RMMG - Revista Médica de Minas Gerais

Volume: 25. 2 DOI: https://dx.doi.org/10.5935/2238-3182.20150043

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Artigos de Revisão

Doença de Alzheimer: novas diretrizes para o diagnóstico

Alzheimer's disease: new guidelines for diagnosis

Bárbara Oliveira Nitzsche1; Helena Providelli de Moraes1; Almir Ribeiro Tavares Júnior2

1. Acadêmica do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil
2. Médico. Doutor. Professor Associado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte, MG - Brasil

Endereço para correspondência

Helena Providelli de Moraes
E-mail: helenaprovidelli@yahoo.com.br

Recebido em: 02/01/2013
Aprovado em: 11/11/2014

Instituição: Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte, MG - Brasil

Resumo

Durante 27 anos, o diagnóstico clínico da doença de Alzheimer foi baseado nos critérios feitos, em 1984, pela National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Strokes (NINCDS) e pelo Alzheimer's Disease and Related Disorders Association (ADRDA). Contudo, com o passar dos anos, os avanços científicos permitiram melhor compreensão da sua fisiopatologia, bem como melhor entendimento sobre as outras formas de demência - que culminaram na necessidade de revisão dos antigos critérios. Por isso, em 2011 foram publicados quatro artigos com novas recomendações da NINCDS-ADRDA. As principais mudanças nas novas diretrizes envolvem a identificação de estágios não demenciais para doença e a incorporação dos biomarcadores.

Palavras-chave: Doença de Alzheimer; Demência; Neuropsiquiatria; Envelhecimento.

 

INTRODUÇÃO

No contexto brasileiro atual, a relevância do envelhecimento populacional e suas consequências são inquestionáveis. Os distúrbios neuropsiquiátricos apresentam-se em evidência - e crescente progressão - entre as doenças que contribuem consideravelmente para a morbimortalidade na população brasileira.1 É o que revela o aumento da mortalidade por demência padronizada por idade, que em 1996 era de 1,8 por 100.000 e em 2007 foi de 7,0 por 100.000.1 A incidência de morte devido à doença de Alzheimer (DA) aumentou significativamente, aproximadamente 66% entre 2000 e 2008.2

As demências são morbidades geralmente degenerativas e progressivas que acarretam transtornos biopsicossociais.3 Entre os vários tipos de demências, os mais comuns são a DA e a demência vascular, seguidos da demência com corpos de Lewy e demência frontotemporal.4 A DA representa mais de 50% dos casos de demência, embora em muitas situações esteja associada a outra demência. Na DA as manifestações cognitivas culminam em deficiência progressiva que levam à incapacidade e até a morte.4,5

Herrera6 avaliou 1.660 pessoas com idade igual ou superior a 65 anos, sendo identificada a demência em 118 casos (7,1%), 54,1% como DA. Nos Estados Unidos, a DA é a quinta causa de morte mais prevalente em pessoas com mais de 65 anos de idade.2 Afeta aproximadamente 1,5% e 30% das pessoas próximas de 65 e de 80 anos de idade, respectivamente.7 Estima-se que o risco atual de desenvolver DA, para indivíduo com 65 anos, seja aproximadamente de 10,5%.8

A taxa de incidência anual de DA aumenta significativamente com o aumento da idade. Nas faixas etárias de 65 a 74; 75 a 84; e mais de 84 anos de idade, é de aproximadamente 53; 170; e 231 casos novos por ano em 1.000 indivíduos, respectivamente.2

Estima-se que um em cada sete pacientes com DA vive sozinho,2 expondo-se a riscos maiores, como: autocuidado inadequado, má-nutrição, não adesão às condições médicas, quedas e mortes acidentais, quando comparados aos riscos relacionados aos pacientes com DA que moram com cuidadores.2 Esses dados reforçam o valor do apoio biopsicossocial e de estratégias sociais para a obtenção de melhora da qualidade de vida de pacientes com DA.

Na DA a região cerebral inicialmente lesada é a formação hipocampal; hipocampo, subículo e córtex entorrinal; responsável principalmente pela memória. A deterioração da formação hipocampal em estágios avançados da DA chega a 60%. As áreas corticais associativas são afetadas posteriormente, com alterações na linguagem, função executiva, habilidades visuoespaciais e no comportamento social. As áreas corticais primárias, responsáveis pela motricidade, são geralmente preservadas até as suas fases mais avançadas. Por isso, a sintomatologia inicial da DA constitui-se em distúrbios cognitivos e comportamentais e não motores.4

Observa-se em exames de neuroimagem e na autópsia que há atrofia das regiões corticais, principalmente na parte medial do lobo temporal e nas áreas de associação dos lobos frontal e parietal. O peso do encéfalo em exame de autópsia está reduzido cerca de 15 a 35%. No exame microscópio o tecido nervoso apresenta sinais do envelhecimento normal, mas com intensidade aumentada. Registra-se redução do número de neurônios, das ramificações dendríticas e das sinapses, além da formação de placas senis e emaranhados neurofibriliares.9

A histopatologia da DA sugere que a deposição extracelular da proteína insolúvel β-amiloide com formação de placas senis tem efeito tóxico sobre os neurônios. Esse acúmulo ocorre devido às mutações nos genes das enzimas que clivam a proteína precursora de amiloide, produzindo a β-amiloide. A anatomopatologia também identifica emaranhados neurofibrilares causados pela mutação na proteína Tau, componente do citoesqueleto e responsável pela formação e manutenção de processos axionais e contatos interneuronais, que acarretam lesão neuronal. Nessa mutação a proteína Tau é fosforilada em excesso, o que reduz a sua afinidade pela tubulina, proteína dos microtúbulos, levando à degradação do microtúbulo. A gravidade da DA está mais relacionada a emaranhados neurofibrilares do que a placas senis.3,10

A crescente relevância das demências como doença humana prevalente, associada aos avanços científicos atuais sobre o seu entendimento, fez com que iniciasse discussão acerca da possibilidade de revisar e aprimorar os critérios diagnósticos a respeito do comprometimento cognitivo leve, da demência e da DA.

 

REVISÃO DA LITERATURA

Diretrizes para o diagnóstico

O diagnóstico de demência no Brasil segue os critérios estabelecidos no Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais da Associação de Psiquiatria Americana IV (DSM-IV), entretanto, o diagnóstico da DA baseia-se nas diretrizes propostas pelo National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Strokes (NINCDS) e pelo Alzheimer's Disease and Related Disorders Association (ADRDA).11 Os critérios de DA do NINCDS-ADR-DA foram mencionados em 71% dos estudos brasileiros e os do DSM III-R e DSM IV em 21 e 29% dos artigos, respectivamente.11

Durante 27 anos o diagnóstico da DA foi baseado nos critérios feitos, em 1984, por McKhann et al. do Instituto Nacional sobre Envelhecimento e a Associação de Alzheimer (NINCDS-ADRDA), com sensibilidade de 81,5% e especificidade de 70%.12 No entanto, com o passar dos anos fez-se necessária a inclusão dos novos avanços na pesquisa da DA, que mudaram a sua compreensão. Vários estudos surgiram, nesse período, sobre descobertas genéticas, exames (ressonância magnética, PET, estudo do líquido cefalor-raquidiano) e doença da DA, que culminaram com a necessidade de revisão dos antigos critérios.13,14

Por isso, em 2009, 40 pesquisadores e clínicos de todo o mundo começaram a análise dos critérios originais para estabelecer a necessidade de sua mudança; e, em 2011, surgiram novas recomendações da NINCDS-ADRDA sobre como estabelecer o diagnóstico da DA.13

Novos critérios: o que difere em relação aos critérios de 1987

Os critérios de 1984 foram baseados principalmente no julgamento clínico a respeito dos sintomas apresentados pelo paciente; considerando relatos do paciente, familiares e amigos; resultados em testes cognitivos e avaliação neurológica.2 Os novos critérios incluem a ajuda diagnóstica da DA de exames de imagem e de biomarcadores.

A principal mudança nas novas diretrizes para o diagnóstico da DA envolve a identificação de três estágios: pré-clinico, comprometimento cognitivo leve e demência, sendo o primeiro estágio assintomático.2 Além disso, nos critérios de 1984 era necessário, obrigatoriamente, haver declínio mnemónico para realizar o diagnóstico. Nos novos critérios, afirma-se que não é preciso, necessariamente, ocorrer alteração da memória para realizar o diagnóstico. Nos critérios antigos a DA era diagnosticada somente quando havia demência; nos critérios atuais foram incluídas as duas primeiras fases não demenciais.

A fase pré-clínica corresponde ao estágio assintomático da DA, que pode se iniciar anos ou décadas antes do início dos sintomas demenciais.15 Embora possa apresentar - no futuro - relevância considerável para o diagnóstico precoce da DA, atualmente não possui utilidade clínica e mas importância de pesquisa.12,15

A fase de comprometimento cognitivo leve (CCL) foi criada para incluir indivíduos com déficits em um ou mais domínios cognitivos - função executiva, memória, habilidades visuoespaciais, atenção ou linguagem - contudo, ainda assim se mantêm independentes para atividades diárias e não preenchem os critérios para o diagnóstico de demência.12-17

Foram propostas para diagnóstico de demência associada à DA as seguintes terminologias, a fim de classificar da melhor maneira possível os indivíduos acometidos: provável demência devido à DA, possível demência devido à DA e provável ou possível demência devido a DA, com evidência do processo fisiopatológico da doença. As duas primeiras possuem critérios para o diagnóstico clínico, que já podem ser utilizados pelos médicos; e a última classificação, que envolve a evidência do processo fisiopatológico, ainda está em fase de pesquisa.12

Quando os primeiros critérios foram publicados não havia informações sobre a genética da DA. Foram identificadas, nos últimos anos, alterações genéticas em pacientes com DA, entre elas, decorrentes de mutações nos genes que codificam a proteína precursora de β-amiloide, a apolipoproteína E e as pré-senilinas 1 e 2.18 O polimorfismo da apolipoproteína é a mudança mais comum encontrada em paciente com DA. Essa proteína participa do transporte de colesterol para as células nervosas ajudando a manter as membranas e as mielinas. Um dos alelos do gene, o e4, produz uma proteína menos eficiente, que aumenta o número de placas senis e deficiência colinérgica.3,12

Os biomarcadores são moléculas com características mensuráveis que indicam um processo biológico, patogênico ou resposta farmacológica a intervenções terapêuticas.12,19 Os biomarcadores para DA detectam o peptídeo β-amiloide (AP42) e a proteína Tau, com a redução e o aumento, respectivamente, dessas substâncias no líquido cefalorraquidiano comparados a um idoso normal. Além da análise do liquor, os biomarcadores podem ser empregados nos exames de neuroimagens.12,19

Os pacientes que apresentam esses biomarcadores na fase de CCL têm chance de desenvolver DA 17 vezes mais do que aqueles sem alterações nos padrões desses marcadores liquóricos.20 Bouwman21 apurou que houve desenvolvimento de DA em 94% dos pacientes com alteração em biomarcadores no liquor e atrofia do lobo temporal medial na ressonância magnética.21

O uso dos biomarcadores ainda está em pesquisa, mas já é possível delinear futuro promissor no diagnóstico da DA, principalmente nas fases iniciais. Seu uso na clínica não está indicado ainda, pela falta de padronização entre os laboratórios, pela falta de definições sobre os pontos de corte e pela dificuldade de acesso a essa nova tecnologia.22

Além dessas mudanças, as novas diretrizes reconhecem que o início das lesões neuropatológicas ocorre décadas antes do aparecimento dos sintomas. A faixa etária afetada por essa doença aumentou, agora se reconhece pacientes com menos de 40 anos e maiores de 90 de idade.12 Os próprios critérios neuropatológicos para DA foram revisados em 2012, pois aqueles publicados em 1997, que até então eram utilizados, foram considerados desatualizados.23 As principais mudanças envolveram, sobretudo, o reconhecimento de alterações neuropatológicas em indivíduos sem demência.23

Quando os primeiros critérios foram estabelecidos, não havia conhecimento para determinar as outras formas de demência que afetavam a população idosa, como as de corpos de Lewy, as vasculares e a demência frontotemporal. Nos novos critérios, essas outras formas de demência são consideradas no diagnóstico da DA.12 Dessa maneira, para que seja possível diagnosticar demência associada à DA e classificá-la como provável demência associada à DA, é necessário que os critérios diagnósticos para as outras formas de demência não sejam preenchidos.12 Em contrapartida, caso os critérios diagnóstico de outra forma de demência sejam preenchidos, ainda é possível fazer o diagnóstico de demência associada à DA, mas seria classificada na forma de possível demência devido à DA.12 Isso se dá por ser necessário considerar a existência de formas associadas de demência.

Em relação ao comprometimento da memória, é importante salientar que o declínio nesse domínio cognitivo deixou de ser fator indispensável para se fazer o diagnóstico de DA, podendo verificar-se outras formas de manifestações, como atrofia cortical posterior e a síndrome da afasia primária.12 As apresentações não amnésticas incluem declínio no domínio da linguagem, das habilidades visuoespaciais e das funções executivas.12

Whitwell et al.14 analisaram os três subtipos neuropatológicos da DA: típica, com predomínio do acometimento límbico e com predomínio do acometimento cortical. Em 78% dos pacientes com diagnóstico post-mortem de DA típica e 94% dos pacientes com DA com predominância do acometimento límbico havia manifestações clínicas iniciais da DA ante-mortem com prejuízo no domínio cognitivo da memória. No entanto, apenas 42% dos pacientes com diagnóstico neuropatológico de DA com predomínio do acometimento cortical e menos acometimento límbico apresentaram prejuízo na memória como manifestação clínica inicial.14

Diagnóstico de demência

O diagnóstico de demência estabelecido pelo DMS-IV considera a necessidade de existir comprometimento da memória associado a pelo menos outro declínio cognitivo (linguagem, gnosias, praxias ou funções executivas) que afetem as atividades cotidianas do paciente.11 No entanto, ultimamente, com a determinação de outras formas de demência sem comprometimento amnésico nas suas fases iniciais, fez-se necessário que o NINCDS-ADRDA, nas novas diretrizes publicadas em 2011, alterasse a definição de demência.12 Agora a definição determina que o paciente deva apresentar dois dos seguintes domínios acometidos: declínio da memória, das habilidades visuoespaciais, do raciocínio, do manejo de tarefas complexas, do julgamento, da comunicação e alterações na personalidade e comportamento, sem a obrigação de um deles ser deficiência de memória.12,17

O diagnóstico de demência requer que o paciente tenha sua capacidade funcional no trabalho ou em atividades habituais prejudicada, além do declínio em pelos menos dois dos domínios cognitivos considerados, bem como redução de seu nível anterior de funcionalidade e desempenho.12,17 É importante também considerar que o comprometimento cognitivo seja detectado por combinação do relato do paciente e de seu informante, aliado a testes cognitivos objetivos. É importante também excluir delirium ou alguma doença psíquica maior.12,17

Diagnóstico de demência associada à DA

Provável demência associada à DA

O diagnóstico de provável demência associada à DA é feito, fundamentalmente, por relato ou observação cuidadosa de comprometimento cognitivo, aliado à exclusão de outras formas de demência ou de outras doenças que acarretem prejuízo cognitivo.12 A confirmação diagnóstica só poderá ser feita com o exame histopatológico do tecido neural para avaliação de placas senis e fusos neurofibrilares, obtidos a partir de biópsia ou necrópsia.12,17 Como a obtenção desse material em vivo é de difícil acesso, a confirmação da DA, na maioria dos casos, só é possível ocorrer no post mortem. A confiabilidade desse diagnóstico pode ser aumentada com a positividade de biomarcadores, comprovação do prejuízo cognitivo e mutações genéticas típicas da DA.12,17

A doença deve ter início insidioso (gradual, demorando meses ou anos), com perceptível piora cognitiva. A apresentação amnéstica é a forma mais comum, com prejuízo na memória recente e da capacidade de aprendizado de novos fatos. Pode haver comprometimento também na apresentação não amnéstica: linguagem, habilidades visuoespaciais e funções executivas;12,17 sendo necessário excluir doenças cerebrovasculares; demência com corpos de Lewy; demência frontotemporal; outras doenças; ou o uso de algum fármaco que afete a cognição.12,15

Possível demência associada à DA

O diagnóstico de possível demência associada à doença de Alzheimer é feito quando não se tem certeza da evolução do declínio cognitivo do paciente, quando o curso da doença é anormal ou há alguma doença ou uso de medicamento que afetem a cognição, tais como critérios diagnósticos preenchidos para outras formas de demência, ou quando o início ocorre de forma súbita e não gradual.12,17

A comprovação do diagnóstico definitivo de demência associada à DA só é feita por meio de estudo histopatológico do tecido cerebral do paciente por meio de biópsia ou necrópsia com o encontro de emaranhados neurofibrilares e placas senis acima do normal esperado para o envelhecimento.12,17

Provável ou possível demência associada à DA com evidência do processo fisiopatológico de DA

A maior certeza diagnóstica de que a síndrome demencial clínica se associa à DA12 depende de critérios clínicos de provável demência associada à DA e de biomarcadores que indicam o seu processo fisiopatológico.

As pessoas que preenchem critérios diagnósticos para outras formas de demência, mas que possuem biomarcadores da fisiopatologia da DA ou evidência de alterações neuropatológicas, podem receber o diagnóstico de possível demência associada à DA, com evidência do processo fisiopatológico. Considera-se, nesse caso, que são necessárias ambas as categorias de biomarcadores.12 É relevante salientar que esse diagnóstico não exclui a possibilidade de que outro processo fisiopatológico também esteja presente.12

Comprometimento cognitivo leve (CCL)

Os pacientes com CCL estão na transição entre o envelhecimento normal e a demência. Os novos critérios do NINCDS-ADRDA caracterizam o CCL pelo declínio em um ou mais domínios cognitivos, não necessariamente no domínio mnemónico, no entanto, não se perde a autonomia nas atividades funcionais diárias. Pode haver dificuldade e lentidão para as atividades complexas como pagar compras, fazer refeição, mas sem a dependência manifestada na demência.17,22

Estima-se que 10 a 20% das pessoas com mais de 65 anos de idade apresentam CCL;2 e mais de 15% dos que se preocupam com os sintomas do CCL e procuram atendimento médico irão, a cada ano, desenvolver demência.2 É possível afirmar, a partir dessa estimativa, que metade das pessoas que buscam atendimento médico, queixando-se de sintomas de CCL, desenvolverá demência em três a quatro anos.2

Morris (2001)24 acompanhou, durante nove anos e seis meses, 277 pessoas com média de idade de 76,9 anos. Relatou que de 25 pacientes com CCL e que foram submetidos à autopsia, 96% apresentavam evidências de demência e 84% de DA. Associou o CCL ao estágio inicial da DA e constatou que esse diagnóstico deve ser o mais rapidamente possível considerado com o paciente e sua família, para que possam se preparar para a sua possível progressão para a fase demencial, em momento em que o paciente ainda possui habilidade cognitiva suficiente para tomar decisões.24

Morris (2012) divulgou resultados de estudo seguindo os novos critérios25 com a avaliação de mais de 17 mil pessoas com idade média de 75 anos, entre 2005 e 2011. Considerou que a maioria dos pacientes diagnosticados atualmente com a DA em forma muito atenuada (99,8%) poderia ser classificada como portadora de CCL.25 Reforça a premissa de que não há diferença entre os primeiros estágios da DA e o comprometimento cognitivo leve.25

Doença de Alzheimer pré-clínica

É inegável que, de acordo com as novas diretrizes do NINCDS-ADRDA sobre o reconhecimento de que a DA não se inicia com o aparecimento de sua sintomatologia, alterou-se significativamente a compreensão dessa doença. As lesões anatomopatológicas típicas da DA aparecem anos, se não décadas, antes do aparecimento de sua sintomatologia.1213 Avanços recentes em pesquisas de neuroimagem, estudo do liquor e outros biomarcadores permitem prever o processo patológico antes do aparecimento de suas manifestações clínicas.12,13,22 O uso do diagnóstico pré-clínico ainda está em pesquisa, mas os estudos atuais apresentam resultados positivos,12,13,22 constituindo-se em grande desafio para a sua aplicação na prática clínica a padronização nos valores dos biomarcadores.22 Essa etapa é dividida em três fases:15,22

1. fase de amiloidose cerebral assintomática: há evidências de acúmulo do peptídeo β-amiloide no exame de imagem por intermédio da tomografia de emissão de pósitrons (PET) e redução no liquor. Não se observa alterações neurológicas nem alterações cognitivas;15,22

2. fase de positividade amiloide, com evidência de disfunção sináptica e/ou início de neurodegeneração: há sinais de positividade de biomarcadores amiloides e elevação da proteína Tau no liquor, com diminuição de flurodeoxyglucose 18f (FDG) no PET que indica hipometabolismo relacionado à disfunção sináptica. Pode-se detectar, pelo exame de ressonância magnética, atrofia do hipocampo. Há evidências de que a disfunção sináptica estudada por exames de neuroimagem, como o FDG-PET, pode ser percebida primeiro do que a perda volumétrica neuronal;15,22

3. fase de positividade amiloide, com neurodegeneração e declínio cognitivo sutil: essa fase marca a fronteira do estado pré-clínico e o CCL. O paciente apresenta sutil declínio cognitivo, mas ainda permanece na faixa de normalidade dos testes cognitivos. O paciente ainda não apresenta os critérios para ser classificado como CCL.15,22

Improvável demência associada à DA

O diagnóstico de improvável demência associada à DA é feito quando não são preenchidos os critérios clínicos para a DA.12 Considera-se improvável demência associada à DA, independentemente do preenchimento dos critérios clínicos para provável ou possível demência associada a essa doença, quando existe evidência suficiente de diagnóstico alternativo, tais como demência associada ao vírus da imunodeficiência humana ou doença de Huntington, ou quando ambas as categorias de biomarcadores são negativas, tanto proteínas beta-amiloides quanto os marcadores de lesão neuronal.12

 

DISCUSSÃO E COMENTÁRIOS

A limitação do uso dos biomarcadores que corresponde, sobretudo, à falta de experiência em sua aplicação restringe parcialmente, por ora, a aplicação pragmática dos novos conhecimentos sobre a DA. Contudo, essa restrição não deve limitar o aumento da confiabilidade do diagnóstico, de acordo com os novos critérios, em relação aos critérios antigos.

É importante reconhecer que atualizações relevantes nos critérios clínicos também foram estabelecidas, elevando a confiabilidade dos critérios diagnósticos, que continuam embasados no enfoque clínico e não laboratorial.

 

CONCLUSÃO

Os últimos avanços no estudo da DA trazem grandes oportunidades para enriquecer os conhecimentos a seu respeito, de maneira a aperfeiçoar o seu diagnóstico e sua compreensão. O uso dos biomarcadores e os novos conhecimentos a respeito da fisiopatologia da DA prometem, no futuro, contribuir para o diagnóstico precoce e possibilidades de intervenções terapêuticas eficientes.

No entanto, é necessário ponderar, por ora, os benefícios do diagnóstico precoce. É importante reconhecer também potenciais adversidades que podem ocorrer com esse diagnóstico antecipado, tais como aumento do risco de suicídio, problemas com empregadores e diminuição precipitada da qualidade de vida de portadores de DA na fase pré-clínica - visto que ainda não existem intervenções eficientes que possam garantir a não progressão da doença para sua fase demencial.

É inegável a importância da DA entre as doenças que afetam os idosos, em especial devido à sua prevalência, favorecida pela rápida transição demográfica, fato observado mundialmente e, especialmente, no Brasil. A demência compromete o bem-estar, a qualidade de vida e a morbimortalidade de idosos e, por isso, todo o empenho deve ser desenvolvido em pesquisar, conhecer e melhor entender como ocorre, para que se possa aumentar a qualidade de vida, especialmente das pessoas da terceira idade.

 

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