ISSN (on-line): 2238-3182
ISSN (Impressa): 0103-880X
CAPES/Qualis: B2
A Tutoria na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais: de um sonho necessário à construção
Mentoring at the School of Medicine at the Federal University of Minas Gerais: from a dream necessary to the construction
Gilmar Tadeu de Azevedo Fidelis
Psicólogo Clínico. Especialista em Psicologia Hospitalar e Psicanálise. Coordenador do Projeto Tutoria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Psicólogo do Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina da UFMG. Professor de Psicologia e Saúde e Ética e Bioética da Faculdade Novo Rumo. Psicólogo Desportivo - Mackenzie Esporte Clube. Belo Horizonte, MG - Brasil
Endereço para correspondênciaGilmar Tadeu de Azevedo Fidelis
E-mail: fidelis@medicina.ufmg.br
Recebido em: 07/02/2013
Aprovado em: 09/07/20014
Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil
Resumo
Este é o primeiro artigo de uma série de três que visa a abordar as origens, referências, implantação, desenvolvimento e quadro atual do Projeto de Tutoria no formato Mentoring na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Objetiva traçar o histórico e o início do desenvolvimento desse projeto. Aborda suscintamente conceitos e aspectos teóricos do Mentoring na formação médica e assinala o Projeto Tutores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo como referência importante para projetos semelhantes no Brasil.
Palavras-chave: Preceptoria; Mentores; Educação Médica; Escolas Médicas; Educação de Graduação em Medicina; Estudantes de Medicina.
INTRODUÇÃO
A sociedade considera que a admissão à Universidade representa momento especial da vida estudantil, momento de glória e especial satisfação para o estudante, entretanto, acompanhado de importantes implicações, com novas responsabilidades pessoais e sociais e, na maioria das vezes, a passagem definitiva para a vida adulta.
Em grandes universidades onde há extensa produção do conhecimento, conjugada ou não à sua transmissão, o aluno se sente frequentemente com dificuldades em entender seu papel e as novas relações crivadas entre mestre e aluno. Esse processo pode ser agravado se imposto ao estudante ainda incapaz de reconhecer seu papel, repleto de questionamentos e muitas vezes sem perceber a sua relação com o meio universitário.
A universidade precisa lidar com essa situação e promover melhor adaptação do aluno ao favorecer sua inserção nessa nova realidade. O papel do ensino superior não pode se restringir à transmissão do conhecimento científico e técnico, mas deve priorizar a formação de cidadãos responsáveis.
Tendo em vista as representativas proporções de infraestrutura, o acúmulo de responsabilidades e a necessidade de vislumbrar a realidade do ensino superior, os professores e gestores perdem frequentemente o contato direto com o estudante, impossibilitando seu acompanhamento e dificultanto a criação de modelos a serem seguidos. É nessa realidade que surge o papel do tutor: a pessoa capaz de interagir e elaborar com o aluno questões que transcendem as dúvidas diretamente ligadas aos conteúdos programáticos.
Este artigo, de uma série de três, visa a abordar as origens, referências, implantação, desenvolvimento e quadro atual do Projeto de Tutoria no formato Mentoring na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Objetiva historiar o início do desenvolvimento do Projeto de Tutoria (Mentoring) na Faculdade de Medicina da UFMG, além de abordar conceitos e aspectos teóricos do mentoring na formação médica e assinalar o Projeto Tutores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo como referência importante para projetos semelhantes em todo o Brasil.
HISTÓRICO: DO PROJETO PADRINHO À TUTORIA
Entre 1978 e 1982, durante os seminários de Relação Médico-Paciente, realizados sob supervisão da Professora Clara Feldman com os alunos do quinto período do curso de graduação da Medicina, foram detectados alguns aspectos instigantes relatados pelos próprios alunos, como:
dificuldade emocional normalmente encontrada em jovens universitários (desajustes de ordem familiar, afetiva, social, etc.);
dificuldade emocional resultante de vivências estressantes ligadas especificamente ao curso de Medicina;
problemas no relacionamento com colegas;
problemas no relacionamento com professores;
dificuldades na aprendizagem dos conteúdos programáticos do curso;
necessidade, dentro da programação do curso, de espaço onde esses problemas pudessem ser discutidos e avaliados pelo aluno em busca de possíveis soluções.
Surgiu então, em 1983, por iniciativa da Professora Clara Feldman, a proposta de um serviço de orientação ou "tutoragem" de alunos, denominado "Projeto Padrinho".
Após o treinamento de alguns professores selecionados, baseado no Modelo de Ajuda, foram formados grupos de oito a 12 alunos que tinham como atividade opcional e voluntária um encontro semanal de uma a duas horas de duração, onde, sob a supervisão de um dos professores treinados, se procedia à discussão e à avaliação dos problemas anteriormente delineados.
O projeto, que inicialmente foi proposto apenas para os alunos do quinto período e com duração de até um ano (estendendo-se apenas até o sexto período), desde seu início precisou ser revisto. Os alunos participantes recusaram-se a interromper a atividade e muitos deles continuaram participando dos encontros até a época de sua formatura. Dois alunos solicitaram, e foi permitida, sua participação por algum tempo após a formatura.
Ao longo dos anos, entretanto, o número de grupos do projeto foi diminuindo, até que na década de 90 encerraram-se as atividades do último grupo.
Por outro lado, no ano de 1971, o Colegiado de Curso Médico da Faculdade de Medicina adotou um conjunto de medidas com o objetivo de corrigir as deficiências do curso e adequá-lo às novas diretrizes em relação à educação médica.
A reforma universitária e a nova estruturação do sistema de saúde criaram ambiente propício à tentativa de mudanças importantes e necessárias no ensino médico. O grande distanciamento entre a prática docente vigente na área de saúde e a necessidade de saúde da comunidade mostraram que era imperativo definir um novo perfil de profissional a ser formado.
Em l975 o Processo de Desenvolvimento Curricular do Curso de Medicina implantou a Disciplina Prática Hospitalar e recomendou que em seu conteúdo constassem experiências educacionais integradas à assistência.
Esse processo, que constituiu um dado novo nas unidades de internação do Hospital das Clínicas/UFMG, propôs a ativação de um Sistema de Treinamento Profissional com características inéditas na Universidade Federal de Minas Gerais, sugerindo:
treinamento profissional do estudante de Medicina para o contato imediato com funções médicas dentro do Hospital das Clínicas/UFMG;
exercício da docência estendido também ao corpo técnico-administrativo da comunidade universitária;
produção de material instrucional a partir de necessidades de treinamento diagnosticadas no órgão assistencial da universidade.
A operacionalização da proposta da disciplina foi feita de maneira inédita, delegando ações do ciclo de treinamento ao pessoal do corpo técnico-administrativo da Faculdade de Medicina e do Hospital das Clínicas/UFMG.
Ao assumir as ações do ciclo de treinamento do estudante de Medicina, o funcionário altera o conteúdo ocupacional do seu cargo, trazendo para a instituição mais produtividade em termos de educação universitária e assistência à comunidade. Vários professores e funcionários foram pioneiros nessas iniciativas e participaram com grande entusiasmo da fase inicial de implantação da disciplina, entre eles: Antônio Dílson Lemos Fernandes, Terezinha Rodrigues de O. Magalhães, Eliane Costa Dias Macedo Gontijo, Maria da Conceição de Souza e Lima, Clélia Marília de Abreu entre outros.
A disciplina Prática Hospitalar foi estruturada em módulos e passou a fazer parte das disciplinas obrigatórias do currículo do curso médico da UFMG. Seus objetivos educacionais visavam a obter a integração educacional-assistencial do estudante envolvendo-o na atividade do órgão assistencial da universidade.
Em l994, com a mudança do currículo do curso médico, a disciplina Prática Hospitalar desmembrou-se em: Prática de Saúde A (MED001) e B (MED002), sendo a partir de então ministradas em dois períodos letivos, quarto e quinto períodos, respectivamente. As duas disciplinas eram modulares, constando a Prática de Saúde A dos módulos Enfermagem, Biblioteca, Nutrição e Dietética, Ambulatório e SAME e a Prática de Saúde B dos módulos Laboratório, Banco de Sangue, Relação Médico-Paciente, Radiologia, Serviço Social e Farmácia. A técnica em Assuntos Educacionais Clélia Marília de Abreu estava à frente das atividades técnico-administrativas do setor.
Nesse período, a Diretoria da Faculdade de Medicina entrou em negociação com a Escola de Enfermagem, que assumiu a coordenação da Prática de Saúde A, uma vez que o módulo Enfermagem detinha a maior carga horária.
Em l995 foi desencadeado o processo de criação do Centro de Tecnologia Educacional em Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG. Para tal, foram reservadas oito salas no oitavo andar do prédio da Faculdade de Medicina da UFMG. Faltavam, no entanto, recursos humanos, uma vez que o setor dispunha de um funcionário técnico-administrativo, em vias de se aposentar, e outros dois assumindo as atividades práticas do módulo Enfermagem vinculado à disciplina Prática de Saúde A.
Em meados de março de l996, foram admitidos pela UFMG, via Faculdade de Medicina, servidores que assumiram o suporte técnico-administrativo do que já se chamava de atividades de simulação na disciplina Prática de Saúde A e também na disciplina Prática de Saúde B.
Ainda em 1996, com a aposentadoria da Professora Clara Feldman, o psicólogo Gilmar Tadeu de Azevedo Fidelis assumiu, com professores do então Departamento de Psiquiatria, as turmas do módulo Relação Médico-Paciente da disciplina Prática de Saúde B. Um marco referencial dessa fase de transição foi o lançamento, na Faculdade de Medicina, da primeira a edição do livro Atendendo o Paciente, escrito pela Professora Clara Feldman a partir de sua experiência compartilhada com os alunos ao longo dos anos em suas atividades desenvolvidas nesse módulo.
Esse formato se manteve até o ano de 2000, quando foi criado o Projeto de Tutoria da Faculdade de Medicina da UFMG. Esse Projeto teve origem a partir da demanda significativa e já antiga reportada sistematicamente ao colegiado, de alunos que apresentavam problemas afetivos e sociais que interferiam em seu desenvolvimento acadêmico e interpessoal.
Na busca por soluções possíveis foi criado também o Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina/UFMG (NAPEM) que, junto com o Programa de Tutoria, configurou-se como espaço de reflexão onde os alunos passaram a dispor de acolhimento e orientação sobre temas e vivências estressoras. Por motivos curriculares, o Projeto de Tutoria efetivou-se como um dos módulos da disciplina obrigatória do quinto período, Prática de Saúde B (MED002). A escolha do período se deu pelo fato deste ser, no formato curricular da época (e ainda vigente), o momento de transição do ciclo básico (no Instituto de Ciências Biológicas/ICB - Campus Pampulha) para o ciclo profissional (Faculdade de Medicina - Campus Saúde), momento pontual e no qual se assinala aumento do nível de estresse acadêmico.
A carga horária do módulo Tutoria foi determinada em 30 horas semestrais e dividida em encontros semanais de duas horas, em que um grupo de 10 a 15 alunos passou a ser acompanhado por um tutor e estimulado a refletir sobre as experiências da formação acadêmica e suas reverberações nas diversas áreas da vida. Ao final do módulo, alunos e tutores eram convidados a relatar a experiência vivida durante os encontros.1,2
A DISCPLINA PRÁTICA DE SAÚDE B (MED 002) E A TUTORIA
A disciplina Prática de Saúde B (MED) foi escolhida para receber, inicialmente, a proposta da Tutoria, por possuir duas características que se encaixavam bem às demandas daquele momento: em primeiro lugar, era uma disciplina modular e interdepartamental, o que, para a estrutura baseada na diversidade desejada pela Tutoria, era importante; em segundo, o fato de que, na própria estrutura original da disciplina, já haver um módulo que desenvolvia uma atividade próxima da proposta pela Tutoria: o módulo Relação Médico-Paciente.
A seguir o plano de ensino da disciplina a partir de 2001.
Centro de Apoio: Centro de Tecnologia Educacional em Saúde - CETES;
Coordenação Geral: Prof. Cláudio de Souza;
Coordenação administrativa: Gilmar Tadeu de Azevedo Fidelis;
Coordenação Acadêmica: Centro de Graduação da Faculdade de Medicina, da UFMG;
Coordenador da Disciplina: Prof. José Silvério Garcia.
Módulos que compõem a disciplina e respectivos departamentos
tutoria: Interdepartamental: Carga horária total: 30; Coordenador: Prof. Eduardo Tavares;
hemoterapia: Departamento de Propedêutica Complementar; carga horária total: 12; CH teórica: 06; CH prática: 06; Coordenador: Prof. José Silvério Garcia;
radiologia: Departamento de Propedêutica Complementar; carga horária total: 03; Coordenador: Prof. José Nelson Mendes Vieira.
Ementa
Dar continuidade ao processo de integração do estudante de MEDICINA na rede de serviços de saúde hospitalares e ambulatoriais, iniciado com a Prática de Saúde A - 4º período, tendo como meta a conscientização de trabalho interdisciplinar pautado na ética custo-benefício, trabalho em equipe e acompanhamento sistemático do aluno, colaborando no seu desenvolvimento técnico e emocional, objetivando com isso o contato com a realidade estrutural da área da saúde e suporte emocional para o aluno.
Programa
Módulo Tutoria
objetivo geral: acompanhamento sistemático do aluno, colaborando no seu desenvolvimento técnico e emocional, de forma humanizada, ajudando-o em suas dificuldades mais simples e detectando, precocemente, dificuldades mais significativas, providenciando encaminhamentos adequados;
objetivos específicos: 1. Criar um espaço dentro do curso de Medicina para o encontro entre professores-tutores e alunos, em que problemas pessoais, de relacionamento interpessoal e com o curso possam ser avaliados e cuidados; 2. Orientar os alunos quanto às atividades didáticas curriculares, como disciplinas optativas, estágios, projetos de iniciação científica, etc.; 3. Detectar e encaminhar para o Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante de Medicina (NAPEM) os alunos com dificuldades mais significativas;
metodologia: alunos da disciplina Prática de Saúde B serão distribuídos em subgrupos de oito a 12 membros. Para cada grupo será designado um professor-tutor, que conduzirá um encontro semanal com duas horas de duração. O professor poderá, também, disponibilizar entrevistas individuais ou em pequenos grupos, sempre que uma situação sugerir essa necessidade;
horário: segundas, terças, quintas e sextas-feiras de 10:00 às 12:00h.
Módulo Radiologia
reconhecer os equipamentos e materiais de sala de Raios-X;
observar e discutir dificuldades e peculiaridades próprias de cada paciente ao exame radiológico;
examinar pedidos de exame radiológico quanto ao preenchimento adequado e sua solicitação;
avaliar criticamente pedidos de exame radiológico;
colaborar com a equipe interprofissional de Radiologia (estudantes de Enfermagem, técnicos em Radiologia, enfermeiras, estudantes de técnica radiológica, médicos-residentes, estagiários, monitores, radiologistas) executando tarefas específicas de enfermagem e/ou médicas, próprias de cada exame.
Módulo Hemoterapia
história da hemoterapia;
política nacional de sangue e hemoderivados;
exposição teórica das normas técnicas e legislação vigente;
recrutamento e seleção de candidatos à doação de sangue;
demonstração da coleta convencional e por aférese do sangue;
demonstração do fracionamento do sangue, sua conservação, distribuição e aplicação;
importância da identificação correta na unidade transfusional, assim como do receptor;
noções teórico-práticas sobre imuno-hematologia e DHRN;
demonstração dos equipamentos e instalações;
requisição médica e registros de transfusão. Conscientização de sua importância para o serviço hemoterápico e como prova documental;
exposição teórica e prática dos testes pré-transfusionais de compatibilidade;
noções teórico-práticas do arsenal hemoterápico e suas indicações;
noções teórico-práticas das reações transfusionais imediatas e tardias.
Metodologia
Metodologia instrucional com características de educação em serviço. A formação, o desenvolvimento e o treinamento profissional colocado em prática dentro da universidade a serviço da comunidade.
Avaliação
A avaliação educacional-assistencial é contínua e é efetivada em função da assiduidade, desempenho e critérios decorrentes das características particulares de cada área curricular, além de incluir provas e/ou trabalhos.
Distribuição de pontos
No decorrer do primeiro semestre de 2009, depois de alguns estudos e ponderações entre o Colegiado de Medicina e o Departamento de Propedêutica Complementar, foi aprovada a extinção dos módulos Hemoterapia e Radiologia. Foi definido que esses conteúdos seriam alocados em disciplinas específicas e em momentos mais adequados dentro da estrutura curricular.
A Tutoria passou então a ser o único módulo dentro da disciplina, aguardando a reforma curricular para ajuste de carga horária e de período.
A seguir o plano de ensino da disciplina a partir do segundo semestre de 2009.
Plano de Ensino
Apoio
Centro de Tecnologia em Saúde - CETES - Coordenação Geral: Prof. Cláudio de Souza - Coordenação Administrativa: Gilmar Tadeu de Azevedo Fidelis.
Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina da UFMG (NAPEM) - Coordenação Profª. Maria Mônica Ribeiro;
Coordenação Acadêmica: Centro de Graduação da Faculdade de Medicina/UFMG (CEGRAD);
Coordenador da disciplina: Gilmar Tadeu de Azevedo Fidelis (CEGRAD/NAPEM).
Tutoria
Disciplina Interdepartamental, com carga total de 45 horas.
Ementa
Dar continuidade ao processo de integração do estudante de Medicina, tendo como meta a conscientização de um trabalho interdisciplinar pautado na ética, trabalho em equipe e acompanhamento sistemático do aluno, colaborando no seu desenvolvimento técnico e emocional, objetivando com isso o contato com a realidade estrutural da área da saúde e suporte emocional para o aluno.
Programa
Módulo Tutoria
objetivo geral: acompanhamento sistemático do aluno, colaborando no seu desenvolvimento técnico e emocional, de forma humanizada, ajudando-o em suas dificuldades mais simples, detectando precocemente dificuldades mais significativas e providenciando encaminhamentos adequados.
objetivos específicos: 1. Criar um espaço dentro do curso de Medicina para o encontro entre professores-tutores e alunos, em que problemas pessoais, de relacionamento interpessoal e com o curso possam ser avaliados e cuidados; 2. Orientar os alunos quanto às atividades didáticas curriculares, como disciplinas optativas, estágios, projetos de iniciação, etc.; 3. Detectar e encaminhar para o Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina (NAPEM) os alunos com dificuldades mais significativas.
Metodologia
Alunos da disciplina Prática de Saúde B serão distribuídos em subgrupos de oito a 12 membros. Para cada grupo será designado um professor-tutor que conduzirá um encontro semanal com duas horas de duração. O professor poderá, também, disponibilizar entrevistas individuais ou em pequenos grupos, sempre que uma situação sugerir essa necessidade.
horário: segundas, terças, quintas e sextas-feiras de 10:00 às 12:00h.
Avaliação
A avaliação educacional é contínua e efetivada em função da assiduidade e elaboração e entrega de relatório acerca da experiência vivenciada na atividade de mentoring.
NAPEM (Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina): BREVE HISTÓRICO E SEU PAPEL COMO BASE ESTRUTURAL PARA A TUTORIA
O NAPEM e a Tutoria sempre tiveram seus caminhos entrelaçados. Pode-se dizer que a origem do apoio psicopedagógico ao aluno da Faculdade de Medicina se confunde com o já citado Projeto Padrinho, assim como com a vinda da psicóloga Emely Veira Salazar, em 1975, a convite da coordenadora do Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP), criado pela Universidade em várias de suas unidades, que se efetivou em 1976. A psicóloga Emely participou plenamente de sua elaboração, aprovação e implantação e, paralelamente, começou a fazer orientação psicológica de alunos e monitores do NAP.
Desde então, vários diretores foram procurados pelo NAP na pessoa da psicóloga para sinalizar acerca do trabalho que vinha sendo desenvolvido e da necessidade de a escola criar uma instância para atendimento dos alunos. Em 1985, o Professor Tancredo Furtado, então diretor da Faculdade, chegou a convocar uma reunião para discutir a criação do núcleo. Não houve entendimento quanto ao formato desse núcleo. Os participantes da reunião achavam que esse tipo de serviço não poderia ser oferecido no espaço físico da escola e o assunto acabou sendo postergado. Relevante salientar que muitos serviços desse tipo em escolas médicas são disponibilizados para os alunos em locais fora da unidade, com o objetivo principal de preservar a privacidade e a não exposição do aluno que busca pela assistência.
Em 1999, a psicóloga Emely Salazar passou a atuar no Colegiado de Medicina, a convite da Prof.ª Eliane Dias Gontijo, na época coordenadora do Colegiado. Uma questão recorrente enfrentada pelo Colegiado era o grande número de pedidos de trancamento de matrícula pelos alunos. Preocupada com a situação, a coordenação pediu que todos esses alunos passassem pela Psicologia antes de encaminhar o processo de trancamento. Os atendimentos começaram a ter lugar em sala destinada para esse fim, como etapa anterior à continuidade do processo de trancamento desejado pelo aluno.
Nesses atendimentos, verificou-se que a maioria dos pedidos tinha como causas principalmente angústia, medo, insegurança e depressão. Essa questão foi então levada pela coordenadora na reunião do Colegiado. E como estava organizando o VII Seminário de Ensino Médico, inseriu o assunto na pauta. Houve aprovação e foi sugerida a criação de um núcleo de atendimento ao estudante de Medicina.
Posteriormente, a Prof.ª Eliane Gontijo levou essa proposta ao então diretor, Professor Marcos Borato, sugerindo que a diretoria convocasse um grupo de professores interessados e que assumisse o processo.
O Professor Borato assumiu o compromisso e apoiou plenamente a iniciativa, o que levou a Professora Eliane Gontijo a convocar para a 1ª reunião da criação do núcleo, em 12 de novembro de 1999, um grupo de professores sensibilizados e interessados no projeto. Após algumas reuniões foi indicada uma comissão para elaborar o projeto da criação do núcleo. Paralelamente, a Professora Eliane, juntamente com a diretoria, elaborou a proposta de criação da Tutoria no núcleo em gestação. A Tutoria seria um suporte técnico e humano ao aluno, a partir do quinto período. O Prof. Eduardo Tavares foi convocado para participar, por sua experiência, com o Projeto Padrinho e a Professora Clara Feldman foi convidada a dar capacitação aos futuros tutores. Em dezembro do mesmo ano o Colegiado convidou professores de todos os departamentos e teve início o curso. A Tutoria foi implantada no 1º semestre de 2001 como disciplina obrigatória e vem funcionando desde então como espaço livre para expressão dos alunos.
Alguns anos depois, em setembro de 2004, o NAPEM foi aprovado pela Congregação da Faculdade de Medicina como Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao estudante de Medicina. Algum tempo depois, com a chegada do curso de Fonoaudiologia, o nome mudou para Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante da Faculdade de Medicina. Passou então a assumir, oficialmente, suas funções como órgão de assessoramento da diretoria para assuntos relativos a questões de ordem pedagógica e psicossocial que pudessem afetar individual ou coletivamente os estudantes da Faculdade de Medicina/UFMG.
Constituem atribuições do NAPEM:
planejar e desenvolver atividades que abordem de forma direta ou indireta os problemas emocionais relacionados aos cursos ministrados pela Faculdade de Medicina da UFMG;
envolver e motivar o corpo docente para a identificação precoce de problemas surgidos no contato com os alunos com adoção de medidas cabíveis;
criar condições de acolher e de encaminhar para assistência o estudante com dificuldade psicopedagógica, buscando resoluções eficientes e efetivas aos problemas trazidos pelos alunos;
acolher demandas de familiares dos estudantes, promovendo esclarecimentos, orientação e encaminhamentos necessários;
planejar e estimular a realização de estudos, projetos e pesquisas sobre o tema, promovendo a divulgação interna e externa da literatura pertinente;
promover eventos e/ou encontros para a abordagem de temas relativos ao suporte psicopedagógico ao aluno;
participar de atividades didáticas, curriculares e extracurriculares, destinadas a:
aprimorar a formação psicológica e emocional dos estudantes;
inserir as questões psicológicas na atuação prática cotidiana dos estudantes, procurando, entre outras, desmistificar os problemas emocionais, tornando-os temas comuns na vida acadêmica.
O NAPEM se propõe a desenvolver junto aos alunos as seguintes atividades:
assistência ou atendimento individual. A assistência é prestada por membros da equipe técnica do NAPEM e realizada sem qualquer ônus financeiro para o aluno;
acolhimento de pais ou familiares segundo solicitação;
interlocução com a Tutoria; programa destinado aos alunos, visando criar um espaço de elaboração coletiva de questões vivenciadas no curso ou relacionadas à profissão médica, atualmente ainda restrito ao quinto período;
atividades artístico-culturais: realização e apoio a eventos que abordem temas relativos ao universo de interesses da área da saúde.
O PROJETO TUTORES DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO: UMA REFERÊNCIA
Em 2005 foi publicado o livro "Tutoria - Mentoring na formação médica", pelos responsáveis pelo Projeto Tutores da Faculdade de Medicina/USP, Patrícia Lacerda Bellodi e Milton de Arruda Martins, Editora Casa do Psicólogo.3
O livro aborda o contexto no qual programas de Mentoring nas universidades têm lugar, atentando especialmente para a jornada do aluno universitário durante sua formação, apresentando a natureza da relação de mentoring, as definições e conceitos sobre a função e os atributos do tutor (mentor) e as modalidades possíveis da atividade no contexto do ensino superior. Relata a história da implantação e implementação da Tutoria (formato Mentoring) na Faculdade de Medicina/USP. Descreve ainda a experiência de graduação em Medicina, a estrutura e objetivos do Programa Tutores/FMUSP, as atividades realizadas (recrutamento, seleção, treinamento e supervisão de tutores) e as primeiras avaliações do programa. As interações entre os tutores e seus alunos, as avaliações já realizadas, algumas reflexões sobre o futuro da atividade, suas possibilidades e limites concluem o livro.3
Essa trajetória do Programa Tutores da FMUSP tornou-se uma relevante referência para o projeto então em plena atividade na Faculdade de Medicina/UFMG e já vivenciando desgastes e problemas inerentes a uma atividade dessa natureza. Entendeu-se então que seria muito significativo contato com a coordenação desse projeto na USP e a partir desse movimento algumas atividades foram realizadas com o objetivo de trocar experiências, estimular e, assim, possibilitar o desenvolvimento de novas perspectivas e continuidade da Tutoria na Faculdade de Medicina/UFMG.
Foram realizados então seminários, workshops e videoconferência com intercâmbio de experiência e conhecimento. Esses eventos aproximaram as duas instituições e, desde então, têm acontecido, oficial (em congressos e eventos acadêmicos) e informalmente, significativos contatos e trocas de experiências que muito têm contribuído para a consolidação e amadurecimento do projeto.
Paralelamente, desde 2008 o Projeto de Tutoria tem participado em atividades diversas, mesas, cursos, oficinas, relatos de experiências, etc. nas edições do Congresso Brasileiro de Educação Médica (COBEM). Desde então, nessas edições do evento o projeto pôde ser divulgado amplamente, compartilhando experiências com outras escolas médicas no país e discutindo a evolução dessa atividade na educação médica.
FUNDAMENTOS E ASPECTOS TEÓRICOS BÁSICOS DO MENTORING NA FORMAÇÃO MÉDICA
Tutor (do latim tutor, oris) é um termo do Direito romano atribuído àquele que se encarregava de cuidar de um incapaz (como um órfão, por exemplo).4 Esse termo já era usado na Idade Média e tinha o significado de guarda, protetor, defensor, curador; significava também aquele que mantém outras pessoas sob sua vista, que olha, encara, examina, observa e considera; é o que tem a função de amparar, proteger e defender; é o guardião ou aquele que dirige e governa. Para os ingleses, pode significar um professor para pequenos grupos, que presta atenção especial nesses alunos. Já na agricultura é designação para a estaca que ampara uma planta frágil durante seu crescimento.
Atualmente, na perspectiva do ensino médico, tutor é aquele que orienta a formação de profissionais já graduados e que atuam no sistema de saúde. Assim, o tutor, geralmente um médico mais experiente, além de competência clínica e da capacidade de ajudar a aprender a aprender, precisa ter compreensão da prática profissional em sua essência e estimular o desenvolvimento pessoal, atuando também como guia e referência. No entanto, como esse tutor tem ainda o papel de avaliar o médico-residente, verifica-se o estabelecimento de uma relação assimétrica entre eles. Nesse sentido, mais recentemente, usa-se a expressão tutor pessoal para designar aquele que, além de ensinar técnicas e habilidades, auxilia na busca de conhecimentos e avalia os alunos e também aconselha e oferece suporte. Essa denominação parece ter surgido exatamente para distinguir esse profissional de outros aos quais se aplica o título de tutor, como também do profissional que auxilia exclusivamente no processo de aprendizagem.5
A palavra mentor (do latim mentor, oris; do grego mentor) deriva, por metonímia, de Mentor, personagem da Odisseia, poema escrito por Homero no século VIII antes de Cristo. Esse poema conta a história do retorno do rei Ulisses (ou Odisseu) à sua terra, Ítaca, após a vitória na guerra de Troia. Mentor era amigo e conselheiro do rei. Quando partiu para a guerra, Ulisses confiou sua mulher, Penélope, e seu filho, Telêmaco, a Mentor. Passaram-se 20 anos; a família de Ulisses estava humilhada e cerceada pelos pretendentes ao trono de Ítaca. O poema mostra o desenvolvimento de Telêmaco e a importância de Mentor para esse processo.4 O termo passou então a ser utilizado para designar, em geral, a relação entre um adulto mais experiente e um jovem iniciante. Uma relação na qual o mentor provê orientação, instrução e encorajamento para o desenvolvimento da competência e caráter do jovem. Durante o tempo em que permanecem juntos, espera-se que os dois desenvolvam um vínculo especial - de compromisso mútuo, respeito, confiança e identificação - que facilite a transição para a vida adulta.3
Por que Mentoring, em inglês? A palavra mentoring, como abordado no parágrafo anterior, é derivada do personagem Mentor, da Odisseia, sábio amigo de Ulisses que ajuda seu filho Telêmaco a ir em busca de notícias do pai (indicando a passagem do jovem para a vida adulta). Tem-se assim uma relação de mentoring sempre que alguém experiente dá suporte a um iniciante na jornada entre um estágio e outro da vida. Apesar da palavra mentoring encontrar correspondência em Português nos termos mentor e mentorear, a expressão Tutoria no formato Mentoring tem sido usada para não causar confusões, já que mentor conjuga o verbo orientar e tutor conjuga o verbo ensinar, no sentido estrito.
A relação de Mentoring então se estabelece ao longo de uma jornada em que o mentor é um viajante mais experiente que acompanha o iniciante em direção a novos destinos; alguém que está menos interessado em fixar a rota e em ajudar o jovem adulto a se tornar um viajante competente dentro de uma relação assimétrica, de colaboração, em que tutor e aluno interagem harmonicamente nas tomadas de decisão numa perspectiva que transcende as restrições dentro de estrutura hierárquica fechada.
O mentor, por meio do diálogo, compartilha com seu aluno o conhecimento prático, apresentando as regras e a estrutura da instituição, sua cultura e política. E está sempre alerta aos problemas e dilemas do aluno, ajudando-o a encontrar um caminho não a partir da oferta de soluções, mas auxiliando-o a reconfigurar suas questões para que ele mesmo as possa resolver. Assim, o mentor é também uma força de suporte moral e pessoal, dando ao aluno, concomitantemente, espaço para agir, movimentar-se, provar sua capacidade de decisão, interação e aprendizado.3 É um processo dinâmico que evolui com o tempo e possui várias configurações, podendo ser individual ou em grupo, por um período curto ou longo, mas sempre visando à participação ativa dos envolvidos para que a relação seja bem-sucedida.6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Projeto Tutoria da Faculdade de Medicina encontrou terreno fértil para desenvolvimento de suas propostas. A demanda para esse tipo de atividade na formação do futuro médico, assim como o suporte estrutural, acadêmico e emocional que ela propicia, é clara e muito bem assinalada no livro.
Essa temática tem alcançado, cada vez mais, relevância e visibilidade; e o número de participações, relatos de experiências, trabalhos, dissertações e teses sobre esse assunto têm aumentado significativamente. O mentoring e o suporte psicológico ao aluno de Medicina constituem atividades fundamentais na formação do futuro médico.
No entanto, apesar do terreno fértil encontrado nas reformas e adaptações curriculares para a implantação da Tutoria e de programas de apoio psicológico ao aluno de Medicina, muitos problemas, dificuldades e resistências têm sido encontrados. Se de um lado há ainda docentes muito conservadores e resistentes a mudanças, de outro se encontram seguimentos acadêmicos que primam pela disputa de carga horária dentro das instituições e desvalorizam a atividade por sua ainda pouca valorização em termos de pesquisa e produção científica. Vale ainda mencionar, principalmente nas universidades públicas, cenários de dificuldades em aproveitamento e alocação dos docentes. Muitas vezes um docente que tem perfil para a Tutoria tem que abrir mão dessa atividade para cobrir um "buraco" no ambulatório, por exemplo.
Para todas essas questões, assim como para outras, cabe discussão extensa e profunda que será abordada na sequência de artigos que se pretende nesta apresentação do projeto de Tutoria no formato mentoring da Faculdade de Medicina da UFMG.
REFERÊNCIAS
1. Rodrigues MAG. Projeto Recriar: Projeto de mudança curricular. CEGRAD. Faculdade de Medicina; Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: FM/UFMG; 2008.
2. Recriar Projeto de Mudança Curricular Medicina UFMG. [Citado em 2012 jun 04]. Disponível em: http://www.medicina.ufmg.br/recriar/index.php.
3. Bellodi PL. Tutoria: mentoring na formação médica. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2005.
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