RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 24. 4 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20140142

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Artigos de Revisão

Controle de danos: uma luz no fim do túnel

Damage control: a light at the end of the tunnel

Aloísio Cardoso Júnior

Médico. Mestre em Gastroeneterologia. Professor de Anatomia e Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Unifenas. Cirurgião Titular do Hospital João XXIII da Fundação Hospital do Estado de Minas Gerais - FHEMIG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Aloisio Cardoso Júnior
E-mail: aloisiocardosojr@gmail.com

Recebido em: 14/08/2014
Aprovado em: 20/11/2014

Instituição: Faculdade de Medicina da Unifenas Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

O conceito "controle de danos" está estabelecido no manejo de pacientes gravemente traumatizados. Essa estratégia salva vidas ao adiar o reparo definitivo das lesões anatômicas e concentrar-se na restauração da fisiologia. O objetivo da laparotomia no controle de danos é interromper a hemorragia e a contaminação em pacientes, com choque hemorrágico grave, que estejam exaurindo suas reservas fisiológicas. A seguir, esses pacientes serao submetidos à ressuscitação e correção de coagulopatia, hipotermia e acidose no centro de tratamento intensivo, antes de retornarem à sala de cirurgia. Tal abordagem tem alcançado taxas de sobrevida melhor que o esperado para o trauma abdominal e sua aplicação tem sido estendida para incluir o trauma torácico e ortopédico.

Palavras-chave: Ferimentos e Lesões; Laparotomia; Choque Hemorrágico; Ressuscitação.

 

INTRODUÇÃO

O tratamento dos pacientes gravemente politraumatizados apresentou considerável mudança nos últimos decênios, devido a fatores relacionados ao desenvolvimento tecnológico dos agentes agressores bem como do atendimento otimizado das vítimas. Nesse sentido, houve aumento da magnitude dos mecanismos de trauma decorrente da disseminação das armas de alta energia e da utilização de veículos automotores mais potentes. Por sua vez, as vítimas desses agentes agressores que, pela gravidade dos casos, não chegavam até os hospitais, porque faleciam na cena ou durante o transporte, contam agora com serviços de atendimento pré-hospitalar estruturados, capazes de mantê-los vivos até a admissão nos centros de trauma.

Assim sendo, pacientes com choque grave associado à repercussão metabólica iminente e lesões em diversos órgãos, que demandariam horas para sua correção cirúrgica definitiva, trouxeram à tona a necessidade premente de mudança de paradigma. A experiência mostra que a tentativa de tratamento definitivo de todas as lesões em paciente criticamente instável leva inexoravelmente ao óbito ainda no peroperatório ou algumas horas depois, por exsanguinação devido à coagulopatia ou falência de múltiplos órgãos e sistemas.

Diante da necessidade de estratégia de favorecer o rápido controle da hemorragia e da contaminação causados pelo trauma, para que o paciente possa ser adequadamente ressuscitado, surgiu no início do decênio de 90 a proposta tática rotulada como controle de danos (CD).1

Desde então, o CD tornou-se padrão para tratamento de pacientes gravemente traumatizados, com hemorragia maciça, na América do Norte, Israel e África do Sul, bem como no mundo afora.2

 

DEFINIÇÃO

O objetivo do CD, no primeiro momento, é preservar a vida do indivíduo, dando tempo para que os recursos terapêuticos intensivos possam restaurar sua fisiologia, permitindo, assim, a correção cirúrgica definitiva das lesões em um segundo momento.

É sabido que lesões desencadeadas pelo trauma como lacerações de órgãos, tecidos e fraturas, aqui denominadas primeiro golpe, atuam de modo a liberar substâncias pró-inflamatórias e anti-inflamatórias. Por sua vez, a insuficiência respiratória (hipóxia), a hemorragia com instabilidade cardiocirculatória, a isquemia/reperfusão tecidual e a contaminação agem, precocemente, como um segundo golpe, desta vez endógeno.3 É possível, ainda, que a ressuscitação inadequada, seja no atendimento pré-hospitalar e/ou à admissão no centro de trauma, possa agir como um terceiro golpe no desencadeamento dos eventos adversos que poderão levar à exaustão metabólico-fisiológica e ao óbito do paciente.

A combinação do primeiro e segundo golpes e, eventualmente, do terceiro atua de forma a causar o surgimento de hipotermia, coagulopatia e acidose (tríade letal). A partir daí, cada componente desta tríade é capaz de exacerbar os demais, contribuindo para o ciclo vicioso que, se não for prontamente revertido, irá culminar com falência celular irreversível.

A seu modo, intervenções cirúrgicas prolongadas, com o objetivo de reparo definitivo de múltiplas lesões, levam à perda constante de calor, sangue e agravamento da acidose, inviabilizando a compensação do paciente e contribuindo de maneira destacada na instalação da tríade letal, podendo ser consideradas integrantes do terceiro golpe.

Portanto, a tática de CD baseia-se em cinco estágios:

estágio 1 (indicação): momento crucial para a correta utilização da estratégia de CD é o reconhecimento dos pacientes que deverão ser a ela submetidos, a partir do mecanismo do trauma e da condição clínica à admissão hospitalar. O julgamento baseado na experiência em atendimento a pacientes gravemente traumatizados talvez seja o principal fator determinante do sucesso dessa complexa abordagem. Pacientes com indicação de CD devem permanecer na sala de reanimação apenas o suficiente para se obter o controle da via aérea, descomprimir pneumotórax, estabilizar o anel pélvico, iniciar aquecimento, realizar radiografia de tórax e ultrassonografia (FAST), quando necessário, e coleta de sangue para exames e prova cruzada. Inicia-se a ressuscitação com preferência para a administração de hemoderivados (sangue total e plasma fresco congelado) em detrimento de cristaloides, transferindo o paciente rapidamente para o centro cirúrgico. Ressalta-se que pacientes sem indicação precisa, inconvenientemente submetidos ao CD sofrerão a morbimortalidade própria dessa tática. A Tabela 1 mostra situações clínicas que podem necessitar de CD;

 

 

estágio 2 (laparotomia abreviada): operação célere para controle da hemorragia e da contaminação, utilizando técnicas simples, rápidas e temporárias, com o objetivo de neutralizar lesões que levem ao óbito iminente, mantendo o abdome em laparostomia para evitar síndrome compartimental e permitir a reabordagem para tratamento definitivo das lesões, preservando-se a aponeurose para fechamento definitivo da cavidade peritoneal, quando possível;

estágio 3 (ressuscitação de controle de danos): utilização de técnica anestésica que privilegie a hipotensão permissiva, o aquecimento do paciente e de soluções infundidas, bem como a utilização de hemoderivados em detrimento de soluções cristaloides, seguido de transferência ao Centro de Tratamento Intensivo (CTI) para correção dos distúrbios metabólicos. Deverá ser iniciada no estágio 1, na sala de reanimação, e perdurar até que se consiga a restituição da fisiologia normal, no CTI.

estágio 4 (tratamento definitivo das lesões): retorno do paciente ao bloco cirúrgico para tratamento definitivo das lesões e fechamento definitivo da parede abdominal, assim que houver condições clínicas para reintervenção. É preciso, como ocorre no serviço de cirurgia do trauma do Hospital João XXIII, em Belo Horizonte-MG, que haja um cirurgião responsável pelo acompanhamento longitudinal, a fim de determinar o melhor momento para essa reabordagem;

estágio 5 (reabilitação): tratamento fisioterápico, psicológico, adaptação de próteses de membros são frequentemente necessários em pacientes submetidos ao CD.

A Figura 1 mostra a longitudinalidade dos procedimentos envolvidos no CD.

 


Figura 1 - Longitudinalidade dos procedimentos no CD.

 

A TRÍADE LETAL

O estabelecimento de hipotermia, acidose e coagulopatia, denominados tríade letal (TL), em pacientes gravemente traumatizados submetidos a hemotransfusões maciças leva a mortalidade tão alta quanto 90%, descrita por Ferrara et al.4 Assim sendo, o conjunto de táticas envolvidas no CD visa a evitar o desencadeamento de tal condição. A Figura 2 mostra os componentes fisiopatológicos da TL.

 


Figura 2 - Componentes fisiopatológicos da tríade letal.

 

Hipotermia

A perda de calor inicia-se no momento do trauma, sendo exacerbada pela baixa perfusão periférica secundária ao choque e por fatores exógenos como a exposição do paciente ao ambiente, infusão endovenosa de soluções não aquecidas e abertura de cavidades corporais (toracotomias, laparotomias).

Geralmente, o prognóstico é diretamente relacionado ao grau de hipotermia, sendo observada mortalidade igual a 100% em temperaturas abaixo de 32,8ºC.5,6 A hipotermia causa e exacerba o sangramento, por afetar a função plaquetária, reduzir a atividade enzimática dos fatores de coagulação e alterar a fibrinólise.5,7

Dessa forma, pacientes gravemente traumatizados devem receber atenção especial para prevenção e tratamento da hipotermia (Tabela 2).

 

 

Acidose

A acidose metabólica é o fenômeno predominante, resultante da hipoperfusão celular secundária ao choque hemorrágico. Pacientes com pH<7,2 apresentam redução da contratilidade miocárdica e do débito cardíaco, vasodilatação, hipotensão, bradicardia, arritmias cardíacas, redução do fluxo sanguíneo renal/hepático e diminuição da resposta às catecolaminas endógenas e exógenas.8 Além disso, a acidose age sinergicamente com a hipotermia para determinar alterações na cascata de coagulação que agravam o sangramento.

Coagulopatia

A coagulopatia no trauma é um dos fatores, isoladamente, mais acurados para predição do prognóstico dos pacientes e o maior desafio nos casos graves submetidos ao CD, devido ao sangramento não mecânico que muitas vezes não pode ser interrompido com as técnicas cirúrgicas próprias para hemostasia. Conforme salientado, é agravada pela hipotermia e acidose.

A interligação de causa e efeito entre os componentes da TL faz com que a prevenção e a reversão de cada um seja fundamental na profilaxia da exaustão fisiológico-metabólica que resulta no óbito.

Sua abordagem envolve a correta ressuscitação hemodinâmica bem como o manejo dos fatores intervenientes como a hipotermia e a acidose metabólica.

 

RESSUSCITAÇÃO DE CONTROLE DE DANOS

A abordagem atual dos pacientes com indicação de CD evoluiu para um conjunto de estratégias que contempla todos os aspectos envolvidos na fisiopatologia do paciente gravemente traumatizado, anteriormente discutidos, de forma integrada ao procedimento cirúrgico, utilizando concepções-chave tais como: hipotensão permissiva; uso de hemoderivados em detrimento de cristaloides para reposição volêmica; rápida correção da coagulopatia a partir da transfusão de componentes (plasma fresco congelado, plaquetas, crioprecipitado), dita ressuscitação hemostática; e, mais recentemente, o uso do ácido tranexâmico. A associação dessas condutas com as medidas de combate e correção da hipotermia e da acidose,além da laparotomia abreviada, constitui o que se convencionou denominar ressuscitação de controle de danos (RCD).9

Hipotensão permissiva

A discussão acerca dos riscos e benefícios da hipotensão permissiva ainda carece de cuidados quanto à sua aplicação clínica, devido à falta de estudos conclusivos, se não vejamos: quão baixa é a pressão tolerada por pacientes gravemente politraumatizados? Por quanto tempo? Como fica a lesão por reperfusão? Em que nível pressórico os coágulos são deslocados dos vasos? Além disso, a maior parte dos estudos tratou pacientes com traumatismo penetrante. Como se comporta diante do trauma contuso? E quando houver trauma cranioencefálico associado?

Diante dessas questões a serem resolvidas por estudos adequados, é provável que atitudes que evitem o uso excessivo de fluidos e aminas vasoativas, elevando demasiadamente os níveis pressóricos, e privilegiem a manutenção da pressão arterial sistólica em torno de 90 mmHg, sejam benéficas em cenário de CD.

Entretanto, pacientes com trauma cranioencefálico, grávidas e idosos, em uso de betabloqueadores, não devem ser submetidos à hipotensão permissiva.

Ressuscitação hemostática

A ressuscitação hemodinâmica baseada na administração de cristaloides é a pedra fundamental no tratamento de pacientes em choque hemorrágico leve a moderado. No entanto, para o subgrupo de pacientes com exsanguinação maciça, no qual estão compreendidos os candidatos à RCD, há necessidade de mais discussão. Por oportuno, merece destaque o fato de que, apesar dos fluidos isotônicos ajudarem a reduzir o débito de oxigênio ao aumentarem o fluxo e, consequentemente, elevarem um pouco a disponibilidade de oxigênio em âmbito celular, não aumenta a capacidade de transporte de oxigênio, bem como não atua na correção da coagulopatia presente nesses pacientes. Pelo contrário, há estudos mostrando o potencial negativo da infusão de grandes volumes de isotônicos em relação à ativação do sistema imune bem como ao agravamento da acidose (hiperclorêmica) e da coagulopatia (dilucional), aumentando a possibilidade de instalação de síndrome de angústia respiratória do adulto, síndrome de resposta inflamatória sistêmica e, por conseguinte, falência de múltiplos órgãos e sistemas.10

Hewsonet al.11, em 1985, analisando retrospectivamente pacientes massivamente ressuscitados, sugeriram que a coagulopatia era mais comum naqueles que recebiam excesso de cristaloides. Naquela época, aventaram que se deveria usar concentrado de hemácias (CH) e plasma fresco congelado (PFC) na proporção 1:1 em pacientes com choque hemorrágico grave.

Mais recentemente, estudos realizados em cenários militares e civis revelaram que a administração de sangue total e a transfusão de componentes em detrimento dos cristaloides melhoram a sobrevida dos pacientes vítimas de hemorragias graves.12-14 Por sua vez, nesse mesmo sentido, Duscheneat al.15, em estudo retrospectivo, analisaram pacientes que receberam mais de 10 unidades de CH em um centro de trauma nível 1. A mortalidade foi de 26% na relação CH:PFC de 1:1 e 87,5% na relação de 4:1 (p=0,0001). Tais dados sugerem que, nos traumas que requerem transfusões maciças (acima de 10 unidades de CH), as proporções de CH:PFC, que se aproximam de 1:1, conferem vantagem na sobrevida.

O estudo PROMMT avaliou, prospectivamente, as hemotransfusões realizadas em 10 centros americanos de trauma nível 1, concluindo que maiores proporções de plasma e plaquetas administrados precocemente durante a ressuscitação volêmica de pacientes que receberam pelo menos três unidades de CH, nas primeiras 24 horas da admissão foram responsáveis por redução da mortalidade.16

Portanto, a tendência atual, em centros de trauma, é a utilização de CH e PFC com mais liberalidade nos casos de RCD.

Apesar de boa parte dos estudiosos da RCD concordarem a respeito da necessidade da administração precoce e sustentada de PFC, ainda há bastante debate em relação ao uso de plaquetas (PLT). Alguns estudos referem o uso de CH:PFC:PLT na proporção 1:1:1, alegando que plaquetas são de fácil administração e produzem efeito prontamente mensurável na coagulação, por aumentarem imediatamente a contagem absoluta no sangue circulante.9

Pesquisas conduzidas por Gunter et al.17 e Holcomb et al.18 demonstraram aumento da sobrevida de 30 dias em grupos de pacientes que receberam proporções maiores de PLT em relação ao CH. No entanto, há que se considerar a possibilidade de aumento na ocorrência de síndrome de angústia respiratória do adulto e falência de múltiplos órgãos, associados à transfusão de hemocomponentes, especialmente as plaquetas.19,20 Para avaliar a melhor relação entre os componentes a serem transfundidos nas hemorragias volumosas, está em curso, nos EUA, o estudo PROPPR, com o objetivo de verificar a sobrevida em dois grupos: CH:PFC:PLT 1:1:1 e CH:PFC:PLT 2:1:1.21

Da mesma forma, o uso de crioprecipitado, desde o início da ressuscitação com vistas à manutenção de níveis de fibrinogênio acima de 100 mg/mL, não encontra consenso. Sabe-se que o fígado produz grande quantidade de fibrinogênio durante a hemorragia traumática e raramente os pacientes chegam à sala de emergência com déficit do mesmo.

Assim sendo, o uso de proporções fixas de plaquetas e crioprecipitado nas fases iniciais da RH ainda não é consensual, devendo ser ministrados de acordo com o julgamento clínico, laboratorial (incluindo a tromboelastografia quando disponível) ou em protocolos de pesquisa e de hemotransfusão maciça.

Ainda a respeito da RH, a administração endovenosa precoce de ácido tranexâmico ainda na sala de reanimação vem ganhando destaque na literatura. Essa droga aumenta a estabilidade dos coágulos, retardando a fibrinólise e atuando, portanto, em etapa posterior àquela envolvida na cascata de coagulação.21-23

Laparotomia abreviada

A laparotomia abreviada constitui etapa essencial no CD e precisa observar alguns princípios para que seja adequadamente conduzida:

a decisão de se realizar o CD deverá ocorrer rapidamente, já na avaliação primária do paciente na sala de emergência, segundo critérios anteriormente discutidos ou durante os primeiros 10 minutos da operação. Optar por interromper uma operação em curso há horas e realizar-se o CD em paciente já em tríade letal traduz atraso irrecuperável do momento operatório;

o tempo de permanência na sala de emergência será aquele necessário apenas à garantia de via aérea definitiva, tratamento de pneumotórax hipertensivo, estabilização da pelve, radiografia de tórax, FAST, coleta de sangue e controle de sangramentos externos;

a rápida transferência ao centro cirúrgico impõe-se, uma vez que o compromisso maior é controlar o sangramento que está em curso em alguma cavidade corpórea. Para tanto, foi criado no Hospital João XXIII o protocolo denominado onda vermelha. Assim, tão logo a equipe cirúrgica avalie o paciente e indique o CD, na sala de reanimação uma campainha é acionada avisando ao banco de sangue e ao bloco cirúrgico. Imediatamente o paciente é transferido para o bloco cirúrgico, que conta com sala especialmente montada e reservada para receber esse tipo de procedimento. Por sua vez, o banco de sangue envia bolsas de sangue universal e plasma para o bloco cirúrgico, enquanto providencia a tipagem sanguínea.

Uma vez indicado o CD, a equipe cirúrgica deverá se ater aos seguintes passos:

laparotomia mediana xifopúbica;
tamponamento inicial dos quadrantes com compressas;
Inventário cuidadoso da cavidade para planejamento da operação;
controle temporário da hemorragia, utilizando-se técnicas hemostáticas simples e rápidas;
controle temporário da contaminação com técnicas que preservem ao máximo os tecidos e sejam céleres;
irrigação da cavidade celômica e/ou torácica com solução salina aquecida;
tamponamento das áreas cruentas com compressas, de maneira parcimoniosa, em vetores opostos, evitando-se a síndrome de compartimento abdominal por excesso das mesmas;
laparostomia com bolsa de Bogotá, evitando-se a sutura nas aponeuroses, que serão preservadas para posterior fechamento definitivo da parede abdominal.

A Tabela 3 mostra os procedimentos mais utilizados para o controle da hemorragia e da contaminação no CD.

 

 

Terminada a operação, o paciente será transferido ao centro de tratamento intensivo (CTI) para ressuscitação e tratamento da hipotermia, da acido-se e da coagulopatia. Posteriormente, em condições adequadas, retornará ao centro cirúrgico e receberá o tratamento definitivo das lesões viscerais (ressecções, anastomoses vasculares e gastrintestinais). Entretanto, devido ao edema de alças intestinais e retração lateral da ferida operatória, mantida em laparostomia, é possível que, em certa parcela dos casos, a laparorrafia não seja possível. Para tanto, técnicas alternativas de síntese da parede abdominal, como o fechamento cutâneo adiposo proposto por Drumond24, permitem a cobertura do tecido de granulação e das alças intestinais, possibilitando o tratamento tardio da hérnia incisional.

As Figuras 3 e 4 representam os 5 Hs da morte (relacionados às grandes perdas volêmicas) e os 4 Ts da vida (sinalizando a importância das transfusões de hemoderivados nas ressuscitação hemostática, da preocupação com o controle da temperatura corporal, da celeridade no tempo de indicação e realização da laparotomia abreviada e do trabalho em equipe (time) de todos os profissionais (cirurgiões, anestesiologistas, intensivistas, enfermeiros e fisioterapeutas) envolvidos nessa complexa abordagem.

 


Figura 3 - Os 5 Hs da morte.

 

 


Figura 4 - Os 4 Ts da vida.

 

Finalmente, os pacientes deverão ser reabilitados e reintegrados à sociedade nas melhores condições funcionais que possam ser oferecidas.

 

CONCLUSÃO

O objetivo do CD é a rápida interrupção cirúrgica da hemorragia crítica, associada a medidas ressuscitadoras específicas para esse grupo de pacientes, com vistas a interromper o curso das alterações fisiopatológicas que culminarão com a perpetuação da TL e, por conseguinte, com o óbito.

A tentativa de se tratar definitivamente as lesões encontradas em pacientes com hemorragias volumosas e em estado crítico, em operações prolongadas invariavelmente encerra-se com o óbito, durante o procedimento ou nas primeiras horas de pós-operatório, seja por hemorragia incontrolável devido à coagulopatia irreversível, seja por falência de múltiplos órgãos e sistemas.

A ressuscitação de controle de danos realizada precocemente poderá reduzir a necessidade de cirurgia de controle de danos, por manter a estabilidade fisiológica dos pacientes.22,23

As evidências disponíveis na literatura e a experiência dos serviços especializados no atendimento ao politraumatizado indicam que a ressuscitação de controle do dano, quando bem conduzida em todas as suas etapas, reduz a mortalidade se adequadamente indicada. Brenner et al.25 publicaram estudo prospectivo no qual avaliaram 88 pacientes submetidos a CD com sobrevida de 72% nesse grupo de pacientes de extrema gravidade.

Entretanto, por sua elevada morbidade e custo, não deve ser realizada em casos que não preencham os critérios estabelecidos na literatura.

O desenvolvimento, no futuro, de novos agentes e táticas que consigam reverter a coagulopatia nas hemorragias volumosas poderá reduzir sua necessidade do CD.

 

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