizado e abordado nas provas para obtenção do TEP nos últimos 10 anos, elaboradas pela Sociedade Brasileira de Pediatria. A escolha do temário de provas de especialistas revela, naturalmente, o valor que cada especialidade confere e solicita aos seus respectivos especialistas.
Em 14 provas de títulos da Sociedade Brasileira de Pediatria e entre 853 questões foram encontradas apenas duas referentes à Medicina do Sono, ambas sobre o terror noturno. Constituem 0,23% das questões e dizem respeito a apenas uma doença pertencente aos distúrbios do sono. O acerto dos candidatos à especialista variou de 56,6 a 67,8%. O acerto foi verificado em menos de dois terços dos candidatos para assunto de alta prevalência e das diversas consequências biopsicossociais a eles relacionadas.
Não existem na literatura artigos com o mesmo objetivo deste estudo, não sendo possível a comparação de dados. Esta constatação deve servir de alerta para que se dê mais importância ao entendimento sobre os problemas relacionados ao sono, considerando-se que o sono saudável é essencial para a normalidade das funções orgânicas e psíquicas humanas.
AGRADECIMENTOS
À Profa Ana Elisa Ribeiro Fernandes, à Kely e à Liga de Pediatria da UNIFENAS-BH.
REFERÊNCIAS
1. Araújo P. Validação de questionários de sono infantil de Reimão e Lefèvre [Tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2012.
2. Olds T, Maher C, Blunden S, Matricciani L. Normative data on the sleep habits of Australian children and adolescents. Sleep. 2010 Oct;33(10):1381-8.
3. Smaldone A, Honig JC, Byrne MW. Sleepless in America: inadequate sleep and relationships to health and well-being of our nation's children. Pediatrics. 2007 Feb;119(Suppl 1):S29-37.
4. Batista BH, Nunes ML. Validação para Língua Portuguesa de Duas Escalas para Avaliação de Hábitos e Qualidade de Sono em Crianças. J Epilepsy Clin Neurophysiol. 2006;12(3):143-8.
5. Kerr S, Jowett S. Sleep problems in pre-school children: A review of the literature. Child Care Health Development. 1994;20:379-91.
6. Conselho Federal de Medicina. Comissão cria área de atuação em Medicina do Sono. [Citado em 2012 Dez]. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=21295:medicinadosono&catid=3.
7. Klein JM, Gonçalves A. Problemas de sono-vigília em crianças: um estudo da prevalência. Psico-USF. 2000;13(1):51-8.
8. Santos IS, Mota DM, Matijasevich A. Epidemiology of co-sleeping and nighttime waking ate 12 months in a birth cohort. J Pediatr. 2008;84(2):114-22.
9. Nunes ML, Cavalcante V. Avaliação clínica e manejo da insônia em pacientes pediátricos. J Pediatr. 2005;81(4):277-86.
10. 10. Tenenbojm E, Rossini S, Estivill E, Segarra F, Reimão R. Causas de insônia nos primeiros anos de vida e repercussão nas mães: atualização. Rev Paul Pediatr. 2012;28(2):221-6.
11. Dahl RE. Sleep and the developing brain. Sleep. 2007 Sep;30(9):1079-80.
12. Faruqui F, Khubchandani J, Price JH, Bolyard D, Reddy R. Sleep disorders in children: a national assessment of primary care pediatrician practices and perceptions. Pediatrics. 2011 Sep;128(3):539-46.
13. Van Cauter E, Knutson KL. Sleep and the epidemic of obesity in children and adults. Eur J Endocrinol. 2008 Dec;159(Suppl 1):S59-66.
14. Nguyen-Rodriguez ST, McClain AD, Spruijt-Metz D. Anxiety mediates the relationship between sleep onset latency and emotional eating in minority children. Eat Behav. 2010 Dec;11(4):297-300.
15. Bayer O, Rosario AS, Wabitsch M, von Kries R. Sleep duration and obesity in children: is the association dependent on age and choice of the outcome parameter? Sleep. 2009 Sep;32(9):1183-9.
16. Carter PJ, Taylor BJ, Williams SM, Taylor RW. Longitudinal analysis of sleep in relation to BMI and body fat in children: the FLAME study. BMJ. 2011 May 26;342:d2712.
17. Lehmkuhl G, Wiater A, Fricke-Oerkermann L, Mitschke A. Sleep Disorders in Children Beginning School: Their Causes and Effects. Dtsch Arztebl Int. 2008 Nov;105(47):809-14.
18. Bruni O, Novelli L. Sleep disorders in children. Clin Evid. 2010 Sep;2304:1-23.
19. Lam LT, Yang L. Short duration of sleep and unintentional injuries among adolescents in China. Am J Epidemiol. 2007 Nov 1;166(9):1053-8.
20. Wang XY, Qian YF, Gong SC, Tan M, Tan X, Yang Yet al. Quantified research about the effects of sleep quality on attention in class and academic achievements in primary school children. Chin J Contemp Pediat. 2011 Dec;13(12):973-6.
21. Meijer AM. Chronic sleep reduction, functioning at school and school achievement in preadolescents. J Sleep Res. 2008 Dec;17:395-405.
22. Honaker SM, Gozal D, Bennett J, Capdevila OS, Spruyt K. Sleep-disordered breathing and verbal skills in school-aged community children. Dev Neuropsychol. 2009;34(5):588-600.
23. Wilhelm I, Diekelmann S, Born J. Sleep in children improves memory performance on declarative but not procedural tasks. Learn Mem. 2008 Apr;15(5):373-7.
24. Esteller Moré E, Barceló Mongil M, Segarra Isern F, Piñeiro Aguín Z, Pujol Olmo A, Soler EM, Ademà Alcover JM. Neurocognitive and behavioural abnormalities in paediatric sleep-related breathing disorders. Acta Otorrinolaringol Esp. 2009 Sep;60(5):325-31.
25. Paavonen EJ, Räikkönen K, Lahti J, Komsi N, Heinonen K, Pesonen AK, Jarvenpaa AL, Strandberg T, Kajantie E, Porkka-Heiskanen T Short sleep duration and behavioral symptoms of attention-de-ficit/hyperactivity disorder in healthy 7- to 8-year-old children. Pediatrics. 2009 May;123(5):857-64.
26. Waumans RC, Terwee CB, Van den Berg G, Knol DL, Van Litsenburg RR, Gemke RJ. Sleep and sleep disturbance in children: Reliability and validity of the Dutch version of the Child Sleep Habits Questionnaire. Sleep. 2010 Jun;33(6):841-5.
27. Van Litsenburg RR, Waumans RC, Van den Berg G, Gemke RJ. Sleep habits and sleep disturbances in Dutch children: a population-based study. Eur J Pediatr. 2010 Aug;169(8):1009-15.
28. Coulombe JA, Reid GJ, Boyle MH, Racine Y. Concurrent associations among sleep problems, indicators of inadequate sleep, psychopathology, and shared risk factors in a population-based sample of healthy Ontario children. J Pediatr Psychol. 2010 Aug;35(7):790-9.
29. Nunes ML, Cavalcante V. Avaliação clínica e manejo da insônia em pacientes pediátricos. J Pediatria. 2005;81(4):277-86.
30. Sociedade Brasileira de Pediatria. Avaliação para Título de Especialista em Pediatria (TEP). Avaliações 1998 - 2011. [Citado em 2012 Nov]. Disponível em: http://www.sbp.com.br/show_item2.cfm?id_categoria=20&id_detalhe=1711&tipo=D.
Copyright 2024 Revista Médica de Minas Gerais
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License