ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
Asma e gravidez: uma abordagem completa
Asthma and pregnancy: a comprehensive approach
Mayra Sette Rotsen Junqueira1; Claudia Vaz de Melo Sette2; Christiane Salgado Sette2; José Helvécio Kalil de Souza3
1. Médica Ginecologista e Obstetra, Uroginecologia do Hospital Socor. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica Generalista. Hospital Socor. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Oncologista Ginecologista. Professor Substituto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
Mayra Sette Rotsen Junqueira
E-mail: mayrasette@larnet.com.br
Recebido em: 03/01/2011
Aprovado em: 03/01/2011
Instituição: Hospital Socor Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
A asma é doença inflamatória crônica caracterizada pela hiper-reatividade brônquica a vários estímulos, culminando com crises de broncoespasmo. Na gravidez a asma mal controlada pode ocasionar hipóxia e consequente aumento da letalidade materna e perinatal, prematuridade e retardo no crescimento fetal, hiperemese e pré-eclâmpsia. O curso da asma, durante a gravidez, não é previsível, podendo ocorrer melhora, piora ou estabilização do quadro. O tratamento da asma na gravidez apresenta-se similar ao tratamento habitual. Os objetivos principais do tratamento são: controlar sintomas evitando hipóxia fetal, orientar a gestante sobre sintomas e como evitar fatores desencadeantes, tratamento da crise e de manutenção para manter a função pulmonar normal ou próxima do normal. O monitoramento da asma na gestação deverá ser mensal, com realização de espirometria na primeira consulta de pré-natal e avaliação de pico de fluxo (peak-flow) nas consultas subsequentes. Os medicamentos utilizados para asma são divididos em duas categorias: medicamentos para melhora da crise (sintomas agudos) e medicamentos de manutenção (evitar exacerbações - controle de sintomas). A ultrassonografia deve ser realizada precocemente para adequada datação da gravidez, possibilitando acompanhamento adequado do crescimento fetal. Exames seriados no 2º e 3º trimestres são essenciais se a gestante apresenta asma moderada ou grave ou se há suspeita de restrição no crescimento fetal. A amamentação no pós-parto deve ser incentivada e as medicações antiasmáticas mantidas.
Palavras-chave: Asma; Asma/terapia; Gravidez; Complicações na Gravidez.
INTRODUÇÃO
A asma é doença inflamatória crônica caracterizada pela hiper-reatividade brônquica a vários estímulos, incluindo alérgenos, alterações climáticas, medicamentos e infecções. Possui caráter intermitente e reversível.1
A asma é a pneumopatia obstrutiva mais comum na gravidez, atingindo 3,7 a 8,4% das gestações; e 0,05 a 2% das gestantes possuem crise asmática grave.2
Baseado nessa importante incidência, optou-se por aprofundar o tema asma e gravidez, com ampla revisão de literatura. Após revisão de artigos no Medline (1998-2010), foram selecionados primeiramente metanálises, que são estudos que sumarizam os dados de outros estudos usando métodos estruturados. Em seguida, avaliaram-se ensaios clínicos e estudos observacionais de coorte que comparavam diferentes tipos de drogas para tratamento da asma na gravidez, bem como seus efeitos colaterais e eficácia clínica, estudos sobre fisiopatologia da asma e resultados perinatais em pacientes asmáticas comparando-as com as não asmáticas. Foram avaliados também consensos brasileiros e revisões de literatura acerca do tema.
Na gravidez a asma mal controlada pode ocasionar hipóxia e consequente aumento da letalidade materna e perinatal, prematuridade e retardo no crescimento fetal, hiperemese e pré-eclâmpsia.1,3-5
O curso da asma, durante a gravidez, não é previsível, podendo ocorrer melhora (1/3 das gestantes), piora (1/3 das gestantes) ou estabilização do quadro. Porém, pacientes com asma grave tendem a piorar e com a forma leve tendem a melhorar. Existe propensão à exacerbação entre 24 e 36 semanas, enquanto que as crises são pouco comuns durante o trabalho de parto devido à elevação de prostaglandinas (PGE) e cortisol.6,7
PATOGENIA
A inflamação brônquica constitui o principal fator fisiopatogênico da asma. Resulta de interações complexas entre células inflamatórias mediadoras (mastócitos, macrófagos, eosinófilos e linfócitos Th2) e células estruturais das vias aéreas. Vários mediadores inflamatórios são liberados, ocasionando alteração na integridade epitelial, aumento do tônus das vias aéreas, hipersecreção de muco e mudanças na função mucociliar. O processo inflamatório crônico pode ocasionar proliferação de células epiteliais e miofibroblastos adjacentes, além de propiciar depósito de colágeno, espessando a membrana basal, culminando com lesões irreversíveis.1,8
Durante a gravidez ocorrem alterações fisiológicas que podem alterar o curso da asma, podendo ser divididas em fatores que melhoram e os que pioram a asma.9,10 (Tabela 1)
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da asma deve ser baseado em condições clínicas e funcionais e na avaliação de fatores desencadeantes das crises.
É importante avaliar história pregressa de asma, frequência e intensidade das crises asmáticas e necessidade de uso de medicamentos.1
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
sintomas de dispneia, tosse crônica, sibilância e desconforto torácico (um ou mais sintomas), principalmente à noite e ao acordar;11
ausculta pulmonar evidenciando sibilos expiratórios;
sintomas episódicos com melhora espontânea ou medicamentosa;
crises geralmente desencadeadas por exposição a alérgenos, exercícios físicos, mudanças climáticas ou infecções respiratórias.
Hemograma e radiografia de tórax são importantes para afastar infecção pulmonar associada.
DIAGNÓSTICO FUNCIONAL - ESPIROMERIA
Realização da prova de função pulmonar por meio de um espirômetro.
A avaliação funcional da asma na gravidez é baseada em parâmetros que não se alteram em função da gestação:1
VEF1 - volume expiratório forçado no 1º segundo;
CVF - capacidade vital forçada (depois de inspirar até a capacidade pulmonar total, expire rápido e intensamente);
PFE - pico de fluxo expiratório (pode ser avaliado através de um fluxômetro portátil, "peak-flow").
São indicativos de asma:1
obstrução do fluxo aéreo com VEF1 <80% do previsto (previsto = 380-550 L/min) e da relação VEF1/CVF inferior a 75;
obstrução do fluxo aéreo que melhora significativamente após uso de broncodilatador de curta duração;
aumento de 20% no VEF1 após uso de corticosteroides por duas semanas;
variação diurna no pico de fluxo expiratório (PFE) - diferença entre medida de PFE pela manhã e à noite > 20% (realizar média de três medidas em cada turno avaliado em 2-3 semanas);
aumento de 20% no PFE após uso de broncodilatador de curta duração;
teste de broncoprovocação com agentes broncoconstritores (histamina ou metacolina) positivo realizado se espirometria normal em gestantes com sintomas de asma - é considerado positivo se redução de 20% no valor do VEF1.
CRITÉRIOS DE GRAVIDADE
frequência cardíaca > 110 bpm;
frequência respiratória > 30 irpm;
dispneia moderada ou intensa;
uso de musculatura acessória acentuada;
cianose, sudorese, agitação ou confusão mental;
PO2<60 mmHg e PCO2 >40 mmHg;
saturação de O2 <95% em ar ambiente (equivale à PO2 fetal <60 mmHg, levando à hipóxia fetal);
acidose respiratória;
PFE <50% do previsto.1,2
CLASSIFICAÇÃO DA ASMA
É fundamental classificar a asma para melhor abordagem da doença e consequente controle, evitando complicações maternas e fetais. A asma é classificada em intermitente, persistente leve, persistente moderada e persistente grave.1,2 (Tabela 2)
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL NA GRAVIDEZ
Deve-se considerar outras doenças que cursam com dispneia aguda:12
hiperventilação da gravidez - pode estar associada à dispneia, porém sem demais sintomas de asma;
pneumonia - observam-se sinais de infecção;
miocardiopatia periparto - realizar sempre em quadros graves de dispneia, avaliação cardíaca clínica e de imagem;
edema agudo de pulmão - pesquisar terapia tocolítica;
embolia pulmonar;
embolia de líquido amniótico.
TRATAMENTO
O tratamento da asma na gravidez apresenta-se similar ao tratamento habitual.
Os objetivos principais do tratamento são: controlar sintomas evitando hipóxia fetal, orientar a gestante sobre sintomas e como evitar fatores desencadeantes, tratamento da crise e de manutenção para manter a função pulmonar normal ou próxima do normal.2
O monitoramento da asma na gestação deverá ser mensal, com realização de espirometria na primeira consulta de pré-natal e avaliação de pico de fluxo (peak-flow) nas consultas subsequentes. Gestante com asma moderada e grave deverá ter peak-flow domiciliar. O controle ideal é considerado se PFE > 80%. A gestante deve agendar consulta se PFE 50-80% e procurar atendimento de emergência se <50%. Pacientes com asma grave devem ser acompanhadas em conjunto pelo obstetra e pneumologista.2,13
Os medicamentos utilizados para asma são divididos em duas categorias: medicamentos para melhora da crise (sintomas agudos) e medicamentos de manutenção (evitar exacerbações - controle de sintomas). Os broncodilatadores mais usados são os β2-agonistas, que obtêm adequado efeito na crise, porém, como não possuem efeito anti-inflamatório, não são indicados como tratamento de manutenção se utilizados de forma isolada. O início precoce de anti-inflamatórios pode resultar em maior preservação pulmonar, prevenindo o remodelamento das vias aéreas.1,14
Segue-se especificação de fármacos utilizados no tratamento da asma divididos conforme o objetivo de sua utilização.14-17 (Tabela 3)
TRATAMENTO NA CRISE
A terbutalina é considerada o β2-agonista mais seguro (categoria B), diferentemente dos demais, categoria C da Food and Drug Administration (FDA).18
É muito importante a hidratação venosa durante a crise asmática, evitando-se desidratação.
A interrupção da gravidez está indicada se houver complicação materno-fetal.
Durante o trabalho de parto podem ocorrer crises e as mesma devem ser tratadas da mesma forma que em outro momento.2
A analgesia no trabalho de parto é fundamental, uma vez que a dor pode desencadear crises de broncoespasmo.2
É fundamental o uso de corticoide EV (hidrocortisona 100 mg 8/8h) por 24h após o parto, se a paciente recebeu corticoide sistêmico nas quatro últimas semanas.
O uso de ergotamina e prostaglandina F2α pode causar broncoespasmo.19
Em caso de hemorragia, optar por ocitocina como primeira escolha e, se necessário, misoprostol (prostaglandina E1 não desencadeia broncoespasmo).20
TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO
Asma persistente leve
corticoide inalatório - beclometasona (400-800 mcg/dia).
Opções: outro corticoide inalatório, antileucotrienos, cromonas.
ASMA PERSISTENTE MODERADA
corticoide inalatório + β2-agonista de longa duração ou duplicar a dose do corticoide inalatório (beclometasona >800 mcg/dia).
Se persistirem os sintomas, associar antileucotrienos ou teofilina de liberação lenta ou β2-agonista de longa duração.
ASMA PERSISTENTE GRAVE
manter medicações da etapa anterior + corticoide sistêmico via oral - 40-60 mg/dia 3-10 dias.
Corticoides inalatórios podem ser utilizados durante a gestação, sendo a beclometasona o mais estudado na gravidez e considerado seguro. A FDA recentemente aprovou a budesonida como categoria B, sendo o único corticoide inalatório nessa categoria, constituindo melhor opção terapêutica para início de tratamento.1,21,22,23
Na gravidez há preferência por prednisona e prednisolona. Devem-se evitar dexametasona e betametasona, por atravessarem a placenta em altas concentrações, podendo induzir a supressão das suprarrenais fetais.1
Embora não seja recomendada rotineiramente na gravidez, a teofilina não está associada à malformação fetal. Porém, está associada a agravamento de sintomas digestivos (náusea, vômito e refluxo gastroesofágico).1
Caso a paciente permaneça estável pelo período de três meses, pode-se tentar redução da dose.
Seguem medicamentos para asma na gravidez, classificados em categorias pela FDA.1,2 (Tabela 4)
MONITORIZAÇÃO FETAL
A ultrassonografia deve ser realizada precocemente para adequada datação da gravidez, possibilitando acompanhamento apropriado do crescimento fetal. Exames seriados no 2º e 3º trimestres são essenciais se a gestante apresenta asma moderada ou grave ou se há suspeita de restrição no crescimento fetal.
A cardiotocografia e avaliação do perfil biofísico fetal deverão ser realizadas rotineiramente a partir de 32 semanas na asma moderada e grave.
Em caso de exacerbação da asma, é sempre recomendada ultrassonografia após a recuperação.
A amamentação no pós-parto deve ser incentivada. Não há contraindicação para o uso de corticoide, β2-agonista e teofilinas durante a amamentação. Ocasionalmente as teofilinas podem causar irritabilidade na criança.24
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