ISSN (on-line): 2238-3182
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CAPES/Qualis: B2
Leucomalácia periventricular como causa de encefalopatia da prematuridade
Periventricular leukomalacia as causes of encephalopathy of prematurity
Luíz Antônio Tavares Neves1; Josana Lucas Araújo2
1. Médico. Doutor em Pediatria. Professor do Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Chefe da UTI Neonatal e Pediátrica do Hospital Albert Sabin. Juiz de Fora, MG - Brasil
2. Graduanda do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da UFJF. Bolsista do Projeto de Extensão "Follow up de Recém-nascidos de risco" do Hospital Universitário (HU) da UFJF. Juiz de Fora, MG - Brasil
Luíz Antônio Tavares Neves
E-mail: latneves@terra.com
Recebido em: 27/10/2011
Aprovado em: 24/03/2014
Instituição: Universidade Federal de Juiz de Fora Departamento Materno Infantil, Serviço de Pediatria Juiz de Fora, MG - Brasil
Resumo
A leucomalácia periventricular (LPV) é, na atualidade, a causa mais importante de lesão cerebral no lactente prematuro, determinando sequelas ao neurodesenvolvimento. Este trabalho objetiva avaliar o conhecimento atual acerca da fisiopatologia da LPV, seus principais tipos de lesões, métodos diagnósticos disponíveis, tratamento e as consequências ao neurodesenvolvimento dos prematuros e métodos preventivos. Foi realizada a busca de artigos na base de dados do Medline, por meio do Pubmed, usando os termos: leucomalácia periventricular, paralisia cerebral e prematuridade. Foram selecionados os artigos mais relevantes, além de estudos históricos. A LPV difusa caracteriza-se por lesões microscópicas e deve-se à destruição de pré-oligodendrócitos e as sequelas neuropatológicas são a diminuição da mielinização e ventriculomegalia. Existe associação causal entre infecção materna, inflamação placentária e a leucomalácia periventricular, por ocasionarem aumento de citoquinas inflamatórias na circulação fetal. Não existe tratamento médico corrente para LPV. Inibidores de radicais livres estão sendo investigados para determinar se eles têm papel na prevenção da injúria aos oligodendrócitos na LPV. A prevenção do nascimento prematuro é o meio mais importante de prevenir LPV; e serviços de follow up para esses recém-nascidos são necessários para se diagnosticar déficits precocemente e iniciar estímulos que possam minimizar os danos neurológicos.
Palavras-chave: Leucomalácia Periventricular; Paralisia Cerebral; Prematuro.
INTRODUÇÃO
A agressão cerebral no recém-nascido pode ser causada por diversos fatores como hemorragia da matriz germinativa, hidrocéfalo pós-hemorrágico e leucomalácia periventricular (LPV). Com a redução da incidência das primeiras duas lesões citadas, a terceira causa, que é a leucomalácia periventricular, aparece agora como a mais importante causa de lesão cerebral no lactente prematuro, determinando os resultados do neurodesenvolvimento. A leucomalácia periventricular tem sido descrita classicamente como uma desordem caracterizada por áreas multifocais de necrose, formando cistos na matéria branca cerebral profunda, as quais são frequentemente simétricas e ocorrem adjacentes aos ventrículos laterais. Essas lesões necróticas correlacionam-se estreitamente com o desenvolvimento de paralisia cerebral espástica em lactentes com extremo baixo peso.
A encefalomielite congênita foi o termo inicialmente descrito por Virchow1, em 1987, para descrever uma doença em recém-nascidos que demonstravam zonas de palidez e amolecimento dentro da matéria branca periventricular na autópsia. Banker e Larroche, em 19622, introduziram o termo leucomalácia periventricular para definir a alteração característica encontrada em 20% das lesões em lactentes que morreram antes de completar um mês de idade. A LPV é a agressão cerebral isquêmica mais comum em lactentes prematuros. A isquemia ocorre nas adjacências dos ramos terminais da vascularização arterial, determinando lesão da matéria branca adjacente aos ventrículos laterais. Os achados principais para o diagnóstico da LPV são ecodensidades periventriculares ou cistos detectados pela ultrassonografia transfontanela. O diagnóstico é importante devido a significante porcentagem de prematuros sobreviventes desenvolverem atraso cognitivo, paralisia cerebral ou lesões neurossensoriais.
METODOLOGIA
Este estudo é revisão não sistemática da literatura científica. Foi realizada a busca de artigos na base de dados do Medline, por meio do Pubmed, usando os termos: leucomalácia periventricular, paralisia cerebral e prematuridade. Foram selecionados os artigos mais relevantes, além de estudos históricos, totalizando 28 publicações. As obras selecionadas foram lidas na íntegra, tendo sido identificadas as informações relativas ao desenvolvimento de leucomalácia periventricular em recém-nascidos prematuros, seu diagnóstico, tratamento e prevenção.
NEUROPATOLOGIA MICROSCÓPICA
A topografia das lesões é uniforme, afeta primariamente a matéria branca profunda do corpo subcaloso, fascículo superior fronto-occipital longitudinal e a matéria branca adjacente aos cornos dos ventrículos laterais e occipitais. Essas áreas aparecem pálidas nos exames de autópsia, usualmente bilaterais, mas sem simetria definida.
NEUROPATOLOGIA MACROSCÓPICA
Estudos atuais chamaram a atenção para o dano à matéria branca difusa que é macroscopicamente caracterizada por atrofia de toda a matéria branca, afinamento do corpo caloso e em estágios tardios há ventriculomegalia com mielinização retardada. A matéria branca periventricular profunda é propensa à necrose focal, por estar intimamente relacionada aos ramos terminais da vascularização arterial cerebral que é mais evidente na substância branca central, ao passo que a lesão difusa da matéria branca poderia ser caracterizada principalmente pela morte ou injúria de pré-oligodendrócitos.3
VULNERABILIDADE DAS CÉLULAS DA OLIGODENDRÓGLIA
Várias fontes de evidências indicam que o dano aos oligodendrócitos imaturos, ou seja, pré-oligodendrócitos, durante um período específico de vulnerabilidade é o fator significante na patogênese da LPV.4
Os pré-oligodentrócitos proliferam e morrem por morte celular programada, que é regulada por fatores tróficos tais como o fator de crescimento insulina like e os fatores de crescimento derivados das plaquetas. Porém, a ativação de receptores de citoquinas sobre a superfície dessas células pode levar à sua morte precocemente. Estudos in vitro mostram que as citoquinas inflamatórias como fator de necrose tumoral e interferon-gama são extremamente tóxicas para os pré-oligodendrócitos. Marcadores imunocitoquímicos têm identificado aumento da atividade celular da micróglia na agressão da matéria branca difusa. Essas células são altamente capazes de produzir mediadores inflamatórios potencialmente tóxicos, radicais livres e intermediários reativos de oxigênio. A atividade fagocítica da micróglia potencializa os efeitos inflamatórios da interleucina B, fator de necrose tumoral e os lipossacarídeos bacterianos. Os microglócitos já estão amplamente presentes na matéria branca no feto com 22 semanas de idade gestacional.
Embora as lesões de LPV demonstrem perda disseminada de oligodendrócitos5, Damann et al.6 acrescentaram que o dano à matéria branca envolve também axônios e não apenas oligodendrócitos.
FISIOPATOLOGIA
As duas maiores teorias propostas na fisiopatologia da LPV são as seguintes:
lesão de isquemia/reperfusão em zonas arteriais limítrofes da área periventricular; e/ou
corioamnionite ou vasculite materna com a produção de citoquinas levando ao dano inflamatório na área periventricular no cérebro em desenvolvimento.
De acordo com a teoria isquêmica, a LPV é a lesão bilateral da matéria branca de lactentes prematuros que pode resultar de hipotensão, isquemia e necrose de coagulação nas zonas vasculares limítrofes dos vasos de penetração profunda da artéria cerebral média. Lactentes prematuros têm a autorregulação vascular prejudicada e são suscetíveis à hemorragia intracraniana, bem como à LPV. Quando em uso de ventilação mecânica podem desenvolver hipocarbia, que também pode ser um dos precursores do aparecimento da lesão cerebral.7
A injúria poderá ocasionar déficits funcionais relacionados ao trato corticoespinhal descendente, radiações visuais e radiações acústicas.
Em recente estudo epidemiológico, Leviton et al.8 evidenciaram, em detalhada análise, associação entre infecção materna, inflamação placentária e leucomalácia periventricular. Eles observaram que a resposta inflamatória fetal é refletida pela vasculite fetal (infiltração de leucócitos polimorfonucleares na banda coriônica ou cordão umbilical), e não pelo dano direto da infecção intra-amniótica ao cérebro fetal. A infecção materna, refletida pela administração de antibiótico, está também associada ao dano cerebral fetal, embora não signifique existência de infecção cerebral no feto. Várias citoquinas maternas são, também, associadas à patogênese da LPV.
Não existe tratamento médico corrente para LPV. Agentes inativadores de radicais livres estão sendo investigados para determinar se desempenham papel na prevenção da injúria aos ologodendrócitos na LPV.9,10
FREQUÊNCIA
A incidência de LPV nos Estados Unidos varia de 4-26% entre os lactentes prematuros nas unidades de cuidados intensivos neonatais. A incidência é mais alta nos estudos de autópsia, podendo alcançar evidência de mais de 75% no exame post-mortem. A incidência na autópsia varia consideravelmente de um centro neonatal para outro. A forma clássica com cistos poroencefálicos corresponde a apenas pequena porção dos casos totais.
A incidência da LPV varia de acordo com a modalidade da imagem usada, sendo que a forma não cística da doença somente pode ser diagnosticada pela ressonância magnética. A ressonância magnética pode identificar tanto a forma cística quanto a forma não cística da LPV, que é difícil de estabelecer, devido às áreas microscópicas e subsequente cicatriz glial da LPV não cística. Vários fatos são muito claros em relação à LPV, sendo que a lesão é observada particularmente nas seguintes situações: em lactentes prematuros, sobrevivência de poucos dias, que tiveram hemorragia intracraniana, em lactentes com evidência de distúrbio cardiorrespiratório, parada cardíaca, hipotensão grave, cirurgia cardíaca, uso de oxigenação por membrana extracorpórea e em lactentes com evidência de infecção fetal.
MORBIDADE E MORTALIDADE
A paralisia cerebral pode ocorrer aproximadamente entre 60 e 100% dos casos em lactentes com sinais tardios de LPV. A diplegia espástica é a forma mais comum de paralisia cerebral e associa-se a formas leves de LPV, já a quadriplegia está frequentemente associada às formas graves da doença. O sistema cognitivo pode apresentar vários graus de atraso, possivelmente associado a alterações do desenvolvimento neuropsicomotor na LPV grave. Disfunção visual pode ocorrer com nistagmo, dificuldade de fixação, estrabismo e cegueira. Alguns casos de disfunção visual em associação com LPV ocorrem na ausência de retinopatia da prematuridade, sugerindo dano às radiações ópticas. A idade em que mais frequentemente ocorre a LPV é em prematuros menores de 32 semanas de idade gestacional e naqueles com menos de 1.500 g. Muitos dos casos apresentaram doença respiratória, como doença de membrana hialina, pneumonia, hipotensão, além de enterocolite necrosante ou canal arterial patente. No exame físico, muitos prematuros são assintomáticos, embora sintomas sutis possam ocorrer em 10-30% dos lactentes, sendo os seguintes: tônus diminuído nas extremidades inferiores, tônus aumentado nos extensores do pescoço, eventos apneicos, bradicardia, irritabilidade, alimentação escassa com paralisia pseudobulbar e convulsões clínicas.11
Causas associadas à LPV:
lactentes prematuros ventilados mecanicamente nascidos com menos de 32 semanas de gestação e/ou peso abaixo de 1.500 g;
hipotensão, hipoxemia e acidose podem resultar em agressão cerebral isquêmica e LPV;
hipocarbia acentuada em lactentes ventilados;
anastomose vascular placentária, gestação gemelar, hemorragia anteparto, corioamionite e funisite.
MODELOS DE ENCEFALOPATIA DA PREMATURIDADE: IMPLICAÇÕES PARA PATOGÊNESE
Hipoperfusão e isquemia-hipóxia como causa de leucomalácia periventricular
Insultos de hipoperfusão e isquêmico-hipóxico têm sido reproduzidos em grande variedade de espécies animais, incluindo ratos, coelhos, porcos e cachorros. Na maioria dos estudos eles produzem dano na matéria cinzenta (mimetizando lesões observadas em lactentes a temo).12 Asfixia de feto de carneiros mostraram que podem induzir doença na matéria branca periventricular tanto focal quanto difusa, acompanhados por perda aguda de astrócitos e oligodendrócitos. Esses estudos confirmam o conceito de que ocorrem lesão focal periventricular (lesões císticas) e lesões difusas (ativação microglial difusa e destruição de pré-oligodendrócitos) na matéria branca.13 Os aminoácidos excitatórios também participam ativamente da patogênese das lesões na matéria branca.
Os muitos fatores preconcepcionais, perinatal e pós-natal implicados na fisiopatologia dessas lesões incluem a isquemia-hipóxica, desequilíbrio endócrino, fatores genéticos, deficiência do fator de crescimento, superprodução de radicais livres, infecção materna com superprodução de citoquinas e outros agentes inflamatórios, exposição a toxinas, estresse materno e desnutrição. Portanto, trata-se de uma doença multifatorial em que a hipoperfusão, isquemia-hipóxica e a inflamação têm papel especial. Vários estudos experimentais em animais têm sido realizados com o modelo isquêmico-hipóxico e em muitos casos resultou inicialmente em insulto à matéria cinzenta e em casos graves ocorre extensão para a matéria branca.14
A exposição de ratas grávidas ou de seus recém-nascidos à hipóxia induz alterações patológicas na matéria branca periventricular que reproduzem a leucomalácia periventricular do recém-nascido humano, com inflamação, astrogliose, retardo intenso de mielinização no modelo pré-natal, atrofia da substância branca, ventriculomegalia e alteração na maturação da sinapse. Embora o insulto inicial seja exclusivamente hipóxico, os efeitos observados são comumente a combinação de diferentes mecanismos, tais como a hipoperfusão, isquemia, inflamação e/ou estresse oxidativo induzido pela hipóxia protraída e pela fase subsequente de reperfusão.
As lesões necróticas focais ocorrem profundamente na matéria branca cerebral, primariamente na distribuição da zona final das artérias de penetração longa. Os dois locais mais comuns para a necrose focal de LPV são no nível da matéria branca próxima do trígono dos ventrículos laterais e ao redor do forâmen de Monro.15 A predileção por esses locais pode estar ligada a fatores anatômicos e à grande concentração dos pré-oligodendrócitos vulneráveis. Injúria difusa à matéria branca cerebral tem sido enfatizada em grande número de lactentes menores, com períodos longos de sobrevivência pós-natal.16
Na leucomalácia periventricular não cística, as lesões focais são microscópicas e não são comumente detectáveis à ultrassonografia cerebral.17
A evolução dos aspectos celulares fornece uma pista importante para a sua patogenicidade. A neuropatologia celular do componente focal clássico da leucomalácia periventricular é caracterizada nas primeiras seis a12 horas após um insulto hipóxico-isquêmico, por necrose de coagulação nos pontos da lesão periventricular focal. Essa lesão aparece como uma perda da arquitetura normal e subsequente dissolução tissular e a formação de cavidades (cistos) ocorre entre uma e três semanas. Esses múltiplos cistos pequenos são geralmente grandes, o suficiente (>3 mm) para serem detectados pelo ultrassom transfontanela.
A neuropatologia do componente difuso da LPV cística necrótica clássica foi enfatizada inicialmente por Gilles et al.18
A característica celular principal da lesão difusa é a presença de núcleos gliais picnóticos (células gliais que sofreram dano agudo) e hipertrofia de astrócitos. Diferentemente da necrose focal, a lesão difusa é menos grave. Embora mais disseminada, as lesões não afetam todos os componentes celulares. As sequelas neuropatológicas da lesão difusa são diminuições da mielinização e ventriculomegalia. Com o passar do tempo verificam-se redução do volume cerebral e ventriculomegalia. Nos estudos imunocitoquímicos ocorre diminuição importante de pré-oligodendrócitos da matéria branca nos lactentes com LPV. O alvo celular na lesão difusa é o pré-oligodendrócito.
A partir de estudos realizados em cérebro de recém-nascidos que faleceram com LPV, mostrou-se que a injúria à matéria branca foi regionalizada, com necrose focal, quando presente, localizada na substância branca periventricular profunda e menos grave; e a injúria celular específica mais difusamente na substância branca central. As áreas de necrose foram seguidas por pequenas cicatrizes da glial, mas não cistos. Essas características regionais são consistentes com zonas vasculares limítrofes e terminais mais pronunciadas na matéria branca periventricular e menos marcada mais difusamente na matéria branca central.
Na injúria difusa a morte preferencial é de pré-oligodendrócitos, que é a célula dominante na linhagem dos oligodendrócitos. Portanto, constitui o alvo celular chave na agressão difusa da matéria branca. A injúria à matéria branca difusa contém marcada proeminência de astrócitos e micróglia ativada. Também marcadores específicos mostram que a peroxidação lipídica pode desempenhar importante papel na lesão da substância branca periventricular. Esses achados sugerem que o modo de morte dessas células é o ataque por espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio.18
A infecção e a inflamação têm importante papel na gênese da LPV, sendo consideradas a segunda causa mais importante na sua patogênese. Estudos epidemiológicos e clínicos sugerem uma ligação entre infecção materna e comprometimento fetal, causando LPV. A resposta inflamatória fetal é definida como o encontro de citoquinas no sangue fetal.18
A relação entre LPV e infecção intrauterina tem sido sugerida por diversos fatores, como corioamnionite, funisite, rotura prematura de membranas, níveis elevados de citoquinas, especialmente interleucina 6 e interleucina 1 no fluido amniótico e no cordão umbilical, além da evidência de ativação de célula T intrauterina. A leucomalácia periventricular cística agora é reconhecida como capaz de ocasionar apenas 5% da injúria na matéria branca, sendo que a presença comum de LPV não cística nos controles dos estudos epidemiológicos torna difícil a interpretação dos dados. A infecção pós-natal também tem sido associada à LPV, embora com estudos epidemiológicos mais fracos. Entretanto, na forma difusa da LPV, abundante expressão de interferon-gama tem mostrado estar presente nas células pré-oligodendrócitos. Esses achados são de grande interesse, por ser o interferon-gama particularmente tóxico às células pré-oligodendrócitos e essa toxicidade ser mediada pelo fator de necrose tumoral. Os achados neuropatológicos indicam que as citoquinas estão presentes na LPV humana e que os alvos mais comuns de injúria são as células da micróglia e astrócitos.19,20
Neuroimagem da injúria à matéria branca cerebral
A ultrassonografia neonatal é uma das técnicas mais importantes de imagem para o cérebro neonatal.8 Em 1990, a ultrassonografia das ecodensidades e ecolucências da matéria branca previam alterações no desenvolvimento psicomotor melhor do que qualquer outro antecedente. Geralmente a ecogenecidade encontrada na leucomalácia periventricular precoce é similar em intensidade àquela do plexo coroide. O ultrassom pode ser visto como modo ideal de imagem para LPV cística, mas tem valor muito limitado para detectar injúria na matéria branca difusa e o processo que leva à encefolapatia da prematuridade, como mostrado em estudos comparando a ultrassonografia neonatal com a ressonância magnética.21-23
Imagem de ressonância magnética convencional
A ressonância magnética não tem papel decisivo na avaliação precoce da LPV, sendo mais útil em monitorar os lactentes com suspeita de LPV e lactentes que desenvolveram sinais clínicos sugestivos, uma vez que é capaz de demonstrar a perda da matéria branca, a intensidade de sinal aumentada da matéria branca profunda e a ventriculomegalia. A ressonância magnética demonstra adelgaçamento do corpo posterior e esplênio do corpo caloso em casos graves de LPV.24 Pode mostrar sinais de anormalidade na matéria branca periventricular, que são diferentes das lesões císticas detectadas pelo ultrassom.
Achados da ressonância magnética convencional compatíveis com injúria da matéria branca crônica no cérebro imaturo são caracterizadas também por cistos comparáveis por ultrassom, mas também e mais importante por alta intensidade do sinal persistente da matéria branca, representando imagem difusa da injúria. Essa imagem característica está tardiamente associada a adelgaçamento do corpo caloso e perda do volume da matéria branca, resultando em sulco profundo e eminente. A ausência de mielinização no ramo posterior da cápsula interna na idade a termo é um ótimo indicador de prejuízo neuromotor tardio. Entretanto, cerca da metade dos lactentes pré-termos que mostraram anormalidades medianas na matéria branca teve apenas índices de desenvolvimento mental marginal na idade de dois anos.
Imagem por ressonância magnética por difusão
Avaliação precoce da matéria branca periventricular em lactentes prematuros com ressonância magnética por difusão pode revelar restrição de difusão periventricular, similar à distribuição típica de LPV, quando o ultrassom e a ressonância magnética convencional não identificaram alguma alteração específica. Importante citar que a fase crônica da LPV é caracterizada pela formação de cistos e pelas hiperintensidades localizadas na substância branca. A análise de imagens de ressonância magnética por tensor de difusão tem provido novas descobertas dentro da microestrutura do desenvolvimento da matéria branca periventricular e parece ser ideal para avaliar os caminhos da doença neurológica na matéria branca.4
Imagem de ressonância magnética por espectroscopia
Um dos contribuintes essenciais para o progresso da detecção não invasiva do metabolismo tissular e bioquímico na atualidade tem sido a ressonância magnética por espectroscopia, que fornece informações químicas específicas sobre a bioquímica de numerosos metabólitos intracelulares. Similar ao alto valor diagnóstico da ressonância magnética na asfixia, pode também detectar dano à matéria branca a partir de indicadores de glicólise anaeróbica com lactato intracerebral aumentado.
Alterações do crescimento cerebral e desenvolvimento a longo termo
A injúria da matéria branca periventricular tem sido fortemente associada a déficits do desenvolvimento neuropsicomotor no lactente prematuro.24,25 Foi encontrada correlação entre retardo no desenvolvimento neuropsicomotor e retardo na mielinização.26 A morbidade mais complexa do componente focal da LPV é a diplegia espástica. O distúrbio motor tem como ponto central a paresia espástica das extremidades, com efeito muito maior sobre os membros inferiores do que sobre os superiores. Lesões mais graves com extensão posterolateral dentro do centro semioval e corona radiata são associadas a efeitos sobre as extremidades superiores, área cognitiva e neurossensorial.
Novas técnicas de ressonância magnética em três dimensões têm permitido quantificar o volume cerebral e a quantificação absoluta de mielinização. Esses achados com mielinização deficiente em lactentes com lesão precoce podem explicar a alta incidência de déficit cognitivo. Alterações no volume cortical na ressonância magnética em três dimensões são representativas das lesões corticais e podem explicar o risco aumentado de prejuízo cognitivo e epilepsia em lactentes com déficit motor clássico (diplegia espástica) após injúria à matéria branca imatura.
O ultrassom é a modalidade inicial de escolha do dano ocasionado pela isquemia-hipóxica ao sistema nervoso central em lactentes prematuros. O ultrassom pode ser realizado dentro da unidade neonatal, sem a necessidade de transportar as crianças frágeis. O sinal ultrassonográfico mais precoce da leucomalácia periventricular é uma ecotextura aumentada na matéria branca periventricular. Esse é um achado não específico que deve ser diferenciado a partir do halo periventricular normal e edema periventricular brando, que pode não resultar em prejuízo permanente. A ecotextura periventricular anormal da LPV geralmente desaparece entre duas e três semanas. Aproximadamente 15% de lactentes que sofrem LPV demonstram cistos periventriculares que aparecem inicialmente duas a três semanas após o aumento inicial das ecodensidades. A gravidade da LPV está relacionada ao tamanho e à distribuição dos cistos. Achados ultrassonográficos podem ser normais em pacientes que irão desenvolver tardiamente imagem de leucomalácia periventricular.27,28
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prevenção do nascimento prematuro é o meio mais importante para prevenir LPV. Follow-up é necessário, em virtude da associação com paralisia cerebral. Antes do nascimento, o diagnóstico precoce e o manejo da corioamnionite podem prevenir a LPV. A betametasona administrada a gestantes entre 24 e 31 semanas de gravidez pode reduzir significativamente a ocorrência da leucomalácia periventricular, sugerindo o possível efeito anti-inflamatório do corticoide sobre a resposta fetal. Evitar o uso materno de cocaína e alterações no fluxo sanguíneo fetal e neonatal pode diminuir a ocorrência de leucomalácia periventricular. Os lactentes com leucomalácia periventricular estão em alto risco de déficit no desenvolvimento neuropsicomotor. A LPV branda está associada à diplegia espástica e a grave quadriplegia, com alta incidência de problemas cognitivos e neurossensoriais. O tempo da ultassonografia inicial pode ser útil na determinação do insulto recebido. A LPV cística pode ser identificada pelo ultrassom no primeiro dia de vida, indicando que o evento hipóxico ou infeccioso pode ter sido pré-natal em vez de perinatal ou pós-natal.
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