RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 25. 1 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150014

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Artigos de Revisão

Síncope em idosos

Syncope in the elderly

Rose Mary Ferreira Lisboa da Silva1; Maira Tonidandel Barbosa2; Carlos Eduardo de Souza Miranda3

1. Médica Cardiologista. Pós-Doutora. Professora Associada do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médica Geriatra. Pós-Doutora em Neurologia. Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
3. Médico Cardiologista. Serviço de Arritmias do Hospital Madre Teresa. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Rose Mary Ferreira Lisboa da Silva
E-mail: roselisboa@uol.com.br

Recebido em: 22/08/2012
Aprovado em: 30/08/2013

Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

O quadro de síncope apresenta aumento de sua prevalência com a idade, alcançando até 19,5 por 1.000 indivíduos/ano, com morbidade por trauma, fraturas e piora da qualidade de vida. Além disto, a mortalidade dentro de um ano do episódio de síncope pode chegar a 33%, se a causa é cardíaca. As alterações relacionadas ao envelhecimento que ocorrem nos reflexos cardiovasculares e alterações anatômicas, em combinação com as comorbidades e o uso de medicamentos, levam ao aumento da incidência de síncopes em pessoas idosas. A identificação da causa da síncope é importante para o tratamento adequado, com melhora da qualidade de vida, prevenção de recorrência e de morte. O método clínico possibilita o diagnóstico em até 50% dos casos e o arsenal de exames complementares disponíveis deve ser solicitado de acordo com o raciocínio clínico.

Palavras-chave: Síncope; Idoso; Doenças Cardiovasculares; Hipotensão Ortostática.

 

INTRODUÇÃO

Síncope é a perda súbita da consciência, associada à incapacidade da manutenção do tônus postural, com recuperação imediata e espontânea, sem requerer cardioversão elétrica ou química. Independentemente de sua causa, esse quadro é secundário à hipoperfusão cerebral, com curta duração (entre 10 e 20 segundos). Essas características permitem a diferenciação entre síncope e outras causas de perda transitória da consciência, como convulsão e outras. Entretanto, em idosos, o quadro de síncope pode ser acompanhado de amnésia.1

A taxa de incidência global do primeiro relato, e não do primeiro episódio de síncope, é de 6,2 por 1.000 indivíduos/ano. Com a idade, há aumento da prevalência, a qual quase dobra entre os 70 e 79 anos, tanto nos homens, quanto nas mulheres, e praticamente triplica em indivíduos com mais de 80 anos de idade, alcançando a taxa de 16,9 por 1.000 indivíduos/ano, nos homens, e de 19,5 por 1.000 indivíduos/ano, nas mulheres.2 Esse quadro é responsável por 3 a 5% dos atendimentos de urgência, resultando na internação de 40% dos pacientes, durante tempo médio de 5,5 dias.1

Em relação ao prognóstico, dois fatores importantes devem ser considerados: o risco de recorrência associada a trauma e risco de morte. A recorrência pode ocorrer em até um terço dos indivíduos, sendo o número de episódios o maior preditor de recorrência. Esta apresenta importante impacto na qualidade de vida, comparável à de doenças crônicas como artrite, depressão e doença renal em estágio final. Sexo feminino, alta prevalência de comorbidades, o número de episódios, assim como pré-síncope, aparecem como os principais fatores associados à piora na qualidade de vida.1 Além disso, há elevados custos relacionados à sua investigação, com gastos anuais de 2.400 bilhões de dólares e custo médio de 5.500 mil e quinhentos dólares por hospitalização.3 Já a mortalidade no quadro de síncope está associada principalmente à cardiopatia estrutural, a qual apresenta maior frequência na população mais idosa, e a doenças elétricas primárias do coração (canalopatias), estas mais frequentes em indivíduos jovens.1 A mortalidade dentro de um ano pode ser de 18 a 33% se a causa da síncope for cardíaca e entre 0 e 12% se a causa é não cardíaca.4

 

ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS NOS IDOSOS RELACIONADAS AO QUADRO DE SÍNCOPE

As alterações relacionadas ao envelhecimento que acontecem com a frequência cardíaca, pressão arterial, fluxo sanguíneo cerebral, redução da sensibilidade dos barorreceptores, controle do volume sanguíneo em combinação com comorbidades e uso de medicamentos levam ao aumento da incidência de síncopes em pessoas idosas.

A frequência cardíaca (FC) e as respostas pressóricas ao ortostatismo ocorrem em três fases: a) uma resposta inicial; b) uma fase precoce de estabilização; c) uma fase de ortostatismo prolongado. Todas as três fases são influenciadas pelo envelhecimento. O aumento máximo da FC na fase inicial declina com a idade, levando a uma frequência relativamente fixa, independentemente da postura. Apesar da ausência de variação da resposta da FC, a pressão arterial e o débito cardíaco são adequadamente mantidos ao ortostatismo em idosos saudáveis, ativos, bem hidratados e normotensos, em função da redução da vasodilatação e do enchimento venoso durante a fase inicial, bem como do aumento da resistência vascular periférica após o ortostatismo prolongado. No entanto, em idosos hipertensos, cardiopatas, em uso de drogas vasoativas, anêmicos ou desidratados e naqueles com transtornos disautonômicos esses ajustes circulatórios às mudanças posturais estão alterados, tornando-os vulneráveis à hipotensão postural e à pré-síncope ou síncope.5

Os idosos são vulneráveis à redução do volume sanguíneo, pela perda excessiva de sal pelos rins em razão do declínio da renina e aldosterona plasmáticas, do aumento do peptídeo natriurético atrial e pelo uso concomitante de terapia diurética. Apesar do aumento da osmolaridade plasmática, não se verifica aumento correspondente da sede, o que leva à hipovolemia crônica. A redução do volume sanguíneo associada às alterações da função diastólica relacionadas à idade podem levar a uma situação de baixo débito cardíaco, que aumenta a suscetibilidade à hipotensão ortostática e à síncope vasovagal.6

A disfunção diastólica é bastante prevalente no idoso, mesmo na ausência de hipertrofia ventricular. Quaisquer alterações do volume sanguíneo total e do retorno venoso podem comprometer ainda mais o enchimento diastólico e piorar o débito cardíaco. Existe relativo aumento da resistência vascular periférica no idoso, talvez compensatório, na tentativa de manutenção do retorno venoso e débito cardíaco. Por isso, o uso de vasodilatadores e diuréticos, contrapondo-se a esse mecanismo de defesa, facilita os eventos sincopais. O mesmo se dá no caso da perda da sístole atrial provocado por arritmias, especialmente pela fibrilação atrial, de alta prevalência nessa faixa etária, reduzindo o débito e predispondo à hipotensão e à síncope.5

O sistema de autorregulação cerebral, que mantém constante circulação mesmo em ampla variação de alterações da pressão arterial sistêmica, está comprometido em caso de hipertensão arterial sistêmica e, possivelmente, na idade avançada, por alterações anatômicas que levam à menor elasticidade vascular. Demonstrou-se que, nessa faixa etária, pode haver aumento da resistência cerebrovascular no período pós-prandial, apesar da hipotensão que acompanha o processo digestivo, o que talvez favoreça a síncope pós-prandial.6

A resposta barorreflexa é hipossensível e diminui na idade avançada. A influência vagal sobre o sistema cardiovascular está diminuída e, apesar do aumento relativo da atividade simpática, a cardioaceleração compensatória a quedas de pressão arterial está comprometida. Estudos sugerem que a perda da elasticidade com a rigidez das artérias no envelhecimento, em especial nas regiões barossensíveis da aorta e das carótidas, esteja envolvida com a redução da resposta dos barorreceptores às variações pressóricas. Ocorrem também alterações anatômicas no nó sinusal, por perda progressiva da celularidade e do nó atrioventricular, geralmente atribuída à calcificação dos anéis atrioventriculares, predispondo os idosos às bradiarritmias e aos distúrbios de condução, conhecidos fatores causadores de eventos sincopais.7

 

PRINCIPAIS CAUSAS DE SÍNCOPE EM IDOSOS

A identificação da causa de síncope apresenta dois importantes objetivos:

obter informações sobre o risco de recorrência do quadro e seu prognóstico;

estabelecer o tratamento conforme a causa, resultando em melhora da qualidade de vida, prevenção de injúrias e morte.1 As principais causas de síncope em idosos (Tabela 1) serão discutidas a seguir.

 

 

Neuromediada

Vasovagal

Antes do advento do teste de inclinação, a síncope vasovagal era considerada rara em idosos. Apesar de suas incidência e prevalência não serem bem conhecidas nessa população, estima-se que ela seja responsável por cerca de um terço dos casos, contribuindo para a sua distribuição bimodal.8 O termo vasovagal foi utilizado pela primeira vez por William Gowers, em 1907, e descrito o mecanismo da síncope vasovagal por Thomas Lewis, em 1932. Os fatores precipitantes da apresentação clássica são o ortostatismo ou posição sentada prolongados, estresse emocional, dor, calor, punção venosa, período pós-prandial, uso de álcool, desidratação.

Na população idosa, há relação com o uso de diurético e vasodilatadores. Pródromos como náuseas, vômitos, dor abdominal, sudorese fria, palidez, palpitações e tontura podem ocorrer, sendo mais comuns nos jovens. Após a perda da consciência, que tem duração média de 12 segundos, contrações tônico-clônicas, quando acontecem, são de curta duração (< 15 s). Alguns achados clínicos distinguem a síncope vasovagal do quadro de epilepsia, sendo associados ao último, como aura, cefaleia, sono, liberação esfincteriana, confusão mental e duração da perda de consciência superior a cinco minutos. O quadro de síncope vasovagal apresenta curso benigno em jovens, sendo a história natural em idosos desconhecida. Há redução da qualidade de vida, associação com depressão, fadiga e trauma durante a perda de consciência; entretanto, não há aumento do risco de morbidade cardiovascular, sendo a mortalidade praticamente nula.1,8

O exato mecanismo da síncope vasovagal não está bem esclarecido, porém, postula-se que os estímulos precipitantes resultem em diminuição do retorno venoso com vigorosa contração cardíaca com enchimento ventricular inadequado, desencadeando o reflexo de Bezold-Jarish. Este ocorre pela ação de mecanorreceptores (fibras C) localizados em átrios, ventrículos (preferencialmente na parede inferolateral do ventrículo esquerdo) e na artéria pulmonar, manifestando-se com hipotensão e bradicardia paradoxais, em virtude do incremento da atividade inibitória dos receptores e consequente hiperatividade parassimpática. A súbita interrupção da perfusão cerebral após seis a oito segundos é necessária para a perda da consciência, sendo a vasodilatação o principal mecanismo.1,8,9

Situacional

Há condições que desencadeiam a manobra de Valsalva, resultando em redução do retorno venoso, tais como micção, defecação, tosse, dor visceral, pós-prandial, carregar peso.1 A síncope relacionada à micção pode ocorrer naqueles pacientes com hipertrofia prostática.

Hipersensibilidade do seio carotídeo

É a doença extrínseca do nó sinusal que se caracteriza por pré-síncope ou síncope por resposta reflexa exacerbada do seio carotídeo. Os fatores precipitantes são movimentos bruscos da cabeça e pescoço, compressões cervicais e até mesmo o uso de gravata. Sua incidência é de 35 a 40 pacientes/ano/milhão de indivíduos, com predominância entre os homens (relação homem:mulher de 4:1) e mais frequentes em idosos, principalmente diabéticos, com aterosclerose de carótida ou coronariana. É responsável por até 20% dos quadros de síncope nos idosos. A resposta de hipersensibilidade do seio carotídeo pode apresentar três padrões: a) cardioinibitória, com assistolia superior a três segundos (entre 18 e 24% dos casos; mais frequente nas mulheres); b) vasodepressora, com queda superior a 50 mmHg na pressão arterial sistólica (entre 10 e 25% dos casos); c) mista, com ambos os componentes, cardioinibitório e vasodepressor.1,10

Origem cardíaca

Essa causa pode ser responsável por 21 a 34% dos quadros de síncope em idosos. Estenose aórtica é a cardiopatia estrutural mais comum associada à síncope em idosos, a qual ocorre relacionada aos esforços ou em virtude de vasodilatação por fármacos ou banho quente. Outras causas são condições que resultem em diminuição do débito cardíaco, como a miocardiopatia hipertrófica, a cardiopatia isquêmica, a insuficiência cardíaca, a dissecção de aorta, o tamponamento cardíaco, a trombose de prótese valvar, os tumores cardíacos, a hipertensão pulmonar, o tromboembolismo pulmonar.1,11

Tanto os quadros de bradiarritmias quanto os quadros de taquiarritmias podem causar síncope, por comprometimento do débito cardíaco.1 Idosos com cardiopatia estrutural associada apresentam elevado risco. As mais frequentes bradiarritmias nesse contexto são a bradicardia sinusal com frequência cárdica < 40 bpm, as pausas sinusais > 3 segundos e os bloqueios atrioventriculares de grau avançado. E entre as taquiarritmias, citam-se a taquicardia ventricular sustentada e a taquicardia supraventricular com frequência elevada.

Síndromes hipotensivas

Esses quadros ocorrem devido às alterações fisiológicas relacionadas à idade e às alterações patológicas que resultam em síncope. As mais prevalentes em idosos são a hipotensão ortostática e a hipotensão pós-prandial.

O quadro de hipotensão ortostática (HO) ou postural manifesta-se como quedas, tontura, pré-síncope ou síncope, resultando em comprometimento funcional, com traumatismo craniano, fraturas ósseas e hospitalização.1,12 Em idosos, sua frequência varia entre 5 e 55%13-16, com taxas mais altas naqueles que residem em instituições. A definição de HO clássica é a queda de pelo menos 20 mmHg na pressão arterial sistólica e/ou de 10 mmHg na pressão arterial diastólica dentro de três minutos ao assumir a posição ortostática, em razão da diminuição do retorno venoso por represamento de até 1.000 mL de sangue nas extremidades inferiores.1

Há outras apresentações de HO, como a inicial, quando há queda maior que 40 mmHg com sintomas ao assumir o ortostatismo, com duração inferior a 30 segundos, e a HO progressiva, quadro no qual a queda dos níveis pressóricos é gradual, entre três e 30 min após assumir o ortostatismo, sem bradicardia (diferenciando-o do quadro de resposta neuromediada vasovagal).1 Esse quadro possui condições predisponentes, como desidratação, período pós-prandial, desnutrição, falta de condicionamento físico, ação de drogas e comorbidades.1,12,13 Entretanto, independentemente dessas condições, o quadro de HO vem sendo associado ao aumento da mortalidade geral e por causas cardiovasculares e é considerado um preditor de eventos cardiovasculares em idosos.13,14,17

O quadro de hipotensão pós-prandial é uma causa comum de síncope em idosos, com prevalência entre 25 e 38%, podendo alcançar 67%, principalmente em idosos que residem em instituições. Ocorre dentro de duas horas após as refeições, com queda de pelo menos 20 mmHg na pressão arterial sistólica ou valor absoluto inferior a 90 mmHg naqueles com pressão arterial sistólica de pelo menos 100 mmHg. A fisiopatologia é atribuída a uma disfunção simpática, com inapropriada vasoconstrição periférica e insuficiente aumento da frequência cardíaca. Os fatores precipitantes são os fármacos vasodilatadores, as dietas ricas em carboidratos e a temperatura elevada dos alimentos ou do ambiente. Pode ocorrer em idosos sem comorbidades, porém é mais frequente em idosos com doença de Parkinson, diabéticos e hipertensos. Esse quadro pode resultar em quedas, síncope, fraturas, isquemia miocárdica e acidente vascular encefálico, sendo, também, um preditor independente de mortalidade.12,18

Causas neurológicas

Essas causas incluem os quadros de disfunção autonômica, as doenças cerebrovasculares e a síndrome do roubo da subclávia.

A disfunção autonômica pode ser primária, secundária ou por efeito adverso de fármacos.11,19 As formas primárias ocorrem nas doenças do sistema nervoso central (como a doença de Parkinson, a atrofia de múltiplos sistemas ou síndrome de Shy-Drager, a doença de Huntington e a síndrome de Guillian-Barré) e disfunção primária pura (síndrome de Bradbury-Eglleston - por acometimento do sistema nervoso simpático periférico). As secundárias ocorrem pelas alterações do envelhecimento, por acometimento do sistema nervoso periférico por diabete mellitus, insuficiência renal, alcoolismo, amiloidose; por infecções do sistema nervoso por doença de Chagas, vírus da imunodeficiência humana; doenças metabólicas como deficiência de vitamina B12, porfiria; doenças autoimunes como artrite reumatoide e outras menos frequentes. Fármacos como anti-hipertensivos (diuréticos, vasodilatadores) e antidepressivos podem também levar à disfunção autonômica.

A principal apresentação clínica dessas causas neurológicas é a ocorrência de HO, mas outros sinais de disfunção autonômica podem estar presentes, como impotência, sudorese, incontinência ou retenção urinária, disfunção do trato gastrintestinal, etc.

Quando há déficits neurológicos focais no quadro de acidente vascular encefálico, a apresentação pode ser de síncope, contudo, outras manifestações geralmente acompanharão esse quadro.11

A síndrome do roubo da subclávia foi descrita em 1969 por Symon e se caracteriza por obstrução por malformação ou aterosclerose da artéria subclávia proximal à origem da vertebral, a qual provoca fluxo retrógrado na artéria vertebral esquerda. Os sintomas neurológicos, como tontura, parestesia, síncope, acontecem por ocasião de exercícios realizados pelo braço esquerdo em um terço dos casos, mas os pacientes podem apresentar quadro de ataques isquêmicos transitórios.11,20

Causas endocrinológicas

Essas causas incluem a neuropatia autonômica diabética, a insuficiência suprarrenal crônica e o hipopituitarismo. Essas condições resultam em HO por disfunção autonômica ou hipovolemia, podendo levar ao quadro de síncope. Condições associadas à perda de líquidos, como diabete insípido e nefropatias perdedoras de sal, assim como condições associadas a substâncias vasoativas, como feocromocitoma, síndrome carcinoide, podem também resultar em síncope.11

Outras condições, como quadros convulsivos e confusão mental aguda (delirium) em idosos, podem ser confundidas com síncope, em especial quando cursam com flutuações dos níveis de consciência. Ademais, há outras manifestações que comumente são diagnosticadas de forma incorreta, como síncope, a saber:1,5,11,19

ataques isquêmicos transitórios de origem carotideana ou vertebrobasilar;
hipoglicemia, hipóxia, hipercapnia e outros distúrbios metabólicos;
intoxicações por álcool e outras substâncias;
algumas formas de epilepsia;
transtornos psiquiátricos.

 

INVESTIGAÇÃO

A avaliação inicial, que inclui a anamnese, o exame físico e o eletrocardiograma, possibilita o diagnóstico em 23 a 50% dos pacientes.1,21 Dessa maneira, a história deve ser detalhada, caracterizando cada episódio de síncope, seus fatores precipitantes, pródromos, postura em que ocorreu, atividade que o paciente estava realizando, sintomas associados (náuseas, palidez cutânea, cianose, sudorese, contrações musculares, confusão mental, trauma). Registros pregressos de comorbidades, o uso de medicamentos e a história familiar também são importantes para estabelecer a causa da síncope. Há questionários que auxiliam no diagnóstico da causa da síncope, apresentando sensibilidade de 89% e especificidade de 91% para síncope vasovagal.22 O exame físico deve ser abrangente, com a medida da pressão arterial em posição supina e em três minutos em ortostatismo (para detectar HO), medida da pressão arterial em ambos os membros superiores (para detectar provável roubo da subclávia), exame com proficiência do sistema cardiovascular, que pode identificar sinais de cardiopatia e/ou arritmias.

Quando a avaliação inicial não possibilita o diagnóstico, testes complementares devem ser realizados, norteados pelo método clínico.

O teste de inclinação tem as seguintes indicações:

nos casos de episódio ímpar de síncope inexplicada de alto risco (com trauma ou implicações ocupacionais) ou episódios recorrentes na ausência de cardiopatia ou mesmo na sua presença (quando outras causas foram excluídas);

quando irá alterar a abordagem terapêutica;

quando o método clínico não permite o diagnóstico, sendo necessária a diferenciação dos quadros de epilepsia, quedas e tonturas.

Esse teste passou a ser utilizado para o diagnóstico de síncope vasovagal ou inexplicada a partir de 1986 e, desde então, várias publicações demonstraram sua utilidade e reprodutibilidade. Consiste em inclinação passiva do paciente após período de cinco a 20 minutos em repouso, a um ângulo entre 60 e 70 graus, durante 20 a 45 minutos. O paciente deve estar sob monitoramento eletrocardiográfico e da pressão arterial e em jejum. Se a fase passiva é negativa, pode ser realizada a fase farmacológica com drogas, isoproterenol endovenoso ou nitroglicerina aerossol sublingual, na posição inclinada durante 15 a 20 minutos adicionais. O teste positivo pode apresentar uma das respostas:

vasovagal ou neurocardiogênica, que permite três padrões:

vasodepressora: há queda da pressão arterial maior que 30 mmHg sem alteração significante da frequência cardíaca;

cardioinibitória: a bradiarritmia como pausa sinusal superior a três segundos ou bloqueio atrioventricular precede a hipotensão;

mista: há hipotensão precedendo ou concomitante à bradicardia;

resposta disautonômica:

hipotensão postural;

queda gradual e progressiva da pressão arterial; e

síndrome postural ortostática taquicardizante, quando há intolerância à postura, com aumento imediato e mantido de mais de 30 bpm na frequência cardíaca ou frequência cardíaca mantida acima de 120 bpm com instabilidade pressórica. Dependendo do protocolo utilizado, a sensibilidade varia entre 51 e 75% e a especificidade entre 92 e 94%, sendo segura a sua realização.1,8,9

Nos idosos, a resposta disautonômica e a vasovagal são as que mais ocorrem como causa da síncope.

Outro teste é a massagem do seio carotídeo, indicada para pacientes com mais de 40 anos de idade ou com história sugestiva de hipersensibilidade do seio carotídeo. A taxa de complicações dessa manobra é baixa (0,29%) e devida a quadros neurológicos. Por isso, está contraindicada em pacientes com acidente isquêmico transitório ou acidente vascular encefálico nos últimos três meses, sopro carotídeo ou estenose de carótida. Deve ser feita a massagem durante cinco a 10 segundos, iniciando-se à direita, por ser o seio carotídeo direito mais sensível, sob monitoramento cardíaco e da pressão arterial em ambiente adequado. As respostas positivas podem apresentar três padrões, como já discutido anteriormente neste artigo.1,10,11

No caso de história e exame físico sugerindo cardiopatia estrutural, deve ser solicitado o ecocardiograma. O monitoramento cardíaco por meio da eletrocardiografia dinâmica é indicado na suspeita de arritmias. Esse monitoramento por ser feito pelo sistema holter de 24 horas se sintomas com frequência de pelo menos uma vez por semana; ou gravação intermitente ou holter de eventos, se os sintomas ocorrem entre uma e quatro semanas. Quando o paciente apresenta sintomas infrequentes e não há disfunção ventricular esquerda, está indicado o uso do dispositivo implantável, colocado na área subcutânea, próximo da região precordial. Como sua bateria tem vida útil de 36 meses, possibilita monitoramento prolongado, com 35% de frequência de diagnóstico. Há também o monitoramento em tempo real, que possibilita a transmissão para uma central de armazenamento de dados e por via eletrônica para o médico assistente.1

Para a investigação de pacientes com síncope e disfunção ventricular grave ou com alta probabilidade pré-teste, o estudo eletrofisiológico é recomendado. Por intermédio dele, pode-se estudar o sistema de condução cardíaco, verificando-se bradiarritmias e seu nível de bloqueio, e realizar a estimulação ventricular programada, ou seja, desencadear taquiarritmias, as quais podem ser a causa da síncope. Assim, apesar de sua sensibilidade e especificidade baixas, esse exame invasivo, em pacientes selecionados, pode identificar a causa e nortear o implante de marca-passo ou desfibrilador-cardioversor.1,11,21

O teste ergométrico tem sua aplicação diagnóstica no quadro de síncope durante ou logo após o esforço e se há achados que expliquem o quadro de síncope.1

Outras avaliações, como exames de bioquímica, exames neurológicos e avaliação psiquiátrica, podem ser realizados conforme a hipótese diagnóstica.

 

TRATAMENTO

O objetivo do tratamento é melhorar a qualidade de vida, impedir a recorrência do quadro de síncope e prevenir fraturas, declínio funcional e a morte. Dessa maneira, o tratamento depende da causa da síncope, que em idosos é quase sempre multifatorial.

No caso da síncope vasovagal, a adequada hidratação e evitar os fatores precipitantes são as primeiras e principais recomendações. Como nos idosos os pródromos são menos frequentes, pode ser difícil recorrer a manobras para aumento do retorno venoso e dos níveis pressóricos, como cruzar as pernas ou deitar-se, para abortar a síncope. Caso o fator precipitante seja um medicamento, a diminuição de sua dose e até sua suspensão podem ser necessários. Os estudos multicêntricos que demonstraram que os exercícios isométricos evitam a recorrência da síncope não incluíram pacientes com mais de 70 anos de idade. Contudo, esses exercícios devem também ser encorajados em idosos, apesar de suas limitações por comorbidades musculoesqueléticas ou neurológicas.

A suplementação de sal, recomendação adequada para jovens com síncope vasodepressora, tem contraindicação nos idosos hipertensos. O uso de meias elásticas nos membros inferiores, com o intuito de aumentar o retorno venoso, deve ser estimulado, mas obtém pouca adesão pelo paciente. O uso de marca-passo artificial é de classe IIa de recomendação e em pacientes selecionados, com resposta cardioinibitória com assistolia, assim como em pacientes com hipersensibilidade do seio carotídeo com resposta predominantemente cardioinibitória. Não há evidência da prática de tilt training (treinamento do ortostatismo) em idosos e os betabloqueadores, usados no passado sem evidência científica, são contraindicados em caso de síncope vasovagal.1,8,23

Se a causa for a HO, as recomendações de hidratação (dois a três litros por dia), correção de distúrbios de eletrólitos, como a hiponatremia, evitar fatores precipitantes e a suplementação de sal (10 g de NaCl), se possível, são as principais. O uso de fludrocortisona (0,1 a 0,3 mg/dia), um mineralocorticoide que leva à retenção de sódio e expansão volumétrica, é classe de recomendação IIa. Há abandono por 33% dos idosos em virtude de hipopotassemia, aumento dos níveis pressóricos, edema e insuficiência cardíaca. A midodrina (dose de 5 a 20 mg, três vezes ao dia) resulta em vasoconstrição periférica, por sua ação alfa-agonista. Também apresenta classe de recomendação IIa. Contudo, há taxa de 25% de intolerância devido à hipertensão arterial na posição supina, urgência urinária, polaciúria e piora de angina e outras doenças cardiovasculares. Adotar cabeceira elevada (superior a 10º) é outra recomendação (classe IIb), por prevenir a poliúria noturna, com melhor distribuição do volume sanguíneo. A compressão abdominal, com o objetivo de melhorar o retorno venoso, também é recomendação classe IIb.1,8

Sendo a causa uma cardiopatia estrutural, seu tratamento será de acordo com sua etiologia e gravidade da disfunção sistólica. Os pacientes com bradiarritmias com repercussão, sem causa removível, com bloqueio intra ou infra-hissiano devem ser submetidos ao implante de marca-passo artificial. No caso de taquiarritmias supraventriculares, o tratamento medicamentoso ou a ablação, conforme o tipo de arritmia, é o recomendado. E no quadro de taquicardias ventriculares, pode ser necessário o implante de cardioversor-desfibrilador.1

E a abordagem conjunta com a Neurologia, a Endocrinologia e/ou a Psiquiatria pode ser necessária, conforme a causa da síncope.

 

REFERÊNCIAS

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